Direito Administrativo e o domínio publico

Domínio Público

1 – Conceito – a expressão domínio público ora designa o poder que o Estado exerce sobre todas as coisas de interesse público (domínio eminente), ora o poder de propriedade que exerce sobre o seu patrimônio (domínio patrimonial). São bens públicos todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, móveis ou imóveis, semoventes, créditos, etc., que pertençam às entidades estatais, autárquicas ou paraestatais. (*) Celso Bandeira de Mello, ainda, inclui entre os bens públicos aqueles que, embora não pertencentes a tais pessoas, esteja afetados à prestação de um serviço público. O conjunto de bens públicos forma o ‘domínio público’, que inclui tanto bens imóveis, como móveis.

2 – (*) No direito brasileiro, a primeira classificação metódica dos bem públicos, ainda hoje subsistente, foi feita pelo Código Civil, sendo pobre, antes disso, a doutrina a respeito do assunto. O Código Civil (art.66) adotou terminologia própria, peculiar ao direito brasileiro, não seguindo o modelo estrangeiro, onde é mais comum a bipartição dos bens públicos, conforme o regime jurídico adotado. Classificação

2.1 – Sob o Aspecto Jurídico (critério quanto à destinação ou afetação dos bens):

2.1.1 – Bens de Uso Comum do Povo ou do Domínio Público – não pertencem ao Estado mas a toda coletividade, sem uma destinação específica (ex: mares, praças, rios, estradas, etc.).

2.1.2 – Bens de Uso Especial ou do Patrimônio Administrativo – são bens com uma destinação especial, porque se destinam a instrumentalizar o serviço público. São, por essa razão, indisponíveis (ex: máquinas, veículos, etc.).

2.1.3 – Bens Dominiais ou Patrimoniais Disponíveis – são todos os bens sobre os quais a Administração Pública exerce poderes de proprietário. Diferem-se dos outros pela possibilidade de serem utilizados para qualquer fim, dentro de uma finalidade pública, e de serem alienados.

2.2 – Quanto à Natureza Física

2.2.1 – Bens do Domínio Hídrico – são as águas públicas, que compreendem as águas correntes (mar, rios, riachos, etc.), as águas dormentes (lagos, lagoas, açudes, etc.) e os potenciais de energia hidráulica.

2.2.2 – Bens do Domínio Terrestre – compreendem o solo e o subsolo.

3 – Aquisição – dá-se através dos instrumentos comuns do Direito Privado (compra, permuta, doação ou dação em pagamento) ou compulsoriamente, através de desapropriação e adjudicação em execução de sentença, e ainda através de usucapião em favor do Poder Público. Cada uma dessas modalidades de aquisição possui forma e requisitos específicos.

3.1 – Aquisição de Bens Imóveis – de um modo geral a aquisição onerosa de bens imóveis depende de (1) prévia autorização legal, (2) avaliação e (3) licitação, podendo esta ser dispensada quando o bem escolhido for o único que convenha à Administração. Os bens imóveis de uso especial e os dominiais são sujeitos à registro imobiliário; os de uso comum do povo, não, enquanto mantiverem essa destinação.

3.2 – Aquisição de Bens Móveis – quanto aos bens móveis (destinados ao serviço público), sua aquisição dispensa autorização legal, mas depende de (1) licitação, na modalidade adequada ao contrato (concorrência, tomada de preços ou convite). (*) Há, ainda, a licitação por leilão.

4 – Utilização

4.1 – Uso Comum – é a que se reconhece a toda coletividade indistintamente, em relação aos bens de uso comum. (*) Importa fixar, de logo, que os bens de uso comum, como o nome indica, fundamentalmente servem para serem utilizados indistintamente por quaisquer sujeitos, em concorrência igualitária e harmoniosa com os demais, de acordo com o destino do bem e em condições que não lhe causem uma sobrecarga invulgar. Tal uso é livre a quaisquer sujeitos, independentemente de manifestação administrativa aquiescente. Ao dizer-se que o uso é livre, está-se caracterizando que ele independe de algum ato administrativo reportado a alguma individualização especificadora de tal ou qual utente. Assim, v.g., o pagamento de pedágio, a que se vem de aludir, é condição geral imponível a quaisquer condutores de veículos – e não decisão individualmente tomada à vista deste ou daquele usuário.

4.2 – Uso Especial – é a que se reconhece a determinadas pessoas para usufruírem de determinados bens, com exclusividade, mediante contrato ou ato unilateral da Administração Pública. São formas de uso especial:

4.2.1 – Autorização de Uso – é ato unilateral, gratuito ou oneroso, independente de lei, discricionário, sem forma especial, revogável precariamente pela Administração, e que não gera direitos para o particular. Ex.: autorização para ocupação de terreno baldio, retirada de água de fontes não abertas ao uso comum do povo, ou outras que não prejudiquem à coletividade e que só interessem a particulares. Inexiste interesse público.

