Deserção quanto ao momento consumativo

Resumo: Abordar-se-á a classificação da deserção quanto ao momento consumativo, questão que influencia, não só a prescrição[1], mas também a autorização da prisão do indiciado, após a configuração da materialidade do crime, independente da “ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”, conforme artigo 5º, LXI, CF; ao tempo em que serão trazidas jurisprudências e opiniões doutrinárias como sendo crime permanente, instantâneo ou instantâneo de efeitos permanentes.


Palavras-Chaves: Deserção. Desertor. Crime Instantâneo. Crime Permanente. Direito Penal Militar.


1. INTRODUÇÃO


O delito de deserção encontra-se no Capítulo II, do Título III, do Livro I, da Parte Especial do Código Penal Militar, no artigo 187, verbis: “Ausentar-se o militar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias”; comutando como pena a detenção de seis meses a dois anos, agravada se o agente for oficial. Cumpre observar que este delito também é punível em tempo de guerra.


2. CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES QUANTO AO MOMENTO CONSUMATIVO


Classificação normalmente dividida em três tipos. Em um, considera que crime permanente é aquele cujo momento consumativo se protrai no tempo segundo a vontade do sujeito ativo do delito. Nesses crimes a situação ilícita se prolonga no tempo de modo que o agente tem domínio sobre o momento consumativo do crime, v.g. o crime tipificado no artigo 149, do Código Penal comum, a redução a condição análoga à de escravo, pois enquanto durar os “trabalhos forçados ou a jornada exaustiva […]” o crime ainda estará em fase de consumação.


Em dois, crime instantâneo é aquele cuja consumação se perfaz num só momento. É o crime sobre o qual o agente não tem domínio sobre o momento da consumação, razão pela qual não pode impedir que o mesmo se realize. No crime instantâneo, atingida a consumação, chega-se a uma etapa do iter sobre o qual o sujeito ativo perde o domínio da condução do desdobramento causal. Isto porque o que caracteriza o evento consumativo é uma aptidão autônoma de aperfeiçoamento do resultado, independentemente da vontade ou intervenção humana.


E, em três, aponta como crime instantâneo de efeitos permanentes aquele cuja permanência dos efeitos não depende da vontade do agente. Na verdade, são crimes instantâneos que se caracterizam pela índole duradoura de suas consequências, como no caso do homicídio.


Sobre o assunto em comento, impossível não trazer a luz dos ensinamentos de Damásio Evangelista de Jesus, que, dando exemplos do Código Penal comum, inclui abalizados juristas (Antolisei, 1960; Maggiore, 1961; Marques, 1956; Noronha, 1980; Soler, 1978).


Crimes instantâneos são os que se completam num só momento. A consumação se dá num determinado instante, sem continuidade temporal. Ex.: homicídio, em que a morte ocorre num momento certo.


Crimes permanentes são os que causam uma situação danosa ou perigosa que se prolonga no tempo. O momento consumativo se protrai no tempo, como diz a doutrina. Ex.: seqüestro ou cárcere privado (art. 148), plágio (art. 149) etc. Nesses crimes, a situação ilícita criada pelo agente se prolonga no tempo. Assim, no seqüestro, enquanto a vítima não recupera sua liberdade de locomoção, o crime está em fase de consumação.


O crime permanente se caracteriza pela circunstância de a consumação poder cessar por vontade do agente. A situação antijurídica perdura até quando queira o sujeito, explica José Frederico Marques.


Segundo uma opinião muito difundida, o crime permanente apresenta duas fases:


1.°) fase de realização do fato descrito pela lei, de natureza comissiva;


2.°) fase de manutenção do estado danoso ou perigoso, de caráter omissivo.


Ocorre, porém, que há muitos crimes permanentes que consistem em pura omissão, pelo que se pode falar em fase inicial omissiva. Ex.: deixar de pôr em liberdade louco restabelecido. Por outro lado, a continuidade dessa situação pode dar-se através de ação, como, p.ex., com atos de vigilância no sentido de impedir o agente a fuga da vítima, de reiteração de ameaças etc.


