Resumo: O direito de punir deve ter por base a utilidade social e a oportunidade de reintegração do condenado à sociedade é a conseqüência do reconhecimento da relevância dos direitos humanos e da estima ao valor supremo da Justiça. Ao utilizar a mão-de-obra prisional, a empresa deve atender aos ditames de responsabilidade social e participação no processo de desenvolvimento da cidadania e resgate da dignidade do apenado, contribuindo para atender às expectativas sociais, com transparência, mantendo a coerência entre o discurso e a prática.
Palavras-chave: trabalho do preso – ressocialização – responsabilidade social.
Abstract: The punishment right must have a social utility and the prisoner opportunity to come back to social life is the consequence to recognizing the human rights relevance and the respect the valor of Justice. When the companies use the prisoner work, they must intend be social responsible, participate in the process of citizenship development and allow to the prisoner recover his dignity, contributing to serve to social expectatives with transparency, keeping the coherence between the speech and the practice.
Keywords: prisoner work – reintegration in social life – social responsibility.
Sumário: 1. Finalidade das penas; 2. O trabalho como fonte ressocializadora; 3. Responsabilidade Social; 4. Exemplo de Iniciativas; 4.1. Projeto Começar de Novo – Conselho Nacional de Justiça (CNJ); 4.2. Programa do Preso – Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (FUNAP); 4.2.1. Educação; 4.2.1.1. Ensino fundamental e médio; 4.2.1.2. Formação Profissionalizante; 4.2.1.3. Geração de Renda; 4.2.1.4. Cultura e Esporte; 4.2.2. Programa de Apoio ao Egresso; 5. Considerações Finais; 6. Referências Bibliográficas.
“É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los; e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida”, Cesare Beccaria in “Dos delitos e das Penas” (1764).
1. Finalidade das penas
Analisar o sistema de aplicação das penas àqueles que infringem as leis de determinado Estado, implica avaliar, primordialmente, o fundamento do direito de punir.
Em breves palavras, o direito de punir deve ter por base a utilidade social, o que importa na condenação do direito de vingança, ou seja, a finalidade direta da aplicação das penas é o de impedir os delitos por meio do temor que elas imprimem nos corações inclinados ao crime.
As penas têm por fim único impedir o culpado de ser nocivo futuramente à sociedade e desviar seus concidadãos da senda do crime. Para alcançar este propósito, a escolha das penas e das maneiras de sua aplicação deve causar no espírito público a impressão mais eficaz e mais durável (caráter preventivo), e, ao mesmo tempo, menos cruel. Para que o castigo produza o efeito esperado, basta que o mal que causa ultrapasse o bem que o culpado retirou do crime. Da mesma forma, para que uma pena seja justa deve ter apenas o grau de rigor bastante para desviar os homens do crime. Não é o rigor das penas que previnem os crimes com maior segurança, mas a certeza do castigo.
Por essa razão, as penas devem ser a justa medida entre o delito e a punição, retirando o condenado do convívio social a fim de evitar novo atentado à sociedade e permitindo seu retorno após a restauração dos valores sociais em seu espírito.
Contudo, se o Estado e a sociedade negam ou não criam mecanismos efetivos de reinserção, por exemplo, pela oportunidade de educação e trabalho, torna-se praticamente impossível fazê-lo reingressar à sociedade com o status de cidadão, consciente de sua dignidade como ser humano e de sua obrigação para com a sociedade que passará a integrar.
Beccaria[1] já reconhecia, por volta de 1764, que o meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação. O trabalho e a educação são os melhores meios para propiciar sua recuperação, podendo ser considerados como “passaporte” para a reinserção social.
Uma vez que o condenado foi membro da sociedade e a ela retornará após o cumprimento de sua pena, é de seu próprio interesse que ao regressar o indivíduo seja capaz de cumprir os estatutos da organização social e não retorne à criminalidade, o que, caso contrário, pode colocar em perigo a segurança e o bem-estar de seus membros.