4.2.2 – Permissão de Uso (de bem público, e não de serviços públicos) – é ato negocial (porque pode ser feito com ou sem condições, por tempo certo, etc.) unilateral, gratuito ou oneroso, independente de lei, discricionário, revogável precariamente pela Administração e que não gera direitos para o particular, salvo se o contrário se dispuser no contrato. Agora, pela nova Lei 8.666/93, exige procedimento licitatório (artigo 2º). Ex.: permissão para a instalação de uma banca de jornais em calçada, instalações particulares convenientes em logradouros, vestiários em praias, etc.

4.2.3 – Concessão de Uso – é contrato administrativo através do qual o Poder Público concede a alguém o uso exclusivo de determinado bem público para que o explore segundo sua destinação específica. O que a distingue da autorização e da permissão de uso é o seu caráter contratual e de estabilidade das relações jurídicas dela resultantes. É intuitu personae (não pode ser transferido sem prévio consentimento da Administração), pode ser gratuito ou oneroso, depende de lei e procedimento licitatório (artigo 2 da Lei 8.666/93), gera direitos para o particular, com indenização dos prejuízos eventualmente causados a ele. Ex.: uso de área de um mercado público, restaurantes em edifícios ou logradouros públicos, exploração de hotel municipal, etc.

4.2.4 – Cessão de Uso – é a transferência da posse de bens entre órgãos ou entidades públicas, gratuitamente. Assemelha-se ao comodato do Direito Privado. Depende de autorização legal e formaliza-se através de simples termo ou anotação cadastral. Como não opera a transferência da propriedade, prescinde de registro imobiliário.

4.2.5 – Concessão de Direito Real de Uso ou Domínio Pleno – esse instituto foi criado pelo Decreto-lei 271/67. É a transferência à particular, pela Administração, da posse de imóvel público para ser por ele utilizado ou explorado em fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo ou qualquer outra exploração de interesse social. É contrato administrativo, direito real resolúvel, transferível pelo particular por ato inter vivos ou causa mortis, a título gratuito ou oneroso. (*) É o contrato pelo qual a Administração transfere, como direito real resolúvel, o uso remunerado ou gratuito de terreno público ou do espaço aéreo que o recobre, para que seja utilizado com fins específicos por tempo certo ou por prazo indeterminado. Diverge da simples concessão de uso pelo fato de que ao contrário daquela – na qual apenas se compõe du direito de natureza obrigacional (isto é, pessoal) – instaura um direito real. Possui, então, como características inerentes sua imediata adesão à coisa e o chamado direito de seqüela. Só em caso de desvirtuamento da finalidade da concessão o imóvel reverterá à Administração Pública. Do contrário, poderá ficar ad eternum com o particular, seus cessionários ou sucessores. Depende de lei e prévia concorrência, dispensando-se esta quando o beneficiário for outro órgão ou entidade da Administração Pública (Lei 8.666/93, artigo 17, § 2) e formaliza-se através de escritura pública ou termo administrativo, sujeitos a registro.

4.2.6 – Aforamento – não se confunde com a concessão de direito real de uso, que exige finalidade específica. É um instituto civil (art. 678 a 694 do Código Civil e art. 99 a 124 do Decreto-lei 9760/46) que permite ao proprietário (no caso a Administração Pública) atribuir a outrem (no caso o particular) o domínio útil de imóvel de sua propriedade, mediante o pagamento de uma importância certa, invariável e anual, chamada foro ou pensão. Trata-se de um direito real sobre coisa alheia, em que se confere ao titular do direito – foreiro ou enfiteuta – a plena posse, uso e gozo da coisa, sem fins específicos, com poderes, inclusive, de aliená-la e transmiti-la hereditariamente, desde que pague anualmente ao senhorio direto (proprietário) chamada de foro ou pensão anual.

5 – Alienação – quando o artigo 67 do CCB diz que os bens públicos são inalienáveis, isso significa que o são somente enquanto destinados ao uso comum do povo ou a fins administrativos especiais, i. é, enquanto tiverem afetação pública (destinação pública específica), como as praças, os materiais utilizados no serviço público, etc. Desafetados os bens públicos, através de lei, eles poderão ser alienados como qualquer bem de particular, transformando-se em bens dominiais (há necessidade de lei também para alterar a finalidade do bem quando esta tiver sido determinada por lei, como por exemplo a transformação de um hospital em escola). (*) “Art. 67. Os bens de que trata o artigo antecedente só perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever”.