O crime permanente pode atingir bens jurídicos materiais ou imateriais. O crime permanente se divide em:


a) crime necessariamente permanente;


b) crime eventualmente permanente.


No primeiro, a continuidade do estado danoso ou perigoso é essencial à configuração. Ex.: seqüestro.


No segundo, a persistência da situação antijurídica não é indispensável e, se ela se verifica, na dá lugar a vários crimes, mas a uma só conduta punível. Ex.: usurpação de função pública (CP, art. 328).


No crime necessariamente permanente, o prolongamento da conduta está contido na norma como elemento do crime. No eventualmente permanente, o crime, tipicamente instantâneo, prolonga a sua consumação, como no exercício abusivo da profissão.


Ao lado dos crimes instantâneos e permanentes há os instantâneos de efeitos permanentes. São os crimes em que a permanência dos efeitos não depende do agente. Ex.: homicídio, furto, bigamia etc. São crimes instantâneos que se caracterizam pela índole duradoura de suas conseqüências.


É preciso distinguir o delito necessariamente permanente do eventualmente permanente e daquele que é permanente só em seus efeitos (instantâneo de efeitos permanentes).


Assim, temos crimes:


1º) instantâneos;


2º) necessariamente permanentes;


3º) eventualmente permanentes;


4º) instantâneos de efeitos permanentes.


Pode-se falar em delito necessariamente permanente quando a conduta delitiva permite, em face de suas características, que ela se prolongue voluntariamente no tempo, de forma que lesa o interesse jurídico em cada um dos seus momentos. Daí dizer-se que há essa espécie de crime quando todos os seus momentos podem ser imputados ao sujeito como consumação. No seqüestro, qualquer fragmento da atividade do sujeito, posterior ao momento inicial, constitui crime sob o mesmo nomen juris. Nesse crime, qualquer momento posterior ao ato inicial pode ser designado pela forma equivalente ao particípio presente do verbo da figura típica (estar seqüestrando). No eventualmente permanente, o momento consumativo ocorre em dado instante, mas a situação criada pelo agente continua. No instantâneo de efeito permanente, o crime se consuma em dado instante e os efeitos perduram (ex.:homicídio).


A distinção entre crimes instantâneos e permanentes tem relevância no terreno da prescrição (CP, art. 111, III); da competência territorial (CPP, art. 71) e do flagrante (estatuto processual penal, art. 303). Também apresenta interesse em casos de sucessão de leis, de legítima defesa e de concurso de agentes” (JESUS, 1995, p. 170, 171 e 172).


3. CLASSIFICAÇÃO DA DESERÇÃO NA HISTÓRIA JURÍDICA PÁTRIA


Caracteriza a deserção como crime continuado, que entendemos, com naturalidade, ser o crime permanente, Augier et Le Poittevin (1906, p. 452), quando, citado pelo Dr. Chrysolito, traz um julgado, de 27 de janeiro de 1898, da “Côrte de Cassação Franceza”; quando este também emite sua opinião:


“A deserção é um crime continuado e não instantâneo, cujos elementos formadores e consumativos continuam sucessiva e ininterruptamente a existir, uma vez passado o prazo de graça, quando existente. O facto do militar se ausentar mesmo com o animo de desertar, não constitui deserção senão após expirado o prazo, mas, uma vez expirado esse prazo, a infração continúa, n’uma serie de momentos sucessivos e consumativos. “(GUSMÃO, 1915, p. 97,98)


“Pela nossa legislação o crime de deserção é um crime continuado, cuja prescrição […] o delicto de deserção não é um delicto sucessivo; que seus dous elementos constitutivos são o abandono da bandeira pelo militar e a ausência prolongada até a expiração do prazo de graça determinado pela lei; que o delicto existe pela reunião d’esses dous elementos; que não é preciso, aliás, confundir o delicto de deserção com o estado de deserção, o qual póde se continuar durante um tempo mais ou menos longo, mas não poderia exercer nenhuma influencia sobre a data originaria do delicto e sobre seus caracteres legaes” (GUSMÃO, 1915, p. 98).