Se não existir a preocupação com a recuperação desses indivíduos e a aplicação de meios capazes de alcançá-la, a sociedade, à moda do rei de Tebas Laio que, para fugir da profecia funesta, decidiu mandar matar seu filho Édipo e com essa atitude atraiu irremediavelmente o destino do qual pretendia se furtar, ela estará criando os elementos que futuramente serão responsáveis pelo colapso e risco de suas instituições.
A obrigação recíproca dos indivíduos e da sociedade é reconhecida por Beccaria em nota ao citado tratado:
“Se cada cidadão tem obrigações a cumprir para com a sociedade, a sociedade tem igualmente obrigações a cumprir para com cada cidadão, pois é essa a natureza de um contrato. Essa cadeia de obrigações mútuas tem como fim único o interesse público, que consiste na observação das convenções úteis à maioria” [2].
A oportunidade de reintegração do condenado à sociedade é a conseqüência do reconhecimento da relevância dos direitos humanos e da estima ao valor supremo da Justiça, pois a contínua punição daquele que já pagou os seus débitos para com a sociedade, por exemplo, ao arrojar o egresso à via única da reincidência, constitui inegável violação aos direitos humanos e manifesto desamor à justiça.
2. O trabalho como fonte ressocializadora
Não obstante o reconhecimento da função ressocializante da pena, a realidade dos presídios é bem diversa. Verifica-se a superlotação desses ambientes, o que os fazem parecer mais um depósito de indesejáveis do que local de ressocialização. Outro ponto a ser analisado é a ressocialização e reeducação de quem sequer foi socializado ou educado, pois, na maioria das vezes, trata-se de pessoas literalmente excluídas da sociedade antes mesmo de serem encarceradas; pessoas que não tiveram muitas oportunidades, nem tampouco conseguiram manter a dignidade de vida e acabaram por enveredar no mundo marginal, como única alternativa possível dentro de um universo limitado de opções.
O atual desafio de nosso sistema prisional é encontrar meios eficazes de conduzir os condenados à condição de cidadãos de modo que, ao final do cumprimento de suas penas, estejam aptos a conviver na sociedade.
Comumente são citados o trabalho e a educação como aptos a oferecer condições à recuperação e reintegração desses indivíduos na sociedade.
A sociedade brasileira se funda na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, segundo preceitua a Constituição Federal de 1988.
O reconhecimento do trabalho como força motriz de toda a sociedade impele o Estado, único detentor do poder de punir, a promover oportunidades de preparação dos apenados sob sua custódia a desenvolver atividades laborativas, com a finalidade de prepará-los ao retorno à convivência social e propiciar a dignidade da pessoa humana. Deixar o preso reabilitando fora dessa realidade é mais do que desqualificá-lo para a nova vida fora das grades: é colocá-lo novamente em uma linha tênue entre o desemprego, devido a sua baixa qualificação, e a criminalidade, que lhe mostrará formas mais rápidas de conseguir dinheiro e status.
A Lei de Execução Penal trata do trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana e terá finalidade educativa e produtiva (art. 28). A atividade laborativa do preso visa a sua reinserção no meio social, tendo o trabalho finalidade educativa e produtiva, com escopo de dever social e resgate da dignidade humana. A não qualificação para o mercado de trabalho, mantendo o apenado despreparado, facilitará o retorno à delinqüência. A privação do trabalho ao preso pode ser comparada a uma condenação a uma “morte” lenta e gradual, sem perspectivas de retorno ao convívio social.
A finalidade educativa, na hipótese de o condenado sem qualquer habilitação profissional, consiste na atividade desenvolvida no estabelecimento prisional dirigida ao aprendizado de uma profissão. A finalidade produtiva, ao mesmo tempo em que impede a ociosidade, gera ao condenado recursos financeiros para o atendimento das obrigações decorrentes da responsabilidade civil, assistência à família, despesas pessoais e até o ressarcimento ao Estado por sua manutenção.
O trabalho serve para afastar o condenado da inércia e possibilita a oportunidade de recuperar a auto-estima e sua valorização como ser humano.
