Desvinculação de receitas da União e escassez: a desafetação de recursos direcionados aos direitos sociais

Resumo. Este artigo trata da efetividade dos direitos sociais frente à escassez de recursos dos cofres públicos. Mais especificamente, aborda a reserva do possível bem como a Desvinculação das Receitas da União como óbices para a implementação dos direitos sociais.


Palavras-chave: Direitos sociais, escassez de recursos, mínimo existencial, Desvinculação das Receitas da União.


Sumário: 1.Notas introdutórias. 2. Posição dos direitos sociais e o mínimo existencial. 3. Notas sobre a reserva do possível e a escassez de recursos. 4. As desvinculações das receitas da União – DRU. 5. Vinculações Constitucionais e a DRU. 6. Considerações finais. Referências


1 Notas introdutórias


O corpo social clama pela efetivação dos direitos sociais, cabendo aos juristas analisar como seria possível transformar os dispositivos constitucionais em realidade fática e cotidiana, mediante a participação do Poder Judiciário, e, principalmente, tendo em vista a escassez de recursos.


Os direitos sociais – direitos humanos de segunda dimensão – são conhecidos pelas normas programáticas que os definem, que retirariam deles a aplicação imediata preconizada constitucionalmente (artigo 5º, §1º, da CR/88).


A dúvida cinge-se em saber em que medida será cabível a participação do Poder Judiciário na implementação de políticas públicas, de modo a zelar pelo princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo, promover a efetivação dos direitos sociais através de decisões judiciais.


Na busca de um fundamento plausível para a defesa da judicialização das políticas públicas, e a forma com que esta seria implementada, diversas teorias favoráveis já foram apresentadas, bem como argumentos contrários.


Sobre o tema, mencione-se que ele nos remete à questão orçamentária no sentido de verificar em que medida os cofres públicos estão disponíveis para custear os direitos sociais. Assim, a Constituição da República determinou um sistema de federalismo participativo, com a repartição da receita entre a União, os Estados-membros, e os Municípios, bem como indicou destino a algumas delas para atender a finalidades específicas.


Nessa linha de raciocínio, já foi defendida a existência do princípio da afetação para as contribuições sociais, que vincula o sujeito ativo da obrigação tributária a empregar a arrecadação nos fins que motivaram a sua criação. É a partir do princípio da não-afetação dos impostos, disposto no artigo 167, IV, da CR/88, que se alcançou a afetação a órgão, despesa ou fundo, das outras espécies tributárias como a taxa, contribuições sociais, entre outras.[1]


As contribuições sociais foram instituídas para financiar a seguridade social, que compreende: o direito à saúde, à assistência social e à previdência social. Logo, pela lógica constitucional, os recursos oriundos dessas contribuições terão como destino o gasto esses direitos.


Além de observar a efetividade dos direitos sociais, através do estudo da dinâmica compreendida no pagamento de tributos por parte dos contribuintes, e o uso desses recursos no custeio dos direitos sociais, este trabalho pretende analisar a Desvinculação das Receitas da União – DRU, questionando a constitucionalidade desta medida que está sendo implementada reiteradamente no Brasil, considerando que ela prejudica a efetivação dos direitos sociais.


2 Posição dos direitos sociais e o mínimo existencial


É através da teoria do status que Ricardo Lobo Torres[2] pretende encontrar a definição de mínimo existencial, dividindo a sua morada em dois aspectos ligados à liberdade, o positivo e o negativo. Desse modo, é no status negativus libertatis que reside a imunidade tributária, pois a esta o valor liberdade se encontra intrinsecamente relacionado.


Significa dizer que tudo que envolver o exercício da liberdade haverá imunidade, e que o Estado está impedido de exercer seu poder tributário (como exemplo cita as imunidades do imposto de renda para pessoas de baixa renda, bem como a gratuidade de ações como hábeas corpus, ação popular e hábeas data, entre outros).


