Direito da concorrência: Uma análise das teorias Econômicas, da ordem econômica brasileira e da conduta abusiva horizontal do cartel

Resumo: O intuito do presente trabalho é analisar no âmbito do direito da concorrência a conduta abusiva horizontal do Cartel bem como os mecanismos legais para a sua investigação. A relevância da matéria se deve à dificuldade em se identificar a cartelizarão pois ao observar determinado mercado o intérprete pode deparar-se com preços semelhantes que decorrem não de um acordo mas do funcionamento normal daquele setor econômico.

Sumário: Introdução. 1. Direito da Concorrência. 1.1. Teorias Econômicas: Escolas de Havard e Chicago. 1.1.1. Contexto histórico, social e econômico. 1.2. princípio da regra da Razão. 1.3. Conduta Per se condenmnationem. 1.4. Inter-relação dos princípios da Regra da Razão e Per se condenmnationem. 2. Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 2.1. Os Princípios da Livre Iniciativa e da Livre Concorrência. 2.2. Defesa da Concorrência – Lei 12.529/2011. 2.3. A Aplicação da Regra da Razão e da Per se condenmnationem. 3. Conduta Abusiva Horizontal: O Cartel. 3.1. Mecanismos Legais para sua investigação. Conclusão. Referências Bibliográficas.

INTRODUÇÃO

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O intuito do presente trabalho é analisar, no âmbito do direito da concorrência, a conduta abusiva horizontal do Cartel, bem como os mecanismos legais para a sua investigação.

A relevância da matéria se deve à dificuldade em se identificar a cartelização, pois ao observar determinado mercado, o intérprete pode deparar-se com preços semelhantes que decorrem não de um acordo, mas do funcionamento normal daquele setor econômico.

Para tanto, o presente trabalho foi desenvolvido em três capítulos, sendo o primeiro uma contextualização das teorias econômicas que influenciaram o Direito da Concorrência, em especial as Escolas de Harvard e Chicago. No segundo capítulo tratou-se da Ordem Econômica no âmbito da Constituição Federal de 1988 e por fim, buscou-se discorrer sobre o instituto do Cartel e os possíveis mecanismos de sua investigação.

1. DIREITO DA CONCORRÊNCIA

1.1. Teorias Econômicas: Escolas de Harvard e Chicago

Preliminarmente, necessário se faz delinear as teorias econômicas que fundamentam o direito da concorrência, contextualizando-as em seu momento histórico, social e econômico, bem como analisar se as referidas teorias foram recepcionadas pelo ordenamento jurídico brasileiro. No presente artigo abordaremos a escolas de Harvard e de Chicago que foram responsáveis pelos principais ensinamentos do direito da concorrência.

A escola de Harvard parte do pressuposto de que toda sociedade empresária com poder econômico utilizará esse poder para implementar condutas anticompetitivas, motivo pelo qual a maior preocupação dessa corrente está ligada ao aumento da concentração do mercado, em especial as concentrações verticais. A escola de Harvard vê com desconfiança as excessivas concentrações empresariais e a presença de barreiras à entrada de novos agentes econômicos. Um de seus principais pilares repousa na crença de que a conduta do agente econômico está diretamente ligada à estrutura do mercado, ou seja, as características das configurações do mercado determinam a sua performance. (FORGIONI, 2010, p. 58)

A Escola Estruturalista de Harvard, como também era denominada, pregava a necessidade da efetiva proteção dos consumidores, preservando seu direito de escolha e não os sujeitando aos monopólios, assim como a manutenção de pequenas e médias empresas no mercado, garantindo-lhes abrigo contra as práticas de agentes com poder econômico elevado. Frisa-se que a preocupação dos pensadores da escola de Harvard não é voltada para a eficiência, mas sim para a existência efetiva da concorrência. Portanto, seu objetivo estaria pautado na manutenção ou incremento do número de agentes econômicos no mercado. A estrutura econômica, segundo a escola de Harvard seria mais pulverizada. (FORGIONI, 2010, p. 79)

De outra ponta, a partir de 1980 atinge seu auge a Escola de Chicago, no qual afirma que qualquer lei restritiva da livre concorrência teria por conseqüência manter no mercado empresas ineficientes que, não fosse a proteção estatal, estariam condenadas ao desaparecimento. (FORGIONI, 2010, p. 79). Portanto, a Escola de Chicago defende o menor grau possível de regulamentação da economia pelo Estado.

A Escola de Chicago traz para o direito concorrencial a análise econômica, instrumento de uma busca maior, qual seja, a eficiência alocativa do mercado, que sempre beneficiaria os consumidores (FORGIONI, 2010, p. 164). Desta forma, para a referida teoria, a ênfase a ser dada é na eficiência produtiva (significando primordialmente produção a baixo custo) (SALOMÃO FILHO, 2003b, p. 21-22).

Assim, os principais institutos antitrustes passam a ser pensados em termos de “eficiência alocativa” e, portanto, as concentrações (e o poder econômico que delas deriva) não são vistas como um mal a ser evitado. As restrições verticais passam a ser explicados em termos de eficiência e ganho para os consumidores.

A crítica feita para essa corrente assenta entendimento no qual a eficiência alocativa passou a ser justificativa para a obtenção ou a manutenção de posições dominantes e o deslocamento das discussões antitruste da política econômica para as teorias econômicas, ou seja, a busca pela segurança jurídica pode ser um perigoso incentivo quando da análise econômica do direito, que pode mostrar fórmulas aptas a resolver os casos concretos (SALOMÃO FILHO, 2003b, p. 21-22).

