Direito autoral x direito constitucional de acesso à cultura na era das tecnologias

Resumo: O presente artigo objetiva demonstrar se é possível estabelecer uma equalização principiológica entre dois grandes direitos fundamentais consagrados pela Carta Magna de 1988: o direito de acesso à cultura e os direitos autorais, na geração “high tech”, com o domínio da internet e outras tecnologias. Ademais, este trabalho científico traz um panorama do acesso à cultura na “sociedade da informação” em paralelo ao Direito Autoral, espécie do gênero Propriedade Intelectual, utilizando a legislação pertinente, bem como as informações disponibilizadas por instituições atinentes à matéria.

Palavras-chave: Direito Autoral; Direito à Cultura; Propriedade Intelectual; Conflito; Princípios.

Abstract: This article aims to demonstrate whether it is possible to establish a principled equalization between two major fundamental rights enshrined in the 1988 Constitution: the right of access to culture and copyright, in generating "high tech", with the internet domain and other technologies. Moreover, this scientific work presents an overview of access to culture in the "information society" in parallel to the Copyright Law, gender Intellectual Property kind, using the relevant legislation and the information provided by institutions relating to the matter.

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Keywords: Copyright; Law Culture; Intellectual Property; Conflict; Principles.

Sumário: Introdução. 1. Os conceitos de cultura e cultura democrática. 2. O avanço tecnológico e o advento de novas formas de difusão do conhecimento. 3. O que é propriedade intelectual e direito autoral? 4. O direito fundamental à propriedade intelectual (direito autoral) e sua função social. 5. O direito fundamental de acesso à cultura. 6. O conflito de direitos fundamentais (embate principiológico). Considerações Finais.

Introdução

Em tempos de internet, iphone, ipod, ipad, leitores de e-book, laptops, tablets, netbooks e notebooks, o acesso à informação sofreu uma elasticidade incalculável, proporcionando a muitos uma “simbiose cultural”. Essa “simbiose cultural” muitas vezes não gerou nenhuma prestação pecuniária em contrapartida. Dessa forma, os criadores/autores sofreram perdas enormes, inviabilizando e desestimulando a concretização de ideias e inventos.

 Em compensação, tal “boom tecnocientífico”, gerador da “sociedade da informação”, possibilitou um acesso à cultura a indivíduos que outrora não conheciam sequer o conceito de cultura e de que o acesso à mesma se tratava de um direito consagrado pela Constituição Federal de 1988.

Nos dizeres de Eduardo C. B. Bittar (2006), a “’sociedade da informação’ é a expressão que define o arranjo social tal que a significação econômica, política e cultural da informação ganha peso exponencial e tem impacto significativo no modo de construção dos laços sociais".

Já Marcos Wachowicz (2010) se utiliza da expressão "sociedade da informação", afirmando que ela inaugura um período único na história, marcado pela celeridade dos avanços tecnológicos e pela convergência da informática, das telecomunicações e do audiovisual.

Nesse contexto, como se vislumbrar os direitos autorais dessas obras livres nos ambientes virtuais e podendo ser acessadas por qualquer pessoa em qualquer lugar? Trata-se de um questionamento pertinente que será dirimido nas próximas linhas.

Cumpre observar que no outro lado da moeda encontra-se o direito de acesso à cultura, consagrando como direito fundamental de segunda geração ou dimensão no caput do art. 215 da Carta Magna de 1988. In verbis:

“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

Vale salientar que a concretização de tal direito foi amplificado com o desenvolvimento e difusão das novas tecnologias. Assim, surge a problemática de como solucionar o latente conflito de direitos com viés principiológico.

1. Os conceitos de cultura e cultura democrática

A cultura traz uma ideia elementar de inserção social, onde o indivíduo transcende o seu “eu”, fazendo uma comunicação entre esse “eu” e a externalidade. Dessa comunicação resulta a criação e propagação de conhecimento, algo essencial ao desenvolvimento e sobrevivência da humanidade. Cria-se então uma interdependência entre o indivíduo e o meio social no qual está inserido, sendo meio fecundo para o surgimento de grupos sociais com formações técnico-científicas distintas e com anseios racionais e construtivos. Esses grupos se interrelacionam, permutando conhecimento e criando novos saberes. 

