Dignidade da pessoa humana e cidadania: Princípios fundamentais e essenciais para o acesso à Justiça

Resumo: A Constituição consagra um conjunto de normas fundamentais que organiza a estrutura do Estado e delimita as relações de poder. Por assim ser considerada, reflete nos cidadãos uma forma de proteção e defesa em favor dos seus interesses. Vários são os princípios que norteiam a Constituição, atuando como vigas mestras sobre as quais se constrói o sistema jurídico. Esses princípios têm a função de orientar, condicionar e iluminar a interpretação das normas jurídicas em geral. O presente trabalho tem como objetivo abordar a dignidade da pessoa humana e a cidadania, como princípios essenciais para a concretização do acesso à justiça por todos os cidadãos.


Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana, cidadania, acesso à justiça.


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Abstract: The Constitution establishes a set of core standards that organizes the structure of the state and defines the relations of power. By thus be considered, reflects the citizens a form of protection and defense in favor of their interests. There are several principles that guide the Constitution, acting as master beams on which to build the legal system. These principles have the responsibility of guiding, condition and illuminate the interpretation of laws in general. This work aims to address human dignity and citizenship, as key principles for the implementation of access to justice for all citizens.


Key-words: Dignity of the human person, citizenship, access to justice.


Sumário: Introdução. Importância da Constituição Federal e de seus princípios. Dignidade da Pessoa Humana. Cidadania: exercício de direitos. Considerações finais. Referências


Introdução


Nos termos do art. 1.º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, a cidadania é um dos fundamentos do Estado brasileiro. Portanto, o governo tem o dever de estabelecer mecanismos de isonomia material aos economicamente necessitados. Significa que a desproporção de poder econômico em relação à parte hipossuficiente há de ser equalizada, conforme preconiza o art. 5º, caput, da Carta Magna.


A Carta Magna contém princípios que, no dizer da maioria dos juristas, são vigas mestras que alicerçam o sistema jurídico brasileiro. Nesse aspecto, não se pode descartar, de qualquer trabalho, a análise do princípio jurídico, pois este influi na interpretação de normas inseridas no texto constitucional. Dentre os princípios fundamentais, destaca-se o da dignidade da pessoa humana, apontado, por alguns doutrinadores, como a principal garantia constitucional. A dignidade é entendida como o último arcabouço que dá guarida aos direitos individuais e o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional.


Em um Estado Democrático de Direito, a Constituição configura-se como a lei máxima. Seu texto exprime um conjunto de normas fundamentais que demandam observância por parte de todos os entes e de todas as pessoas, especialmente o Estado e o legislador infraconstitucional. Não é por acaso que a Constituição é denominada de a lei fundamental do Estado. Suas normas ocupam o ápice da pirâmide jurídica, caracterizando-se pela imperatividade de seus comandos.


O texto constitucional decorre de uma decisão política fundamental, que, espelhando conteúdo político-social, traduz a síntese de aspirações e anseios sociais, que demarcam um ideal consagrado pela Carta Magna (PIOVESAN, 1992, p.65). Para Canotilho (1991, p. 141), as normas do direito constitucional constituem uma “lex superior”, que recolhe o fundamento de validade em si própria. Por isso, afirmam-se como fontes de produção de outras normas jurídicas. Significa que todos os atos dos poderes políticos devem estar em conformidade com a Constituição.


Importância da Constituição Federal e de seus princípios


Analisando os princípios insculpidos na Constituição Federal de 1988, enfatiza Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 161):


“Em resumo, são os princípios constitucionais aqueles valores albergados pelo Texto Maior a fim de dar sistematização ao documento constitucional, de servir como critério de interpretação e finalmente, o que é mais importante, espraiar os seus valores, pulverizá-los sobre todo o mundo jurídico. Os princípios constitucionais são aqueles que guardam os valores fundamentais da ordem jurídica. Isso só é possível na medida em que estes não objetivam regular situações específicas, mas sim desejam lançar a sua força sobre todo o mundo jurídico. Alcançam os princípios essa meta à proporção que perdem o seu caráter de precisão de conteúdo, isto é, conforme vão perdendo densidade semântica, eles ascendem a uma posição que lhes permite sobressair, pairando sobre uma área muito ampla do que uma norma estabelecedora de preceitos. Portanto, o que o princípio perde em carga normativa ganha como força valorativa a espraiar-se por cima de um sem-número de outras normas.”