Importante ainda mencionar o movimento denominado revisionismo pós-Chicago, que toma corpo a partir de 1980. Essa corrente, mesmo reconhecendo a importância e relevância dos conceitos defendidos pela Escola de Chicago, acusa-a de ser demasiadamente simplista. Com métodos mais aprofundados, a Escola pós-Chicago indicam prejuízos concorrenciais de determinadas condutas (especialmente os acordos verticais), sem, contudo, desprezar os benefícios que delas derivam. As três principais teorias que compõem a visão pós-chicago seriam: (i) teoria dos mercados contestáveis (contestable markets), a teoria dos jogos e a teoria dos custos de transação (transation costs) (SALOMÃO FILHO, 2003a, p. 23).

1.1.1      Contexto histórico, social e econômico

Para Paula Forgioni (2010, p. 68) o Sherman Act de 1890 é apontado como o ponto de partida para o estudo dos problemas jurídicos relacionados à disciplina do poder econômico e entendido como o mais significativo diploma legal que corporificou a reação contra a concentração de poder em mãos de alguns agentes econômicos, procurando discipliná-la. Trata-se de uma reação norte-americana às mudanças econômicas ocorridas no final do século XIX. Paula Forgioni (2010, p. 70-77) em referência traz contexto social, econômico e político do Sherman Act:

– Até 1850 a economia americana caminhava desaquecida, dominada pela agricultura e por pequenas empresas. Escassez de mão de obra e de capital;

– 1865 – Aumento da produção. Entre 1865 e 1873 houve a duplicação dos quilômetros das estradas de ferro. As pequenas empresas dão lugar a monopólios e oligopólios, mediante processo de integração vertical. Início da Produção em massa, economia em franca evolução e a sedimentação da infraestrutura necessária ao desenvolvimento. Deslocamento da população do campo para a cidade, transformando-se em mão de obra disponível, sem contar imigração européia;

– 1920 – Emergente classe de operários já havia substituído os artesãos (formando mercado consumidor tipicamente urbano). Integração Territorial: Estradas de ferro (função decisiva) – viabilizaram o transporte de mercadorias e o escoamento da produção, integrando grande parte do país, por meio de teia de canais de acesso a vários mercados e centros de produção que antes estavam isoladas geograficamente;

– 1870 – As estradas de ferro iniciaram processo de competição predatória na disputa pela clientela. Conseqüência: começaram a celebrar acordos (Fenômeno da Cartelização), disciplinando sua forma de atuação no mercado e neutralizando a concorrência (objetivos: mútua proteção e tarifas razoáveis). Inconveniente: instabilidade. Os termos dos acordos firmados não eram juridicamente vinculantes para as partes, ou seja, não havia como legalmente fazer cumprir o acordo, fato que não proporcionava certeza ou estabilidade;

– TRUST – Instituto tradicional do direito anglo-saxão para resolver problemas do empresariado. Os Trusts proporcionavam a administração centralizada dos agentes econômicos que atuavam no mesmo mercado, impedindo, de maneira segura e estável, que a concorrência se restabelecesse entre eles. (Processo de integração horizontal, mas também concentrando o poder nas mãos do Trustee). Resultado: Concentração com a diminuição do número de empresas e convergência do poder em mãos de poucos agentes econômicos, liderados pelos trustes.

– 1880 – Acentuam-se as discussões sobre os trustes e o poder econômico que concentravam.

Grandes empresas e economistas defendiam que a concentração do poder econômico propiciava o incremento da produção e a expansão da indústria. A própria concorrência já era fator regulador do mercado e sobreviviam apenas os mais fortes (evolução natural);

Consumidores, agricultores, trabalhadores e pequenos empresários colocaram-se contra a concentração do poder econômico. Diziam que os trustes ameaçavam a liberdade, pois corrompiam servidores públicos e subornavam legisladores; possuíam privilégios; controlavam o comportamento dos concorrentes mediante a baixa de preços; penalizava os consumidores, aumentado os preços, fraudavam investidores com a diluição de suas ações. Solução: Lei que destruísse o poder dos trustes.

– Maioria dos 64 memoriais dirigidos ao Congresso Americano contra os trustes foi apresentada por grupos de agricultores (sujeitos ao alto custo dos equipamentos agrícolas, ao mesmo tempo em que o preço de seus produtos despencava no mercado).

– 1887 – Intensa campanha publicitária contra os trustes e a população coloca-se contra a distorção na economia causada pela excessiva concentração do poder econômico. A concorrência, qualificada como ‘livre’, ao invés de proporcionar igualdade entre as partes e de levar ao regime um preço justo, criou uma situação insustentável entre produtores e comerciantes;

– 1888 – Presidente Harrison é eleito com discurso agressivo contra o poder dos trustes. Nessa época o Congresso Norte-Americano já discutia o projeto de lei trazido pelo Senador John Sherman.