O trabalho, seja manual ou intelectual, garante ao indivíduo dignidade dentro de seu meio familiar e social. No entanto, oferecer trabalho ao preso não é colocá-lo para fazer serviços que ninguém queira executar, ou colocá-lo para executar serviços semi-escravos. Não pode ser esse o sentido do trabalho no processo ressocializador e de resgate da dignidade humana do preso enquanto indivíduo. Ao proporcionar a colocação, há que se privilegiarem as habilidades já desenvolvidas e fortalecer o senso de participação na sociedade e não fornecer-lhes mais um motivo para se considerarem párias.
A qualificação do preso para o trabalho deve adequar-se à realidade e exigências do mercado, compreendendo a assistência educacional a instrução escolar e a formação profissional.
A educação é um dos principais condutores do homem para sua evolução e reconhecimento de sua dignidade, com o pleno desenvolvimento como pessoa e preparo para o exercício da cidadania. Com este propósito, devem ser fortalecidos os valores para o convívio social aliados ao processo educacional básico.
No exercício do trabalho, a remuneração do preso deverá atender, segundo o art. 29 da LEP, à indenização dos danos causados pelo crime, desde que determinados judicialmente e não reparados por outros meios; à assistência familiar; a pequenas despesas pessoais e ao ressarcimento ao Estado das despesas realizadas com a manutenção do condenado. Menciona, ainda, que parte da remuneração constituirá o pecúlio, depositado em caderneta de poupança, a ser entregue ao apenado quando posto em liberdade. Esse pecúlio a ser resgatado por ocasião de sua reintegração à sociedade constitui o socorro às suas primeiras necessidades até que ele possa colocar-se no mercado de trabalho e prover sua subsistência.
Atualmente, têm sido identificadas importantes iniciativas no sentido de oferecer oportunidades ao sentenciado, tais como: criação de postos de trabalho para os apenados, a assinatura de convênios entre o Poder Público e empresas privadas, convênios com instituições educacionais, maior participação da sociedade através de seus Conselhos Comunitários e Organizações Não-Governamentais.
3. Responsabilidade Social
Essa expressão tem sido utilizada com maior ênfase nos últimos anos, relacionando-se principalmente com a ética e a transparência na gestão dos negócios, as quais devem refletir-se nas decisões cotidianas que podem causar impactos na sociedade, no meio ambiente e no futuro dos próprios negócios.
De um modo mais simples, pode-se dizer que a ética nos negócios ocorre quando as decisões de interesse de uma empresa também respeitam o direito, os valores e os interesses de todos aqueles que, de uma forma ou de outra, são por elas afetados. Condutas e decisões cotidianas são resultados de valores e princípios que uma empresa adota.
Destarte, ser socialmente responsável é atender às expectativas sociais, com transparência, mantendo a coerência entre o discurso e a prática. Este compromisso serve de instrumento para a existência de um bom relacionamento da empresa com os públicos com os quais se relaciona.
Neste contexto, as empresas não devem satisfações apenas aos seus acionistas. Essas instituições devem agora prestar contas também aos funcionários, à mídia, ao governo, ao setor não-governamental e ambiental e, por fim, às comunidades com que opera. Isto se dá porque aliada à ética e ao princípio pelo qual as empresas, na qualidade de atores sociais, têm ativa participação no crescimento de uma nação, surge a obrigação e a necessidade de prestar contas à sociedade.
Ao assumirem uma postura comprometida com a Responsabilidade Social Empresarial, os empreendedores tornam-se agentes de uma profunda mudança cultural, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, especialmente por reconhecer-se como um dos responsáveis pelo seu desenvolvimento. As empresas (o mercado), o Estado (a sociedade politicamente organizada) e os indivíduos constituem a sociedade, em sentido amplo, devendo cada qual assumir a sua responsabilidade pela concretização da justiça social.
Assim, o investimento social privado, uma das várias facetas da responsabilidade social, pode ser conceituado como o uso voluntário e planejado de recursos privados em projetos de interesse público. E, ao contrário do que muitos pensam, o investimento social privado não deve ser confundido com assistencialismo.
