Resumo: Com este artigo, visa-se esclarecer quais os direitos autorais e conexos do produtor musical em relação às suas produções. O assunto é abordado com ênfase na Sociedade da Informação, que causou grande mudança no perfil deste profissional. Tal mudança, no entanto, não veio acompanhada por alterações legislativas. Legalmente, o produtor musical ainda é visto como um mero investidor, detentor apenas de direitos conexos, apesar de sua atividade ser, muitas vezes, criativa.
Palavras-chave: Direito Autoral. Produtor Musical. Propriedade Intelectual. Fonográfico.
Abstract: This article aims to expose the main rights of the record producers regarding their productions. The subject is approached with emphasis on the Information Society era, which changed the profile of this professional. This change, anyway, was not accompanied by legislative amendments. Legally, the record producer is still just an investor, despite his creative activity.
Sumário: Introdução. 1. Situação do Produtor Fonográfico na Lei e Perante as Associações Musicais – Direito Conexo x Direito de Autor. 2. A Originalidade no Trabalho do Produtor Musical. 3. Requisitos para a Coautoria. Conclusão.
Introdução
Apesar de o tratamento autoral do produtor musical ser ainda um tema bastante controvertido, de certo poucas foram as publicações técnicas abordando o assunto. Se, por um lado, muito se questiona sobre a participação autoral dos produtores, sob a alegação de que se trataria de uma forma de proteção ao investimento e não ao autor, por outro, há casos em que os tais profissionais participam efetivamente do processo criativo musical, responsabilizando-se por arranjos e demais técnicas de produção que, muitas vezes, são os catalisadores do sucesso.
O conceito tradicional de produtor musical confunde-se com o do Produtor Fonográfico[1], trazido pela Convenção Internacional sobre a Proteção dos Artistas, Intérpretes e Executantes, Produtoras de Fonogramas e Organismos de Radiodifusão (Convenção de Roma sobre Direitos Conexos), que assenta que o “produtor de fonogramas é a pessoa natural ou jurídica que fixa pela primeira vez os sons de uma execução ou outros sons.”[2]
Se referido conceito, ao fazer menção à pessoa jurídica como possível produtora de fonogramas, deixa indícios de que tais direitos visam unicamente à proteção do investimento, a lei brasileira não deixa a menor dúvida ao dizer que o produtor é “a pessoa física ou jurídica que toma a iniciativa e tem a responsabilidade econômica da primeira fixação do fonograma ou da obra audiovisual, qualquer que seja a natureza do suporte utilizado.”[3] (grifo nosso).
Ressalte-se que nenhum dos conceitos ora trazidos fazem menção a um papel minimamente criativo do produtor musical. No entanto, as práticas adotadas em tal mercado revelam um cenário diverso: muitas vezes, os produtores musicais exercem papéis como os de arranjadores[4], técnicos de gravação[5], de mixagem[6] e engenheiros de masterização[7] que, reunidos, são indubitavelmente dotados de elevada carga artística.
Tal contexto não exclui, porém, que os produtores venham a assumir o risco econômico dos projetos, podendo também referido risco ser suportado pelo empresário – ou aquele que usualmente é denominado como produtor executivo. Há ainda casos em que o artista acaba por se transformar no próprio produtor musical e vice versa.
Se a divisão entre tais papéis já era bastante controvertida, nos dias atuais, em alguns casos, revela-se praticamente imperceptível; de fato, são várias as razões pelas quais isso ocorre. Entre elas, podemos enumerar: (a) a diminuição de custos de material, que tornou possível que muitos artistas viessem a participar diretamente dos processos técnicos da produção musical; (b) a drástica queda na venda de mídias físicas – que gerou a necessidade de uma redução no custo das produções e, consequentemente, de produtores mais polivalentes; e (c) a facilitação do acesso de artistas às grandes mídias através da Internet, independentemente do poder econômico de grandes gravadoras[8], entre outros.
1. Situação do Produtor Fonográfico na Lei e Perante as Associações Musicais – Direito Conexo x Direito de Autor
A Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais) reconhece expressamente os produtores fonográficos como titulares de direitos conexos das obras musicais[9]. Tais direitos não se confundem com os direitos de autor, sendo considerados apenas “direitos vizinhos”, concedidos àqueles que auxiliam na repercussão das obras autorais.