 Sob esse prisma, Jane Reis Gonçalves Pereira (2006, p. 02) afirma que a importância recente do constitucionalismo está na generalização do esforço de tutelar juridicamente os direitos fundamentais, como passo indispensável para a construção do referido Estado Democrático de Direito, esclarecendo:


“Em conseqüência, a jurisdição dos direitos fundamentais tem buscado estabelecer uma série de pautas e critérios destinados a garantir a efetividade jurídica desses direitos. E a intensificação dessa preocupação, presente na maior parte dos sistemas jurídicos ocidentais, permite identificar os contornos próprios da interpretação constitucional dos direitos fundamentais, a qual é caracterizada por determinadas técnicas e princípios especiais.”


Dentre os princípios previstos na Constituição Federal brasileira, destacam-se dois: a cidadania e a dignidade da pessoa humana. Com efeito, o fundamento do Estado Democrático de Direito expressa-se no compromisso efetivo com a inclusão de todos os cidadãos nas práticas econômicas, políticas e sociais do Estado. Portanto, o poder público não pode se esquivar de promover as medidas necessárias para essa inclusão, devendo prover a todos a igualdade de direitos.Efetivamente, a Constituição de 1988 representou uma superação dos padrões vigentes nas constituições anteriores, no que se refere à defesa e promoção da dignidade da pessoa humana. O legislador constituinte buscou estruturá-la de forma a atribuir-lhe plena normatividade em todos os aspectos jurídicos. Atribuiu-lhe também a função de base ou fundamento do Estado Democrático de Direito. Flademir Jerônimo Belinati Martins (2003, p. 52), entendendo a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional fundamental, leciona:


“Além disso, a Constituição de 1988, ao instituir um amplo sistema de direitos e garantias fundamentais, tanto individuais quanto coletivos, o qual constitui o núcleo básico do ordenamento constitucional brasileiro, buscou não só preservar, mas, acima de tudo, promover a dignidade da pessoa humana, de tal sorte que – já se disse alhures – sempre se poderá extrair o princípio a partir deste amplo rol protetivo. Aliás, a Carta se preocupou não apenas com a instituição, mas também com a efetivação destes direitos, atribuindo um papel ativo ao cidadão e ao Judiciário. Buscou também superar a concepção de direitos subjetivos, para dar lugar a liberdades positivas, realçando o aspecto promocional da atuação estatal.”


Verifica-se, assim, que o respeito à dignidade da pessoa humana deve nortear todas as relações em sociedade, destacando-se como valor ético a ser perseguido, nas quais se insere também a relação de consumo. O Código de Defesa do Consumidor também elencou alguns princípios que devem permear essas relações, a exemplo do princípio da transparência. De acordo com esse princípio, o fornecedor se obriga a prestar informações claras e precisas sobre os produtos e serviços colocados no mercado de consumo.


Dignidade da Pessoa Humana


A dignidade da pessoa humana configura um princípio de fundamental importância, uma vez que repercute sobre todo o ordenamento jurídico. Assim, a tutela dos direitos de todos os cidadãos pressupõe que seja respeitada, em primeiro lugar, a dignidade da pessoa. Nesse aspecto, essencial é o papel do Estado, o qual precisa tomar providências, de modo que os indivíduos tenham condições mínimas para viver com dignidade. Essa foi a preocupação do legislador constituinte, cuidando para que o Estado proporcionasse condições de existência digna aos cidadãos. Geisa de Assis Rodrigues (2006, p. 94) atribui ao princípio da dignidade da pessoa humana papel preponderante junto à defesa do consumidor, ao assinalar:


“O princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa República (art. 1.º, III, da CF/88), deve desempenhar um importante papel na esfera de proteção do consumidor. Grosso modo, relembrando as conhecidas lições de Kant sobre o tema, a dignidade é atributo daquilo que não tem preço. Seria paradoxal, assim, falarmos de dignidade em tema correlato à circulação de riquezas como é a proteção do consumidor? Obviamente que não, porque determinados valores que integram a dignidade do homem contemporâneo só podem lhe ser assegurados se houver um consumo mínimo. Assim, a degradação material de um homem reduzido a uma condição de miséria absoluta afronta a sua dignidade.”