Não é possível admitir que a utilização da mão-de-obra prisional vise exclusivamente aos benefícios econômicos da empresa, mas deve atender aos ditames de responsabilidade social e participação no processo de desenvolvimento da cidadania e resgate da dignidade do apenado. Por essa razão, as empresas que se dispuserem a investir na recuperação desses indivíduos devem contabilizar suas ações em seu Balanço Social, e não beneficiarem-se de eventuais desonerações para melhor posicionarem-se no mercado em relação às demais empresas do ramo.
É impossível reconhecer iniciativas de responsabilidade social quando uma empresa emprega exclusivamente mão-de-obra prisional, a fim de minimizar seus custos e assim burlar as regras de competividade do mercado; é ainda mais inadmissível a conivência do Poder Público que justifica essas ações como necessárias, pois se assim não o fosse não existiriam vagas para o trabalho dos sentenciados.
Diante de possíveis distorções, cabe ao Estado acompanhar e fiscalizar as empresas e pessoas físicas que se disponham a se integrarem nas ações de ressocialização.
4. Exemplo de Iniciativas
Conforme já citado anteriormente, várias são as iniciativas que envolvem ações ligadas ao projeto de ressocialização do apenado, quer sejam aplicadas durante do cumprimento da pena ou da medida de segurança, quer na condição de egresso. Contudo, vale ressaltar que muito ainda pode ser feito nessa seara, existem lacunas a serem preenchidas nos diversos setores – Estado, Empresas e Sociedade Civil.
Não obstante as deficiências apontadas existem algumas ações/iniciativas que se encontram disponíveis e merecem destaque. Optou-se por tratar de dois projetos/programas, um de âmbito federal – “Projeto Começar de Novo” do Conselho Nacional de Justiça – e um no âmbito estadual paulista – “O Programa do Preso”, sob responsabilidade da Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel.
Neste momento, cabe o esclarecimento de que estes projetos não serão tratados detalhadamente, constituindo apenas notícia de sua existência, com citação do que já foi realizado, com intuito de estimular futuras pesquisas e incentivar a participação de todos.
4.1. Projeto Começar de Novo – Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[3]
O “Projeto Começar de Novo” foi instituído pela Resolução n.º 96, de 27 de outubro de 2009, pelo Presidente do Conselho Nacional de Justiça.
Na descrição do projeto, o CNJ inicia com a constatação de que a taxa de reincidência se situa entre 60 a 70%, segundo estimativa dos mutirões carcerários realizados junto às varas criminais e de execução.
É notório que altas taxas de reincidência refletem diretamente na segurança pública, o que deve determinar a implementação de programas consistentes de ressocialização, dentre outras medidas.
Não é demais reiterar que, além do caráter preventivo e punitivo, a execução penal deve também proporcionar condições para a harmônica reinserção social das pessoas encarceradas.
Nesse contexto, evidencia-se a necessidade da participação e integração de Órgãos do Poder Público e da Sociedade Civil no processo de execução da pena, compreendida em suas funções preventiva, punitiva e de reinserção social.
Na qualidade de interessados (Stakeholders) foram identificados os presos, os egressos do sistema carcerário e daqueles submetidos às medidas e penas alternativas, as organizações não-governamentais, os gestores públicos, as empresas privadas, os magistrados, as associações de classes, os conselhos da comunidade, enfim todos aqueles que desejam ver recuperado o indivíduo que retorna ao convívio social.
Segundo dispõe o artigo 1º da Lei nº 7.210/84 (LEP), a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. O modelo legalmente previsto é de execução integral/global que não se restringe ao controle das penas, mas também trata da aplicação de medidas de reinserção social e do efetivo cumprimento das regras mínimas para o tratamento da pessoa encarcerada ou submetida a penas e medidas alternativas.
O “Programa Começar de Novo” compõe-se de um conjunto de ações voltadas à sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil com o propósito de coordenar, em âmbito nacional, as propostas de trabalho e de cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário, de modo a concretizar ações de cidadania e promover redução da reincidência.