Esmeraldino Bandeira sobre a variação da classificação do crime de deserção, com muita propriedade coloca:


Em seu conceito doutrinário e em sua configuração legal, a deserção ora se apresenta como um delicto instantâneo, ora como um delicto continuado.


Conforme se tiver em vista um ou outro d’esses dois aspectos, variará a respectiva definição.


Sob o primeiro aspecto, a deserção é a falta de comparecimento do militar ao lugar e ao tempo em que ahi se devia achar por disposição de lei ou por determinação da autoridade competente.


E sob o segundo, é a ausência voluntaria, prolongada e illegal por parte do militar, do corpo a que pertence” (BANDEIRA, 1919, p. 101,102).


Em contrario ao ensinamento de Von Liszt – de que é asserção de todo errônea a de ser a deserção crime continuo, argumenta José Hygino, com o art. 76 do predito Codigo, affirmando que é crime continuo a deserção porque a prescrição da acção começa a correr do dia em que, sem a deserção, terminaria o tempo de serviço imposto por lei ou pelo qual o desertor se engajára.


Do ensinamento de Von Liszt, aliás, firmado numa decisão do Tribunal do Imperio, e da argumentação de José Hygino, se conclue que no Direito allemão como no Direito brazileiro póde ser a deserção – crime instantâneo e crime continuo ou continuado”. (BANDEIRA, 1919, p. 102, 103).


Autores antigos, vistos acima, como Chrysolito de Gusmão, em 1915, e, Esmeraldino O. T. Bandeira, em 1919, opinando sobre o momento consumativo da deserção, falam em crime continuado, instituto previsto primeiramente em 1923, no Decreto nº 4.780, conforme assevera Jacinto N. M. Coutinho (2001, p. 198), mas reparamos que o conceito do crime continuado de outrora, que na verdade se referia ao conceito do crime permanente de hoje, diverge do conceito atual de crime continuado, pois esta modalidade se dá quando um ou mais agentes praticam, com mais de uma conduta, dois ou mais crimes da mesma espécie, mediante ação ou omissão, sendo que os crimes foram executados sob as mesmas condições de tempo, espaço e circunstâncias, que por política criminal, v.g. a aplicação da pena, foram classificados esses crimes na continuidade delitiva.


Já Célio Lobão[2], sintetizando, expõe o assunto: “Crime de mera conduta e permanente, ensejando, por este último motivo, a prisão do desertor em flagrante”. Raul Machado (ASSIS, 2004, p. 342) comentando sobre a prescrição da ação do crime de deserção, traz a classificação da deserção como crime permanente: “Sendo a deserção um delito permanente, visto que persiste enquanto a ausência se verifica, a prescrição da ação não deveria correr senão da data em que a permanência cessasse, isto é, da data da captura ou da apresentação do desertor”.


Quanto à natureza do crime de deserção, os autores se alternam, ora entendendo ser crime formal, ora de mera conduta. Alguns entendem ser formal e de mera conduta ao mesmo tempo, e há quem diga ser crime “formal, instantâneo e de mera conduta”.


Não há dúvida, entretanto, tratar-se de um crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo.


Tenho por mim, atualmente, que esta é a melhor classificação: É permanente porque a consumação se prolonga no tempo e somente cessa quando o desertor se apresenta ou é capturado. E é de mera conduta (ou simples atividade) porque se configura com a ausência pura e simples do militar, além do prazo estabelecido em lei, sem necessidade que da sua ausência decorra qualquer resultado naturalístico. A lei contenta-se com a simples ação (deserção) ou omissão (insubmissão) do agente.