5.1 – Bem Imóvel – segundo a Lei 8.666/93, a alienação de bens imóveis depende de (1) prévia avaliação, (2) autorização legislativa no caso de bens de órgãos da Administração Direta e entidades autarquias e fundacionais (não precisa em relação a bens de paraestatais, salvo quando prestadoras de serviço público), e (3) licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos casos de dação em pagamento, doação para outro órgão ou entidade da Administração Pública, permuta, investidura, venda a outro órgão ou entidade da Administração Pública, e alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social por órgãos e entidades da Administração Pública (artigo 17, I). (*)Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:  a) dação em pagamento;  b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da Administração Pública, de qualquer esfera de governo;  c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;  d) investidura;  e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo; f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da administração pública especificamente criados para esse fim; II – quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos: a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência sócio-econômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação;  b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública;  c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica; d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente; e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades; f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe.  § 1o Os imóveis doados com base na alínea “b” do inciso I deste artigo, cessadas as razões que justificaram a sua doação, reverterão ao patrimônio da pessoa jurídica doadora, vedada a sua alienação pelo beneficiário.  § 2o A Administração poderá conceder direito real de uso de bens imóveis, dispensada licitação, quando o uso se destina a outro órgão ou entidade da Administração Pública. § 3o Entende-se por investidura, para os fins desta lei: I – a alienação aos proprietários de imóveis lindeiros de área remanescente ou resultante de obra pública, área esta que se tornar inaproveitável isoladamente, por preço nunca inferior ao da avaliação e desde que esse não ultrapasse a 50% (cinqüenta por cento) do valor constante da alínea “a” do inciso II do art. 23 desta lei; (Inciso incluído pela Lei nº 9.648, de 27.5.98) II – a alienação, aos legítimos possuidores diretos ou, na falta destes, ao Poder Público, de imóveis para fins residenciais construídos em núcleos urbanos anexos a usinas hidrelétricas, desde que considerados dispensáveis na fase de operação dessas unidades e não integrem a categoria de bens reversíveis ao final da concessão. (Inciso incluído pela Lei nº 9.648, de 27.5.98) § 4o A doação com encargo será licitada e de seu instrumento constarão, obrigatoriamente os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de reversão, sob pena de nulidade do ato, sendo dispensada a licitação no caso de interesse público devidamente justificado; § 5o Na hipótese do parágrafo anterior, caso o donatário necessite oferecer o imóvel em garantia de financiamento, a cláusula de reversão e demais obrigações serão garantidas por hipoteca em segundo grau em favor do doador. § 6o Para a venda de bens móveis avaliados, isolada ou globalmente, em quantia não superior ao limite previsto no art. 23, inciso II, alínea “b” desta Lei, a Administração poderá permitir o leilão.

5.2 – Bem Móvel – segundo a Lei 8.666/93, a alienação de bens móveis depende de (1) prévia avaliação e (2) licitação, dispensada esta nos casos de doação para fins e uso de interesse social, permuta entre órgãos e entidades da Administração Pública, venda de ações, de títulos e de bens produzidos ou comercializados por órgãos e entidades da Administração Pública em virtude de sua finalidades, ou materiais e equipamentos que não estejam sendo utilizados para outros órgãos ou entidades da Administração Pública (artigo 17, II).

5.3 – Formas de Alienação

5.3.1 – Venda – é contrato civil e exige os requisitos determinados pela Lei 8.666/93.

5.3.2 – Doação – idem. Modernamente, a doação de terrenos públicos vem sendo substituída, com vantagens, pela concessão de direito real de uso.

5.3.3 – Dação em Pagamento – é contrato civil e exige os requisitos determinados pela Lei 8.666/93.

5.3.4 – Permuta – idem.

5.3.5 – Investidura – é a alienação a proprietário de terreno lindeiro de faixa de área pública inaproveitável isoladamente, remanescente ou resultante de obra pública, podendo atingir também área rural, por preço nunca inferior ao da avaliação, e desde que esse não ultrapasse 50% do valor constante na alínea a do inciso II do artigo 23 (R$ 150.000,00, com a redação dada pela Lei nº 9.648, de 27-5-98) (artigo 17, § 3 da Lei 8.666/93). É o contrário da desapropriação e exige prévia autorização legislativa e avaliação, e se formaliza através de escritura pública ou termo administrativo, sujeitos a registro imobiliário.

5.3.6 – Concessão de Domínio – difere da concessão de uso e de direito real de uso porque estes não transferem o domínio. São vendas ou doações de terras públicas que tiveram a sua origem nas concessões de sesmaria da Coroa. Atualmente só são utilizadas nas concessões de terras devolutas, consoante prevê a CF, artigo 188, § 1 – §1º “A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional”. Exige prévia autorização legislativa, avaliação e, ainda, prévia autorização do Congresso Nacional, quando a extensão da área for superior a 2500 ha. Quando feita entre entidades estatais, formaliza-se através de lei e independente de registro; quando feita a particulares, exige termo administrativo ou escritura pública, sujeitos à registro.

5.3.7 – Legitimação de Posse – embora não haja usucapião de bem público, nem direito de posseiro que se instala em terras do Poder Público (federal, estadual ou municipal), pode haver o reconhecimento, por este, da conveniência de legitimar certas ocupações, convertendo-as em propriedade em favor dos ocupantes. É providência que se harmoniza com a função social da propriedade, um dos princípios da atividade econômica do Estado, prevista no artigo 170, III, da CF. É modo excepcional de transferência do domínio de terra devoluta ou área pública sem utilização, ocupada por longo tempo por particular que nela se instala, cultivando-a ou edificando-a para seu uso. No âmbito da União é feita na forma do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64). O título de legitimação da posse, conferido pelo Poder Público, deve ser registrado.