Para alcançar a finalidade proposta, o Programa comporta as seguintes iniciativas:
1. Realizar campanha de mobilização para a criação de uma rede de cidadania em favor da ressocialização;
2. Estabelecer parcerias com Associações de Classe Patronais, Organizações Civis e Gestores Públicos, para apoiar as ações de reinserção;
3. Implementar iniciativas que propiciem o fortalecimento dos Conselhos da Comunidade, para o cumprimento de sua principal atribuição legal – reintegração social da pessoa encarcerada ou submetida a medidas e penas alternativas;
4. Integrar os serviços sociais nos Estados para seleção dos beneficiários do projeto;
5. Criar um banco de oportunidades de trabalho e de educação e capacitação profissional;
6. Acompanhar os indicadores e as metas de reinserção.
As ações incluem a realização de mutirões carcerários para avaliar a situação de presos em relação ao cumprimento da pena, convênios com entidades como Sesi, Senai e Fiesp, para possibilitar o treinamento e a capacitação dos presos, visando à recolocação profissional. Essas e outras medidas têm como escopo dar mais efetividade às leis de execução penal, bem como modificar a realidade da situação prisional no país.
No âmbito do programa, também está prevista a criação do sistema “Bolsa de Vagas” para centralizar no CNJ a oferta de postos de trabalho das empresas que se disponham a engajar-se no projeto. As informações sobre as vagas disponíveis serão encaminhadas às Varas de Execução Criminal existentes nos Estados.
Na avaliação das metas e indicadores do projeto serão considerados os presos, egressos e cumpridores de medidas e penas alternativas que forem contemplados; a quantidade de presos em cada Estado; e a quantidade de vagas ofertadas.
O indicador de reincidência – Taxa de reincidência – será calculado a partir do percentual de beneficiados pelo projeto que forem presos, indiciados ou processados por fato posterior ao início do curso ou trabalho.
A meta é reduzir a taxa de reincidência no mínimo para 20%, no primeiro ano, mantendo-a nesse patamar nos anos seguintes, realizando monitoramento trimestral.
O indicador de vagas será mensurado pela Quantidade de cursos eou postos de trabalho ofertada à população carcerária do Estado.
A meta de vagas é oferecer, no primeiro ano do projeto, cursos e/ou trabalho a 10% da população carcerária em cada Estado. A partir do segundo ano, aumentá-la 10% ao ano.
4.2. Programa do Preso – Fundação Prof. Dr. Manoel Pedro Pimentel (FUNAP)[4]
O “Programa do Preso” é uma proposta de educação da FUNAP que envolve o ensino fundamental e médio, formação profissionalizante, geração de renda, cultura, esporte e apoio ao sustento e à liberdade.
O programa se baseia em um processo contínuo de ações, as quais promovem uma oportunidade de transformação humana para o preso durante o cumprimento de pena, ampliando sua visão e seu currículo profissional.
Durante o cumprimento da pena, será enfatizada a Educação – ensino fundamental e médio, formação profissionalizante, geração de renda, cultura e esporte. No período de seis meses que antecede à liberdade do sentenciado, inicia-se à Fase de Apoio ao Egresso visando à preparação e apoio à liberdade e sustento.
4.2.1. Educação
4.2.1.1. Ensino fundamental e médio
As escolas pertencentes à rede FUNAP promovem a escolarização nos níveis de alfabetização, ensino fundamental e médio para homens e mulheres presos. Os objetivos se direcionam a formação e informação dos alunos, apresentando espaços de reflexão e construção de saberes, que no aprisionamento ou na liberdade possibilitem uma intervenção transformadora em suas realidades, pela apropriação direta, consciente e ativa de sua cidadania.
A certificação desses cursos é concedida a partir da realização das provas aplicadas pelo Centro de Ensino Supletivo da Secretaria Estadual da Educação (Cesu), por meio da eliminação de matérias.