Eventual classificação da deserção como delito instantâneo é absurda, visto que o crime instantâneo, conforme leciona Júlio Fabbrine Mirabete, ‘é aquele que, uma vez consumado, está encerrado, a consumação não se prolonga. Isso não quer dizer que a ação seja rápida, mas que a consumação ocorre em determinado momento e não mais prossegue’ (ASSIS, 2004, p.342, 343).


As doutas Maria Elizabeth e Zilah Maria muito bem colocam sua posição a respeito do tema:


As características próprias do crime de deserção o apresentam como crime de mera conduta, formal e instantâneo, opondo-se ao crime permanente uma vez que, neste, a consumação se protrai no tempo.


Alguns autores afirmam ser a deserção um crime de mera conduta e permanente, vinculando, equivocadamente, data vênia, este último elemento à possibilidade legal de prisão do desertor em qualquer tempo, em flagrante. Se considerarmos, contudo, que a consumação do crime permanente se prolonga no tempo a partir do momento em que seus elementos do tipo se reúnem, mantendo o bem jurídico todo o tempo submetido à ofensa (por exemplo: o seqüestro), é possível concluir, com diversos outros estudiosos do Direito, que o crime de deserção é crime instantâneo, consumado tão logo realizados os elementos do tipo, trazendo, inclusive, a imediata exclusão ou afastamento do desertor do Serviço Militar ativo, mantendo, como efeito penal permanente, apenas a submissão do agente à prisão” (ROCHA; PETERSEN, 2008, p.160).


Referindo-se ao inciso LXI, do artigo 5º da Constituição Federal, cerne de nossa questão, os Doutores Cláudio Amin e Nelson Coldibelli ponderam:


Importante salientar que, apesar de o artigo dispor sobre a prisão do “desertor”, esta se justifica pelo dispositivo constitucional, previsto no inciso LXI do artigo 5º, que permite a custódia, independente de autorização judicial, nos crimes propriamente militares, ou seja, que só podem ser cometidos por militares. Acrescente-se, ainda, o disposto no artigo 452 do CPPM. Entretanto, não se admite a prisão do “desertor” em seu domicílio, sem o competente mandado de busca domiciliar, pois entendemos, assim como o Superior Tribunal Militar, que se trata de delito instantâneo, e não de crime permanente.


Dessa forma, se a autoridade militar constatar que o ‘desertor’ se encontra em sua residência, deverá representar à autoridade judiciária, visando a obter mandado de busca domiciliar” (MIGUEL; COLDIBELLI, 2008, p.156).


J. Salgado[3] transcreve na íntegra a opinião de Bandeira, citada acima, provavelmente se filiando a este entendimento; sendo que Ramagem Badaró (1972, p. 51, 52) também parece comungar com esta idéia. Além dos diversos doutrinadores citados, Doutor Porto, Mário[4], enriquecendo-nos a pesquisa, acrescenta o entendimento de alguns autores que consideram o delito de deserção como sendo um crime permanente (NEVES; STREIFINGER, 2007, p. 266; PÉRICLES, 1935, p. 171; REICHARDT, 1930, p. 135).


Em boa análise, José Frederico Marques (1956, p. 281 apud JESUS, 1995, p. 171), diz que a distinção entre o crime permanente e o instantâneo de efeitos permanentes é toda infecunda e inútil. Enfim, as partes e os tribunais podem se valer de ampla e farta doutrina e precedentes em qualquer sentido a respeito do momento consumativo da deserção.


4. JURISPRUDÊNCIAS


Trazendo à baila os dizeres de vários juristas, chegamos a conclusão que a questão não jaz pacificada. De igual modo, trouxemos jurisprudências divergentes, em número de três para cada tipo. A própria lei não explicita, nem mesmo orienta implicitamente neste sentido, aliás podemos ir mais além quando observamos a lacuna legislativa a respeito da definição de crime propriamente militar. E, neste in albis esbarramos na parte final do inciso LXI, artigo 5º, da Carta Republicana: “salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei”, grifamos. Também são nossos os grifos abaixo.


