Dialética e empoderamento jurídico, o ideal democrático e o problema da ignorância

Resumo: O artigo em comento se destina a articular os conceitos de dialética jurídica, empoderamento e democracia, com vistas a percepção da possível legitimidade deste último. A abordagem tomará como norte teórico fragmentos das teorias de Norberto Bobbio, ChaimPerelman, LenioStreck, Luís Alberto Warat, entre outros, para demonstrar as fragilidades do sistema democrático, com enfoque especial na relação entre participação da coletividade e sua ignorância em relação as minúcias democráticas.

Palavras-chave: Democracia. Empoderamento. Dialética.

Sumário: 1 Introdução 2 Dialética jurídica 3 Poder empoderamento e empoderamento jurídico 4 As obscuridades dos regimes democráticos 5 Envolvimento poder e democracias representativas: o problema da ignorância 6 Considerações finais.

1 Introdução

O fenômeno democrático, mais precisamente a ideia de ordenação social em que o fator decisório emana da própria coletividade, tem sido, e provavelmente continuará sendo, objeto de profundos debates, nos mais diversos campos de conhecimento, buscando compreender os mecanismos que se manifestam, explica e implicitamente no fenômeno, de modo a explica-lo ou, na melhor das situações, elucida-lo.

Para tratar de democracia e sua relação com a ciência jurídica, serão tratados, neste artigo, o conceito de dialética aplicada ao fenômeno jurídico, os conceitos de empoderamento e sua utilidade aos ideais democráticos e por fim, os conceitos de democracia.

Abordar-se-á assim, os pontos críticos do sistema democrático, suas fragilidades, provocadas ou fomentadas pelos ordenamentos jurídicos e os meios pelos quais a sociedade por intervir no processo.

A questão principal a ser enfrentada é o grau de validade ou legitimidade dos sistemas democráticos, que pressupõe uma participação popular quando esta população se encontra inserida em ambientes em que se é estimulado o distanciamento e ignorância acerca dos conceitos, ideais e mecanismos políticos e jurídicos.Questionar-se-á a validade, democrática, de uma participação cega, ausente de protagonismo, muito próxima do mero formalismo.

Objetiva-se, portanto, o tangenciar da temática proposta, não seu exaurimento, dado seu elevado grau de complexidade, sugerindo novas construções sobre a questão.Para tanto teóricos, das ciências jurídicas e correlatas, serão trazidos a baila da discussão, para prover, por meio do método dedutivo interpretativo, um grau razoável de esclarecimento acerca da problemática. 

2 Dialética jurídica

O homem enquanto ser social[1] carece de organismos que sustentem os regramentos que dão suporte a esta sociabilidade, compatibilizando esta necessidade com a natureza sempre conflitante dos indivíduos.

Não se pode conceber o homem, social, sem um coletivo em que esteja inserido e, igualmente, não se pode imaginar este coletivo social sem a existência de conflitos, de interesses entre os indivíduos, que precisa ser, de alguma forma regulada, controlada e acompanhada, com vistas à manutenção do ideal de sociedade.

O conflito, social, origina-se da ausência de consenso sobre as questões da vida. Existindo o dissenso deve esta mesma sociedade buscar meios para saná-lo, sob pena de ver extinta a própria sociabilidade que possibilita a existência do homem[2].

Existe assim o Direito, enquanto pensamento cientifico[3] para dar respostas aos dissensos sociais com vistas à manutenção da ordem social.

Neste diapasão surge a primeira ideia da relação entre dialética, direito e sociedade, como aponta Perelman (2000, p. 139):

“E quando se trata de noções como estas que cabe, segundo Platão, recorrer à dialética. Citemos, a esse respeito, um trecho de interessantíssimo artigo do professor J. Moreau que, parafraseando e comentando um texto de Platão, escreve: "Se divergíssemos, tu e eu, diz Sócrates a Eutifron, sobre o número (de ovos de um cesto), sobre o comprimento (de uma peça de tecido) ou sobre o peso (de um saco de trigo), não brigaríamos por isso; não começaríamos uma discussão; bastar-nos-ia contar, medir ou pesar e nossa divergência estaria resolvida. As divergências só se prolongam e se envenenam quando nos faltam tais métodos de medição, tais critérios de objetividade; é o que sucede, precisa Sócrates, quando estamos em desacordo sobre o justo e o injusto, o belo e o feio, o bem e o mal, em uma palavra, sobre os valores”.