A distinção entre direitos conexos e direitos de autor é substancial, posto que os detentores deste têm várias prerrogativas em relação à obra, como as de modificá-la, reivindicar sua autoria, o direito de inédito, bem como direito de utilizar, fruir e dispor[10]. Já para o detentor de direitos conexos, pela presunção legal de que este exerce um trabalho meramente técnico, são concedidos direitos bastante reduzidos se comparados com aqueles dos quais acabamos de mencionar.[11]
No caso específico do produtor fonográfico, este tem assegurados os direitos de autorizar ou proibir (a) a reprodução direta ou indireta, total ou parcial; (b) a distribuição por meio da venda ou locação de exemplares da reprodução; e (c) quaisquer outras modalidades de utilização existentes, ou que venham a ser inventadas.[12]
Ainda, sobre sua remuneração, o produtor fonográfico percebe também os proventos pecuniários da obra, que são distribuídos através do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), entidade administrada por sete associações de música[13], devendo qualquer dos interessados em receber valores referentes a direitos autorais estar necessariamente filiado a uma destas.
Atualmente, conforme determinação em Assembleia Geral do ECAD, a distribuição dos direitos conexos compreende a 1/3 (um terço) do total da arrecadação decorrente da execução do fonograma e destinada aos titulares filiados às associações, sendo que, desta fração, 41% (quarenta e um por cento) são destinados ao produtor fonográfico, percebendo os demais direitos conexos aos intérpretes e músicos.[14]
2. A Originalidade no Trabalho do Produtor Musical
No texto legal, o autor é reconhecido como “a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”[15] devendo este, necessariamente, imprimir originalidade e pessoalidade à criação intelectual, para ter por reconhecida a tutela autoral[16].
A despeito da previsão do artigo 15 da lei, que menciona não ser coautor aquele que participa da obra intelectual “revendo-a, atualizando-a, bem como fiscalizando ou dirigindo sua edição ou apresentação por qualquer meio”[17], entendemos que, como já exposto, por vezes, o trabalho do produtor musical não se limita a mera edição ou fiscalização, mas constitui elemento central da obra.
Nesse sentido, temos a ilustre doutrina de Antônio Chaves[18] assentando que “quando a concepção geral que caracteriza um plano ou projeto for elaborada em conjunto por profissionais legalmente habilitados, todos serão considerados coautores do projeto, com os direitos de deveres correspondentes”.
Note-se, por exemplo, a utilização do efeito Auto-Tune sobre a canção Believe da cantora Cher, que alcançou grande sucesso, tendo sido utilizado largamente por outros artistas a partir de então. Tal efeito acabou por ficar conhecido como “Cher effect”, em que pese ter sido, originalmente, idealizado e executado por Mark Taylor, o produtor musical da cantora.[19]
Nos Estados Unidos, também se evidencia a tendência dos artistas se dedicarem, ao mesmo tempo, à produção musical e às suas carreiras como músicos. Dentre os casos mais conhecidos, citamos Prince, que produziu Madonna, Chaka Kahn e Mavis Staples, assim como Lauryn Hill, cantora de rap responsável pela produção de Aretha Franklin e Whiyney Houston. [20]
Já no Brasil, Carlos Eduardo Miranda[21] – renomado produtor musical, responsável por sucessos como Raimundos, Skank e O Rappa – diz que “Produtor musical é como o diretor de um filme. O compositor é o roteirista, a banda é o elenco e o arranjador é o cenógrafo”. Neste ínterim, faz-se importante ressaltar que o diretor de cinema é detentor de direitos autorais, inclusive o único que exerce os direitos morais em relação ao conjunto da obra.
O produtor ainda destaca que, ao produzir o primeiro disco da banda Mundo Livre S/A, as mudanças foram tão grandes que “quando a banda ouviu, alguns não sabiam como tocar as músicas”, reforçando sua influência nos resultados obtidos.