4.1. Deserção como Crime Instantâneo de Efeitos Permanentes


“Acórdão Num: 1999.01.001640-0 – UF: RJ – Decisão: 26/10/1999 – Proc.: Correição Parcial. EMENTA: Prisão provisória de desertor. Relaxamento antecipado. Error in procedendo havido no 1º grau. Prazo legal para julgamento com réu preso que se verifica, in casu, como transcorrido. Inércia do Estado. Apontamento ministerial de ato tumultuário ocasionado com decisão a quo concessiva de liberdade, antes de concluso o prazo prisional de que trata o Art. 453 do CPPM, a elemento incurso no Art. 187 do CPM. A deserção, além de ser ilícito propriamente militar, se caracteriza, ademais, como crime instantâneo de efeito permanente, submetendo-se o declarado desertor, in continenti, à prisão em flagrante delito, restando legalmente fixado em sessenta (60) dias o lapso temporal em que deverá aguardar preso o respectivo julgamento. Inteligência cristalina dos artigos 243, 452 e 343 do CPPM, consoante o previsto in fine do inciso LXI do Artigo 5º da CF. a liberdade decretada antecipadamente pelo Juízo da 1ª Auditoria, da 1ª CJM, desconsiderou, inclusive, a súmula nº 10 do Superior Tribunal Militar. Assiste concreta razão ao inconformismo demonstrado, in casu, pelo Parquet Militar. Todavia, observa-se como já decorrido, por inércia do Estado, o período no qual caberia de se ver julgado o desertor enquanto no cumprimento de sua prisão provisória para tanto, motivo esse que se converte na própria impossibilidade do Estado julgá-lo, agora, na condição de aprisionado. Consequentemente revela-se a vertente quaestio com perda de objeto, indeferindo-se, por conta disso, a pretensão correicional in tela. Decisão por unanimidade. Ministro Relator: Carlos Eduardo Cezar de Andrade


“Acórdão Num: 1998.01.000282-3 – UF: RJ – Decisão: 02/04/1998 – Proc.: Conflito de Competência. EMENTA: Conflito negativo de competência. 1. Crime de Deserção. Processos diversos. Conexão Probatória. Inexistência. Verifica-se a conexão probatória “quando a prova de uma infração ou qualquer de suas circunstâncias elementares influir na prova de outra infração”. Entretanto, tal não ocorre quando se trata de deserções consumadas, pelo mesmo agente, em épocas diferentes, uma vez que a deserção é um crime formal (que independe de resultado, consumando-se com a ausência injustificada do militar à sua unidade por prazo superior a oito dias), de mera conduta (a lei só descreve o comportamento do agente) e instantâneo de efeitos permanentes (a permanência dos efeitos do crime não dependem do agente). 2 – Deserção. Crime autônomo. Assim, desertando o militar, uma vez responde por este delito. Se, por acaso, depois de sua apresentação voluntária o de sua captura, livrar-se solto por força do artigo 453 do CPPM ou por ter sua prisão relaxada e, nesta condição, vier novamente a desertar, responderá a outro processo de deserção, com julgamentos distintos, sem que haja influência de um processo em relação ao outro, haja vista que, nesta hipótese, houve autonomia de desígnios. Conhecido do conflito negativo de competência. Decisão unânime. Ministro Relator: Sérgio Xavier Ferolla”