Por outro lado, o status positivus libertatis se revela na prestação de serviços públicos específicos e divisíveis direcionados à manutenção da liberdade da pessoa através da atividade da polícia, das forças armadas, da diplomacia, entre outros. Menciona, ainda, que o mínimo existencial requer prestações positivas de índole assistencial, que só deve ser concedidas quando a própria sobrevivência estiver comprometida.


Tal linha de pensamento, que envolve o status positivus libertatis e o status negativus libertatis, interpreta a proteção estatal do mínimo existencial, como uma forma de propiciar as condições de liberdade e a personalidade do cidadão, de modo algum se referindo a qualquer concepção de justiça, pois se está dentro do âmbito da obrigatoriedade do Estado de agir[3].


O status positivus socialis, por sua vez, não está vinculado ao mínimo existencial e consiste nas prestações estatais referentes à guarda dos direitos econômicos e sociais. Sendo assim, as políticas públicas que implementam estes direitos, sujeitam-se ao principio da reserva do possível e à situação econômica e conjuntural, razão pela qual não possuem dimensão originariamente constitucional, necessitando de legislação concessiva.


A teoria do status retira a fundamentalidade dos direitos sociais[4], mostrando que a proteção deles não é obrigatória, uma vez que derivam da idéia de justiça, não constituindo direito público subjetivo do cidadão. Lobo critica os que defendem que os direitos sociais constituem garantias fundamentais, alegando que eles não apresentam respostas para a necessidade de lei concessiva, e o problema da eficácia, uma vez que de dependem do erário público.


Contrariando esta linha de raciocínio de Ricardo Lobo Torres, Scaff[5] apresenta a idéia de que em países periféricos como o Brasil, o status positivus socialis aproxima-se do mínimo existencial, em virtude da imensa desigualdade sócio-econômica.


Tal idéia se aprimora com a análise da dicotomia liberdade jurídica e liberdade fática, em que aquela só adquire sentido no momento em que as condições de exercício desta são ofertadas pelo Estado. Desse modo, os direitos fundamentais sociais possuem como função precípua assegurar o exercício da liberdade fática, pois esta só poderá ser usufruída por quem possuir capacidade para tanto. Significa dizer que a promoção dos direitos fundamentais sociais proporciona o exercício das liberdades fáticas, em sociedades desiguais como a nossa[6]


O mínimo existencial, portanto, não tem uma delimitação coesa, nem dicção constitucional própria[7], seu conceito é variante, diversificando-se em diferentes situações. No entanto, é possível afirmar que o mínimo existencial se traduz no conjunto de capacidades que ensejam o exercício de liberdades políticas, civis, econômicas e culturais[8]. Pois, apresenta como fundamento as condições iniciais de exercício da liberdade, fundadas na noção de direitos humanos.


Sobre o assunto Ricardo Lobo Torres aduz que: “Carece o mínimo existencial de conteúdo específico. Abrange qualquer direito, ainda que originalmente não-fundamental (direito à saúde, à alimentação, etc.), considerado em sua dimensão essencial e inalienável. Não é mensurável, por envolver mais os aspectos de qualidade  que de quantidade, o que torna difícil estremá-lo em sua região periférica, do máximo de utilidade (maximum welfare, Nutzenmaximierung), que é princípio ligado à idéia de justiça e de redistribuição da riqueza social.[9]


Ressalte-se que a Constituição não determina o que seja o mínimo existencial de forma explícita, deixando apenas margem para depreender que ele está imbutido nos seus princípios. Assim, o princípio da igualdade disposto no artigo 5º, caput, da CR/88, pretende fulminar com o desequilíbrio sócio-econômico, através da busca de um dos objetivos da República, qual seja erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais. Trata-se de uma proteção contra a pobreza absoluta, em defesa do mínimo existencial[10].


3 Notas sobre a reserva do possível e a escassez de recursos


A reserva do possível impõe limitações orçamentárias nos gastos com os direitos sociais, constituindo a maior justificativa para o Administrador Público eximir-se de fazer políticas públicas de proteção a estes direitos.


É verdade que os recursos são escassos, e que aos Poderes Executivo e Legislativo é que cabe a gestão financeira e orçamentária, no entanto é necessário impor limitações a reserva do possível para que não sirva apenas como um álibi para o gerenciador da coisa pública em sua resposta processual quando demandado judicialmente.