 Dentre os princípios fundamentais gerais expressos na Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana vem estabelecido no art. 1.º, III. Para Willis Santiago Guerra Filho (1999, p. 33), de todos os princípios enunciados no referido artigo, o respeito à dignidade da pessoa humana merece destaque especial, lembrando:


“O princípio mereceu formulação clássica na ética kantiana, precisamente na máxima que determina aos homens, em suas relações interpessoais, não agirem jamais de molde a que o outro seja tratado como objeto, e não como igualmente um sujeito. Esse princípio demarcaria o que a doutrina constitucional alemã, considerando a disposição do art. 19, II, da Lei Fundamental, denomina de núcleo essencial intangível dos direitos fundamentais.”


O princípio da dignidade da pessoa humana é considerado pela maioria dos doutrinadores como fundamento essencial que rege os demais princípios. Por isso, o exercício do poder e a ordem estatal só serão legítimos se observarem o respeito e a proteção da dignidade da pessoa humana, que constitui verdadeiro pressuposto da democracia. O referido princípio expressa um valor inerente a todo cidadão. Esse valor deve ser respeitado por qualquer outra pessoa e, principalmente, por toda legislação jurídica, a fim de que o indivíduo não seja desrespeitado enquanto ser humano. Alexandre de Moraes (2003, p. 50) entende que a dignidade da pessoa humana confere unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas.


Sendo o princípio da dignidade da pessoa humana assim considerado, qualquer norma que venha a violá-lo deve ser afastada. Não se pode perder de vista que o objetivo da Constituição Federal é promover um Estado Democrático de Direito, no qual as pessoas possam viver numa sociedade justa e igualitária. Sobre a matéria, transcreve-se a lição de Ingo Wolfgang Sarlet (2001, p. 103-104):


“A relação entre a dignidade da pessoa humana e as demais normas de direitos fundamentais não pode, portanto, ser corretamente qualificada como sendo, num sentido técnico-jurídico, de cunho subsidiário, mas sim caracterizada por uma substancial fundamentalidade que a dignidade assume em face dos demais direitos fundamentais. É nesse contexto que se poderá afirmar, na esteira de Geddert-Steinacher, que a relação entre a dignidade e os direitos fundamentais é uma relação sui generis, visto que a dignidade da pessoa assume simultaneamente a função de elemento e medida dos direitos fundamentais, de tal sorte que, em regra, uma violação de um direito fundamental estará sempre vinculada com uma ofensa à dignidade da pessoa.”


No mesmo sentido, Clèmerson Merlin Clève (2003, p. 152-153) demonstra que o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado a base essencial de todo o ordenamento jurídico e de todo o sistema de direitos fundamentais, constituindo-se como valor supremo: “Verifica-se, dessa maneira, que os direitos fundamentais sociais devem ser compreendidos por uma dogmática constitucional singular, emancipatória, marcada pelo compromisso com a dignidade da pessoa humana e, pois, com a plena efetividade dos comandos constitucionais”.


O texto constitucional utiliza a noção de dignidade dentro de uma preocupação humanista, ou seja, como aquela que deve ser concedida a toda pessoa humana. José Afonso da Silva (1998, p. 90), interpretando os ensinamentos de Kant, assinala que a dignidade é um valor interno da pessoa humana que não admite substituto equivalente. Para ele, a dignidade se confunde com a própria natureza do ser humano. Do mesmo entendimento partilha Eduardo Ramalho Rabenhorst (2001, p. 15), o qual considera a dignidade uma “categoria moral” relacionada com a própria representação que se faz da condição humana. Para ele, a dignidade constitui a “qualidade ou valor particular que atribuímos aos seres humanos em função da posição que eles ocupam na escala dos seres”, ou seja, esses movimentos legitimam suas ações na idéia de um direito natural que assegura a liberdade e a igualdade entre todos os homens.


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Cidadania: exercício de direitos


Em razão do avanço tecnológico, científico e cultural, várias alterações ocorreram nas relações jurídicas. Essas mudanças fizeram com que os juristas passassem a se preocupar não em fundamentar as novas relações, mas sim em proteger o cidadão dessas relações. Em outras palavras, passaram a buscar a segurança necessária para garantir os direitos fundamentais nesse novo quadro de relações. Cristiano Chaves de Farias (2002, p. 83) analisa a defesa do consumidor em decorrência do fenômeno da globalização, identificando a cidadania como elemento fundamental da ordem jurídica. Em suas considerações, destaca:


“E reconheça-se que o ponto de partida para tanto deve estar, sempre, no conceito de cidadania. Isso porque a cidadania, concebida como elemento essencial, concreto e real, para servir de centro nevrálgico das mudanças paradigmáticas da ciência jurídica, será a ponte, o elo de ligação, com o porvir, com os avanços de todas as naturezas, com as conquistas do homem que se consolidam, permitindo um direito mais sensível, aberto e poroso aos novos elementos que se descortinem na sociedade. Um direito mais real, humano e, por conseguinte, justo.”