“Acórdão Num: 1999.01.006612-3 – UF: SP – Decisão: 19/10/1999 – Proc.: Recurso Criminal. EMENTA: Militar processado por crime de furto qualificado. Réu solto. Superveniência do crime de deserção. Decretação de prisão preventiva. Desnecessidade. Prisão que poderá ser efetuada nos termos do artigo 243 do Código de Processo Penal Militar. 1. A Superveniência da consumação do crime de deserção por parte do réu que já responde a processo pela prática de outro delito, não é o bastante para ensejar a decretação de sua prisão preventiva. 2. Como é sabido, pela sistemática do Direito Positivo Brasileiro, a prisão preventiva é medida de exceção, só cabível em situações especiais. Sua decretação não é de caráter obrigatório. Depende do caso concreto, desde que fundadas em razões sérias e objetivas. Não é o caso dos autos. 3. Por força do artigo 243, do CPPM, o réu referido nos autos já está sujeito a prisão, por ser o crime de deserção considerado instantâneo e de efeitos permanentes. Assim, sendo, sua prisão independe de mandado. É como se em flagrante delito estivesse. Negado provimento ao recurso do MPM, para manter a decisão hostilizada. Decisão unânime. Ministro Relator: Sérgio Xavier Ferolla”


4.2. Deserção como Crime Permanente


HC 91873 / RS – Rio Grande do Sul – Habeas Corpus – Julgamento:  30/10/2007
Relator(a):  Min. Ricardo Lewandowski – Órgão Julgador:  Primeira Turma


EMENTA: Penal Militar. Processual Penal Militar. Apelação. Prescrição. Arts. 125,129 132 e 187, todos do Código Penal Militar. Artigos 451 e seguintes do Código de Processo Penal Militar. Deserção. Crime Permanente. Ordem denegada. I – O crime de deserção é crime permanente. II – A permanência cessa com a apresentação voluntária ou a captura do agente. III – Capturado o agente após completos seus vinte e um anos, não há falar na aplicação da redução do art. 129 do Código Penal Militar. IV – Ordem denegada. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Não participou, justificadamente, deste julgamento o Ministro Menezes Direito. Falou pelo paciente o Dr. Antonio de Maia e Pádua, Defensor Público da União. 1ª. Turma, 30.10.2007.”


HC 90105 / AM – Amazonas – Habeas Corpus – Julgamento:  18/12/2006.
EMENTA: Habeas Corpus. Processual Penal Militar. Crime de deserção. Inaplicabilidade da Lei n
º 9.099/95 à espécie pela proibição da Lei nº 9.839/99, vigente no momento da captura do paciente. Procedentes. Ordem denegada. 1. Não há nulidade da ação penal em decorrência do não-oferecimento da proposta de suspenso condicional do processo, prevista na Lei n. 9.099/95, uma vez que, por ter o crime de deserção natureza permanente, aplica-se ao caso a norma em vigor ao tempo da captura do Paciente (9.3.2006), a dizer, a Lei n. 9.839/99, que inseriu o art. 90-A na Lei n. 9.099/95, que afasta expressamente a aplicação dos preceitos dos Juizados Especiais no âmbito da Justiça Militar. 2. Habeas Corpus denegado. Decisão: A Turma indeferiu o pedido de habeas corpus. Unânime. Ausente, justificadamente, o Ministro Marco Aurélio. 1ª. Turma, 18.12.2006. Relator (a):  Min. Carmen Lúcia – Órgão Julgador:  Primeira Turma”


“HC 82075 / RS – Rio Grande do Sul – Habeas Corpus – Julgamento: 10/09/2002. EMENTA: Penal. Processual Penal. Habeas Corpus. Militar. Deserção. Extinção da punibilidade pela prescrição: inocorrência. I. – Delito militar de deserção: crime permanente. Precedente: HC 80.540-AM, Ministro S. Pertence, 1ª T, 28.11.2000, “DJ” de 02.02.2001. II. – A norma geral do art. 125 do CPM é aplicável ao militar desertor que se apresenta ou é capturado, contando-se daí o prazo prescricional. Precedente: HC 79.432-PR, Ministro N. Jobim, 2ª T, 14.11.99, “DJ” de 15.10.99. III. – Inocorrência da prescrição, no caso, porque não decorridos 4 (quatro) anos da data da captura do paciente. IV – H.C. Indeferido. Relator(a):  Min. Carlos Velloso – Órgão Julgador:  Segunda Turma.”