6 – REGIME JURÍDICO DOS BENS PÚBLICOS.

Os bens públicos, no direito brasileiro, marcam-se pelas seguintes características de regime:

a) ANALIENABILIDADE ou alienabilidade nos termos da lei. Os de uso comum ou especial não são alienáveis enquanto conservarem tal qualificação, isto é, enquanto estiverem afetados a tais destinos. Só podem sê-lo (sempre nos termos da lei), ao serem desafetados, passando à categoria dos dominiais.

b) IMPENHORABILIDADE, é uma conseqüência do anterior. (*) De acordo com o art. 100, da Constituição, há uma forma específica para satisfação de créditos contra o Poder Público inadimplente, não podendo ser praceados os bens públicos para que o credor neles se sacie.

c) IMPRESCRITIBILIDADE, quer-se com esta expressão significar que os bens públicos – sejam de que categoria forem – não são suscetíveis de usucapião. É O QUE ESTABELECE O ARTIGO 200 DO DECRETO-LEI 9.760, DE 5 DE SETEMBRO DE 1946, QUE REGULA O DOMÍNIO PÚBLICO FEDERAL. Antes dele, já a tradição normativa, desde o Brasil Colônia, repelia o usucapião de terras públicas, embora alguns insistissem em questionar esse tópico. A primeira Lei de Terras do Brasil independente (1850), impunham tal intelecção e os Decretos federais que se sucederam também espancavam qualquer dúvida sobre isto. Hoje, a matéria está plenamente pacificada (Súmula 340 do STF): “Desde a vigência do Código Civil, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião”.

Ademais, a CF vigente é expressa, em seus art. 183, p. 3, e 191, p. único, ao dispor que “os imóveis públicos não serão adquiridos por usucapião”.

7) Bibliografia e fontes de consulta: 1) Material de Maria Cristina Saraiva Ferreira e Silva; e 2) Material do Juiz Federal Jairo Gilberto Schäfer.

Bens Públicos da União

1 – Como visto, quanto à natureza física, os bens públicos classificam-se em: a) bens do domínio hídrico, compreendendo as águas correntes (mar, rios, riachos, etc.), as águas dormentes (lagos, lagoas, açudes, etc.) e potenciais de energia hidráulica; e b) bens do domínio terrestre, compreendendo o solo e o subsolo.

2 – BENS DO DOMÍNIO HÍDRICO. Águas Públicas. São as águas salgadas e doces, compreendendo o mar territorial e as águas correntes e dormentes qualificadas como públicas.

2.1.1 – Mar Territorial – bem público de uso comum, é a faixa de 12 milhas marítimas de largura, contadas a partir da linha do baixa-mar do litoral continental e insular do País (artigo 1 da Lei 8.617/93).

2.1.2 – Águas Correntes e Dormentes – são águas correntes os rios, riachos, canais, etc., e águas dormentes os lagos, lagoas, etc. Serão bens públicos de uso comum quando navegáveis ou flutuáveis bem como as correntes de que se façam estas águas(quando não-navegáveis e não-flutuáveis, Di Pietro diz que são águas comuns – artigo 7 do Código de Águas). São águas públicas, mas já agora como bens públicos dominicais quando, situadas em terras públicas, não forem do domínio público de uso comum, nem águas comuns. Nos demais casos, por exclusão, serão águas particulares.

2.1.2.1 – Rios Públicos Federais e Estaduais – os rios públicos serão federais quando situados em terras federais, ou quando banhem mais de um Estado, ou sirvam de limite com outros países, ou quando se estendam ou provenham de território estrangeiro (artigo 20 da CF). Nos demais casos serão estaduais (artigo 26 da CF).

2.1.2.2 – Lagos e Lagoas Federais e Estaduais – serão federais quando situados em terras federais, ou quando banhem mais de um Estado, ou sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham(artigo 20 da CF). Nos demais casos serão estaduais (artigo 26 da CF).

2.1.3 – Lagos e Lagoas Particulares – os lagos e lagoas serão particulares quando situados e cercados por um prédio particular, e não forem alimentados por correntes públicas.

2.1.4 – Águas Situadas em Zona de Seca – serão sempre bens públicos de uso comum.

2.1.5 – Regime Jurídico

2.1.5.1 – Águas Internas – são aquelas que banham exclusivamente o território nacional. Em relação a elas o domínio da Nação é pleno e não sofre restrições. São reguladas pelo Código de Águas, sendo que o uso das águas particulares e a própria repartição entre vizinhos é regulada pelo CCB. Também constituem águas internas as águas minerais, que possuem o seu próprio código. Essas leis foram recepcionadas pela atual CF, que apenas se limitou a reservar à União a competência para legislar sobre águas (artigo 22, IV), bem como o aproveitamento energético do curso das águas em articulação com os Estados onde se situam, diretamente ou mediante autorização, permissão ou concessão (artigo 21, XII, b).