Como se observa, o autor destaca o princípio da cidadania, uma vez que a proteção do consumidor constitui um dos mais importantes aspectos na garantia do exercício da cidadania. Para o citado autor, a cidadania deve ser exercida em sua plenitude, inclusive no que se refere à proteção do consumidor. Portanto, a defesa do consumidor expressa-se como exercício da cidadania e também da dignidade da pessoa humana. A Constituição Federal de 1988 elenca a cidadania como o segundo fundamento do Estado brasileiro. Muitos doutrinadores encontram dificuldades para definir o que seja a cidadania: alguns a relacionam com a perda ou aquisição da nacionalidade, enquanto outros a identificam com os direitos políticos de votar e ser votado.


 O conceito de cidadania foi abordado de várias formas por diversos autores. Nesse aspecto, tornou-se clássica e referencial a concepção de Thomas H. Marshall. Este, em 1949, propôs a primeira teoria sociológica de cidadania, ao desenvolver os direitos e obrigações inerentes à condição de cidadão. Marshall estabeleceu a seguinte tipologia dos direitos de cidadania: os direitos civis, conquistados no século XVIII; os direitos políticos, alcançados no século XIX, e os direitos sociais, conquistados no século XX.


Na obra de Marshall, a cidadania foi concebida como a participação integral do indivíduo na comunidade política. Manifestava-se, por exemplo, como lealdade ao padrão de civilização vigente e à sua herança social, e como acesso ao bem-estar e à segurança material. Desde as suas concepções, o conceito de cidadania vem sendo consideravelmente ampliado. Deixou de abranger apenas os direitos e deveres políticos, para incorporar também os direitos civis, sociais e econômicos. Hoje, o conceito de cidadania está associado à participação integral dos cidadãos na comunidade.


Nessa perspectiva, a participação popular nos movimentos sociais, políticos e econômicos do Estado se tornou parte principal no processo de desenvolvimento da cidadania. Significa que, como princípio constitucional fundamental, a cidadania deve ser respeitada em favor dos interesses dos cidadãos, com o objetivo de se concretizar um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Analisando o conceito de cidadania, Valério de Oliveira Mazzuoli (2001) assinala:


“A cidadania é um processo em constante construção, que teve origem, historicamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII – chamado Século das Luzes –, sob a forma de direitos de liberdade, mais precisamente, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal e econômica, rompendo-se com o feudalismo medieval na busca da participação na sociedade. A concepção moderna de cidadania surge, então, quando ocorre a ruptura com o ancien régime absolutista, em virtude de ser ela incompatível com os privilégios mantidos pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter o status de “cidadão”, tendo asseguradas, por um rol mínimo de normas jurídicas, a liberdade e a igualdade, contra qualquer atuação arbitrária do então Estado-coator.”


Milena Petters Melo (1999) entende que a nova ordem constitucional implantada em 1988 objetivou instaurar o processo de redemocratização no Brasil. Nesse sentido, estabeleceu uma série de direitos e garantias fundamentais que viriam a criar uma nova concepção de cidadania e exercício democrático. A esse respeito, afirma:


“O conceito de cidadania, configurado no âmbito do saber jurídico-constitucional dominante no Brasil, freqüentemente peca pela limitação, posto estar calcado em concepções nitidamente liberais, embevecidas na idéia de democracia formal representativa, que o vinculam à nacionalidade, restringindo o seu exercício ao direito de votar e ser votado e à faculdade de ocupar cargos públicos. No entanto, a práxis da cidadania não se limita ao instante periódico do voto, ela está profundamente vinculada à concretização dos direitos fundamentais e ao exercício democrático.”


 Cidadania deve ser entendida como meio concreto de realização da soberania popular. Seu exercício compreende uma variedade de direitos que se opõem à ação dos poderes públicos que tragam prejuízo para a sociedade. A doutrina destaca o processo de internacionalização dos direitos humanos, iniciado com a proclamação da Declaração Universal de 1948, e reiterado na segunda Conferência de Viena, em 1993. Com a consolidação desse processo, os cidadãos passaram a ter seus direitos e garantias fundamentais mínimos assegurados constitucionalmente. Ainda sobre o conceito de cidadania, Liszt Vieira (2002, p. 27) esclarece:


“A República Moderna não inventou o conceito de cidadania, que, na verdade, se origina na República Antiga. A cidadania em Roma, por exemplo, é um estatuto unitário pelo qual todos os cidadãos são iguais em direitos. Direitos de estado civil, de residência, de sufrágio, de matrimônio, de herança, de acesso à justiça, enfim, todos os direitos individuais que permitem acesso ao direito civil. Ser cidadão é, portanto, ser membro de pleno direito da cidade, seus direitos civis são plenamente direitos individuais. Mas ser cidadão é também ter acesso à decisão política, ser um possível governante, um homem político. Esse tem direito não apenas a eleger representantes, mas a participar diretamente na condução dos negócios da cidade.”