4. 3. Deserção como Crime Instantâneo


Acórdão Num: 1998.01.000285-8 – UF: RJ – Decisão: 15/09/1998 – Proc.: Conflito de Competência. EMENTA: Conflito de competência; Deserção, crime militar próprio, autônomo, de mera conduta e instantâneo; sujeição de tal delito a rito processual especial; impropriedade da conexão ou continência, em face de deserções sucessivas, ainda mais quando marcantemente distanciadas no tempo, diante desse particular perfil do delito de que se cogita; conflito conhecido e indeferido; decisão unânime. Ministro Relator: José Enaldo Rodrigues de Siqueira.”


Acórdão Num: 1995.01.047618-2 – UF: BA – Decisão: 19/12/1995 – Proc.: Apelação. EMENTA: Deserção. Crime formal e instantâneo, perfeitamente caracterizado. Tese Defensoria incapaz de ilidir a acusação. Apelo não provido. Decisão unânime. Ministro Relator: Edson Alves Mey. Ministro Revisor: Aldo da Silva Fagundes.”


Acórdão Num: 1989.01.045604-1 – UF: DF – Decisão: 06/06/1989 – Proc.: Apelação.  EMENTA: Deserção. Preliminares de nulidades negadas. A deficiência da defesa patrocinada por curador, no caso examinado inexistiu, uma vez que a peça da Defensoria apresentada foi razoavelmente bem feita, diante da ausência de provas documentais ou testemunhas. A existência dos CJU de forma alguma atenta contra a Constituição da República, uma vez que o Decreto-lei nº 1.003/69 (Lei de Organização Judiciária Militar) não foi derrogado. No mérito, os argumentos, da defesa não foram capazes de ilidir a acusação de cometimento do crime de deserção, crime formal e instantâneo. Pena-base acima do mínimo legal e sem justificativa. Apelo provido parcialmente. Sentença reformada. Decisão unânime. Ministro Relator: Everaldo de Oliveira Reis. Ministro Revisor: Ruy de Lima Pessoa.”


5. CONCLUSÃO


A deserção se encontra na classificação doutrinária dos crimes propriamente militares porque somente o ocupante de cargo militar poderá ser sujeito ativo deste crime, infração específica e funcional dos deveres do militar. E, crime militar por combinar a definição do inciso I, 2ª parte, do artigo 9º do Código Penal Militar com o contido no artigo 187 e seguintes, também do Código Penal Militar, além dos artigos referentes ao delito de deserção estabelecidos para o tempo de guerra, sendo observado o disposto no CPM, artigo 10, inciso II, vez que crime militar também previsto para o tempo de paz.


Somente quando o legislador atentar para este descaso legal da definição do que é considerado crime propriamente militar em consonância com o disposto no inciso LXI, do artigo 5º, da Constituição da República, aí sim estaremos em harmonia para que o Termo de Deserção, ato administrativo lavrado por autoridade administrativa militar seja efetivamente documento hábil para a prisão do desertor, amparado pelo artigo 451, do CPPM[5], no caso deste não estar em flagrante (principalmente quanto ao entendimento que deserção não é crime permanente), enquanto isto… Vige a ilegalidade!


Considerando que não existe definição legal para que a deserção seja considerada um crime propriamente militar, e, se considerarmos que este crime é instantâneo ou instantâneo de efeito permanente, então qualquer do povo não poderá prender o suposto desertor, porque este não estará em estado de flagrância[6], a não ser no primeiro momento da execução do delito, da constatação da ausência do militar.


De maneira outra, considerando-se que é um crime permanente, então, qualquer pessoa poderá prendê-lo pelo flagrante. Neste caso, a casa em que se encontra o desertor, deixa de ser inviolável para que se efetue a prisão, independente de determinação judicial. O fato de se poder entrar ou não na casa, sem consentimento do morador e sem mandado judicial, a par do flagrante, esbarra na questão da classificação da deserção quanto ao momento consumativo. Questão teórica que ocorrendo na prática deixa dúvidas quanto aos direitos do desertor.