Com relação a gestão financeira e orçamentária dos fundos públicos, há que se abordar o  exame da legitimidade para efetivar as políticas públicas de proteção aos direitos sociais, pois estas dizem respeito ao gasto dos fundos públicos, o que em linha de princípio não cabe ao Judiciário. Em termos gerais, se alega que a este Poder não foi delegado pela sociedade quaisquer poderes para gerir a coisa pública, uma vez que seus membros não foram eleitos. No que tange a esta observação, Jean Carlos Dias emite um juízo critico. Em suas palavras:


 “Nos modernos sistemas eleitorais, a relação entre o eleitor e seu candidato tem pouca ou nenhuma importância na formulação de políticas. Está plenamente reconhecido que as políticas decorrem diretamente da organização de grupos capazes de cooptar os meios de comunicação e mobilizar grupos de influência que têm pouca ou nenhuma relação com o efetivo sistema de identificação de demandas sociais”[11]


O que pretende mostrar é que o modelo de democracia representativa muitas vezes é deturpado pelo cotidiano dos congressistas e do Executivo. E que a defesa deste protótipo não deve ser cega, nunca deverá ser argüida em detrimento da proteção dos direitos sociais. A representatividade[12] não deve ser uma ficção, razão pela qual o Judiciário, tem legitimidade constitucionalmente outorgada para agir em defesa daqueles direitos, conforme se depreende de seu artigo 5º, XXXV.


Enquanto alegação de defesa por parte do Estado, o referido princípio deve ser devidamente comprovado, devendo o gestor público mostrar o motivo pelo qual não há fundos nos cofres públicos, evidenciando quais gastos foram feitos. A escassez de recursos para executar uma política pública não implica dizer que são insuficientes para pelo menos começá-la, podendo mais tarde ser realizado estudo para a arrecadação de mais fundos. [13]


A escassez é vista como uma questão essencial e não acidental por Gustavo Amaral, pois ele acredita que na medida em que há o desenvolvimento tecnológico sempre surgirão novas escassezes, no que tange à saúde, por exemplo. Afirma, ainda, que não é verdade que em países como os Estados Unidos, não há razão para se preocupar com a seleção dos pacientes que terão acesso a algum tratamento médico, pois em que pese existir recursos para suprir inúmeras necessidades, não é possível a proteção de todas elas. [14]


A técnica de alocação dos recursos escassos denomina-se princípios da justiça distributiva, e devem ter como base uma noção de necessidade e de que escolhas deverão ser feitas, e que isto implica dizer que se de um lado o direito de alguns está sendo protegido, por outro, há quem esteja prejudicado. Por isso, são escolhas trágicas.


Segundo Michael Walzer, citado por Gustavo Amaral:


Como os recursos são sempre escassos, escolhas difíceis têm que ser tomadas. Penso que tais escolhas somente podem ser políticas. Elas estão sujeitas a alguma elucidação filosófica, mas a idéia de necessidade e o compromisso com o bem comum não levam a uma determinação clara de prioridades ou escalonamento.”[15]


Com razão Américo Bedê Freire Júnior propõe o diálogo entre as funções estatais em proveito da efetivação dos direitos fundamentais, afirmando que quando há vontade política do Executivo e do Legislativo, percebe-se a abertura de créditos suplementares, concluindo que a alegação da reserva do possível constitui verdadeiro óbice para quem não deseja cumprir as decisões judiciais que impõe medidas de defesa dos direitos sociais, ou seja, nega-se um mandamento da própria Constituição. [16]


Alega, ainda, que perante o conflito da legalidade orçamentária e da materialização de um direito social, esta deve se sobrepor, mesmo que isso signifique fazer uma despesa não prevista no orçamento ou uma inclusão no plano plurianual, não para depreciar aquele princípio, e sim para não permitir que obstáculos de ordem formal impeçam a efetividade máxima desses direitos.[17]


Deve ser demonstrado pelo gestor público que os objetivos constitucionalmente estabelecidos (artigo 3º, CR/88) foram buscados no planejamento orçamentário, pois a Constituição cuidou de direcionar a conduta do legislador e do administrador, impondo diretrizes a serem necessariamente cumpridas. Portanto, a discricionariedade da Administração cinge-se ao modo como irá concretizar os objetivos da República, não se confundindo em nenhum momento com uma ampla liberdade.