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– 1890 – Sherman Act foi promulgado. O Sherman Act se mostrou insuficiente para propiciar aos agentes econômicos a segurança e a previsibilidade (previsões vagas);

– 1914 – Clayton Act foi promulgado. Exemplifica e condena algumas práticas restritivas da concorrência, tais como vendas casadas, aquisição de controle de outras companhias etc. Sistemática adotada pelo Clayton Act inspirou várias outras legislações antitruste (inclusive a brasileira): ao lado da tipificação de algumas condutas potencialmente anticompetitivas, há uma qualifying clause que determina que as práticas elencadas somente serão consideradas ilícitas se restringirem a concorrência de forma não razoável ou tenderem à criação de um monopólio.

– 1914 – Criação da Federal Trade Commission (FTC);

– 1936 – Robson-Patman Act foi promulgado (Tratado de discriminação);

– 1950 – Celler-Kefauver Act foi promulgado (reforça as previsões do art. 7 do Clayton Act).

O Sherman Act não constituiu reação ao liberalismo econômico, mas buscou corrigir as distorções trazidas pela concentração do capital, ou seja, corrigir as distorções criadas pelo próprio sistema liberal. Edward Thomas Sullivan e Jeffrey L. Harrison na época da promulgação do Sherman Act salientavam que se buscava, com a regulação da concorrência, manter o livre mercado e a liberdade de atuação dos agentes econômicos. (FORGIONI, 2010, p. 69).

Isabel Vaz (1993, p. 82) cita que a edição do Sheman Act, em 1890 e a criação de outros diplomas criando uma ‘legislação antitruste’ provocaram certa contradição entre os que consideram os Estados Unidos o ‘paraíso do liberalismo econômico’. Contudo, como salienta a autora em referência, “até a liberdade precisa de ordem para se manter. A sabedoria consiste, nesta matéria, em equilibrar a liberdade com a ordem necessária à sua própria manutenção.” (VAZ; Isabel, 1993, p. 82)

1.2. Princípio da Regra da Razão

A legislação antitruste possui instrumentos destinados a evitar que a tutela da concorrência venha a desempenhar função oposta àquela desejada, como, por exemplo, acabar por criar obstáculos ao crescimento da indústria nacional dentre outros. Decorre daí a necessidade de flexibilização do texto normativo, destinada a adequá-lo à complexa e mutável realidade que se insere. De fato, a aplicação literal do texto normativo sem uma flexibilização, pode gerar efeitos opostos àqueles desejados. (FORGIONI, 2010, p. 187).

O Sherman Act não prevê em seu texto[1], de forma expressa, qualquer flexibilização. Assim, qualquer prática que restrinja o comércio entre os Estados era tido como ilicíto pelo Sherman Act. No início, essa aplicação literal, desvinculada da realidade, foi utilizada pelas Cortes norte-americanas.

Foi no caso United States v. Trans-Missouri Freight Association[2], em 1897, que o princípio da Regra da Razão começou a ser delineada. No caso em referência julgava-se a licitude do acordo celebrado entre 18 companhias que controlavam o transporte ferroviário de mercadorias, no oeste dos EUA. O acordo fixava as tarifas de fretes para todas as ferrovias. O acordo não envolvia uma divisão de mercado, obrigando os membros da associação apenas quanto ao valor do frete. As empresas, portanto, eram livres para concorrer nas demais atividades. Em defesa, foi alegado que o acordo era justificado como necessário e útil à proteção das empresas envolvidas, garantindo-lhes preço razoável para o serviço que prestavam. Ademais, a defesa alegou que o acordo não era ilegal à luz do direito comum, não infringindo, portanto, a Lei Sherman, que era o direito antitruste federal.

No julgamento houve a interpretação restritiva e literal do Sherman Act. Para o juiz Peckhm (relator), não existia qualquer base jurídica para a aplicação da regra da razão, uma vez que o Sherman Act era claro e proibia qualquer restrição da concorrência, fosse ou não razoável. O juiz Peckhm baseou-se ainda no apelo à insegurança jurídica que seria causada se práticas restritivas não-razoáveis fossem sancionadas. Contudo, não obstante restar vencido o juiz White alegou que o Sherman Act vedava somente as práticas que restringiam a concorrência de forma não razoável. Portanto, a regra não deveria ser aplicada aos acordos razoáveis. No caso específico das estradas de ferro, o acordo era necessário para se evitar uma ruinosa guerra de tarifas, sem contar que os preços eram razoáveis.

Em 1911, no Caso Standard Oil, a regra da razão foi reconhecida, sendo vencedor o juiz White do Caso United States v. Trans-Missouri Freight Association supra citado. No caso Standard Oil Co. of New Jersey v. United States julgava-se a união de um grande número de empresas do ramo de petróleo sob diferentes formas jurídicas, ficando sob a administração e controle de uma empresa holding, que detinha 90% do mercado de produção, transporte, refino e venda de petróleo. O Sherman Act, no entender do Juiz White, visaria  apenas proteger aquele comércio de práticas que implicassem sua indevida restrição, ou seja, a intenção do legislador era a de não restringir o direito de celebrar acordos, desde que não restringisse o comércio. Apesar da regra da razão ser formulada no presente caso, as empresas não foram beneficiadas.

Finalmente, no caso Chicago Board of Trade v. United States a regra da razão foi invocada e efetivamente aplicada em benefício dos réus, tendo a Suprema Corte americana decidido pela legalidade da conduta. Tratava-se de norma editada por uma associação de depositários de armazéns gerais, corretores de mercadorias e outros comerciantes de grãos que proibia seus membros de comprar ou propor a compra de grãos a preços diversos daqueles vigentes durante o período compreendido entre o fechamento do pregão até a abertura do próximo, no dia seguinte. O objetivo da norma, segundo a associação, seria o de quebrar o poder de mercado detido por alguns armazenadores, que operavam a noite, tornando, assim, mais competitivo o mercado diurno.