A educação de adultos deve ser muito particular, partindo das necessidades e realidades concretas dos alunos. A implementação da política pedagógica para adultos presos deve respeitar as características e realidades do sistema onde estão inseridos e buscar estabelecer relações com o mundo fora dos muros das prisões.
É empregada, fundamentalmente, uma metodologia com a utilização de temas que fazem parte da vida do aluno, o que possibilita a troca de experiências que considerem os saberes trazidos por cada membro de uma sala de aula. Neste modelo, o educador tem o papel de organizador do processo de construção de conhecimentos, os quais devem possibilitar ao aluno compreender a realidade em que está inserido para poder transformá-la.
Para facilitar este processo, a FUNAP está desenvolvendo um projeto de formação para capacitar presos a serem educadores. Em presídios que já adotaram essa prática, foram percebidos bons resultados, uma vez que o educador preso estabelece uma relação de identidade com o grupo.
A estrutura educacional conta com:
– Monitor Orientador: presente nas escolas, com o papel de orientar e acompanhar o trabalho pedagógico, bem como articular os demais projetos da FUNAP presentes nas unidades prisionais;
– Educador de Jovens e Adultos: parte do quadro do corpo docente composto por educadores da FUNAP que atuarão como supervisores e orientadores dos educadores presos nos Centros de Educação Penitenciário;
– Educador Preso: quadro docente composto por prisioneiros, que ocupa cada vez mais um espaço significativo, em termos qualitativos e quantitativos. Esta ação está em fase de implantação para todas as unidades prisionais do Estado, seguindo o princípio do educador popular, considerando a realidade de cada espaço. O Educador Preso, por ter o domínio da linguagem e da realidade dos presos, consegue provocar o maior interesse e a maior eficácia no processo educacional;
– Programa de Formação de Formadores: o projeto da FUNAP tem acompanhamento sistemático nas escolas e por meio de encontros mensais de formação. Essa formação é um processo que será utilizado para a construção de um plano Político-Pedagógico da educação prisional.
4.2.1.2. Formação Profissionalizante
A FUNAP promove cursos para formação profissional, buscando parceiros que possibilitem a construção de novos conhecimentos e que respeitem as habilidades e necessidades dos presos, aliado às vocações regionais, ponto fundamental para o início da vida em liberdade.
Através das oficinas ministradas nos presídios pela FUNAP, os presos obtêm capacitação técnica para a realização de novos trabalhos, que podem ser continuados fora do presídio, inclusive como autônomo, tais como: costura, marcenaria, mecânica, etc.
4.2.1.3. Geração de Renda
A FUNAP possui oficinas de trabalho onde os presos são capacitados profissionalmente para produzirem móveis escolares, administrativos e uniformes. O resultado é um serviço de ótima qualidade com baixo custo para o cliente final.
A FUNAP oferece ainda alocação de mão-de-obra com grandes vantagens para o contratante, quer do setor público ou privado, inclusive com suporte técnico na supervisão dos contratos e na seleção e acompanhamento dos trabalhadores.
Muitas empresas no Estado de São Paulo utilizam a mão-de-obra carcerária. São mais de 39.000 presos, 51,30% da população de presos condenados, trabalhando dentro e fora das Unidades Penais, conforme o regime a que estão submetidos. Estas relações de trabalho são normatizadas e reguladas pela Lei de Execuções Penais (LEP) e não pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Segundo a FUNAP, as vantagens dessa contratação são: amparo legal, conforme Resolução SAP n.º 053/01; dispensa de licitação para o setor público; ausência de vínculos empregatícios; redução de custos para a empresa contratante (não há incidência de encargos sociais); instalação de oficinas dentro das Unidades Penais; remuneração fixa ou por produtividade (base salário mínimo).
Existem duas possibilidades para este serviço:
• Presos do Regime Fechado – As empresas montam linhas de produção no interior das unidades penais, com produtividade e desempenho avaliados;
• Presos do Regime Semi Aberto – Os presos nas horas de liberdade se dirigem aos locais de trabalho e retornam à noite para as unidades penais.