4 As desvinculações das receitas da União – DRU


A desvinculação das receitas da União teve início com a Emenda Constitucional de Revisão nº 1, de 1º de março de 1994, adicionando alguns dispositivos ao Ato de Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, criando o Fundo Social de Emergência – FSE. O objetivo da criação deste fundo era sanear financeiramente a Fazenda Pública Federal e de manter a estabilidade econômica.[18]


Além desses fins, o artigo 71 do ADCT determinava o custeio de ações dos sistemas de saúde e de educação; concessão de benefícios previdenciários e auxílios assistenciais de prestação continuada, liquidação do passivo previdenciário, e em outros programas de relevante interesse público e social. A fonte de recursos seria o Imposto de Renda retido na fonte sobre os pagamentos efetuados a qualquer título pela União, suas Autarquias e Fundações; majoração decorrente das alterações produzidas pela Medida Provisória nº 419 (aumento do IOF), e pelas Leis nº 8.847/94 (aumento do ITR), nº 8.849/94 (aumento do IR), nº 8.848/94 (aumento do IR Fonte), e a majoração da alíquota da CCSL; e vinte por cento do produto da arrecadação de todos os impostos e contribuições da União, excetuados os já mencionados. [19]


Cessada a vigência do FSE, em março de 1996, promulgou-se a EC nº 10, que prorrogou retroativamente este fundo, a partir do dia 1º de janeiro de 1996 até 31 de julho de 1997, que passou a ser chamado de Fundo de Estabilização Fiscal. O FEF manteve as normas do FSE, exceto no que tange ao ITR. Quanto à desvinculação de 20%, o afastamento desta porcentagem da União passou a incidir tanto sobre os impostos como sobre as contribuições que viessem a ser concebidas. A EC nº 17, de 22 de novembro de 1997, prorrogou retroativamente o FEF, que teve seu prazo de vigência alongado até 31 de dezembro de 1999.[20]


Foi em março de 2001, por meio da EC nº 27, que foi criada a DRU, sucedendo o FSE e o FEF, que estipulou a desvinculação de 20% da arrecadação de impostos e contribuições sociais da União, já instituídos ou que viessem a ser criados no período de 2000 a 2003. A EC nº 42, de 19 de dezembro de 2003, manteve a DRU, prorrogando-a até dezembro de 2007, incluindo a sua incidência na Contribuição de Intervenção de Domínio Econômico – CIDE. [21]


A maior diferença entre as desvinculações mencionadas, é que enquanto na criação do FSE e do FEF, foram estipulados objetivos, na DRU nenhuma finalidade foi estabelecida para a destinação dos 20% da receita. Essa comparação mostra que a perversidade de tal prática foi aumentando com o passar dos anos.


5 Vinculações Constitucionais e a DRU


A Constituição da República determina em seu artigo 212 que, anualmente, 18%, no mínimo, da receita arrecadada pela União deverão ser direcionados para manutenção e desenvolvimento do ensino. De modo contrário ao que estabeleceu o texto constitucional ocorreu no Brasil em 2001.


Com a análise do balanço da União de 2002, foi possível chegar à conclusão de que a desvinculação de recursos obrigatórios no âmbito da manutenção e desenvolvimento da educação, em razão da DRU, foi da ordem de R$ 15 bilhões em 2001 e de R$ 22 bilhões em 2002.[22]


Ou seja, os 18% decorrentes da arrecadação de impostos federais não foram devidamente dedicados ao investimento no ensino público consoante preceitua a Constituição da República. Foram aproximadamente 37 bilhões de reais que não foram direcionados ao custeio do direito à educação.