Assim, pela regra da razão somente são consideradas ilegais as práticas que restringem a concorrência de forma não razoável. Para Shieber, citado por Paula Forgioni (2010, p. 192), a regra da razão acaba, na realidade, por determinar uma modificação no artigo 1º do Sherman Act: “Todo e qualquer contrato, combinação sob a forma de truste ou qualquer outra forma ou conspiração em (desarrazoada) restrição do tráfico ou comércio entre os Estados, ou com nações estrangeiras, é declarado ilícito pela presente Lei.

O termo desarrazoada envolve dois aspectos (FORGIONI, 2010, p. 192): (i) aspecto qualitativo. Necessário que a restrição seja efetiva, ou seja, que realmente restrinja a competição, ao invés de simplesmente estabelecer regras para ela e (ii) aspecto quantitativo. Necessário que a restrição seja substancial, ou seja, analisadas as condições estruturais de cada mercado, promova uma substancial redução da competição.

Destaca-se a técnica jurídica utilizada quando da aplicação da regra da razão: quando aplicada, essa regra faz com que não haja a composição do suporte fático necessário à incidência da norma que determinaria a ilicitude do fato (no caso, o art. 1º do Sherman Act), ou seja, necessário se faz que a prática em questão restrinja a concorrência de forma não-razoável (FORGIONI, 2010, p. 193). Sem o suporte fático não-razoável a incidência da norma é afastada e suas conseqüências não se produzem.

1.3. Conduta Per Se Condenmationem

Em contrapartida à regra da razão, a Corte americana passou a delinear a conduta  per se condemnationem, que em linhas gerais, caracteriza-se por ser exatamente o oposto da regra da razão, ou seja, determinado acordo não pode ser razoavelmente justificado, bastando apenas a prova para sua ocorrência para que seja considerado ilícito (MALARD, 1997b). Assim, determinadas condutas são consideradas ilícitas, independentemente do contexto em que foram praticadas, sejam eles danosos ou benéficos à concorrência.

Embora o caso Standard Oil seja considerado o marco legal da regra da razão é nele que se encontra a formatação embrionária da doutrina per se, visto afirmação no sentido de que certos efeitos anticoncorrenciais decorrentes de determinados contratos não permitiam que fosse excluídos da aplicação do Sherman Act (MALARD, 1997b).

A ilicitude per se, quando aplicada desobriga a autoridade antitruste de realizar a análise mais profunda do ato praticado e do seu contexto econômico. A partir do momento em que uma conduta é tomada como ilícito per se é considerada restritiva da concorrência (MALARD, 1997b).

1.4. Inter-relação dos princípios da Regra da Razão e da Per se condenmnationem

Como visto, a regra da razão nasceu no direito americano, em razão da restritiva aplicação do Sherman Act, visando flexibilizar suas disposições. Em contrapartida, elaborou-se também a conduta per se, na qual determinados acordos não são razoavelmente justificados, enquadrando-se como condutas ilegais per se, bastando a prova para sua ocorrência, sem se a preocupação com o objetivo das partes ou dos efeitos sobre o mercado(MALARD, 1997b).

Neide Terezinha Malard (1997b). propõe a adoção de um sistema misto, onde possa unir a segurança jurídica à flexibilidade necessária à aplicação eficaz de uma lei concorrencial. A adoção de um sistema misto, segundo a autora, talvez fosse a solução adequada para lidar com os fenômenos do mercado, como buscou o legislador mexicano, que fez a distinção entre condutas absolutamente restritivas da concorrência (per se) e condutas relativamente anticoncorrenciais, que serão ilegais quando o agente detiver poder de mercado, observada a razoabilidade da conduta.

2. ORDEM ECONÔMICA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 tratou da temática Ordem Econômica e Financeira em seu Título VII, no qual se encontram os princípios gerais da atividade Econômica, da prestação de serviços públicos, do monopólio, da política de transportes, das políticas urbanas, agrícola e fundiária e da reforma agrária, além do sistema financeiro nacional.

2.1 Os Princípios da Livre Iniciativa e da Livre Concorrência

A livre iniciativa, elencada no caput do artigo 170 da Constituição Federal, é a base da ordem econômica, sendo assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorizações de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Contudo, nenhum princípio é absoluto. A livre iniciativa, que pode ser entendida em duplo aspecto, como a liberdade de criar e explorar uma atividade econômica e, sobretudo, a rejeição da atividade econômica estatal, não é admitida de maneira absoluta. Ela deve ser compreendida no contexto de uma ordem econômica, concebida pela Carta Magna, que assegura a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, devendo, portanto, respeitar uma série de outros princípios (PROENÇA, 2001, p.4).

Assim, o princípio da livre iniciativa deve ser ponderado com outros valores e fins públicos previstos na Carta Magna. Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1988, p. 28) ressalta que o princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa suplementar do Estado; o princípio da liberdade de empresa tempera-se com a definição de função social de empresa; o princípio da liberdade de lucro e competição moderam-se com o da repressão do poder econômico; o princípio da liberdade de contratação limita-se com o princípio de valorização do trabalho; o princípio da propriedade privada restringe-se com o princípio de função social da propriedade e assim por diante.

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 Nessa senda, deve a livre iniciativa respeitar o princípio da livre concorrência. Nota-se que a Constituição Federal não considera a livre concorrência uma conseqüência natural ou necessária da livre iniciativa, mas sim como “uma atividade econômica legítima no contexto da ordem econômica constitucional” (PROENÇA, J. Marcelo, 2001, p. 4).

A livre concorrência, portanto, tem significado próprio que o diferencia do princípio da livre iniciativa. Aquele se apresenta como um instrumento necessário para possibilitar a presunção de que a livre iniciativa promove a realização do bem comum (PROENÇA, 2001, p. 5).

Podemos dizer que um mercado é concorrente quando há a livre ação dos agentes econômicos, o livre acesso ao mercado e a livre escolha dos consumidores. Uma concorrência perfeita terá em seu bojo vários consumidores e produtores. Nenhum consumidor ou produtor influencia no mercado. Os produtos são homogêneos, substitutos e indiferenciados, o que não ocorre no oligopólio e no monopólio.

Como benefícios da livre concorrência, podemos citar vários aspectos: Primeiro: aspecto que visa o interesse do consumidor, que goza, sob um regime em que prevalece a concorrência, de melhor qualidade, menor preço e um grande numero de produtos entre os quais possa escolher; Segundo: aspecto que visa as empresas concorrentes, tanto as potenciais como as concorrentes, no sentido de terem liberdade de dedicarem-se a um ramo de negócios e de crescerem pelo mérito de seus atributos, sem sofrer entraves pelas ações conjuntas das empresas que já fazem parte do mercado ou pelas sociedades dominantes. Terceiro: aspecto que visa a nação em busca do desenvolvimento econômico do país, gozando de um parque industrial moderno que fortalece e assegura aos cidadãos produtos que melhorem sua vida cotidiana (PROENÇA, 2001, p. 13).

Importante destacar a diferença de livre concorrência com concorrência desleal. Nesta procura-se proteger os agentes econômicos contra as atuações de seus concorrentes contrárias aos princípios constitucionais e profissionais. Naquela se busca proteger as estruturas do mercado (PROENÇA, 2001, p. 14).

Outro destaque importante é que a concorrência não busca proteger a existência de uma concorrência absolutamente livre, mas sim garantir que haja uma concorrência efetiva e real entre os agentes econômicos desse mercado, evitando-se que algum agente econômico possa impor unilateralmente as condições de mercado em questão. (PROENÇA, 2001, p. 19).

2.2 – Defesa da Concorrência – Lei 12.529/2011

No Brasil, a intervenção do Estado na atividade econômica encontra-se disciplinada na Constituição Federal, no artigo 170. No entanto, há um limite para a atuação do Estado, o qual só pode reprimir o abuso de poder econômico mediante devido processo legal – disciplinado na Lei 8.884/94, alterada recentemente pela Lei n.º 12.529/2011.

A lei 8.884/94, com as alterações contidas na lei 12.529/2011, tem a função de penalizar e impedir acordos que restrinjam a concorrência e que não tragam qualquer benefício ao mercado. Busca ainda controlar as tentativas de empresas dominantes ou monopolistas de abusar de sua posição, impondo obstáculos a entrada de novos concorrentes, bem como assegurar a concorrência efetiva dos setores oligopolizados, evitando-se a concentração dos mercados.

Contudo, essa limitação a intervenção do Estado no domínio econômico é autorizado pela Constituição, mas não pode ultrapassar os limites e pressupostos nela estabelecidos. Assim, a referida lei admite um certo abrandamento da concorrência na busca de determinados fins coletivos, mas não a elimina nem a despreza.

2.3 – A aplicação da Regra da Razão e da Per se condenmnationem

Como relatado anteriormente, tanto a regra da razão como a conduta per se foram desenvolvidas pelo direito americano. A regra da razão surgiu da necessidade de flexibilização do Sherman Act e, em paralelo, em sentido oposto, a conduta per se surgiu para determinar condutas ilícitas, independentemente do contexto em que foram praticadas, sejam elas danosas ou benéficas à concorrência, bastando a prova de sua ocorrência.

A regra da razão, inicialmente formulada exclusivamente para o caso de acordo em restrição à concorrência, vem sendo estendida às concentrações econômicas, como por exemplo, no ordenamento europeu e na lei brasileira (SALOMÃO FILHO, 2003b, p. 153). De outra banda, no Direito Brasileiro não há a previsão de conduta como ilícito per se.

3. CONDUTA ABUSIVA HORIZONTAL: O CARTEL

Os acordos entre os agentes econômicos tendem, muitas vezes, a viabilizar a reprodução de condições monopolísticas e, por essa, razão, são tradicionalmente regulamentadas pelas legislações antitruste. A união entre agentes (concorrentes ou não) podem proporcionar poder econômico tal que permita aos partícipes desfrutar uma posição de indiferença e independência em relação aos outros agentes econômicos. (FORGIONI, 2010, p. 153).

O ordenamento jurídico brasileiro, desde que nele foram introduzidas normas destinadas a tutelar a livre concorrência e reprimir o abuso do poder econômico, sempre determinou a ilicitude de acordos entre as empresas que fossem nocivos, em seu objeto ou efeito, à concorrência.

Histórico Legal:

– Decreto-lei 869/1938 vedava “promover ou participar de consórcio, convênio, ajuste, aliança, fusão de capitais, com o fim de impedir ou dificultar, para o efeito de aumento arbitrário de lucros, a concorrência em matéria de produçaõ, transporte ou comércio” (Art. 2º, III), bem assim “celebrar ajuste para impor determinado preço de revenda” (art. 3º, I);

– Decreto-lei 7.666/1945 proibia os “entendimentos, ajustes ou acordos entre empresas comerciais, industriais ou agrícolas, ou entre pessoas ou grupos de pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no objeto de seus negócios, que tenham por efeito: a. Elevar o preço de venda dos respectivos produtos; b. Restringir, cercear ou suprimir a liberdade economica de outras empresas; c. Influenciar no mercado de modo favorável ao estabelecimento do monopólio, ainda que regional” (Art. 1º, I)

– Lei 4.137/1962 considerava forma de abuso do poder econômico dominar os mercados nacionais ou eliminar total ou parcialmente a concorrência por meio de ajuste ou acordo entre as empresas, ou entre pessoas vinculadas a tais empresas ou interessadas no objeto de suas atividades (Art. 2, I a)

– Lei 8.884/94 determina que constitui infração da ordem economica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição dominante.

– Lei 12.529/2011: mesma redação da Lei 8.884/94, contudo no artigo 36.

Os acordos restritivos da concorrência são divididos entre acordos verticais e horizontais, segundo os mercados relevantes em que atuam os partícipes. Os Acordos horizontais são aqueles celebrados entre agentes econômicos que atuam em um mesmo mercado relevante (geográfico e material) e estão, portanto, em direta relação de concorrência (FORGIONI, 2010, p. 353). Os acordos horizontais neutralizam a competição principalmente entre os agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante (encontrando-se, portanto, em relação de competição).

Para que se possa corretamente analisar os efeitos do acordo, hão de se individualizar, com exatidão, todos os mercados que serão atingidos. Deve-se, ainda, identificar a posição que os agentes econômicos ocupam em cada um desses segmentos (fornecedor, intermediário, adquirente ou financiador de um produto, serviço ou tecnologia a ele relativa).

Os acordos verticais têm como pressuposto um fato inegável: a concorrência, ainda que lícita, prejudica os concorrentes, pois faz com que o empresário acabe por auferir lucros menores, força o cuidado com a qualidade do produto e gera a necessidade de investimentos para que o agente econômico possa manter-se no mercado, competindo (FORGIONI, 2010, p. 354).

O processo de expansão da sociedade empresária torna-se mais penoso em mercados onde há efetiva disputa de clientela. Ascarelli afirma: “A concorrência obriga os produtores a procurarem, constantemente a melhoria de seus produtos e a diminuição do preço de custo”.

     Portanto, natural que os agentes econômicos persigam a supremacia no mercado, para poder dominá-lo e desfrutar das vantagens proporcionadas por um monopólio, afastando a concorrência que tanto prejudica os seus interesses (FORGIONI, 2010, p. 354).

O agente econômico então buscará de uma forma ‘natural’, a neutralização da concorrencia, mediante: (i) a conquista de posição monopolísitica (com a consequente eliminação ou neutralização da força competitiva dos agentes econômicos que atuam no mesmo mercado relevante, conforme dispõe o inciso II do artigo 36 da Lei 12.529/2011); e ou (ii) a realização de acordos (de forma a regular ou neutralizar mutualmente a força concorrencial de cada um dos partícipes, reproduzindo conduções monopolísticas).

Acordos celebrados entre empresas concorrentes (que atuam, pois, no mesmo mercado relevante geográfico e material) e que visam a neutralizar a concorrencia existente entre elas são denominados cartéis.

No direito positivo, a previsão específica é dada pela Lei 12.529/2011 que trata das infrações à ordem econômica em seu artigo 36. O referido artigo contêm todos os elementos necessários para a formulação do conceito de cartel, apesar de não haver uma definição direta.

Neide Malard (1997b) explica que o cartel é constituído por um grupo de empresas que disputam o mesmo mercado, na condição de concorrentes, sujeitas às leis da livre concorrência, buscando a preferência dos consumidores no preço e na qualidade de seus produtos. A partir de um dado momento, verificam que podem obter lucros mais elevados se fixarem um preço único para seus produtos ou se dividirem entre si os mercados consumidores, ou ainda, se estabelecerem uma estratégia conjunta para explorar suas atividades.

Os membros do cartel mantêm sua autonomia jurídica e financeira, estabelecendo estratégias operacionais comuns que vão disciplinar a interdependência de suas relações. Podem ter prazo determinado ou indeterminado, de acordo com as circunstancias e características dos mercados onde atuam, bem como do objetivo específico que perseguem. O cartel caracteriza-se de uma organização informal e clandestina. Sua função é inteiramente econômica. Seu mecanismo de poder é a exploração da classe consumidora e seu modo de recionalidade é a maximização de lucros (MALARD, 1997c). Neide Malard ainda destaca que:

“o cartel tem plena consciência da ilegalidade de sua existência e das condutas que perpetra. Todavia, adota um conceito próprio de licitude, extraindo a pretensa jurisdicidade de suas ações, do princípio da liberdade de concorrência, que defende ser a livre atuação dos diversos segmentos do mercado, sem qualquer intervenção do mercado”. (MALARD, 1997c)

Paula Forgioni (FORGIONI, 2010, p. 358) elenca as principais justificativas para a existência dos carteis

– as vantagens advindas da neutralização da concorrencia. Nao é raro se ouvir que, principalmente em tempos de crise, os acordos entre os concorrentes desempenhariam papel fundamental, sendo certo que seu desaparecimento causaria maiores prejuízos à economica que sua manutenção.