2.1.5.2. – Águas Externas – são as que contornam o continente, sendo a jurisdição nacional condicionada às regras internacionais sobre águas.

3 – Recursos Minerais e Potenciais de Energia Hidráulica

3.2.1 – Domínio – são bens públicos pertencentes à União, por força do artigo 20, VIII e IX, da CF.

3.2.2 – Propriedade do Solo e do Produto da Lavra – o artigo 176 da CF determina que “as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo (que pode pertencer a particulares), para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra”. Assim, os recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica pertencem à União, podendo o solo pertencer a terceiro.

3.2.3 – Pesquisa, Lavra e Aproveitamento dos Recursos – não obstante a propriedade dos recursos minerais e dos potenciais de energia hidráulica seja da União, esta pode autorizar ou conceder a sua pesquisa, lavra ou aproveitamento a terceiro (§ 1 do artigo 176 da CF, alterado pela EC n° 6/95) no interesse nacional, a brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País.

3.2.4 – Participação nos Resultados – ao proprietário do solo é assegurada participação nos resultados da lavra, na forma e no valor como dispuser a lei (Lei 8.901/94) (§ 2 do artigo 176).

3.2.5 – Competência Legislativa – a competência legislativa sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia é privativa da União (artigo 22, XII). Todavia, pelo parágrafo único do artigo 22, lei complementar pode autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas relacionadas às matérias de competência da União, onde se inserem os recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica.

3.3 – Petróleo e Minérios Nucleares – embora também sejam recursos minerais, estão fora do alcance do artigo 176 da CF, constituindo, a sua pesquisa e lavra, monopólio da União, segundo o artigo 177 da CF. Sem prejuízo do seu monopólio, a União, por força da EC n° 9/95, pode contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades elencadas nos incisos do artigo 177, tais como refino, pesquisa, lavra, etc. (*) Art. 177. Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem; V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados.

4 – Domínio terrestre sobre o solo. Terras públicas: terras devolutas, a plataforma continental, as terras ocupadas pelos silvícolas, os terrenos de marinha, os terrenos acrescidos, as ilhas dos rios públicos e oceânicas, os álveos abandonados, as vias e logradouros públicos e as áreas ocupadas com fortificações e edifícios públicos, os sítios arqueológicos e pré-históricos, recursos minerais, inclusive subsolo, cavidades naturais subterrâneas.

4.1 – Terras Devolutas

4.1.1 – Conceito – são espécie do gênero terras públicas, ao lado de tantas outras, como os terrenos reservados, terrenos de marinha, etc. Segundo a Lei Imperial n.º 601, de 1850, devolutas são as terras que não se acham no domínio particular, por qualquer título legítimo, e aquelas que não são utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos. Maria Sylvia Di Pietro diz que devoluta é a terra não-incorporada ao domínio particular e também aquela que já se incorporou ao domínio público, mas não é afetada a uma finalidade ou uso públicos. A primeira parte desse conceito abrange as terras que ainda não foram objeto de ação discriminatória; a segunda, as já incorporadas ao patrimônio público. (*) Pode-se definir as terras devolutas como sendo as que, dada a origem pública da propriedade fundiária no Brasil, pertencem ao Estado – sem estarem aplicadas a qualquer uso público – porque nem foram trespassadas do Poder Público aos particulares, ou se o foram caíram em comisso, nem se integraram no domínio privado por algum título reconhecido como legítimo.

4.1.2 – Titularidade – com a descoberta do País, todo o território nacional passou a pertencer à Coroa Portuguesa por direito de conquista, que depois o repassou ao Império e à República, mas sempre como domínio público.

4.1.2.1 – Constituição de 1891 – atribuiu aos Estados-Membros as terras devolutas situadas nos respectivos territórios, deixando para a União apenas a porção do território indispensável à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro. Assim, era do domínio dos Estados as terras situadas no seu território, salvo as tituladas em nome de particular, e da União as terras indispensáveis à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro.

4.1.2.2 – Constituição de 1934 – não disse, como a Carta de 1891, pertencerem à União as terras indispensáveis à defesa das fronteiras. Disse apenas que eram do domínio da União os bens a ela pertencentes nos termos da legislação em vigor, o que significava dizer que manteve o regime anterior.

4.1.2.3 – Constituição de 1937 – manteve o mesmo regime da Carta de 1934.

4.1.2.4 – Constituição de 1945 – afirmou o domínio da União sobre as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações militares e das estradas de ferro.

4.1.2.5 – Constituição de 1967 – reservou para a União a porção de terras devolutas indispensável à segurança e ao desenvolvimento nacionais.

4.1.2.6 – Constituição de 1988 – prescreve em seu artigo 20, II, que são bens da União “as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei”. Por exclusão, são terras devolutas dos Estados as terras não compreendidas entre as devolutas da União, e as que não tenham sido trespassadas aos Municípios (os Estados, a partir da Constituição de 1891, trespassaram em suas Constituições e/ou Leis Orgânicas dos Municípios, parte destas terras devolutas às municipalidades), ou que não sejam tituladas em nome de particular

4.1.2.7 – Observação – da passagem da Constituição de 67 para a de 88, parece que algumas terras devolutas, antes pertencentes aos Estados, passaram ao domínio público federal, como é o caso das terras indispensáveis à defesa ambiental.