O Projeto de Emenda Constitucional nº 50/2007, cuja proposta de estabelecer prorrogação da DRU até 2011 se concretizou através da Emenda Constitucional nº 56/2007, trouxe em seu texto a seguinte justificativa:


“Uma das características da estrutura orçamentária fiscal e brasileira é a coexistência de um volume elevado de despesas obrigatórias – a exemplo das despesas com pessoal e benefícios previdenciários – com um sistema que vincula parcela expressiva das receitas a finalidades específicas. Tal estrutura reduz significativamente o volume de recursos livres do orçamento, os quais são essenciais para a consecução de projetos prioritários do governo – como obras de infra-estrutura – e para a constituição da poupança necessária à redução da dívida pública.” (grifos nossos)


Em primeiro lugar, o projeto deixa bem claro que conhece as vinculações constitucionais, no entanto requer aumento do que denomina de recursos livres para a aplicação em prioridades do governo. Nota-se claro desrespeito à Constituição que cuidou de mencioná-las em diversas partes em seu corpo textual como exemplo de prioridade temos o direito à educação infantil (vide artigo 227 c/c artigo 208, inciso IV da CR/88).


O que parece é que a discricionariedade conferida pela Constituição ao Administrador Público não tem se mostrado suficiente, razão pela qual aquele demonstra querer se ver livre dos mandamentos magnos, pelo menos em 20% da arrecadação da receita da União, o que não se revela uma conduta aceitável. Se tais recursos são utilizados para investimentos nas áreas sociais, como dizem as vozes do governo, a desvinculação perde toda a sua lógica e sentido, pois a própria Constituição determina tal premissa em diversos artigos.


Ressalte-se que a discricionariedade do Administrador Público cinge-se em verificar o mais adequado modo em atingir os objetivos constitucionais, sem que seja necessário usurpar recursos previamente destinados. Ou seja, as políticas públicas, sociais e econômicas criadas pelo Executivo e Legislativo devem estar em consonância com a Constituição, e de nenhuma forma podem agredi-la.


Do mesmo modo, tem-se a desvinculação das receitas da União advindas das contribuições sociais que compromete a efetivação de outros direitos sociais, quais sejam o direito à saúde, à previdência social, e à assistência social, pois estas espécies de tributo servem para financiar a seguridade social que compreende tais direitos, conforme artigo 195 CR/88. Ou seja, com a DRU, 20% da renda auferida pela Administração Pública Federal por meio das contribuições sociais não estão sendo utilizadas para fins de financiamento da seguridade social.


6 Considerações finais

O que foi visto neste trabalho é que a desvinculação das verbas afetadas consiste em conduta inconstitucional, uma vez que desobedece aos ditames magnos. Os primeiros projetos de emenda constitucionais que propuseram tal desafetação, não deveriam ter passado das Comissões de Constituição e Justiça das casas legislativas do Congresso Nacional, durante o trâmite do processo legislativo. Trata-se de emendas inconstitucionais, uma vez que agridem a concretização dos direitos humanos de segunda geração, a partir do afastamento de receita destinada ao custeio e manutenção destes. [23]


Essas emendas constitucionais prejudicaram a implementação dos direitos humanos de segunda geração, que, diga-se de passagem, em países periféricos como o Brasil, aproximam-se do mínimo existencial. Ou seja, este mínimo foi gravemente atingido em prol da existência de recursos livres para o Administrador Público utilizar conforme as suas prioridades de governo, ignorando as premissas constitucionais que obrigam sua conduta no planejamento de políticas públicas para proteção de direitos.


Foi considerando a escassez de recursos e as desigualdades sócio-econômicas no Brasil que a Constituição apontou as prioridades a serem atendidas, através da afetação de parte da verba arrecada. Que os fundos financeiros são poucos, é fato, e então desvincular uma parte do pouco já destinado à educação e à seguridade social, por exemplo, é verdadeiro desrespeito não só com a supremacia da Constituição, mas também para aqueles que a legitimaram e continuam fazendo até hoje: todos nós contribuintes, principalmente os menos favorecidos a quem o Estado deve dedicar especial atenção.


