Prisma basilar da Reforma Agrária é a relação existente entre o homem e a propriedade.
Desde os primórdios, o homem se apresentou como ser apto à convivência social e percebeu em determinado momento, visando sua própria sobrevivência, que não poderia deslocar-se eternamente de um ponto ao outro, apenas e tão somente retirando os recursos que a terra lhe oferecia de plano até a exaustão.
Percebeu que maiores chances de êxito teria caso se acomodasse em determinado local e, daquela terra, retirasse seu próprio sustento bem como de sua família. Nasce a primeira noção de propriedade sobre a terra e com ela, a necessidade premente do homem em regular as relações que dali decorreriam. Surge o primeiro esboço do que seria o Direito Agrário.
Documentos históricos referentes a Moisés, sobre a terra prometida, indicam a existência de regras que já traziam tímida regulamentação do assunto, como o adequado cultivo e aproveitamento da terra.
Aponta-se o Código de Hamurábi, datado de 1690 a.C., como o primeiro diploma sistematizado conhecido pela civilização a tratar do tema, onde o Direito Agrário era disciplinado em 65 dos seus 280 dispositivos. Semelhante abordagem foi feita na Lei das XII Tábuas, em 450 a.C.
No ordenamento jurídico brasileiro, o Direito Agrário tem sua origem na legislação portuguesa das Sesmarias (1375), seguindo-se com as Ordenações do Reino (Ordenações Afonsinas – 1494, Manuelinas – 1512 e Filipinas – 1603), onde havia a política de promover o povoamento das grandes porções territoriais deste país de proporção continental.
Interessante notar, contudo, que a política da época condicionava o direito real de uso das terras a uma série de condições resolutivas impostas aos concessionários, como por exemplo, a obrigação de explora-las efetivamente e a vedação de sua alienação a qualquer título. Ora, essa preocupação por parte da Coroa nada mais era do que uma prematura noção de vinculação de uso da propriedade à sua função social.
Posteriormente, sobreveio o denominado “império da posse” (de 1822 a 1850) em nossa história, período do qual o Brasil não contava com uma disciplina abundante sobre a propriedade imobiliária, sendo que a posse passou a representar único meio apto para se comprovar o domínio sobre determinada porção territorial. Após, sobreveio a Lei 601 de 1850 cujo principal objetivo foi vedar a ocupação das terras devolutas.
A Constituição Republicana de 1891 passou o domínio das terras devolutas aos Estados. A Constituição Federal de 1934, tratou do usucapião, da colonização e da proteção do trabalhador. A Lei Maior de 1946, trouxe como marcos legislativos nessa seara a desapropriação por interesse social e por necessidade ou utilidade pública.
Acompanhando a evolução legislativa do tema, aponta-se que o direito agrário ganhou tônica com a Emenda Constitucional n. 10/1946, reservando-se competência privativa da União para dissertar sobre. Nessa esteira manteve-se a aludida competência com o advento do artigo 8º, inciso XVII, alínea b, da Carta de 1967.
Hodiernamente, a matéria (direito agrário) foi mantida sob a esfera da União, por força do artigo 22, inciso I, da atual Constituição (princípio do monopólio legislativo da União), sendo regulamentada pelos artigos 170 e seguintes do mesmo diploma (Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira), com especial destaque aos artigos 184 e seguintes (Capítulo III – Da Política Agrícola e Fundiária e da Reforma Agrária).
Por ordem didática, cumpre estabelecermos uma conceituação sobre os institutos do Direito Agrário, Função Social da propriedade rural e Reforma Agrária.
De proêmio, tem-se que Direito Agrário pode ser conceituado como o conjunto de princípios e de normas que disciplina as relações sociais, jurídicas e econômicas decorrentes das atividades de exploração e produção do campo, observando sempre a função social da terra e a conservação dos recursos naturais.
Nessa esteira, aponta-se que a definição de Função Social tem sede constitucional (artigo 186, CF/1988) podendo ser enunciada como a exploração da propriedade rural com seu aproveitamento racional e adequado, mediante a utilização dos recursos naturais disponíveis, preservação do meio ambiente, observância das disposições que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Outrossim, o artigo 1º, §1º do Estatuto da Terra (Lei 4.574/64) preconiza que Reforma Agrária é o conjunto de medidas que visam a promover a melhor distribuição da terra, mediante modificações no regime de sua posse e uso, a fim de atender aos princípios de justiça social e ao aumento de produtividade.
Destarte, salta aos olhos a estreita vinculação estabelecida pelo homem, em diferentes épocas da história da civilização, entre o uso da terra e o cumprimento de sua função social; seja coercitivamente determinando o máximo aproveitamento em sua exploração e produtividade, seja fazendo observar regras impositivas de respeito ao meio ambiente e à conservação dos recursos naturais, seja ainda, promovendo a implementação de políticas agrícolas, com a concessão de insumos para a manutenção do homem no campo, desenvolvimento das atividades agrárias e condições de sustentabilidade (conforme ditame constitucional – artigo 187, CF/1988).
Em conclusão, não há que se olvidar que um dos grandes desafios deste século, preocupação estampada na nova ordem constitucional, bem como no plano jurídico internacional, é a obtenção do desenvolvimento econômico sustentável com a promoção e exploração razoável da terra e dos seus recursos naturais, que outra denominação não recebe, senão a de cumprimento da função social da propriedade. Tudo isso, vale lembrar, buscando sempre o bem maior, qual seja, o bem estar coletivo desta e das futuras gerações.
Informações Sobre os Autores
Marina Vanessa Gomes Caeiro
Advogada. Pós graduada em Direito Tributário pela PUC/SP e Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus
Luís Fernando Ribas Ceccon