Aponta o autor duas espécies básicas de divergências sociais, que podemos categorizar como objetivas e subjetivas. Sendo aquelas sanáveis por articulações racionais objetivas, cujo teor assertivo é, consideravelmente, mais elevado. Enquanto que estas, por envolverem a subjetividade, são mais complexas e nocivas à ideia de sociedade, pelo grau de perduração que gozam os conflitos que versam sobre elas.

Existe o Direito portanto para dar respostas a todas as divergências possíveis, objetivas ou subjetivas, mais ou menos complexas, buscando a retomada daquele status (fictício) de pacificação social que se pretende manter em sociedade.

Sendo desta mesma a proposta jurídica, a resolução de conflitos, por meio do ajuste, da instrumentalização do dever ser, posto, imperativamente, por todo o corpo social (DINIZ, 2010, p.200).

Ocorre, todavia, que o direito não é fenômeno estanque, e sua manifestação, enquanto ciência possui seus próprios conflitos teóricos internos, um dissenso intrinsicamente jurídico.

Isto porque como o direito não é algo naturalmente posto, rígido e externo ao homem é construção deste, logo, uma subjetivação e como tal, sujeita à discordância de parte do grupo social. Por isso é possível dizer que a própria manifestação do direito, enquanto mecanismo de solução de conflitos, é também, resultado de um processo dialético histórico, quando percebida suas formas de manifestação e efetivação.

Inexiste, e provavelmente jamais existirá, um consenso geral teórico acerca da instrumentalização do Direito, dos meios pelos quais se alcançará aquele suposto status de paz, anterior ao conflito. Dai a intensa e continua discussão, no espaço e no tempo, sobre os métodos mais eficazes a serem utilizados.

Neste intuito, de encontrar os métodos mais eficazes de cientificização do Direito, é que foram postos, ao longo da história das sociedades, os diversos paradigmas que estruturaram o pensar jurídico: jusnaturalismo, positivismo (e suas diversas manifestações), pós-positivismo e certamente as futuras formas de estruturação que sucederão as presentes[4].

Por ser a sociedade essencialmente mutante, tanto pelo teor conflitante que lhe é imanente,e que lhe altera continuamente os contornos, quando pela ideia de estar o  homem constantemente alterando sua percepção de mundo e assim alterando o mundo que lhe tange, não poderia conceber o Direito de outra forma, se não dinâmica.

É portanto dialético o Direito, mutante e instável como a própria sociedade que lhe reclama. Dai a constante menção às crises da cientificidade do direito e de seus paradigmas estruturantes:

“Observa-se, pois, a complexidade da crise aqui discutida/analisada. Nos limites desta obra, preocupo-me em abordar a assim denominada crise do paradigma liberal-individualista de produção de direito, agregada à crise do estado e à crise decorrente de não superação, pela dogmática jurídica, do paradigma da prevalência da lógica do sujeito cognoscente e, ao mesmo tempo, um certo arraigamento às posturas essencialistas (ontologia clássica). Portanto, não se está a falar da (ou de uma) crise de paradigmas lato sensu” (STRECK, 2014. p.84).

Há a crise constante na sociedade, pois é o homem que lhe compõe conflitante por essência. É, portanto o Direito, enquanto fenômeno indissociável desta sociedade que lhe dá origem, igualmente conflitante e do conflito de ambos, deriva-se a mudança, da sociedade e consequentemente do Direito que lhe assiste, sendo ambos eivados de uma natureza continuamente em ruptura, mutante, sempre em crise, dialética.

3 Poder, empoderamento e empoderamento jurídico

Duas questões importantes devem ser comentadas a este ponto: a vida em sociedade carece de regras de convívio.O Direito, enquanto conjunto de regras para o convívio,  deve ser aplicado para solucionar os conflitos e continuar possibilitando a vida em sociedade e ele, estará, assim como a sociedade em que existe, continuamente em alteração.

A questão que merece atenção é: quem detém o poder de conduzir as mudanças do processo jurídico?Quais atores sociais estão atentos as alterações do paradigma para aquele novo direito que será aplicável aos problemas sociais?Quem participa deste processo?

Bobbio (2008) e Warat (2010) abordaram, por linhas distintas de raciocínio e campos de saber, a relação entre direito e poder e as ficções que surgem a partir desta necessidade social de ordenamento.

Enquanto Bobbio (2008, p.206) comenta que o Estado de direito precisa da ideia da legitimidade da lei para que possa ser instrumentalizado e assim atingir seu fim, Warat (2010, p.60-61) aponta o sistema jurídico como mero arcabouça ideológico para manutenção de sistemas de dominação e de ausência de participação, mais especificamente, sistemas excludentes.

Ainda Bobbio (2000, p.68-69), ao tratar das democracias representativas e sua necessária relação com o poder, aponta que não se pode conceber tais regimes sem a participação de todos e não meramente na forma, mas na ciência do conteúdo das decisões.