Roque de Barros Laraia (2001), trata da temática sob a óptica antropológica em síntese lapidar, comparando o que aduzia duas escolas antropológicas do século passado, e aduzindo que não resta dúvida que grande parte dos padrões culturais de um dado sistema não foram criados por um processo autóctone, foram copiados de outros sistemas culturais. Ademais, afirma ainda que os antropólogos estão convencidos de que, sem a difusão, não seria possível o grande desenvolvimento atual da humanidade.

Já na acepção do teórico bielo-russo Lev Vygotsky (2008), a cultura é a “parte constitutiva da natureza humana, já que suas características psicológicas se concretizam através da internalização dos modos historicamente determinados e culturalmente organizados de operar com informações”.

Nessa perspectiva, é perceptível a essencialidade da cultura para se constituir comunidades assentadas no desenvolvimento da humanidade. Comunidades estas que se relacionam com objetivos primordiais: sobrevivência harmônica e progresso da humanidade. Além disso, a permuta de conhecimento cultural-científico desses núcleos sociais ocasiona várias consequências, dentre elas: difusão do conhecimento, reorganização do saber, reconstrução e aperfeiçoamento de ideias.

2. O avanço tecnológico e o advento de novas formas de difusão do conhecimento

A humanidade passou por várias revoluções. A primeira foi com a invenção da escrita, na Mesopotâmia. A segunda foi com a invenção do livro, na China. A terceira ocorreu com a invenção da imprensa por Gutemberg, no século XV, na Europa.

A quarta revolução, ainda em vigor, é denominada Revolução da Informação. Esta proveio do avanço incontável das tecnologias da informação e da convergência com as tecnologias de comunicação, dando origem ao que alguns batizam de “sociedade em rede”.

A revolução tecnológico-digital fez surgiu inúmeros aparatos tecnológicos que facilitaram a vida das pessoas, proporcionando um bem-estar social que há algumas décadas atrás era inimaginável. Dentre esses aparatos, eclodiram alguns que facilitaram a troca de informações e conhecimentos, isto é, o “compartilhamento” de saberes sem controle por parte do Estado e dos criadores/inventores.

Esta situação é primorosa sob o ponto de vista da democratização do acesso à cultura, mas sob a ótica dos indivíduos que querem auferir lucro com suas ideias é prejudicial. Contudo, não se deve relegar a segundo plano o que o avanço tecnológico proporcionou, pois a sociedade não deve caminhar na contramão das inovações, já que a validade do conhecimento e seu aperfeiçoamento estão atrelados à circulabilidade, isto é, à difusão.

3. O que é propriedade intelectual e direito autoral?

O direito autoral e a propriedade industrial são espécies do gênero propriedade intelectual. Segundo a concepção clássica, a propriedade intelectual é definida como o conjunto dos institutos jurídicos que visam garantir os direitos do autor sobre as produções intelectuais do domínio da indústria e assegurar a lealdade da concorrência comercial e industrial.

O ECAD (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), instituição privada responsável por centralizar a arrecadação e distribuição dos direitos autorais de execução pública musical, define os direitos autorais da seguinte forma:

“Direito autoral é um conjunto de prerrogativas conferidas por lei à pessoa física ou jurídica criadora da obra intelectual, para que ela possa gozar dos benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de suas criações. O direito autoral está regulamentado pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98) e protege as relações entre o criador e quem utiliza suas criações artísticas, literárias ou científicas, tais como textos, livros, pinturas, esculturas, músicas, fotografias etc. Os direitos autorais são divididos, para efeitos legais, em direitos morais e patrimoniais.” 