Não nos filiaremos a nenhuma corrente sobre a classificação do delito de deserção quanto ao momento consumativo, haja vista, ao longo dos tempos, tantos doutrinadores de elite já terem se manifestado, entretanto, razoável solução seria, após averiguar o maior número de cada espécie de decisão dos tribunais ou o que for melhor em termos de política criminal, editar uma Súmula, quiçá Vinculante, com dizeres próximos a: “Para todos os efeitos o delito de deserção é considerado crime permanente.” Ou: “Para todos os efeitos o delito de deserção é considerado crime instantâneo.” Simples assim…


 


Referências:

ASSIS, Jorge César de. Comentários ao Código Penal Militar. Curitiba: Juruá Editora, 2004.

BADARÓ, Ramagem. Comentários ao Código Penal Militar de 1969: parte especial, 2º v. São Paulo: Editora Juriscrédi, 1972.

BANDEIRA, Esmeraldino O. T. Direito, Justiça e Processo Militar. 2ª ed. Rio de Janeiro: Editora Livraria Francisco Alves, 1919.

COUTINHO, J. N. M. Crime Continuado e Unidade Processual. In: Sérgio Salomão Shecaira. (Org.). Estudos Criminais em Homenagem a Evandro Lins e Silva (criminalista do século). São Paulo: Método, 2001.

GUSMÃO, Chrysolito de. Direito Penal Militar, com anexos referentes à legislação penal militar brasileira. Rio de Janeiro: Editor Jacintho Ribeiro dos Santos, 1915.

JESUS, Damásio E. de, Direito Penal: parte geral, 1º vol. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.

LOBÃO, Célio, Direito Penal Militar, 3ª ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2006.

MARTINS, J. Salgado. Código Penal Militar da República dos Estados Unidos do Brasil: atualisado de acôrdo com a legislação. Porto Alegre: Thurmann, 1942, p. 150.

MIGUEL, Cláudio Amin e COLDIBELLI, Nelson, Elementos de Direito Processual Penal Militar, 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Iures, 2008.

PORTO, Mario André da Silva. Direito Penal Militar. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008.

ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães Teixeira; PETERSEN, Zilah Maria Callado Fadul, Coordenadores. Bicentenário da Justiça Militar no Brasil, Coletânea de Estudos Jurídicos. Artigo: A Prescrição do Crime de Deserção. Brasília: Poder Judiciário, Superior Tribunal Militar, 2008.


Notas:

[1] O prazo prescricional obedece ao art. 132, CPPM, ausente o indiciado.

[2] LOBÃO, Célio, Direito Penal Militar, 3ª ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 2006, p. 298.

[3] MARTINS, J. Salgado. Código Penal Militar da República dos Estados Unidos do Brasil: atualisado de acôrdo com a legislação. Porto Alegre: Thurmann, 1942, p. 150.

[4] PORTO, Mario André da Silva. Direito Penal Militar. Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2008, p.214 e 215.

[5] CPPM, artigo 451: Consumado o crime de deserção, nos casos previstos na lei penal militar, o comandante da unidade, ou autoridade correspondente, ou ainda autoridade superior, fará lavrar o respectivo termo imediatamente, que poderá ser impresso ou datilografado, sendo por ele mesmo assinado e por duas testemunhas idôneas, além do militar incumbido da lavratura.

[6] CF, artigo 5º, inciso LXI: ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei.

Informações Sobre o Autor

Giovanni Duarte D’Andrea

Secretário de Ofício da Procuradoria da Justiça Militar. Advogado. Pós-Graduado em Direito Administrativo. Pós-Graduando em Direito Militar


Equipe Âmbito Jurídico

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