4.1.3 – Faixa de Fronteira – é a faixa de terra paralela à linha divisória terrestre do território nacional indispensável à segurança nacional.

4.1.3.1 – Constituição de 1891 – não fixou a extensão da faixa de fronteira. Fê-lo a Lei Imperial n.º 601/850, julgada pelo STF compatível com a CF/1891, que a previu como sendo de 66 Km (10 léguas).

4.1.3.2 – Constituição de 1934 – aumentou a extensão da faixa de fronteira para 100 Km, e dispôs que dentro desse limite as concessões de terras dependiam de prévia audiência do Conselho Superior de Segurança Nacional. Com isso, embora a faixa de fronteira tivesse sido ampliada, permaneceu no domínio da União apenas as terras devolutas situadas dentro da extensão de 66 Km, pois somente os bens que já lhe pertenciam à data da promulgação da Constituição é que permaneceram sob o seu domínio. O restante, até completar 100 Km, ficou sob o domínio dos Estados, ficando as concessões dentro dessa área, entretanto, sujeitas à prévia audiência do CSSN – Conselho Superior de Segurança Nacional,

4.1.3.3 – Constituição de 1937 – aumentou para 150 Km a extensão da faixa de fronteira.

4.1.3.4 – Constituição de 1945 – disse que nas zonas indispensáveis à defesa do País não seria permitido, sem prévio consentimento do Conselho Superior de Segurança Nacional, qualquer ato referente à concessão de terras, conferindo ao legislador especificar quais seriam essas zonas, o que veio a ser feito pela Lei n.º 2.597/55, que manteve a extensão de 150 Km para a faixa de fronteira.

4.1.3.5 – Constituição de 1967 – manteve a extensão de 150 Km para a faixa de fronteira.

4.1.3.6 – Constituição de 1988 – prescreve no §2º do seu artigo 20, que “a faixa de até cento e cinqüenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei”.

4.1.3.7 – Terras Devolutas e Faixa de Fronteira – a Constituição de 1891 não disse pertencerem à União as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras. Foi além, e disse pertencer-lhe a porção do território nacional indispensável à defesa das fronteiras, englobando, assim, todas as terras situadas na faixa de fronteira, devolutas, ou não. Com isso, pode-se dizer que toda a faixa de fronteira, definida como sendo a faixa de terra paralela à linha divisória terrestre do território nacional indispensável à segurança nacional, pertencia, à época, à União. Esse regime foi mantido até a Constituição de 1946, que reservou para a União somente as terras devolutas situadas na faixa de fronteira, no que foi seguido pelas Constituições posteriores. Com isso, tem-se que, desde 1946, admite-se a existência de propriedade particular na faixa de fronteira, havendo apenas restrições quanto ao uso e à alienação, conforme regulado por lei, em benefício da segurança nacional.

4.1.3.7.1 – Decreto-lei n.º 9.760/46 – estatui que “são devolutas, na faixa de fronteira, nos Territórios Federais e no Distrito Federal, as terras que, não sendo próprias nem aplicadas a algum uso público federal, estadual ou municipal, não se incorporaram ao domínio privado”. Ou seja, a terra que, situada na faixa de fronteira, não for pertencente a particular e não estiver sendo aplicado a algum uso público, constitui terra devoluta.

4.1.4 – Jurisprudência – com relação às terras já incorporadas ao patrimônio púbico, não há dúvida quanto à impossibilidade de serem usucapidas. Quanto às demais é que surgem controvérsias, havendo divergência na jurisprudência sobre a presunção de serem devolutas as terras pelo só fato de não estarem registradas em nome de particular.

4.1.4.1 – STF – a) as terras devolutas situadas na faixa de fronteira são bens dominicais da União e as concessões feitas pelos Estados, nessa área, legitimam apenas o uso, e não a transferência do domínio. Nesse sentido, inclusive, a Súmula n.º 477, segundo a qual “as concessões de terras devolutas situadas na faixa de fronteira, feitas pelos Estados, autorizam, apenas, o uso, permanecendo o domínio com a União, ainda que se mantenha inerte ou tolerante, em relação aos possuidores”.

4.1.4.2 – STJ – a) a terra não-titulada não pertence, necessariamente, à União. Havendo disputa entre o Poder Público e o particular, o domínio será reconhecido em favor daquele que provar a qualidade de proprietário, não havendo presunção juris tantum em favor do primeiro, em ação de usucapião. Maria Sylvia Di Pietro discorda desse entendimento, tendo em vista a origem das terras no Brasil. E com razão, pois, embora hoje, face à Constituição de 1988, só pertençam à União as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, etc., as demais terras devolutas existentes no território nacional já foram trespassadas aos Estados, sendo destes, portanto, a sua titularidade; b) a só circunstância de a terra estar localizada em faixa de fronteira não a torna devoluta, permitindo, assim, o reconhecimento do usucapião (Athos Gusmão Carneiro e Moreira Alves). Também aqui se aplica a observação feita no item anterior. Com efeito, embora nem toda terra situada na faixa de fronteira seja pública, pois somente o são as terras devolutas, não havendo titulação, a terra qualifica-se como devoluta, e, assim, torna-se insuscetível de ser usucapida.