Além disso, o órgão reflete algumas regras quanto à renunciabilidade e alienabilidade de tais direitos:

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“Ao contrário dos direitos morais, que são intransferíveis e irrenunciáveis, os direitos patrimoniais podem ser transferidos ou cedidos a outras pessoas, às quais o autor concede direito de representação ou mesmo de utilização de suas criações. Caso a obra intelectual seja utilizada sem prévia autorização, o responsável pelo uso desautorizado estará violando normas de direito autoral, e sua conduta poderá gerar um processo judicial.”

Fábio Ulhoa Coelho (2012), por sua vez, traz uma conceituação semelhante à supracitada, fazendo um paralelo com outros bens e direitos:

“Os bens intelectuais são da propriedade de uma pessoa, física ou jurídica. Essa é a fórmula encontrada pelos direitos de tradição românica para garantir ao autor da ideia valiosa — ou a quem criou as condições para que ela surgisse — a exclusividade na exploração econômica. Assim como o proprietário de bem corpóreo tem o direito de usar, gozar e dispor como quiser (observadas as limitações ditadas pela função social), o titular da ideia valiosa também teria o mesmo direito sobre ela. Ninguém pode usar uma ideia protegida pela propriedade intelectual sem a autorização do seu titular, do mesmo modo que ninguém pode usar qualquer bem corpóreo sem que o seu dono deixe. Tanto é crime explorar economicamente, sem autorização, a propriedade intelectual alheia como subtrair coisa móvel de outrem.

O paralelo entre os bens corpóreos e intelectuais por vezes não é imediatamente aceito. Desenvolve-se, então, um argumento em torno da imaterialidade dos bens intelectuais. Não se questiona que a subtração de coisa corpórea do patrimônio de alguém lhe traz prejuízo: desapossado da coisa, o proprietário não tem como usá-la. Há quem defenda, contudo, que a utilização de ideia alheia sem retribuição não causaria ao titular nenhuma perda, porque ele poderia continuar a usá-la igualmente.” (COELHO, 2012, p. 226).

A lei nº 9.610/1998, que atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais, define em seu art. 3º que os direitos autorais, para os efeitos legais são bens móveis. E afirma no art. 22 que aos autores pertencem os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criaram. Dessa forma, os autores pode utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística e científica conforme dispõe o art. 28 supracitada lei.

Assim, o indivíduo que detém o direito autoral sobre determinada “res” possui prerrogativas semelhantes de quem tem o direito à propriedade sobre determinada casa (bem imóvel), por exemplo.

Nesse diapasão, é factível haver consenso quanto à conceituação dos direitos autorais e sua localização terminológica. Tratam-se de direitos aferíveis economicamente, atrelados ao autor e uma das espécies de propriedade intelectual.

4. O direito fundamental à propriedade intelectual (direito autoral) e sua função social

A propriedade intelectual é uma das espécies de propriedade aceitas e protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, com regime jurídico peculiar. E também um dos direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, sob influência marcante da Revolução Francesa.

Todavia, a latência histórica do direito à propriedade, em sentido lato, remota à Era dos Cercamentos, impulsionado na Inglaterra, durante a decadência da Idade Média, e irradiado por toda à Europa e suas colônias, momento em que os senhores feudais delimitaram suas propriedades e até onde elas se estendiam para que os “sujeitos indeterminados” (sociedade) respeitassem e não interferissem no regular exercício de seu direito à propriedade, isto é, com oponibilidade “erga omnes” (contra todos).

No que atine à propriedade intelectual os civilistas Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald (2009) trazem algumas lições:

“Na propriedade intelectual, o ordenamento tutela a criação, a criatividade humana. Fatalmente, desta ideia será exteriorizado um produto, suscetível de materialidade e apreensão física. Os produtos – v.g. obra literária, patente – são os frutos da natureza humana. Mas é a manifestação criativa, oriunda da potencialidade intelectiva do ser, que recebe proteção, como modo reflexo de se resguardar o próprio indivíduo em sua essência, liberdade e humanidade. (CHAVES, 2009, p. 173).”

