A ilusória abastança dos recursos hídricos no Brasil tem dado guarida ao desperdício da água, com uma poluição desordenada, provocada também pela não realização de investimentos necessários para despoluição de mananciais e uma consciência política e educacional do conceito da água que, ainda, infelizmente, é considerada um bem livre, abundante e sem valor econômico.
No que toca ao desperdício da água tratada brasileira, os resultados são ultrajantes. Mais de 50% da água tratada é desperdiçada em capitais como Porto Velho, Macapá, Teresina, São Luis, Maceió, Manaus e Rio de Janeiro.
Ademais, localiza-se no Brasil o bairro recordista mundial em desperdício de água por habitante. Trata-se do Setor Lago Sul, região nobre de Brasília, Distrito Federal. De acordo com a Agência Brasil, o gasto médio de água por pessoa no bairro chega a 1.000 litros por dia, enquanto em muitos países africanos a média diária é de menos de 1 litro.
O desperdício tem sua principal raiz na irrigação. De acordo com Manuel Alves Filho (Tese foca uso racional da água na agricultura. Jornal da Unicamp. São Paulo: 17 a 31 de dezembro de 2007, p. 4) a agricultura tem grande peso no consumo de água: “A agricultura irrigada tem sido apontada como uma das grandes vilãs do desperdício de água no Brasil. O manejo inadequado por parte de agricultores tem levado ao consumo exagerado desse recurso natural. Não por outra razão, alguns estados, entre eles São Paulo, criaram nos últimos anos legislações impondo a cobrança pelo uso da água na irrigação, bem como em outras atividades produtivas, como forma de combater abusos”.
O aumento das áreas irrigadas tem aumentado a ocorrência de animosidades em diversas partes do Brasil e já é notório o crescimento de conflitos entre os vários usuários da água, bem como aos relativos a aspectos institucionais, envolvendo a dominialidade dos corpos de água e sua influência na implementação dos instrumentos de gerenciamento dos recursos hídricos.
Há uma década já eram registradas mortes causadas pela disputa hídrica em Birigui/SP, no Vale do Rio Verde Grande/MG, na bacia do Rio Salitre/MG, etc. No ano de 2001, a estiagem baixou o nível do reservatório de Sobradinho, na Bacia do São Francisco, gerando uma disputa entre agricultores e o setor elétrico. A ANA teve que atuar como mediadora na quizila (BEI Comunicação. 2004, p. 142). Aliás, os casos mais notórios podem ser observados na bacia do São Francisco, em que as projeções de demanda de água para atender à irrigação, à navegação, à transposição, ao provimento humano e de animais e à manutenção da geração das atuais usinas hidrelétricas têm provocado conflitos de toda ordem, inclusive política, como se observa com relação à questão da transposição.
Como se vê dos exemplos lançados, o desperdício detectado em todo o território brasileiro começa a caminhar de mãos dadas com as disputas deflagradas em regiões onde as conseqüências daquele revelam um temor pelo fim dos mananciais.
Diante tal conjuntura, as providências devem ser tomadas, de preferência, de forma regionalizada, ou seja, via Unidades Federativas, com o apoio de seus respectivos Comitês de Bacia Hidrográfica.
No caso do Rio São Francisco, nos últimos tempos, várias providências têm sido consolidadas. Entre elas, a “cobrança pelo uso da água”. Este instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos tem por escopo primordial a mitigação da poluição e a geração de receita para a gestão hídrica local, tornando-se assim, uma forte aliada no combate ao desperdício e consequentes disputas pelo uso da água.
Advogada, assessora do Tribunal de Contas do Estado de Goiás – TCE, professora do curso de Direito da Universidade Católica de Goiás – UCG, especialista em Direito Civil e Processo Civil e mestranda em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento
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