‘A participação de todos nos benefícios da liberdade é conceito idealmente perfeito do governo livre’. Tal máxima é confortada pelo seguinte comentário: ‘na medida em que alguns, não importa quem, são excluídos desses benefícios, seus interesses são deixados sem as garantias concedidas aos demais, ficando –lhes diminuídas as possibilidades e os estímulos que de outra maneira teriam para a aplicação das energias em prol do próprio bem e do bem da comunidade’

Que espécie de democracia existira em um ambiente onde se percebem excluídos dos processos decisórios? Que ‘poder e governo de todos’ resistiria onde ‘nem todos’se enxergam nos processos de ciência, percepção e construção das realidades, sobretudo as normativas.

É certo, ainda, que, quando alguns, não importa quem, são excluídos da participação, outros assumem o seu lugar de exercício de poder e, como bem apontou Bobbio (2000) essa substituição implica no esvaziamento da proteção do bem próprio e silencio da defesa, destes excluídos, do bem da coletividade.

Há portantooutra coisa que não a democracia onde há o distanciamento, a exclusão.Todaviao conceito solidificado (ideologizado) que se propagou e se propaga é de que a democracia é exatamente isto e que, pouco se pode fazer para alterar o cenário de mínima participação dado o baixo grau de interesse popular pelas questões mais complexas que norteiam a policia, o direitoe a sociedade.

É neste diapasão que se insere a necessidade de diálogos sobre os locais de poder, empoderamento e empoderamento jurídico[5].

4As obscuridades dos regimes democráticos

Que fenômeno existe, de fato, no lugar deste tratado como democracia se não há a intensão de buscar a todos para o diálogo?

Platão foi um dos primeiros autores a enfrentar, tecnicamente, o problema democrático, sendo a política assunto recorrente em sua obra. Pode-se dizer que a perspectiva platônica, sobre o fenômeno político e democrático, era contundente e radical. O que ocasiona até os dias de hoje certo desconforto acadêmico quando mencionada as ideias do autor sobre a questão[6].

Pode-se destacar, de modo um tanto rasteiro, que Platão era contrário à participação da população nos destinos da sociedade. Para o filósofo, a democracia não seria um sistema apto a atingir o bem comum. Seu pensamento na verdade era fundado mais no aspecto técnico que no ideológico[7]. Para ele, a política haveria de ser tratada como outra profissão qualquer, de modo que sua operacionalização não poderia ser destinada senão àqueles preparados para tanto.

Isso se justifica, também, na raiz etimológica do termo democracia. Do grego, a palavra demokratíaera composta por dois outros termos, demos e kratos. Usualmente passou-se a dizer que demos significa povo, enquanto Kratos seria equivalente a poder, governança, o que resultaria de um raciocínio apressado em; “poder que emana do povo”. Contudo, o termo demos não possuía, à época de Platão, um único teor semântico, sendo por certo, ambígua sua utilização, podendo “designar tanto ‘o povo como um todo’, i.e., a totalidade dos cidadãos, o corpo cívico, quanto ‘as pessoas comuns’, i.e., as classes mais baixas ou populares.” (FINLEY apud OLIVEIRA, p.3)

É exatamente nesse espaço semântico que se localizava o argumento platônico de aversão à participação popular, não àquele dirigido à totalidade do povo, não que ele fosse inteiramente favorável a isso, diga-se, en passant. No entanto, muito mais contrário à participação das decisões da vida política por aqueles integrantes das camadas mais intelectualmente desprovidas dos ideais mais nobres da sociedade, e, por conseguinte, inaptos a garantir um justo governo. Celebre é, com efeito, a alegoria platônica do navio, cuja tripulação, desprovida de conhecimentos técnicos, digladiam-se entre si para apoderar-se do controle da embarcação, sendo, segundo o autor da metáfora, desastroso para o destino deles mesmos, e da própria embarcação[8], o desejo pela tomada do poder.

Não se deve, portanto, rejeitar de pronto, e, totalmente, o desprezo platônico pela democracia grega, haja vista restar em seus argumentos o mínimo de racionalidade. 

Pensamento aproximado ao platônico fora desenvolvido por Weber (1999) e Schumpeter (1984). Uma vez que, para o primeiro a democracia deveria ser compreendida como mecanismo institucional, no qual certamente toda a população estaria envolvida, porém adstrita, tão somente, à seleção de políticos, não sendo possível sua participação em esferas que envolvessem decisões, sutil despreparo pelo desprezo das massas. Embora este concordasse com aquele, asseverava pensamento um tanto quanto mais radical, para Schumpeter (1984) a coletividade e sua intenção de participação era, de fato, uma constante ameaça a estrutura do Estado.

Ratificando o pensando de Schumpeter (1984), David Held, sociólogo britânico, especialista em teoria política, aponta a democracia como “mecanismo que permite o registro de desejos mais amplos das pessoas comuns, o que deixa a verdadeira política pública nas mãos dos poucos suficientemente experientes e qualificados para fazê-la" (HELD, 1987, p. 151).

Certamente, muitos pensadores se opuseram aos últimos mencionados, assim como o fizeram em relação às ideias de Platão. Todavia, a questão que resiste é, propriamente, a fragilidade do modelo participativo que se propõe ser a democracia, em razão da ignorância da população acerca dos seus próprios problemas[9]e[10]e dos mecanismos para solucioná-los.

Norberto Bobbio (1986, p.18-19), em sua obra “O futuro da democracia”, ao ensaiar, logo no primeiro momento, um conceito para democracia, esboça certa empatia com esse necessário distanciamento popular, proposto pelos supracitados autores. Pontua assim o autor:

“Quando se fala de democracia, entendida como contraposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. Todo grupo social está obrigado a tomar decisões vinculatórias para todos os seus membros com o objetivo de prover a própria sobrevivência, tanto interna como externamente. Mas até mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isto, para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras (não importa se escritas ou consuetudinárias) que estabeleçam quais são os indivíduos autorizados a tomar as decisões vinculatórias para todos os membros do grupo” (grifos nossos)

Percebe-se, mesmo que indiretamente, nesse fragmento, o destaque que Bobbio (1986) dedica a legitimidade, que deve estar presente nas decisões tomadas por certos indivíduos, em face da impossibilidade, lógica, de todo o grupo decidir em uníssono sobre qualquer questão, sendo esta mesma impossibilidade aquela apontada por Platão e acentuada por Weber, Schumpeter e Held.

Para o pensando de Bobbio, a legitimidade da representação, exercida por meio da escolha popular é um dos pontosbasilares do sistema e conceito democráticos.

Essa legitimidade seria, portanto, um correspondente mínimo entre os anseios da massa e as ações dos escolhidos para dirigir os destinos do povo, em função da impossibilidade de decisão coletiva e continuada. A autorização para agir, outorgada por meio dos processos de seleção, deveria manter o mínimo de correlação com as necessidades dos que não poderia decidir o que resultaria ao fim, na promoção do bem comum.

Bobbio propõe uma ríspida reflexão sobre as promessas históricas que, visando avanço social e maturação existencial do ser humano, coletivamente admitido, jamais lograram êxito e, tragicamente, tornaram outra coisa, distinta e distante do ideal incialmente almejado. Assim, o autor, com nítida decepção, comenta:

“[…] A Grécia tornou-se Roma, assim o iluminismo russo tornou-se a revolução russa’. Assim, acrescento eu, o pensamento liberal e democrático de um Locke, de um Rousseau, de um Tocqueville, de um Bentham e de um John Stuart Mill tornou-se a ação de … (coloquem vocês o nome que preferirem; tenho certeza de que não terão dificuldade para encontrar mais de um). É exatamente desta "matéria bruta" e não do que foi concebido como "nobre e elevado" que devemos falar; em outras palavras, devemos examinar o contraste entre o que foi prometido e o que foi efetivamente realizado”. (1986, p.22)

Bobbio chama de “matéria bruta” o resultado distorcido implementado pelas sociedades nas respectivas tentativas fracassadas de realização de grandes e nobres ideais. Nessa senda, inclui o autor a democracia e trata o atual sistema praticado como uma matéria bruta, igualmente, distante do que fora outrora prometido.

Dentre um breve rol de falhas, que conceitua como promessas não cumpridas, Bobbio (1986) aponta a ilegitimidade do mandato dos dirigentes, que uma vez investidos do poder, decidem para si mesmos e não para a coletividade, o que para o autor configuraria o que consignou chamar de “mandato imperativo”:

“Jamais uma norma constitucional foi mais violada que a da proibição de mandato imperativo. Jamais um princípio foi mais desconsiderado que o da representação política. Mas numa sociedade composta de grupos relativamente autônomos que lutam pela sua supremacia, para fazer valer os próprios interesses contra outros grupos, uma tal norma, um tal princípio, podem de fato encontrar realização? Além do fato de que cada grupo tende a identificar o interesse nacional com o interesse do próprio grupo, será que existe algum critério geral capaz de permitir a distinção entre o interesse geral e o interesse particular deste ou daquele grupo, ou entre o interesse geral e a combinação de interesses particulares que se acordam entre si em detrimento de outros? Quem representa interesses particulares tem sempre um mandato imperativo. E onde podemos encontrar um representante que não represente interesses particulares?” (BOBBIO, 1986, p.25) (grifos nossos)

Evidencia o autor, cristalina e precisamente, o conflito de interesses que existe quando certo grupo, tendo o poder de decisão em suas mãos, o maneja, exclusivamente, em prol de seus próprios interesses, desconsiderando a vontade da coletividade, daquela parcela direta que o escolheu e da outra, que mesmo não o tendo escolhido, tendo em vista  impossibilidade de concordância plena do povo no processo de seleção eleitoral, também se localiza como destinatária das ações dos escolhidos para o exercício da governança.

Desse modo, ainda tangenciando a ilegitimidade que eiva os mandatos imperativos, discorre o filósofo sobre o pensamento de Rousseau acerca do fracasso da democracia, extraído da obra Contrattosociale:

“Rousseau entretanto também estava convencido de que "uma verdadeira democracia jamais existiu nem existirá", pois requer muitas condições difíceis de serem reunidas. Em primeiro lugar um estado muito pequeno, "no qual ao povo seja fácil reunir-se e cada cidadão possa facilmente conhecer todos os demais"; em segundo lugar, "uma grande simplicidade de costumes que impeça a multiplicação dos problemas e as discussões espinhosas"; além do mais, "uma grande igualdade de condições e fortunas"; por fim, "pouco ou nada de luxo" (donde se poderia deduzir que Rousseau, e não Marx, é o inspirador da política de "austeridade"). Lembremo-nos da conclusão: "Se existisse um povo de deuses, governar-se-ia democraticamente. Mas um governo assim perfeito não é feito para os homens” (BOBBIO, 1986, p.42) (grifos nossos)

Para solução da controvérsia sobre o fracasso democrático, propõe Bobbio (1986) a substituição da democracia representativa por outra, a democracia direta, que seria marcada por uma participação mais incisiva da população, que, por sua vez, deveria compreender os processos e assumir uma posição de maior consciência sobre os rumos necessários a serem escolhidos. Todavia, o próprio autor pontua a dificuldade de implementação de tal ideia numa perspectiva prática; “Que todos decidam sobre tudo em sociedades sempre mais complexas como são as modernas sociedades industriais é algo materialmente impossível.” (BOBBIO, 1986, p.43).

Bobbio (1986, p.88) comenta que, reiteradamente, entre os autores políticos emerge o conceito de democracia, atrelado a ideia de “o governo do poder público em público”. Isso de modo a apresentar uma prática de decisões, realizadas pelos dirigentes, de modo aberto, claro e notório ou como assentou-se na mais atual doutrina jurídica, pautada no princípio da publicidade. Bobbio, nessa esteira, chama esse traço democrático de “poder visível”.

Porém, o autor localiza essa caracterização no rol dos insucessos democráticos. E o faz porque, para ele, há bem pouco ou nada, de visível no exercício do poder nos ditos regimes democráticos. Existe sim, segundo Bobbio (1986), um sistema engendrado de segredos que possibilitam a manutenção do poder, segredos que de forma enublada são apresentados aos populares, para neles ocasionar um senso de ordem e afastá-los da realidade fática que preocupa o governo, qual seja, um constante confronto entre a real democracia, ineficaz e suplantada pelo poder invisível, e outra, falsamente demonstrada, num latente processo de dominação:

“O confronto entre o modelo ideal do poder visível e a realidade das coisas deve ser conduzido tendo presente a tendência que toda forma de dominação, sobre as quais já me detive nas páginas precedentes, tem de se subtrair ao olhar dos dominados escondendo-se e escondendo, através do segredo e do disfarce.” (BOBBIO, 1986, p.106)

Esse processo de dominação, norteado pelo poder invisível, como sustenta Bobbio, também é comentado por Marilena Chauí (1980) em sua obra “O que é Ideologia”. Para a autora, existe um complexo sistema de contradições oriundo das ideias expostas e ocultas que orientam a sociedade, contradições percebidas ao avaliar o que se propõe e o que efetivamente se concretiza nos sistemas democráticos. 

Para Chauí (1980), um sistema ordenado de ideias ou representações é desenvolvido para possibilitar o controle, exercido por parcela da população, sobre todos os demais. Logo, para que exista a aceitação, pacífica, desses outros tantos que não se beneficiam com o resultado dos governos é que se utiliza desse sistema de ideias ordenado, cuja finalidade é ocultar os reais interesses dos dirigentes, apresentando outros em seu lugar.

“As contradições reais permanecem ocultas (são as contradições entre as relações de produção ou as forças produtivas e as relações sociais), parece que a contradição real é aquela entre as idéias(sic) e o mundo. Assim, por exemplo, faz parte da ideologia burguesa afirmar que a educação é um direito de todos os homens. Ora, na realidade sabemos que isto não ocorre”. (CHAUÍ, 1980, p.26)

Aquilo que Chauí (1980) chamou de ideologia (sistema ordenado de ideias ou representações), (e,) tratado como poder invisível por Bobbio (1986), são em verdade os mecanismos utilizados para ocultar a realidade social, de modo a aquietar a população enquanto ficam livres para decidir, sem qualquer espécie de consulta, os detentores do poder. Partindo desse raciocínio, entende Chauí, ser o próprio Estado, uma grande ilustração:

“Estado aparece como a realização do interesse geral (por isso Hegel dizia que o Estado era a universalidade da vida social), mas, na realidade, ele é a forma pela qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade (a classe dos proprietários) ganham a aparência de interesses de toda a sociedade”. (1980, p.27) (grifo nosso)

Nesse sentindo, coadunam os autores, ao tentar elucidar que o fenômeno de participação social, anunciado como democracia, na verdade é tão somente uma forma pela qual participa a sociedade em uma camada acima da realidade fática, numa espécie de zona de ficção, elaborada para que seja legitimada a transferência de poder. Tendo, por fim, o Estado meramente “função apaziguadora e reguladora da sociedade”, como pondera a filósofa, não muito distante do pensamento de Bobbio (1986):

“O confronto entre o modelo ideal do poder visível e a realidade das coisas deve ser conduzido tendo presente a tendência que toda forma de dominação, sobre as quais já me detive nas páginas precedentes, tem de se subtrair ao olhar dos dominados escondendo-se e escondendo, através do segredo e do disfarce.” (p.106). (grifo nosso)

Desse modo, poder-se-ia, apressadamente, concluir pela inviabilidade da democracia, numa enviesada concordância com o pensamento platônico, ou aceitação final dessa democracia enublada, vez que a única via possível para concretizá-la seria a lucidez intelectual, de toda a população, que resultaria na compreensão dos mecanismos e assuntos necessários ao manejo da política. O que para grande parte dos teóricos determinaria como inconcebível.

5Envolvimento, poder e democracias representativas: o problema da ignorância.

Contrários ao pensamento que nega a possibilidade de uma efetiva democracia,despontam alternativas, originárias propriamente dos movimentos sociais, inicialmente discretas, mas que podem resultar numa possibilidade concreta de participação. Uma delas é o fenômeno que vem sendo chamado, em Língua Portuguesa, de empoderamento.

Diferentemente do ocorrido em outros períodos históricos, tem-se registrado um interesse peculiar da sociedade civil pelo campo político. O que outrora era admitido como conteúdo exclusivo para grupos intelectualizados passa a preencher conversas corriqueiras em qualquer ambiente, com ou sem rigor técnico, percebe-se que na pauta nacional, fora acrescido o assunto “política”.

Tal fenômeno, quando isoladamente considerado, certamente não será considerado como algo novo, por ser sempre recorrente em períodos isolados e pontuais, geralmente nas proximidades do período de eleição, quando a temática invade os telejornais. A diferença (que se é) percebida, nos últimos anos, é o interesse duradouro e resistente pelo assunto e o teor de envolvimento que manifesta a população. Quando se verifica a continuidade da discussão do tema, mesmo quando a mídia decide “mudar as pautas da sociedade”, em um movimento popular que sinaliza um inédito poder de escolha popular dos assuntos que devem ser tratados como relevantes.

Embora não exista um consenso entre os teóricos acerca do conceito de empoderamento, Horochovski (2006,p. 4-5) converge com propriedade vários pontos de vista de modo a traçar um mínimo conceitual que pode oferecer uma compreensão básica sobre o que seria o fenômeno: 

“Empoderamento é um processo intencional e contínuo, centrado na comunidade local […] envolvendo o respeito mútuo, a reflexão crítica, a atenção e a participação, por meio do qual as pessoas a que falta um acesso a uma fatia igual dos recursos obtêm maior acesso e controle sobre tais recursos […] trata-se, aqui, da constituição de comunidades responsáveis, mediante um processo no qual os indivíduos que as compõem obtêm controle sobre suas vidas, participam democraticamente no cotidiano de diferentes arranjos coletivos e compreendem criticamente seu ambiente”.

E ainda:

“Empoderamento implica muitas vezes ultrapassar os instrumentos clássicos da democracia representativa, tendo por base um aumento da cultura política e do capital social. Criam-se novas institucionalidades […] dilata-se o componente participativo das políticas públicas, mediante a publicização dos conflitos e dos procedimentos de participação” (HOROCHOVSKI, 2006, p.5).

Alguns pontos, das considerações de Horochovski (2006) merecem relevo. Aponta o autor que é possível perceber o empoderamento quando o modelo clássico de representatividade começa a ser quebrado, a saber, quando a população vai além da mera escolha e passa a policiar a atitude dos selecionados. Aumenta-se também a cultura política(,) quando o interesse pelos assuntos passa a crescer sem que necessariamente estímulos externos sejam percebidos[11], dilatando-se o espectro político da população pelo próprio interesse popular, o que necessariamente ocasiona uma propagação maior de conflitos, inerentes a discussão e confronto de interesses.

O quadro traçado pelo autor reflete aqueles acontecimentos que marcaram o período eleitoral de 2014 no Brasil.

 Como nunca antes visto no país, o diálogo, por vezes politizado, por vezes agressivo, marcou todos os ambientes e praticamente toda a sociedade civil foi tragada pela discussão e, não findou o fenômeno quando concluído o pleito eleitoral. Sendo dilatada esta experiência para além do intervalo necessário ao sufrágio universal, como de costume ocorria.

Todavia, não é a discussão política em si que configura o empoderamento que se intenta elucidar neste breve ensaio, e sim o controle sobre a pauta que passa a exercer parte da sociedade. 

Novos veículos surgem e os antigos conglomerados passam a perder o controle da opinião publica. Os ditames, outrora eficazes, perdem sua força diante dos novos contornos da sociedade civil, que agora brada com maior volume suas demandas que, por vezes, não ecoam naqueles veículos. Vislumbra-se uma ruptura.

Horochovski (2006, p.9) assevera que empoderar-se é ampliar recursos aptos a dotar os indivíduos de voz. Voz esta que reverbera influencia e possibilita a ação, a decisão nos processos, uma efetiva participação, notadamente, nos temas que afetam a vida desses agentes.

E quando a voz que precisa reverberar é aquela que articula os saberes jurídicos, dotando o individuo do conhecimento sobre si mesmo e sobre o coletivo, num ambiente de articulação jurídica, poder-se-ia considerar tratar-se do empoderamento jurídico.

Poderia, então, esse empoderamento, jurídico, gradualmente percebido na sociedade civil manifesta uma cada vez mais crescente onda de exigências, construções edemandas. Em que os sujeitos evocam a representatividade para si mesmo e para sua esfera deatuação, criando relações, jurídicas, cada vez mais complexas.

Esta complexidade, cada vez mais notória tem alterado os contornos epistemológicos  do conhecimento jurídico, revelando as fragilidades de um sistema que não foi pensado para que as vozes se empoderassem, construído para quietudes e silêncios, agora em ruídas, contínuas e imanentes ruínas jurídicas.

6Considerações finais

O fluxo dialético jurídico demanda a participação de todos, e esta carece, imprescindivelmente, de conhecimento, pelos atores envolvidos, para que possam, de fato e não apenas formalmente, atingir os efeitos prometidos pela democracia e assim sua manifestação possa gozar do mínimo de equilíbrio e legitimidade, o que desconfiguraria um sistema de dominações.

A (cons)ciência dos atores sociais sobre as regras do jogo (e aqui registre-se uma nítida referencia à obra de Bobbio) é condição indissociável do ideal democrático.

Os resultados jurídicos produzidos por uma sociedade que fomenta a ignorância serão sempre distantes dos axiomas de justiça e dignidade, o que equivale a um paradoxo incorrigível. Isto por que a ignorância fomenta o esmagamento e exclusão, logo, uma democracia excludente não pode ser, em nenhum grau, democracia.

O conceito de democracia, bem como sua instrumentalização, em sendo notória a ignorância que perpassa o sistema e exclui os seus atores, marca o mesmo com uma ilegitimidade que o inviabiliza.

Destarte, o fenômeno do empoderamento, mais especificamente do empoderamento jurídico, carece de estudos mais demorados, com vistas a demonstrar a possibilidade (ou não) de ser ele um dos vetores aptos à efetivação democrática.

Pode-se ainda afirmar que a manutenção das distâncias interessa aos que ora instrumentalizam o poder e, neste espaço, o empoderamento, dos conceitos jurídicos e seus mecanismos, pode ser mecanismo apto a modificar as dinâmicas de exclusão. Mas por questões obvias, tal empoderamento não pode ser delegado, outorgado, oferecido. Deve ser tomado pelos indivíduos e espraiado gradativamente na coletividade produzindo seus efeitos não a partir do coletivo no individuo e sim, e tão somente, por meio do individuo ao se dirigir à coletividade. De outro modo não se teria (ou terá) democracia e sim qualquer outra forma de dominação, mascarada como processo, dito, democrático.

Referencial
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Notas:
[1] Como dito por Aristóteles e discutido em Augusto Comte.

[2] Deste homem que se enxerga como ser social distinto dos outros animais, por sua peculiar sociabilidade. Estando esta afirmação relacionada à manutenção das maneiras que se pensou o existir social.

[3] Embora fosse possível traçar longo diálogo sobre a cientificidade, ou não, do direito, opta nesta produção pelas correntes jusfilosóficas que defendem a natureza de ciência autônoma do direito e sua funcionalidade social.

[4] Muito se fala sobre o paradigma da complexidade, que atordoa as atuais bases do Direito, mas importa ponderar que a complexidade não é em si mesma um elemento de novo paradigma e sim a evidencia da ruína dos ora operacionalizados, de modo que quando surgir teoria aceitável e apta a dialogar com os atuais contornos sociais, outro será, certamente, o nome dado a este paradigma.

[5] Sobre estas questões discorre brilhante e profusamente Luis Alberto Warat em sua obra “A rua grita Dionósio”, leitura imprescindível à compreensão destas discussões.

[6] O Prof. Richard Romeiro Oliveira, em seu artigo intitulado “Platão e a questão da democracia na República” expõe como tem sido analisado o pensamento platônico sobre a democracia grega. Comenta o autor que a exegese contemporânea, tem tendido a descrevê-lo como um problema semântico em relação aos contemporâneos conceitos democráticos, sobre tudo aqueles voltados à maior participação popular. Desta forma, como aponta o autor, é comumente visto Platão como pensador reacionário e potencialmente perigoso nas questões democráticas, dado seu rígido conservadorismo político e sua declarada inimizade pela participação de todos os integrantes da população dos processos políticos.

[7] Pontua o Prof. Richard Romeiro Oliveira acerca das origens de Platão, informando ser ele um autêntico membro da nobreza ateniense, cuja procedência era vinculada à aristocrática grega, razão pela qual, alguns historiadores justificam os sentimentos ideologicamente antidemocráticos que perpassam sua obra.

[8] Numa evidente referencia ao Estado.

[9] Quando dito no texto que a população desconhece seus próprios problemas, obviamente não se intenta atingir a expressão em estrito senso. Por razões óbvias um dado grupo social conhece suas necessidades, porém, muito comumente esses grupos desconhecem as necessidades de outros aglomerados, ou com elas não mantêm qualquer relação, o que nortearia certamente a eventual tomada de decisões

[10] Na obra “A rua grita Dionísio”, Luís Alberto Warat levanta diversos questionamentos acerca da legitimidade dos estados democráticos e seus mecanismos de perpetuação, dentre eles o próprio sistema jurídico como instrumento de manutenção de uma ordem que não interesse ao povo (é particularmente provocador destacar que mesmo o conceito de “povo” é questionado pelo autor, quando de suas proposições teóricas) e sim apenas a conglomerados não-nacionais financeiros que, segundo ele, regem os Estados e seus sistemas internos, tendo dentre eles o direito e dentro deste último os sistemas representativos. Para Warat (2010, p.24-59) existe um sistema de exclusão continua em curso, sendo amplamente implementado e ele se funda na alienação, na ignorância disseminada com vistas à sua voluntariedade. Nesse diapasão a própria dogmática jurídica e os sistemas constitucionais em vez de promoverem as promessas que instituem em seus textos servem apenas para fomentar a intoxicação intelectual e exclusão dos indivíduos das esferas de sabres que realmente importam. Assim, as questões voltadas à natureza da ignorância tratadas neste ensaio, tratam sobre o desconhecimento sobre relações muito mais complexas que o desconhecimento das nuances eleitorais, precisam, portanto, ser enfrentadas com a devida complexidade, pelo prisma proposto, sobretudo, em Warat.

[11] Quando refere-se o texto a estímulos externos, está traçando um paralelo com os mecanismo de controle de massas e indução propostos por Chauí.


Informações Sobre os Autores

Phablo Freire

Advogado, Professor universitário, Bacharel em Direito. Especializando em Gestão de Cidades pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina (FACAPE), Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Damásio Educacional, Mestrando em Psicologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF).

Ramon Gomes Reis

Acadêmico do Curso de Direito, pela Faculdade de Ciências Aplicadas e Sociais de Petrolina – FACAPE


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