Os civilistas afiançam ainda que a proteção a este direito teve como marco o “Statue of Anne” em 1709, na Inglaterra, e tem como intuito proteger e incentivar os autores e inventores a criar e inovar técnicas e o saber, proporcionando assim o desenvolvimento tecnológico e industrial.

A Lei Maior de 1988 dedica-se a proteger o chamado direito de propriedade industrial, abrangendo o direito marcário e patentário:

“Art.5º […]: XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para a sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.”

Já a Lei nº 9.610/1998, em seu art. 24, § 2º que compete ao Estado a defesa da integridade e autoria da obra caída em domínio público.

Além do dispositivo supra, o notável diploma jurídico aduz de forma direta, no inciso XXII do art. 5º, que “é garantido o direito de propriedade”. Todavia, no mesmo artigo, no inciso XXIII, que “a propriedade atenderá a sua função social”.

Dessa forma, como todos os direitos fundamentais, os direitos autorais sofrem limitações tanto para atender à função social quanto para se enquadrar no ordenamento jurídico brasileiro. Tais limitações estão previstas no Capítulo IV da Lei nº 9.610/1998. Dentre elas, é importante trazer à baila o seguinte artigo:

“Art. 48. As obras situadas permanentemente em logradouros públicos podem ser representadas livremente, por meio de pinturas, desenhos, fotografias e procedimentos audiovisuais.”

Gilmar Mendes (2009) ensina que tal direito é um direito fundamental de âmbito de proteção estritamente normativo, cuja conformação depende, por isso, em grande medida, das normas de proteção fixadas pelo legislador.

Assim, conclui-se que a propriedade intelectual, espécie do gênero propriedade, é de fato um direito fundamental, assegurando pela Constituição Federal de 1988. E, consoante Fábio Conder Comparato, apud Dirley da Cunha Jr (2012), os direitos fundamentais foram identificados, historicamente, com os valores mais importantes da convivência humana, ou seja, aqueles sem os quais as sociedades acabam perecendo, fatalmente, por um processo irreversível de desagregação. Dessa forma, proteger os direitos fundamentais é proteger o próprio ser humano e a sociedade na qual está inserido.

5. O direito fundamental de acesso à cultura

É um direito situado na terceira geração ou dimensão e desenvolvido no século XX: seria um direito de fraternidade. Além disso, é elementar ao exercício pleno e satisfativo da democracia, sem ele não há que se falar em democracia, pois é por intermédio dele que os indivíduos tornam-se cidadãos pensantes e influentes, capazes de alterar significativamente o seu entorno, com reflexos em outros núcleos sociais. Além disso, a “simbiose cultural” é fundamental ao desenvolvimento da humanidade, já que proporciona criação, aperfeiçoamento e difusão de saberes. Nesse sentido:

“Os direitos culturais estão relacionados ao acesso às fontes da cultura nacional e à difusão das manifestações culturais. De acordo com a Constituição, o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso àquelas fontes de cultura, além de apoiar e incentivar a valorização e a difusão das manifestações culturais (art. 215).” (CUNHA, 2012, p. 776).

A legislação internacional, por intermédio da Declaração Universal sobre Diversidade Cultural, traz à tona os direitos culturais como direitos humanos:

“Artigo 5º – Os direitos culturais, marco propício da diversidade cultural.

             Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como os define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais.”

E vai ainda mais longe ao apresentá-los à luz da dignidade da pessoa humana:

“Artigo 4 – Os direitos humanos, garantias da diversidade cultural. A defesa da diversidade cultural é um imperativo ético, inseparável do respeito à dignidade humana. Ela implica o compromisso de respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, em particular os direitos das pessoas que pertencem a minorias e os dos povos autóctones. Ninguém pode invocar a diversidade cultural para violar os direitos humanos garantidos pelo direito internacional, nem para limitar seu alcance.”

A Carta Magna de 1988, afirma no caput do art. 215 a mesma ideia trazida pela Declaração:

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“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

Bernardo Novais da Mata Machado (2007) afirma que:

“os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, cuja história remonta à Revolução Francesa e à sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que sustentou serem os indivíduos portadores de direitos inerentes à pessoa humana, tais como direito à vida e à liberdade.” (MACHADO, 2007).