Para a autora, a cidadania pode cumprir um papel libertador e contribuir para a emancipação humana. Nesse contexto, cabe ao direito o papel normativo de regular as relações entre o indivíduo e o Estado, bem como entre os direitos e deveres da cidadania, definindo as regras da vida democrática.


Manoel Gonçalves Ferreira Filho (1983, p. 105) conceitua a cidadania como um estágio acrescido de direitos políticos, ou seja, o poder de participar do processo governamental, sobretudo pelo voto. Tomando como base esse conceito, entende-se que a cidadania tem por conteúdo a nacionalidade, somada ao gozo dos direitos políticos. Ainda hoje, existem concepções entendendo que o conceito de cidadania é reduzido ao exercício dos direitos políticos dos indivíduos.


Acontece que o conceito de cidadania, por sua amplitude, não pode englobar apenas o exercício dos direitos políticos. Envolve também a relação jurídica entre o cidadão e o Estado, onde se delimitam direitos e deveres recíprocos. Expressa-se ainda em uma ampla participação social e política da sociedade, na qual se assegure o respeito aos direitos humanos. Para Alexandre César (2002, p. 45), falar em cidadania é falar também em direitos humanos, uma vez que a história dos direitos humanos se confunde com a história das lutas de libertação do homem. A esse respeito, enfatiza:


“Esse caráter pluralista da construção de um novo conceito de cidadania, pautado na efetivação dos direitos humanos, encontra na sociedade contemporânea, mormente na brasileira, quiçá por seu caráter semiperiférico, materialização através de inúmeras formas de organizações, mobilização e luta política.”


É com base nesse novo contexto que a Constituição Federal de 1988 consagra, em vários de seus dispositivos, a exemplo dos arts. 68, § 1.º, II; 22, XIII, e 5.º, LXXIII, os vocábulos “cidadania” e “cidadão”. Esses conceitos são entendidos como a consciência de participação dos indivíduos na vida da sociedade e nos negócios que envolvem o âmbito do Estado. Os indivíduos devem participar, em igualdade de direitos e obrigações, da construção da convivência coletiva, com base num sentimento ético comum capaz de torná-los partícipes no processo do poder e garantir-lhes o acesso ao espaço público.


Considerações finais


Os princípios da cidadania e da dignidade da pessoa humana constituem-se como essenciais ao exercício do direito ao acesso à justiça e, conseqüentemente, ao direito à assistência jurídica. Por isso, devem ser respeitados pelo Estado, ao qual incumbe respeitar os comandos constitucionais.


Observa-se que a garantia do efetivo acesso à justiça constitui elemento essencial ao exercício integral da cidadania. Essa garantia não se limita ao mero acesso à tutela jurisdicional, já que o cidadão necessita de mecanismos próprios e adequados para que possa efetivar seus direitos. Astried Brettas Grunwald (2003), considerando a gratuidade judiciária como garantia constitucional de acesso à justiça e como forma de efetivação da cidadania, enfatiza que a cidadania passa a ser percebida como um novo paradigma para a proteção e promoção dos direitos da pessoa humana, entre eles o acesso à justiça.


Com efeito, a cidadania e a dignidade da pessoa humana são princípios essenciais para que se efetive o acesso de todos os cidadãos à justiça e se concretize a defesa do consumidor. Estas são as condições imprescindíveis para a instituição da assistência jurídica. Analisados os princípios constitucionais fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana, e tendo em vista a sua intrínseca ligação com a assistência jurídica e a defesa do consumidor, passa-se a discorrer sobre o referido instituto, demonstrando a sua importância para o efetivo acesso à justiça.


 


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Informações Sobre o Autor

Fernanda Holanda de Vasconcelos Brandão

Mestre e Doutoranda em Ciências Jurídicas pela UFPB. Professora da UFPB e UNIPÊ


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