Para os dois modelos, os presos recebem um salário mínimo do qual 10% é retido em conta pecúlio para utilização quando saírem em liberdade e até 25% é descontado a título de Mão de Obra Indireta (M.O.I.), um rateio para garantir salário aos detentos que atuam no interior da unidade (nas cozinhas, lavanderias e manutenção).
Por meio dessa ação de alocação a empresa pode desenvolver seu plano de responsabilidade social propiciando uma formação e capacitação para o preso. E esse, em sua liberdade, terá mais uma possibilidade de garantir sua renda.
4.2.1.4. Cultura e Esporte
Este programa tem grande importância no Projeto Político-Pedagógico da FUNAP e está incluído nas ações desencadeadas pelas escolas, onde as diferentes linguagens culturais e as várias modalidades esportivas que acontecem nas Unidades, pela organização direta dos presos, é o ponto de partida para iniciar processos de ampliação conceitual e técnica. Através do esporte, o preso ganha noções de organização, treinamento, empenho e toma contato com sensações de derrota, vitória, sucesso na obtenção de um objetivo, o que contribui também para a recuperação de sua auto-estima.
As atividades de Cultura têm o objetivo de apresentar as diferentes linguagens para conhecimento, vivências e fruição.
O Programa de Teatro nas Prisões promove montagem de espetáculos envolvendo “jovens” atores, presos e egressos do sistema prisional. O processo de ensaio e preparação da peças teatrais permite aos atores presos e egressos uma transformação de sua realidade, uma nova visão de mundo e de si mesmos, que resultam na construção e gestão de seus projetos de vida. Para os telespectadores, vale “vivenciar” um pouco da realidade daqueles que são marginalizados e estigmatizados pela sociedade, promovendo o conhecimento de outros valores de vida.
Além do objetivo da transformação humana, formação cidadã, quebra de arquétipos, estereótipos e de reflexão sobre a exclusão social, a meta de incluí-lo em uma programação cultural e consolidá-lo como evento permite a geração de renda aos atores presos e egressos, além de sua profissionalização e possível inserção ao mercado de trabalho.
O posto cultural da FUNAP, vinculado a ação das nossas escolas, deve ter como função difundir programas culturais para homens e mulheres presos apresentando diferentes manifestações bem como aprofundando as que já existem nas unidades. Neste aspecto representamos as áreas da Cultura, do Esporte e do lazer propondo ações integradas inclusive com a área da Educação.
O Esporte tem como objetivo o de promover intercâmbios esportivos nas Unidades, apresentando diferentes oportunidades de práticas para vivência, conhecimento e fruição.
4.2.2. Programa de Apoio ao Egresso
O egresso tem dificuldades claras de inserção social, inclusive no mercado de trabalho, pelo estigma de ex-presidiário. O preconceito social o rejeita novamente, acarretando índices altos de reincidência criminal (70%), aliado ao aumento da violência e crescimento do mundo do crime.
A FUNAP busca conscientizar a sociedade para este fato e minimizar sua ocorrência e desenvolveu esse programa em duas etapas: I – Apoio à liberdade e ao sustento e II – Centros de Apoio ao egresso.
A Fase I – Apoio à liberdade e ao sustento – se desenvolve ainda na fase de aprisionamento e objetiva iniciar uma preparação para a liberdade, promovendo discussões de formação e informação para atualização e início da construção de projetos de vida. A FUNAP analisa o seu perfil, pesquisa para que região ele irá, quais as suas habilidades, entre outras informações. Este trabalho é desenvolvido em parceria com o Departamento de Reintegração Social da Secretaria da Administração Penitenciária.
A Fase II – Centro de Apoio ao Egresso – espaço das regionais FUNAP, em parceria com o Ministério da Justiça, para cadastro de egressos e início da construção de redes de apoio e atendimento a eles e familiares. É necessário o envolvimento das comunidades para a obtenção de resultados significativos que possibilitem transformar a realidade destas pessoas.