Em resumo, a sociedade brasileira mais pobre é quem sofre os maiores danos, pois não vêem a totalidade da verba constitucionalmente designada sendo aplicada em políticas públicas em que seria a principal destinatária. Ademais, não bastasse o abuso de poder com o desvio de finalidade dos recursos aqui mencionados, o Administrador Público ainda ousa em alegar em seu favor o princípio da reserva do possível, ou seja, falta de recursos. É a prova de que os 20% desafetados estão fazendo falta. Desse modo, fica claro verificar a incúria perante os direitos de segunda geração, na medida em que não há destinação total das verbas auferidas para custeá-los.


 


Referências

AMARAL, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

FREIRE JÚNIOR, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.

MAUÉS, Antônio Moreira; SCAFF; Fernando Facury. Justiça Constitucional e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005 – A Desvinculação das Receitas da União (DRU) e a Supremacia da Constituição, p. 96 a 113.

SCAFF, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos. Revista interesse público. Porto Alegre: editora Notadez, julho/agosto-2005, p. 213 a 226.

___________________. As contribuições sociais e o princípio da afetação. Revista Dialética de Direito Tributário nº 98, novembro de 2003.

TORRES, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995.

 

Notas:



[1] Scaff, Fernando Facury. As contribuições sociais e o princípio da afetação. Revista Dialética de Direito Tributário nº 98, novembro de 2003, p. 44-62.

[2] Torres, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 139 a 157.

[3] Id. Idib. p.153.

[4] Id. Idib. p.133.

[5] Scaff, Fernando Facury. Reserva do possível, mínimo existencial e direitos humanos. Revista interesse público. Porto Alegre: editora Notadez, julho/agosto-2005, p. 218 e 219.

[6] Scaff aduz que “é imperioso notar que o conceito de mínimo existencial ancorado no primado da liberdade deve possuir maior amplitude naqueles países que se encontram na periferia do capitalismo. Afinal, só pode exercer com plenitude a liberdade, mesmo no âmbito do mínimo existencial, quem possui capacidade para exercê-la. E para que seja possível este exercício de liberdade jurídica é necessário assegurar a liberdade real (Alexy), ou a possibilidade de exercer suas capacidades (Amartya), através dos direitos fundamentais sociais”. (Id. Ibid. p. 218) 
[7] Torres, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, p. 127.

[8] SCAFF, Ob. cit. p. 217.

[9] Torres, Ricardo Lobo. Os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1995, pág. 128.

[10] Id. Ibid. p. 131.

 

[11] DIAS, Jean Carlos. O controle judicial das políticas públicas. São Paulo: Método, 2007, p. 133.

[12] Jean Carlos Dias afirma que atualmente a sociedade tem sido melhor representada por grupos de pressão, ONGs, entre outros, que acabam levando as demandas sociais ao Judiciário, consistindo em verdadeira representação dos interesses da coletividade. (Id. Ibid. p. 133)

[13] Freire Júnior, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pág. 74.

[14] Amaral, Gustavo. Direito, escassez e escolha: em busca de critérios jurídicos para lidar com a escassez de recursos e as decisões trágicas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, pág. 137 e 147.

[15]  Id. Ibid. p. 168.

[16] Freire Júnior, Américo Bedê. O controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, pág. 75.

[17] Id. Ibid. p. 76 e 78.

[18]MAUÉS, Antônio Moreira; SCAFF; Fernando Facury. Justiça Constitucional e Tributação. São Paulo: Dialética, 2005 – A Desvinculação das Receitas da União (DRU) e a Supremacia da Constituição, p. 99.

[19] Id.Ibid. p. 99.

[20] Id. Ibid. p. 100 e 101.

[21] Id. Ibid. p. 101 e 102.

[22] Id. Ibid. p. 108.

[23] Id. Ibid. p. 113.


Informações Sobre o Autor

Isabela Bentes de Lima

Bacharel em Direito – Universidade Federal do Pará – UFPA/2006 Mestranda em Direitos Humanos (Proteção Judicial dos Direitos Fundamentais) – UFPA


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