4.1.4.3 – TRF/4ª – há uma decisão da Juíza Maria de Fátima entendendo o seguinte: são insuscetíveis de usucapião as terras devolutas, porquanto espécie dos bens públicos. No entanto, as faixas de fronteira sofrem apenas restrições de uso, uma vez que nem todo imóvel constitui-se em terra devoluta. O que o artigo 20, II, da CF/88 procurou esclarecer é que pertencem à União as terras devolutas situadas na faixa de fronteira (Revista n.º 32/63). (*) Ainda, o tribunal exige a comprovação pelo Poder Público de que a terra é devoluta, não aceitando a mera alegação:

. A condição de terra devoluta não se presume, deve ser comprovada por quem a alega, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal.  Ônus da prova que incumbe à União.

. Não se pode chegar ao extremo de exigir da parte interessada o ônus de comprovar a transferência do imóvel usucapiendo da esfera estatal (título de origem em nome de particular), porque o possuidor que detiver tal título não precisa valer-se da ação de usucapião, pois já é proprietário, eis que detentor do domínio, que é a reunião, em uma só pessoa, da posse direta mais a propriedade.

4.1.4.4 – Terras Devolutas e Ação Discriminatória – as terras devolutas são aquelas não-incorporadas ao domínio particular e também aquelas que já se incorporaram ao domínio público, mas não são afetadas a uma finalidade ou uso públicos. A ação discriminatória serve apenas para titular a terra em nome do Estado, ou seja, dar ao ente público a designação de proprietário. Por isso que, segundo Maria Sylvia Di Pietro, se também são devolutas as terras não tituladas, está errada a jurisprudência que admite, em relação a elas, o reconhecimento do usucapião, pois tanto são insuscetíveis de usucapião as terras públicas, devidamente tituladas, como as devolutas.

4.2 – Terrenos da Marinha – são as faixas de terra fronteiras ao mar numa largura de 33 metros contados da linha do preamar médio de 1831 para o interior do continente, bem como as que se encontram à margem dos rios e lagoas que sofram a influência das marés, até onde esta se faça sentir, e mais as que contornam as ilhas situadas em zonas sujeitas a esta mesma influência (Decreto-lei n° 9.760/46). Tais terrenos não se confundem com as praias (também bens públicos da União, por força do artigo 20, IV), que constituem a parte coberta e descoberta pelo movimento das marés, (*) acrescida da faixa subseqüente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema (art.10, §3º, da Lei 7661/88).

4.3 – Terrenos Reservados – também chamados ribeirinhos, são terrenos marginais, as faixas de terra que ficam à margem dos rios públicos livres da influência das marés, numa extensão de 15 metros, contados da linha média das enchentes médias ordinárias, conforme artigo 4 do Decreto-lei n° 9.760/46 e 14 do Código do de Águas. Não são reservados os terrenos marginais das correntes públicas que apenas concorrem para tornar outras correntes navegáveis ou flutuáveis.

4.3.1 – Terrenos Reservados da União – são os marginais de águas doces federais, que são aquelas situadas em terras de propriedade da União, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham (artigo 20, III).

4.3.2  – Terrenos Reservados dos Estados – são de propriedade dos Estados, a contrario sensu, os terrenos que não sejam marginais de rios federais.

4.3.3 – Jurisprudência

STF – editou a Súmula n.º 479, segundo a qual “as margens dos rios navegáveis são bens públicos de uso comum, insuscetíveis de expropriação e, por isso, excluídas de indenização”.

STJ – a) os terrenos marginais aos rios situados em propriedade privada são indenizáveis por servidão administrativa (desapropriação indireta), tendo em vista o disposto no artigo 11 do Código de Águas, que excetua do domínio público os terrenos reservados situados às margens das correntes públicas e que por algum título pertençam ao particular; b) os terrenos marginais aos rios navegáveis situados entre Estados, por constituírem bens do domínio público, estão fora da indenização em caso de desapropriação, salvo se pertencerem ao particular por título legítimo. As terras marginais só são indenizáveis, face ao preceito constitucional, se se reconhecer, nas instâncias ordinárias, que os expropriados usavam e dispunham das terras reservadas como se proprietários fossem, a título legítimo, delas retirando rendimentos, mediante ocupação e cultivo (1ª Turma, Demócrito Reinaldo, DJU 19-05-97). Em suma, mesmo que marginal a rio público, sendo o terreno utilizado por particular, mediante ocupação e cultivo, é indenizável.