O Centro de Apoio ao Egresso tem como premissa desenvolver parcerias relacionadas à educação e trabalho. Através do cadastro em banco de dados, cruza as informações do perfil do egresso com as oportunidades registradas, podendo resultar em uma nova chance de vida para esse indivíduo. O Centro de Apoio ao Egresso desenvolverá também programas para a família do preso na comunidade onde estão inseridos.
5. Considerações Finais
Concebe-se a aplicação e execução das penas para retirar o condenado do convívio social a fim de evitar novos agravos à sociedade, permitindo o seu regresso após a restauração dos valores sociais em seu espírito. Em outras palavras, os delinqüentes, considerados elementos perniciosos, são afastados da sociedade com intuito de preservar suas instituições, abrindo-se a possibilidade de reintegração quando estiverem aptos a conviver segundo as regras por ela estabelecidas.
Para tanto, são necessários mecanismos efetivos para essa reintegração de modo a conferir ao egresso o status de cidadão, consciente de sua dignidade como ser humano e de sua obrigação para com a sociedade que passará a integrar.
A ressocialização do preso é de interesse da própria sociedade uma vez que o condenado a ela retornará após o cumprimento de sua pena e, ao regressar, o indivíduo deve ser capaz de cumprir seus estatutos e não retorne à criminalidade, o que, caso contrário, pode colocar em perigo a segurança e o bem-estar de seus membros.
Assim, o atual desafio de nosso sistema prisional é encontrar meios eficazes de oferecer condições à recuperação e reintegração desses indivíduos na sociedade, de maneira que, ao término do cumprimento de suas penas estejam aptos a conviver na sociedade. Comumente são citados o trabalho e a educação.
No entanto, oferecer trabalho ao preso não é colocá-lo para fazer serviços que ninguém queira executar, ou colocá-lo para executar serviços semi-escravos. Esse não pode ser o sentido do trabalho no processo ressocializador e de resgate da dignidade.
A habilitação para o trabalho se fortalece a partir das ações de formação e capacitação profissional, privilegiando as habilidades, capacidades individuais e as necessidades do mercado, sem, contudo, renunciar à restauração do senso de participação na sociedade.
A responsabilidade pela ressocialização do indivíduo deve ser compartilhada por toda a Sociedade: o Estado, as empresas e a sociedade civil.
Tem se verificado várias iniciativas nessa direção, como o Programa Começar de Novo, do CNJ, e programa do Preso da FUNAP/SP. Mesmo que essas iniciativas ainda sejam incipientes, deficientes, elas constituem uma oportunidade àqueles que se acostumaram a ser esquecidos e invisíveis ao corpo social. O sucesso ou o fracasso dessas e de outras ações depende da vontade de realização pelos demais atores sociais, empresas, as instituições educacionais, a sociedade civil organizada.
Porém, é inadmissível a utilização da mão-de-obra prisional com fins exclusivamente econômicos pela empresa, a pretexto de participação no processo de ressocialização. As vagas oferecidas devem atender aos ditames de responsabilidade social, objetivando o desenvolvimento da cidadania e resgate da dignidade do apenado.
Por essa razão, as empresas que se dispuserem a investir na recuperação desses indivíduos devem contabilizar suas ações em seu Balanço Social, e não beneficiarem-se de eventuais desonerações para melhor posicionarem-se no mercado em relação às demais empresas do ramo. Não há que se reconhecer como iniciativas de responsabilidade social quando uma empresa emprega exclusivamente mão-de-obra prisional, a fim de minimizar seus custos e assim burlar as regras de competividade do mercado. É ainda mais inaceitável a conivência do Poder Público que justifica essas ações como necessárias, pois se assim não o fosse não existiriam vagas para o trabalho dos sentenciados.
Vale lembrar que a ressocialização desses homens e mulheres é interesse de todos nós. A possibilidade de escolha entre o crime e uma segunda chance pode ser a nossa melhor oportunidade de construir uma sociedade mais justa, solidária e fraterna.
Informações Sobre o Autor
Paula Julieta Jorge de Oliveira
Mestranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie