Resumo: Esta pesquisa analisou aspectos hídricos das Constituições do Brasil, desde a de 1824 até a atual, a Constituição do Estado da Paraíba e normas infraconstitucionais. Foi realizada uma pesquisa de campo na Escola Estadual de Ensino Médio Mestre Júlio Sarmento, Sousa-PB, na qual aplicou-se, de forma aleatória, 1 (um) questionário com 426 (quatrocentos e vinte e seis) atores sociais, o correspondente a 26,91% do total de 1.583 (um mil, quinhentos e oitenta e três) atores.
Palavras-Chave: Constituição. Leis infraconstitucionais. Águas
Sumário: 1. Introdução. 2. Constituição e recursos hídricos. 3. Política e gerenciamento nacional dos recursos hídricos. 4. Política e gerenciamento estadual dos recursos hídricos. 5. Considerações finais. 6. Referências
1 INTRODUÇÃO
Esta pesquisa apresenta a questão hídrica brasileira sobre o enfoque constitucional e infraconstitucional, buscando detalhar a contemplação das águas nestes níveis legislativos, perpassando desde a Constituição Imperial de 1824 até a Constituição atual de 1988.
Ainda em sede constitucional, esta investigação consagra também a Constituição do Estado da Paraíba e no âmbito infraconstitucional a Lei n° 9.433/97, cognominada Lei de Águas e a Lei nº 6.308/96, importantes documentos hídrico-jurídicos de alcance federal e estadual, respectivamente.
As normas infraconstitucionais acima referidas são tratadas nesta pesquisa em razão de partirem de previsão da Carta Mater cuja preocupação com a criação de um sistema legal de gerenciamento das águas brasileiras é manifesta.
Ressalte-se, ainda, que o estudo em alusão trouxe à colação a Constituição do Estado da Paraíba em face de ter sido realizada uma pesquisa de campo neste Estado, cujos dados serão apresentados nesta obra.
É objetivo geral desta pesquisa identificar e analisar as normas constitucionais que consagram os recursos hídricos, perquirindo o seu alcance prático, as suas intenções e disposições.
De modo específico, os pesquisadores procuraram interpretar leis infraconstitucionais federais e estaduais hídrico-legais com o escopo de verificar se as exigências constitucionais estão sendo atendidas, além de buscar desvendar a incidência destas disposições normativas no cotidiano do público-alvo investigado, a fim de constatar como está o conhecimento e a consciência social no que tange ao caminhar hídrico paraibano.
Para atingir os objetivos propostos, o caminho percorrido, ou seja, a metodologia utilizada pelos investigadores foi um aprofundamento na revisão literária da questão em foco, buscando extrair teorias, conceitos, legislações sobre a matéria em discussão. Além disso, foi feita uma análise documental de textos constitucionais e infraconstitucionais brasileiros que contemplam a questão das águas e, para tanto, utilizou-se ainda, como método, a hermenêutica jurídica que, nas palavras de Nader (2004, p. 255), “visa estabelecer princípios, critérios, métodos, orientação geral”. A técnica escolhida foi a interpretação jurídico-normativa que aplica os ensinamentos da hermenêutica, aproveitando os subsídios desta.
Por fim, foi realizada uma pesquisa de campo na Escola Estadual de Ensino Médio Mestre Júlio Sarmento, a qual corresponde a 50% das escolas públicas de ensino médio da cidade de Sousa – PB cadastradas na Secretaria de Educação e Cultura da Paraíba, conforme consta do site oficial do Governo do Estado da Paraíba.
Na instituição de ensino referenciada, para a coleta de informações a respeito dos recursos hídricos, aplicou-se, de forma aleatória, 1 (um) questionário com 426 (quatrocentos e vinte e seis) atores sociais, o correspondente a 26,91% do total de 1.583 (um mil, quinhentos e oitenta e três) atores.
As tabelas que interpretam os resultados foram elaboradas a partir do tratamento dos dados através do software Statistical Package for Applied Social Science – SPSS (Pacote Estatístico Aplicado às Ciências Sociais).
2 CONSTITUIÇÃO E RECURSOS HÍDRICOS
Inicialmente, ressalte-se a importância de conhecer o modo como foi abordada a questão hídrica em todas as constituições brasileiras, levando-se em consideração a supremacia destes documentos sobre todo o ordenamento jurídico.
Dessa forma, digno de nota conceituar o que se denomina por Constituição. A esse respeito, Silva (2005 apud BARBOSA, 2007, p. 87) preleciona que:
“O sentido jurídico de constituição não se obterá se a apreciarmos desgarrada da totalidade da vida social, sem conexão com o conjunto da comunidade. A Constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, conduta humana motivada nas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas, etc.); como fim, a realização de valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser compreendida e interpretada, se não tiver em mente esta estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores.”
Após estas considerações iniciais, é válido passar-se a um estudo mais detalhado de cada constituição brasileira no que concerne à questão das águas.
A Constituição do Império de 1824 não contemplou em seu texto preocupação direta com a tutela ambiental. No tocante às águas, apenas disciplinou que os rios pertenciam à Coroa.
O Texto Republicano de 1891 consagrou as competências legislativas federais e estaduais em sede de águas, conforme infere-se da leitura dos artigos 13 e 34 da referida Constituição que estabeleciam:
“Art. 13. O direito da União e dos Estados de legislarem sobre viação férrea e navegação interior será regulado por lei federal. Art. 34. Compete privativamente ao Congresso Nacional: 6° Legislar sobre a navegação dos rios que banhem mais de um Estado, ou se extendam a territórios estrangeiros” (CAMPANHOLE, 2000, p. 731-734).
Em contrapartida, preleciona Almeida (2002) que é visível o distanciamento da intenção do constituinte de 1934 do legislador constitucional de 1891, vez que aquele contemplou na Carta de 1934, além das competências para legislar sobre águas, também o domínio destas enquanto que a Constituição anterior vislumbrava apenas as referidas competências.
Nesse sentido, os artigos 20 e 21, consagrando os bens de domínio da União e dos Estados, respectivamente, estabeleciam:
“Art. 20. São do domínio da União: I, os bens que a esta pertencem, nos termos da lei actualmente em vigor; II, os lagos e quaesquer correntes em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros paizes ou se estendam a território estrangeiro; III, as ilhas fluviaes e lacustres nas zonas fronteiriças. Art. 21. São do domínio dos Estados: I, os bens da propriedade destes pela legislação actualmente em vigor, com as restricções do artigo antecedente; II, as margens dos rios e lagos navegáveis destinadas ao uso publico, se por algum titulo não forem do domínio federal, municipal ou particular.”
A Constituição Republicana de 10 de novembro de 1937, conforme Henkes (2003) não diferiu muito da Carta Magna anterior no que tange ao domínio das águas, dando continuidade à previsão da exploração industrial dos recursos naturais, sem muita preocupação com a preservação dos mesmos.
A Constituição de 1946, considerada por Granziera (2001, p. 88) a “mais moderna e liberal Constituição que o país jamais teve”, contemplou mudanças significativas no campo hídrico, principalmente no que se refere ao domínio das águas.
Assim, excluindo os Municípios da titularidade do domínio sobre as águas, a Lei Constitucional em comento fez crescer o dos Estados, dispondo no artigo 35 que “Incluem-se entre os bens do Estado os lagos e rios do seu domínio e os que têm nascente e foz no território estadual”.
Quanto aos bens da União, a Carta Federal de 1946 manteve de seu domínio os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio ou que banhassem mais de um Estado, servissem de limite com outros países ou se estendessem a território estrangeiro, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países.
No Texto Constitucional de 1967 não houve mudanças profundas no tratamento das águas e, assim como ocorreu nas Cartas anteriores de 1934 e 1946, repetiu-se preocupação mais acentuada com a exploração dos recursos naturais do que com a proteção ambiental.
A Norma Fundamental de 1988, diferentemente das anteriores, dedicou um capítulo inteiro sobre o meio ambiente, além de consagrar matéria sobre águas em dispositivos esparsos, tornando-se, assim, o marco inicial da proteção ambiental no Brasil.
O artigo 225 da norma acima referida, que encabeça o Capítulo VI, Do Meio Ambiente, localizado no Título VIII, Da Ordem Social, prevê o direito de todos de gozar de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, dentro do qual inserto estão os recursos hídricos, assim como a imposição do dever de a coletividade e o Poder Público defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
No que atine às competências legislativas, a Constituição Federal de 1988 delegou à União, de acordo com o artigo 22, a competência para legislar sobre águas e energia.
O Texto Maior prevê, ainda, como competência concorrente da União, Estados e do Distrito Federal, conforme artigo 24, inciso VI, legislar sobre “florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição”; e conforme o inciso VIII, legislar sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente e outros.
É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na forma do artigo 23, incisos VI e VII, respectivamente da Lei Mater, “proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.
No que diz respeito ao domínio, a Constituição em debate fez remanescer inalterados os bens pertencentes à União. Assim, regulamenta o artigo 20, inciso III, que constituem bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos sob seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, que sirvam de limites com outros países, que provenham ou se estendam a território estrangeiro e também os terrenos marginais e as praias fluviais.
Houve, contudo, significativa ampliação no domínio hídrico estadual com o advento da norma em questão que no artigo 26, incisos I, II e III estabelece, in fine:
“Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros; III – as ilhas fluviais e lacustres não compreendidas entre as da União”.
Pela análise do comando normativo supratranscrito, infere-se que uma das inovações mais significativas trazidas pela Constituição de 1988 foi a extinção do domínio privado dos recursos hídricos, passando estes para o domínio, conforme visto, da União e dos Estados.
Há ainda outras disposições com conteúdo normativo constitucional que consagram a questão hídrica, é o que se depreende, pela dicção do artigo 20, § 1°, que assegura aos entes federativos a participação no resultado da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica; artigo 21, incisos XII, alínea b e XIX que, respectivamente, tratam da competência da União para explorar o aproveitamento dos cursos de água e para instituir o sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos; artigo 43, § 2°, inciso IV, que disciplina a prioridade para o aproveitamento econômico e social dos rios e das massas de água represadas ou represáveis nas regiões de baixa renda e que sofrem secas periódicas.
No que atine ao âmbito estadual, a Constituição do Estado da Paraíba, promulgada em 5 de outubro de 1989 versou sobre a questão hídrica, regulamentando no Título VIII, o Capítulo IV denominado Da Proteção do Meio Ambiente e do Solo, do artigo 227 ao 235.
Inicialmente, o artigo 227 prevê que é dever do Estado defender e preservar o meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, para as atuais, presentes e futuras gerações.
Preocupado com a ocorrência de eventual degradação e poluição do meio ambiente e, conseqüentemente, das águas, mediante a construção de obras ou instalação de atividades potencialmente perturbadoras, o constituinte estadual disciplinou no artigo 228, § 2º da Norma Constitucional Paraibana em exame o estudo prévio de impacto ambiental nas localidades em que se deseje realizar a instalação ou atividade mencionadas.
Além de estudo do impacto ambiental, o Dispositivo Legal em comento, através de previsão do artigo 231, dispõe que o Estado estabelecerá plano de proteção ao meio ambiente, adotando medidas indispensáveis à utilização racional da natureza e à redução da poluição causada pela atividade humana.
Por último, a norma estadual em referência traz disciplina específica para a proteção e conservação os recursos hídricos estabelecendo que “Art. 233. O Estado agirá direta ou supletivamente na proteção dos rios, córregos e lagoas e dos espécimes neles existentes contra a ação de agentes poluidores, provindos de despejos industriais”.
3 POLÍTICA E GERENCIAMENTO NACIONAL DOS RECURSOS HÍDRICOS
Em razão da escassez qualitativa e quantitativa que permeava o Brasil da década de 90, do aumento dos conflitos em torno da posse das águas e da incipiente gestão hídrica brasileira somado ao atendimento à exigência consignada no artigo 21, inciso XIX da Constituição Federal de 1988, foi promulgada em 8 de janeiro de 1997 a Lei Federal n° 9.433, denominada Lei de Águas, que veio para instituir a Política Nacional de Recursos Hídricos – PNRH e criar o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos – SNGRH.
Contudo, a pesquisa in loco realizada na cidade de Sousa – PB demonstra que, mesmo com a imposição constitucional da criação de um sistema nacional de gerenciamento hídricos e com a sua efetiva criação através da Lei de Águas, a população quase que desconhece totalmente esta lei e, assim, dois fundamentos basilares da PNRH ficam profundamente prejudicados, quais sejam: “á água é um bem de domínio público”; “a gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades”. Ora, sem a consciência crítica por parte da sociedade acerca de tais fundamentos e que os mesmos são vetores imprescindíveis na exigência de uma política nacional e estadual na seara de recursos hídricos, torna-se impraticável uma política hídrica sustentável.
É o que se verifica a partir do tratamento dos dados coletados no questionário aplicado. Foi perguntado sobre a posse de alguma informação sobre a Política Federal de Recursos Hídricos (Tabela 1), mas apenas 4,9% dos atores responderam afirmativamente.
TABELA 1 – NÍVEL DE CONHECIMENTO DA LEI FEDERAL Nº 9.433/97 | ||
CONHECE A LEI FEDERAL Nº 9.433/97 | f | % |
SIM | 21 | 4,9 |
NÃO | 405 | 95,1 |
TOTAL | 426 | 100,0 |
FONTE: Pesquisa Direta (2008). |
Com base nesse resultado, é fácil prever possíveis distorções na compreensão da gestão hídrica brasileira cujas ações repercutem, de maneira significativa, na proteção e controle das águas.
É possível ainda, constatar nos dados obtidos na Tabela 1 que o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, acima mencionado, reputa-se incipiente, vez que segundo o artigo 26 da mesma lei o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos é um sistema que visa a coleta, o tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos e que deve assegurar, como princípio básico, “III – o acesso aos dados e informações garantido à toda a sociedade”.
Foi visto anteriormente que, segundo a Constituição Federal, art. 21, inciso XIX, compete à União instituir o sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos.
Assim, o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos – SNGRH, criado pela Lei de Águas, possui como atribuição planejar e controlar administrativamente os órgãos e entidades da Administração Pública responsáveis pelo exercício do poder de polícia das águas.
A respeito desse importante sistema, Granziera (2001, p. 154) assevera que “o Sistema constitui o conjunto de órgãos e entidades, governamentais ou não, voltados à utilização e aplicação dos instrumentos da Política de Recursos Hídricos, com vista em alcançar os objetivos propostos”.
4 POLÍTICA E GERENCIAMENTO ESTADUAL DOS RECURSOS HÍDRICOS
Tendo compreendido os recursos hídricos sob um enfoque nacional, tanto constitucional quanto infraconstitucional, na seqüência será abordado o mesmo recurso natural, agora sob uma perspectiva estadual, mais precisamente, no que concerne à Paraíba.
Segundo a Constituição Federal de 1988, os Estados Federados são autônomos e, nesse sentido, reza o art. 25 da referida Norma Fundamental que estes organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, porém, sempre atentos à observância dos princípios estabelecidos nesta lei federal.
Assim, a Lei n° 6.308 de 02 de julho de 1996 institui a política Estadual de Recursos Hídricos, suas diretrizes e dá outras providências. Esta lei faz parte do arcabouço legal de qual se vale a Administração Pública paraibana para gerenciar os corpos de água relativos a essa localidade. De forma subsidiária e em consonância com o disposto no art. 1º da lei em comento, a Constituição Federal, a Constituição Estadual da Paraíba e a Política Nacional do Meio Ambiente e de Recursos Hídricos integram aquele aporte legal acima mencionado.
Ressalte-se, todavia, que o mesmo desconhecimento do qual padece a gestão hídrica nacional por parte da sociedade, repete-se no nível estadual.
Assim, por meio do questionário aplicado atestou-se que a porcentagem de 3,1% (Tabela 2), muito pequena, conhece a Lei Estadual de Recursos Hídricos da Paraíba. Desse modo, sem uma participação efetiva da sociedade, por falta de conhecimento, percebe-se que o Estado não vem exercendo eficientemente os preceitos exigidos na Lei 6.308/96 com suas modificações e outras leis que demandam que a sociedade seja informada dos rumos hídricos estatal.
TABELA 2 – NÍVEL DE CONHECIMENTO DA LEI ESTADUAL 6.308/96 | ||
CONHECE A LEI ESTADUAL 6.308/96 | f | % |
SIM | 13 | 3,1 |
NÃO | 413 | 96,9 |
TOTAL | 426 | 100,0 |
FONTE: Pesquisa Direta (2008). |
No que respeita ao órgão incumbido de realizar a gestão e o gerenciamento dos recursos hídricos paraibanos, a AESA é a agência que executa esta atividade, tendo sido criada pela Lei n° 7.779 de 07 de julho de 2005.
Pela dicção do art. 1º, inciso I desta lei, A AESA é uma Agência Executiva de Gestão das Águas do estado da Paraíba, constitui entidade sob a forma de autarquia, dotada de personalidade jurídica de direito público que integra o quadro da Administração Pública Indireta, possuindo autonomia administrativa e financeira.
A AESA, na lição de Barbosa (2006), através de 04 (quatro) Gerências Regionais de Bacias Hidrográficas, atua em João Pessoa, Campina Grande, Patos e Sousa, sendo vinculada a SECTMA – Secretaria do Estado da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente e por previsão da Lei em referência, obedece aos fundamentos, objetivos e instrumentos estabelecidos na Lei Estadual n° 6.308/96 e na Lei Federal n° 9.433/97.
Entretanto, o nível de conhecimento sobre a AESA observado entre os entrevistados foi de 21,8% (Tabela 3).
TABELA 3 – NÍVEL DE CONHECIMENTO DA AGÊNCIA EXECUTIVA DE GESTÃO DAS ÁGUAS DO ESTADO DA PARAÍBA (AESA) | ||
JÁ OUVIU FALAR DA AESA? | f | % |
SIM | 93 | 21,8 |
NÃO | 333 | 78,2 |
TOTAL | 426 | 100,0 |
FONTE: Pesquisa Direta (2008). |
Preliminarmente, torna-se necessário informar que a AESA é uma Agência Executiva e não Agência Reguladora, assim, a mesma apresenta maior flexibilidade administrativa, gerencial e financeira, todavia, detém mais poder e centralidade nas ações, o que talvez diminua a participação da sociedade ou comunidade nos processos decisórios hídricos.
Os entrevistados, assim, carecendo de informações sobre a natureza das Agências Executivas e Agências Reguladoras, encontram dificuldade na compreensão da gênese dessas duas instituições e, por conseguinte, na inserção em debates de maneira consciente e crítico-participativa.
O art. 4º da Lei n° 6.308/96 estabelece que constituem instrumentos de execução da mesma o Sistema Integrado de Planejamento e Gerenciamento de Recursos Hídricos, o Plano Estadual de Recursos Hídricos e os Planos e Programas Intergovernamentais.
O Plano Estadual de Recursos Hídricos da Paraíba deverá ser instituído por Lei, observados os princípios e diretrizes da referida política e terá como base os Planos das Bacias Hidrográficas.
De acordo com o Relatório Final do Plano Estadual de Recursos Hídricos disponibilizado no site da AESA, a elaboração deste Plano já está concluída, todavia, o nível de conhecimento sobre o mesmo foi incipiente: apenas 6,1% dos entrevistados afirmaram ter conhecimento sobre tal plano. (Tabela 4)
TABELA 4 – NOÇÕES DO PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS DO ESTADO DA PARAÍBA | ||
TEM NOÇÃO DO PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS? | f | % |
SIM | 26 | 6,1 |
NÃO | 400 | 93,9 |
TOTAL | 426 | 100,0 |
FONTE: Pesquisa Direta (2008). |
A explicação plausível sobre o desconhecimento do Plano de Recursos Hídricos do Estado da Paraíba pode ser dividida em duas etapas: a primeira se explica em face do Plano ter sido produzido recentemente, mais precisamente, em março de 2006. A segunda pode ser apresentada por causa da lentidão do órgão público competente que não repassa as informações hídricas para a sociedade de forma rápida e transparente, pois, o Plano Estadual aprovado em março de 2006 só se tornou de domínio público após as eleições do mesmo ano, especificamente no início de 2007.
Ainda a norma estadual em comento estabelece que, diferentemente dos instrumentos de execução, a outorga de direitos de uso dos recursos hídricos e a cobrança pelo uso desses mesmos recursos constituem instrumentos de gerenciamento das águas da Paraíba.
Quanto a este instrumento quase nenhum dos entrevistados, ou seja, 421, correspondente a (98,8% – Tabela 5), nunca ouviram falar sobre este instrumento da lei em apreço. Porém, o desconhecimento se dá por conta do cerceamento do direito à informação, em outras palavras, o Estado deveria disponibilizar de forma democrática informações sobre a política estadual de recursos hídricos, facilitando assim, que um quantitativo expressivo da população paraibana pudesse compreender e participar efetivamente dos fóruns hídricos estatal, não apenas pelo prisma formal, mas sim nas diversas relações da política hídrica.
TABELA 5 – NÍVEL DE CONHECIMENTO DO INSTRUMENTO DE OUTORGA DOS DIREITOS DE USO DE RECURSOS HÍDRICOS DA PARAÍBA | ||
JÁ OUVU FALAR NO INSTRUMENTO DE OUTORGA? | f | % |
SIM | 5 | 1,2 |
NÃO | 421 | 98,8 |
TOTAL | 426 | 100,0 |
FONTE: Pesquisa Direta (2008). |
Outro instrumento que está presente tanto na Lei Federal quanto na Lei Estadual de Águas, é a cobrança pelo uso dos recursos hídricos.
Como outrora exposto, o fundamento jurídico atual da cobrança pelo uso da água é a Lei nº 9.433/97. Todavia, é válido ressaltar que este instrumento já vinha regulado no nosso ordenamento jurídico desde o Código de Águas de 1934 que previu a responsabilidade civil, mediante indenização declarada em ação judicial aos infratores que causassem danos ambientais no tocante às águas.
Comando normativo semelhante foi incorporado à Constituição Federal de 1988, em seu art. 225, §3º, prevendo também a possibilidade de reparação dos danos causados aos agentes de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
É interessante ressaltar que a Lei n°. 6.308/96 refere-se à cobrança pelo uso da água bruta e não pela remuneração devida à prestação de serviços como saneamento básico, fornecimento, adução, transporte e distribuição de água.
Para melhor arrazoar esta afirmação, vale invocar novamente ensinamento de Granziera (2001, p. 218) afirmando que “a fatura que se recebe é, portanto, relativa à prestação de serviços de saneamento e nada tem a ver com cobrança pelo uso da água, instrumento da política de recursos hídricos”.
A respeito do que foi questionado sobre cobrança pelo uso da água, dos 426 (100%) atores que participaram do questionário, 306, o correspondente a 71,8% (Tabela 6) afirmaram ser desnecessário a cobrança pelo uso de água bruta e apenas 120 atores, isto é, 28,2% (Tabela 6) concordam com a necessidade de cobrança pelo uso da água bruta.
TABELA 6 – NECESSIDADE DE COBRANÇA DO USO DE ÁGUA BRUTA NO ESTADO DA PARAÍBA | ||
ACHA NECESSÁRO A COBRANÇA DO USO DE ÁGUA BRUTA? | f | % |
SIM | 120 | 28,2 |
NÃO | 306 | 71,8 |
TOTAL | 426 | 100,0 |
FONTE: Pesquisa Direta (2008). |
A tabela em referência demonstra o desconhecimento dos atores que responderam negativamente à indagação no que tange ao instrumento em análise, vez que claramente confundiram, inclusive em razão de não terem sido bem informados, a cobrança pelos serviços de água que são prestados pelo Estado com a cobrança da água de per si. Não compreenderam também que os usuários a que a Lei nº 9.433/97 se refere para cobrança pelo uso de água não é a comunidade, mas os usuários Pessoas Jurídicas, setores como a indústria, agricultura, psicultura, hidrelétrica e demais.
É digno de nota que a cobrança pelo uso da água é um instrumento forte e poderoso no combate ao uso excessivo e irracional dos recursos hídricos. Foi a partir das conseqüências danosas ocasionadas por tais eventos que surgiu a necessidade de cobrar-se também pelo uso da água bruta.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da necessidade de cuidados cada vez mais aguçados com os rumos das águas brasileiras, gradativamente as Constituições pátrias demonstraram interesse e preocupação em regulamentar os recursos hídricos nacionais. Sem embargos, a Constituição do Estado da Paraíba, respeitando os preceitos da Constituição Federal, trouxe em seu bojo um capítulo dedicado às questões ambientais, consagrando nestas disposições a questão hídrica paraibana.