– Um dos principais argumentos favoráveis aos cartéis é que eles visam a eliminar a concorrência ruinosa, predatória, destrutiva, que seria prejudicial não somente às sociedades empresárias, mas também a toda coletividade.

– Da mesma forma, em uma economia ainda não consolidada, a união dos agentes econômicos poderia vir a ser a melhor alternativa para a competição em nível internacional.

– Em períodos de crise, o volume das vendas pode declinar obrigando alguns agentes econômicos a saírem do mercado. Passada a recessão, a volta dessas sociedades empresárias implicaria custos adicionais de restabelecimento que poderiam, em alguns casos, inviabilizar o retorno. A concetração do mercado e a perda da capacidade do sistema, então, poderiam ser evitadas se fosse permitida a neutralização da concorrencia entre os agentes econômicos;

– Como a neutralização da força de oferta e da procura sobre a formação dos preços (que passarão a ser determinados por acordo entre os concorrentes), mantendo-se estáveis, defende-se que o cartel, significa estabilidade dos preços, implicando no aumento do grau de segurança e previsibilidade, revertendo-se a cartelização a favor da coletividade;

– Dependendo do caso concreto, aumentando a força dos agentes econômicos isso pode significar limitação do poder economico de outros agentes.

Paula Forgioni (2010) cita o exemlo do caso de agentes economicos que se unem em conluio, sob o manto da associação de classe, ou associação buscando a qualidade do produto. Nada há de ilícito na associaçaõ de agentes econômicos, sendo essa pratica, inclusive, assegurada pela Constituição Federal. Não obstante, a partir do momento em que a associação é instrumento (disfarce) adotado pelos agentes econômicos para viabilizar prática anticompetitiva (ou seja, que haja a incidência de qualquer dos incisos do art. 36 da Lei 12.529/2011), esta haverá de ser considerada abusiva.

Contudo, um simples acordo pode não restringir a livre concorrencia, ou seja, a simples associação não traz, em si, efeito anticompetitivo que interessa à proteção da ordem econômica.

O CADE tem entendido que somente podem ser considerados cartéis (e, portanto, reprimidos pela Lei Anticoncorrencial) os acordos entre agentes economicos que produzem os efeitos anticompetitivos capitulados no texto normativo. Tratando-se de acordos entre os concorrentes, seu objeto deve abranger as principais variáveis concorrenciais, quais sejam: preço, quantidade, qualidade e mercado.

*Cartéis de Preços

A concorrência é fato que tende a levar ao barateamento dos produtos, como decorrência da disputa pela clientela. Contudo, ao se fixar os preços, quer acima, quer abaixo do preço de mercado ou de custo, há um rompimento do decorrer da livre atuação das forças do mercado.

Jhering defini a concorrência como “o regulador espontâneo do egoísmo”, ou seja, o egoísmo que leva o agente econômico a procurar explorar ao máximo aquele que depende de seu produto ou serviço, converter-se-á em corretivo de si próprio pela concorrência.

Assim, em mercados competitivos, os abusos serão “naturalmente” coibidos, pois que punidos pelas próprias forças do mercado (se um agente econômico resolve aumentar demasiadamente os preços que prática, perderá seus consumidores). Não se há de admitir, portanto, que esse efeito tão desejado pelo sistema seja neutralizado por acordo entre os concorrentes.

A análise dos casos de cartel no Brasil é feita com base na regra da razão. Ao contrário, nos Estados Unidos os cartéis são considerados ilícitos per se, isto é, a mera verificação de sua existência enseja punição pela autoridade competente.

Paula Forgione (2010, p. 358) divide em dois tipos de acordos de uniformização de preços, conforme a estrutura relevante do mercado que atuam os partícipes:

a) Acordos celebrados entre agentes economicos que possuem poder economico semelhante, como:

– que deteminam a elevação do preço de determinado produto seguindo percentual fixo (ex: todos os produtos aumentam o preço de seus produtos em 5%, uma vez a cada semestre); assim, a ilicitude pode estar presente ainda que os preços praticados sejam diversos;

– acordos mediante os quais agentes economicos concorrentes fixam o preço de venda ou ainda fixam o preço mínimo de venda;

– acordos de estabilização de preços, efetivados mediante a recompra sistemática de produtos no mercado pelos próprios agentes economicos fabricantes.

b) Acordos de liderança de preços (price leadership), em que há um agente econômico com poder suficiente para impor sua política de preços aos demais participantes fabricantes.

Neide Malard (1997c) salienta que o processo de negociação é complexo. Na fase negocial, as empresas que tem menor custo de produção buscam convencer os membros do grupo no sentido de fixar preços mais baixos, que certamente lhe propiciarão um maior volume de vendas, enquanto que aquelas que produzem a custos mais elevados pugnarão por um preço mais alto e consequentemente redução das quantias a serem produzidas. A fixação do preço comum não é uma tarefa fácil. Se o preço refletir o custo médio ou mínimo dos participantes, certamente não compensará para algumas empresas. Se refletir o custo máximo, por certo contetará a todos, mas se os preços forem fixados em patamares muito elevados, poderão atingir fatalmente a clientela, inviabilizando a cartelização.