Por tratar-se de um direito que se interrelaciona com outros de mesmo quilate, tais como o direito fundamental à educação, os direitos culturais são elementares porque produzem indivíduos algozes do seu próprio destino, isto é, ocasiona mudanças significativas no meio social, propondo reflexos pertinentes em outras organizações sócio-políticas. Um exemplo salutar disso é o acesso à informação que os povos árabes, submetidos a ditaduras sanguinárias, tiveram por meio de redes sociais, antes, durante e após a denominada “Primavera Árabe”, proporcionando o incremento de elementos democráticos nesses Estados, ainda que tímidos.

6. O conflito de direitos fundamentais (embate principiológico)

Na era positivista, os princípios eram tidos como valores éticos a serem seguidos pela sociedade, atualmente eles são carregados de normatividade. Nesse sentido:

“O princípio é o veículo dos valores mais fundamentais de uma sociedade. É o ponto de partida, o começo, a origem mesma dessa sociedade. Numa perspectiva jurídica, princípio é o mandamento nuclear de um sistema jurídico, a pedra angular, a norma normarum, o alicerce e fundamento mesmo desse sistema, que lhe imprime lógica, coerência e racionalidade. É viga-mestra que suporta e ampara o sistema jurídico ou cada um dos subsistemas existentes. Ele exerce uma função ordenadora desse sistema, influenciando toda sua compreensão e inteligência, desempenhando, como anota Paulo de Barros Carvalho, uma força centrípeta, uma vez que atrai em torno de si todas as regras jurídicas que caem sob seu raio de influência.” (CUNHA, 2012, p. 188 e 189).

Cumpre anotar que, no que concerne à classificação dos direitos, grande parte da doutrina divide-os em direitos humanos e direito fundamentais. Os primeiros são direitos internacionalmente considerados. Os outros são direitos humanos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado. O direito de acesso à cultura e o direito à proteção à propriedade intelectual são, nesse sentido, direitos fundamentais, já que estão previstos na Carta Magna de 1988.

Para Ingo Sarlet (2000), o Constituinte de 1988 deixou transparecer de forma inequívoca a sua intenção de outorgar aos princípios fundamentais a qualidade de normas embasadoras e informativas de toda a ordem constitucional, inclusive (e especialmente) das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, que igualmente integram (juntamente com os princípios fundamentais) aquilo que se pode – e nesse ponto parece haver consenso – denominar de núcleo essencial da nossa Constituição formal e material.

Ao ocorrer a tensão entre dois princípios reconhecidos pelo ordenamento constitucional em vigor, o de menor peso, de acordo com as circunstâncias e condições inerentes ao caso deve ceder ao de maior valor, em uma “relação de precedência continuada”. Já para Robert Alexy, apud Dirley da Cunha Jr. (2012), a colisão é resolvida a partir de uma “relação de precedência condicionada”, ou seja, quando dois princípios colidem, um deles terá precedência em face do outro. Uma mudança apenas terminológica, pois a essência continua a mesma.

“Assim, em face da relação de ‘precedência condicionada’, o princípio que não precedeu, ante as condições postas, cederá diante da aplicação do que precedeu. Mas, sob outras condições, é possível que se inverta a relação de precedência, de modo que o princípio que cedeu em face de condições anteriores, prevaleça em razão das novas condições. Isso significa que, diante do caso concreto e das condições existentes, os princípios se apresentam com pesos distintos, de modo que terá precedência o princípio que maior peso revelar.” (CUNHA, 2012, P. 162).