4.4 – Terrenos Acrescidos – são aqueles que, por aluvião (acréscimo insensível) ou avulsão (deslocamento repentino), se incorporam aos terrenos de marinha ou terrenos marginais aquém do ponto a que chega o preamar médio, ou do ponto médio das enchentes ordinárias, respectivamente, bem como a parte do álveo que se descobrir por afastamento das águas. São bens dominicais se não estiverem destinados ao uso comum, e a sua propriedade assiste ao titular do terreno a que aderirem (inclusive o particular, por força do artigo 16, §1º, do Código de Águas).

Jurisprudência – a Juíza Silvia Goraieb tem uma decisão dizendo que, possuindo o Rio Tramandaí nascente e foz no Estado do RGS, e não fazendo, de outro lado, limite com outro Estado ou outros países, nem estendendo-se ou provindo de território estrangeiro, tem-se que o referido rio é estadual. E se assim é, havendo acréscimo nas suas margens, passam esses acréscimos ao domínio do Estado em que se situa, e não à União. Restou afastada a alegação de que tais acréscimos constituiriam terreno de marinha, com voto vencido do Juiz Germano (Revista n.º 32).

4.5 – Ilhas – são do domínio da União as ilhas oceânicas (Ilha de Fernando de Noronha) e costeiras (como por exemplo as Ilhas de Santa Catarina, de Itaparica/BA, de Marajó/PA, Ilha Grande/RJ), bem como as fluviais (rios) e lacustres (lagos e lagoas) situadas nas zonas limítrofes com outros países. As demais, salvo se estiverem no domínio municipal ou particular, pertencem aos Estados, a quem também pertencem as ilhas costeiras que estiverem no seu domínio, salvo se já tituladas por particular, como é o caso das ilhas acima referidas, por força do artigo 26, II e III, da Constituição. (*)Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; III – as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;

Observação – na ordem constitucional anterior havia discussão sobre se as ilhas costeiras pertenciam, ou não, à União, já que a CF/67 só falava em ilhas oceânicas. O constituinte de 1988 pôs fim à celeuma, e disse que também elas pertencem à União, ressalvados os terrenos titulados em nome dos Estados e dos particulares. Assim: a) no regime constitucional anterior, a União precisava provar o seu domínio para afastar pretensão de usucapião; b) hoje, a presunção corre em favor da União, presumindo-se a ela pertencentes o domínio das ilhas costeiras, mesmo quando não tituladas; c) sendo a posse anterior a 1988, e não havendo titulação, não se presume a terra pertencente à União, admitindo-se, assim, o usucapião sobre ela; atualmente a falta de registro é irrelevante, pois a CF/88 diz que as ilhas costeiras pertencem à União. É o caso da ilha de Santa Catarina, na qual aquilo que não for titulado em nome de particular ou do Estado, ou que não tenha sido trespassado ao Município, pertence à União.

4.6 – Terras Tradicionalmente Ocupadas pelos Índios – assim consideradas aquelas por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para as suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo os seus usos, costumes e tradições. Essas terras pertencem à União, cabendo aos índios tão-somente o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. Ademais, são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas imprescritíveis, sendo nulos e extintos quaisquer atos que tenham por objeto a sua ocupação, domínio, posse ou a exploração das suas riquezas naturais, ressalvado relevante interesse da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando, de outro lado, a nulidade ou a extinção, direito à indenização, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas de ocupação de boa-fé (artigo 231).(*) Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.  § 1º – São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º – As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º – O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.  § 4º – As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.  § 5º – É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, “ad referendum” do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º – São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.

5 – Florestas – a competência para legislar sobre florestas é concorrente (artigo 24, VI), e para a sua preservação, comum (artigo 23, VII). São consideradas pelo CCB bens imóveis e seguem a sorte das terras a que aderem. O seu regime jurídico é estabelecido pelo Código Florestal.

6 – Fauna – a competência para legislar sobre fauna é concorrente (artigo 24, VI), e para a sua preservação, comum (artigo 23, VII). Vide a Lei 5.197/67, que instituiu o Código de Caça. (*) Lei 5197/67 – “Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha”. O Estado, aqui, é entendido como União Federal.

7 – Espaço Aéreo – vide Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei 7.565/86).(*) Lei 7565/86 – Art. 11. O Brasil exerce completa e exclusiva soberania sobre o espaço aéreo acima de seu território e mar territorial.

 

Bibliografia:
BASTOS, Celso Ribeiro, Direito Administrativo. São Paulo: Celso Bastos, 2002.
CRETELLA JÚNIOR, José Cretella, Curso de Direito Administrativo, 18ª ed., São Paulo : Forense, 2002.
DI PIETRO, Maria Sylvia, Direito Administrativo. 14ª ed., São Paulo : Atlas, 2002.
GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002.
MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 19ª ed., São Paulo: Malheiros, 1990.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 14ª ed., São Paulo : Malheiros, 2002.
MORAES, Alexandre de, Direito Constitucional Administrativo. São Paulo : Atlas, 2002.
SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª ed., Malheiros Editores, 1992.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Cynthia Alves Burlamaque

 

 


 

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