Outro notável exemplo de produtor que participa tanto da parte artística quanto da parte gerencial é Rick Bonadio, responsável por um processo que se estende desde a gravação, criação de arranjos, mixagens e masterização, até a venda de shows dos artistas por ele produzidos.[22]
São inúmeros os exemplos de casos similares que poderíamos citar aqui. Mas, tendo em vista somente os casos em tela, resta evidente o fato de que os produtores não se tratam de meros auxiliadores envolvidos no processo, mas sim de personagens de suma importância, detentores de conhecimentos musicais, gerenciais e, até mesmo da própria engenharia sonora, cujas escolhas, sem dúvida, determinam não só o retorno do investimento, mas o próprio direcionamento artístico da obra.
3. Requisitos para a Coautoria
Independentemente da previsão legal que considera o produtor fonográfico como detentor de direitos conexos, sua participação no resultado, desde que substancial, poderá ensejar no regime de coautoria que prevê a repartição dos direitos, em seus aspectos morais e patrimoniais, entre o produtor e o compositor da obra.
Resta, porém, definir o que seria considerada uma participação efetivamente substancial. É inconteste que a participação do produtor musical em processos isolados ou meramente técnicos, visando única e exclusivamente a captação da música do artista em questão, não é dotada da originalidade necessária para ser considerada enquanto obra autoral.
Neste sentido, destaca Ascensão[23] que “tarefas mecânicas, servis ou banais de conjugação de elementos não representam criação e neste sentido não apresentam originalidade. A obra não pode se resumir a um trabalho de dedução ou à arrumação de dados preexistentes”.
A despeito de o Direito não pretender, em última instância, uma análise de mérito sobre a obra, é fundamental que o autor demonstre sua pessoalidade no trabalho, posto que a própria lei de direitos autorais menciona as obras protegidas como “criações do espírito”[24]. Esta análise, no tocante à originalidade, diferentemente do critério de novidade para patentes, é subjetiva, dependendo sempre da avaliação do caso concreto.
Conclusão
Por fim, com este artigo, nos propusemos a esclarecer alguns pontos ainda bastante obscuros entre a visão do direito autoral e a realidade do mercado. Ao passo que a lei define expressamente o papel do produtor como “responsável econômico”, a prática demonstra que estes profissionais exercem um papel mais direto da realização das músicas, que vem se acentuando cada vez mais em razão da expansão das mídias digitais.
Considerando isso, verificamos uma grande discrepância entre os direitos atribuídos ao diretor de cinema e ao produtor musical criativo – que sequer é citado em nossa legislação.
Cremos assim que, seguindo a máxima de que o direito deve acompanhar a realidade e não o contrário, faz-se importante a redefinição dos termos apontados no bojo da atual legislação atinente ao tema. Assim, poder-se-ia estabelecer os diferentes perfis de produtores musicais e atribuir ao produtor de perfil criativo, além dos direitos de exploração econômica da obra, direitos de natureza moral[25].
Entendemos que o tema ultrapassa a visão econômica, na medida em que visa promover o reconhecimento da importância trabalho do produtor musical no cenário cultural. Novamente, em comparação com a cena cinematográfica, muitos reconhecem os filmes por sua ficha técnica e, principalmente, pelo diretor, demonstrando um grande prestígio deste profissional.
No cenário musical, porém, a situação é diversa: são poucos os profissionais que conseguem projeção pública através de suas produções. De fato, muitos têm seus serviços reduzidos a uma mera prestação técnica, tendo por subtraída toda a elevada carga artística que envolve seu trabalho.
Por isso, entendemos ser fundamental, primeiramente, o reconhecimento do real papel exercido pelo produtor musical na atualidade, pois está em discrepância em relação ao texto legal, bem como o posterior reconhecimento dos direitos a ele concernentes.
Todavia, independentemente da alteração legislativa aqui proposta, a despeito da ausência de precedentes judiciais, é possível ter por reconhecidos tais direitos em juízo, desde que se comprovem os requisitos de coautoria, da qual tratamos no item IV deste artigo.
Informações Sobre o Autor
Danilo Martins Fontes
Advogado em São Paulo. Bacharel em Direito pelas FMU. Pós-Graduando em Direito Empresarial pela PUC-SP