Além disso, é possível a aplicação do princípio da proporcionalidade, denominado, por alguns doutrinadores, “de limite dos limites”, onde as partes em litígio fazer inúmeras concessões por meio do diálogo, buscando assim a paz social, consoante lição de José Sérgio Cristóvam (2006):

“A proporcionalidade é uma máxima, um parâmetro valorativo que permite aferir a idoneidade de uma dada medida legislativa, administrativa ou judicial.  Pelos critérios da proporcionalidade pode-se avaliar a adequação e a necessidade de certa medida, bem como, se outras menos gravosas aos interesses sociais não poderiam ser praticadas em substituição àquela empreendida pelo Poder Público.” (CRISTÓVAM, 2006, P. 211)

Deste modo, tais métodos são primordiais na busca de soluções entre direitos fundamentais, objetivando a harmonização sócio-política de um dado ordenamento jurídico.

Considerações Finais   

Percebe-se que é evidente o choque entre dois direitos fundamentais, isto é, um embate principiológico latente, mas como equalizá-los em busca do bem-estar social com o intuito de também atender à função social da propriedade intelectual? Para parte da hermenêutica jurídica atual, faz-se necessária a utilização do princípio da proporcionalidade, onde haverá concessões de ambas as partes envolvidas em um caso concreto para se chegar a uma solução plausível e consensual.

Por outro lado, a “teoria da relação de precedência condicionada” onde se utiliza da exclusão de um dos princípios em detrimento do outro, sempre com a apreciação dos elementos do caso concreto. Trata-se de uma opção político-jurídica com o intuito de fornecer uma resposta satisfatória sem afrontar cabalmente os pilares do ordenamento jurídico brasileiro.

Dessa forma, ambos os métodos supracitados devem estar em consonância com os preceitos constitucionais, por meio do uso de paradigmas hermenêutico-filosóficos condizentes com a sociedade atual. Entretanto, faz-se necessária uma revisão ampla e urgente da legislação sobre a matéria, pois, o Brasil, possui uma das leis autorais mais restritivas e inflexíveis do mundo.

 

Referências
BITTAR, Eduardo C.B. Expressões Contemporâneas e Desafios do Direito de Autor na Sociedade da Informação. Revista de Direito das Novas Tecnologias. V.6 Nº 8 – Jul/2011 – Jun/2012. São Paulo: Informações Objetivas Publicações Jurídicas: Instituto Brasileiro de Política e Direito da Informática, 2006.
BRASÍLIA, Constituição Federal de 1988, 8 de outubro de 1988. Proclama a Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União n. 191-A, de 05 de out. de 1988
CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva.  Colisões entre princípios constitucionais.  Curitiba: Juruá, 2006. p. 211.
CUNHA JR., Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed. Salvador, BA: Editora JusPODVIM, 2012;
ECAD. O que é direito autoral. Disponível no site: http://www.ecad.org.br/pt/direito-autoral/o-que-e-direito-autoral/Paginas/default.aspx/ Acessado em 19/10/2013 às 15h35min;
ESTOCOLMO, Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural, 1998;
FARIAS, Cristiano Chaves de. Direitos Reais. Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald. 6ª ed. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2009;
LARAIA, Roque de Barros, 1932. Cultura: um conceito antropológico / Roque de Barros Laraia. — 14.ed. — Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001;
LOPES, Lorena Duarte Santos. Colisão de direitos fundamentais: visão do Supremo Tribunal Federal. Disponível no link: https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11242&revista_caderno=9. Acessado em 18/07/2013, às 18h30min;
MACHADO, Bernardo Novais da Mata. Direitos Culturais e Políticas para a Cultura – Curso de Gestão e Desenvolvimento Cultural Pensar e Agir com Cultura, Cultura e Desenvolvimento, Local: 2007;
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho, Paulo Gustavo Gonet Branco. – 4ª. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva: 2009;
REGO, Teresa Cristina. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. 19 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p.42;
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Ingo Wolfgang Sarlet. 9ª. ed. rev. e atual. São Paulo: Livraria do Advogado Editora: 2000.

Informações Sobre o Autor

Diego de Lima Leal

Advogado Bacharel em Direito pela Universidade do Estado da Bahia UNEB. Pós-Graduando em Direito Eleitoral pela Universidade Cândido Mendes


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