Em atendimento às exigências constitucionais foram editados importantes documentos hídrico-jurídicos para regulamentar os usos, os conflitos, a poluição, a degradação, o melhor aproveitamento dos recursos hídricos com vistas a implementar uma gestão hídrica bem articulada, capaz de coibir os danos e de potencializar os benefícios em torno das águas.
Assim, constatou-se que o imperativo do artigo 21, inciso XIX do Texto Maior pôde ser verificado por ocasião da edição da Lei nº. 9.433/97 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e efetivamente criou o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos demandado pelo dispositivo constitucional em apreço.
Em contrapartida, pelos dados obtidos com a Tabela 1, informante de que a população entrevistada pouco ou nada conhece a Lei de Águas acima referida, constatou-se que preceitos constitucionais foram violados, tais como, o artigo 5º, incisos XIV e XXIII, que, respectivamente, prevêem que é assegurado a todos o acesso à informação e que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de interesse coletivo ou geral. Sob a égide infraconstitucional federal, verificou-se que o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos, instrumento da Política Nacional de Recursos Hídricos queda-se inerte frente à sua atribuição de manter a sociedade bem comunicada a respeito do caminhar hídrico nacional.
Desta feita, surge uma grave conseqüência a partir do não conhecimento das leis hídricas: a sociedade fica impossibilitada de formar uma consciência crítica a respeito de um assunto da maior relevância, qual seja, a gestão das águas e, desse modo, dificulta sua participação nesta gestão, um outro fator também previsto na Lei nº 9.433/97 como fundamento que estabelece a gestão descentralizada contando com a participação do Poder Público, dos setores usuários e da comunidade.
De outra forma não aconteceu no âmbito estadual, pois as declarações acima subscritas são válidas também para a situação hídrica paraibana.
Assim, mencionando a frente constitucional estadual, foi possível verificar que o artigo 227, parágrafo único, inciso IV, o qual dispõe que incumbe ao Poder Público promover a educação ambiental, em todos os níveis de ensino, e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente, não está sendo respeitado, vez que o público investigado compõe-se de alunos de escola pública de ensino médio que muito pouco ou nada conheciam a respeito das Políticas Nacional e Estadual de Recursos Hídricos, pois o Poder Público falhou na promoção da educação ambiental e em conseqüência disso a formação da consciência para a preservação do meio ambiente, inclusive das águas, ficou comprometida.
Diante do que foi exposto, infere-se que o Poder Público deve procurar meios para melhor proporcionar os direitos constitucionais e infraconstitucionais já mencionados para que a sociedade possa tomar conhecimento, conscientizar-se, posicionar-se a respeito das questões hídricas e o mais importante de tudo, participar dos debates que envolvem as águas e da gestão destas em todos os níveis federativos.
Doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande – UFCG. Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba – UFPB. Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Professor Adjunto II da Universidade Federal de Campina Grande – UFCG, no Curso de Bacharelado em Direito do Centro de Ciências Jurídicas e Sociais. Professor e Orientador do Mestrado e Doutorado em Recursos Naturais da UFCG/PPGRN e de Especialização em Direito do CCJS/UFCG. Autor dos livros: Direito Constitucional: uma abordagem histórico-crítica; Direito Ambiental: em busca da sustentabilidade. Introdução ao Direito Ambiental. Introdução ao Estudo do Direito. História Ambiental e Direito Ambiental: diálogos possíveis. Direito Ambiental e dos Recursos Naturais: biodiversidade, petróleo e águas (no prelo). Capítulo do livro – Trabalhador Rural, intitulado: O Trabalhador Rural na Região Nordeste. Capítulo do livro – Água Doce: Direito Fundamental da Pessoa Humana. Experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Constitucional, Direito Ambiental, Direito Econômico, Direito de Águas.
Mestranda em Recursos Naturais pela UFCG/CTRN/PPGRN; Estágio Docência em Legislação Ambiental pela UFCG/CTRN; Bacharel em Direito pela UFCG/CCJS; Bolsista CAPES/UFCG
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