Paula Forgioni (2010, p. 360) afirma que nos acordos de liderança de preço, conforme a capacidade do agente econômico de resistir à atuação de seu concorrente mais forte, ser-lhe-á (ou não) imputada a prática de ato restritivo da concorrência. Com efeito, neste segundo caso, não se poderá falar, sequer, de acordo, pois a empresa de menor poder apenas sujeitou-se à outra, adotando o comportamento que lhe foi imposto pelo concorrente.

Assim, pode-se estar em um típico abuso de posição dominante, na medida em que um agente econômico, apto a atuar com comportamento indiferente e independente em relação a seus concorrentes, a estes impõem-se como lider na determinação dos preços a serem praticados, ficando os concorrentes em posição de sujeição.

É bastante comum (e inclusive incentivado por vários governos) que os exportadores unam-se de forma a enfrentar a concorrencia internacional e maximizar os benefícios decorrentes da economica de escala. São os chamados ‘cartéis de exportação’. Os governos dos países de origem dos membros do cartel, com o escopo de propiciar o fortalecimento de suas exportações, geralmente não aplicam a Lei Antitruste para coibir esse tipo de ajuste.

3.1. Mecanismos Legais para Investigação

Neide Malard (1997c) salienta que a identificação do caráter anticoncorrencial de uma prática é tarefa difícil, pois ao observar determinado mercado, o intérprete pode deparar-se com preços semelhantes que decorrem não de um acordo, mas do funcionamento normal daquele setor econômico. A mera coincidência de comportamentos não configura prova suficiente para a condenação dos agentes econômicos pela prática do cartel.

A conduta cartelizada exige, por óbvio, uma pluralidade de agentes. Por tratar-se de conduta transgressora da ordem jurídica, o cartel atua de forma clandestina, evitando deixar vestígios da prática ilícita (via de regra). Assim, as provas indiretas – as presunções e os indícios – aliadas às regras da experiencia, de pleno conhecimento dos especialistas na matéria, são as que mais ajudarão na formação da convicção do que a conduta colusória existe ou existiu efetivamente.

A análise do mercado pode indicar elementos que caracterizam sua predisposição à cartelização:

– Numero de agentes econômicos, pois quanto maior o numero de empresas, maiores as probabilidades de insucesso dos carteis; de outra parte, quanto menor o numero de agentes economicos, como o oligopólio, por exemplo, mais fácil e barata a coordenação de suas atividades;

– Homogeneidade do produto;

– Baixa elasticidade da procuração em relação ao preço, ou seja, a quantidade de produtos vendidos mantem-se relativamente estável, ao mesmo tempo em que se alteram os preços;

– Existencia de barreiras de entrada para novos investidores;

– Mercado em retração, pois o mercado que atravessa uma situação de crise é mais propenso à cartelização; e

– Estrutura do mercado dos consumidores ou adquirentes de produtos.

Neide Malard (1997c) ainda salienta que o paralelismo consciente – adoção de conduta identica à da concorrente, cada qual ciente das ações das outras – demonstra que as empresas estão perseguindo objetivos previamente definidos, sendo, portanto, um forte indício de cartelização.

Para facilitar a obtenção de provas da existência do cartel, foi introduzido no texto da Lei Antitruste o chamado acordo de leniência, visando obter a cooperação, nas investigações, de partícipes do conluio. Contudo, há uma série crítica com relação à constitucionalidade dos acordos de leniência, sem contar que a confissão premiada não tem o condão de suspender nem as eventuais ações penais propostas pelo Ministério Público, nem pleitos de indenização ajuizadas por terceiros.

CONCLUSÃO

As escolas de Harvard e de Chicago foram responsáveis pelos principais ensinamentos do direito da concorrência. A escola de Harvard parte do pressuposto de que toda sociedade empresária com poder econômico utilizará esse poder para implementar condutas anticompetitivas, motivo pelo qual a maior preocupação dessa corrente está ligada ao aumento da concentração do mercado, em especial as concentrações verticais. Já a escola de Chicago defende o menor grau possível de regulação da economia pelo Estado.Ademais, traz para o direito concorrencial a análise econômica (AED).

A Constituição Federal de 1988 tratou da temática Ordem Econômica e Financeira em seu Título VII e elencou o princípio da livre iniciativa como a base da ordem econômica, sendo assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorizações de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.

Contudo, nenhum princípio é absoluto. A livre iniciativa não é admitida de maneira absoluta, devendo respeitar o princípio da livre concorrência. Para tanto, como forma de reprimir o abuso de poder econômico, mediante devido processo legal, foi editado a Lei 8.884/94, alterada recentemente pela Lei n.º 12.529/2011. No diploma em questão constata-se claramente que o ordenamento jurídico brasileiro adotou o princípio da Regra da Razão, bem como afastou a previsão de condutas como ilícitos per se.

Diante do desenvolvimento da economia, da complexidade dos negócios, das inovações tecnológicas, do aumento da demanda, da dificuldade para obtenção de capital, da grande criatividade do empresário e a influência de outros países e culturas, também relacionados à globalização, se torna cada vez mais complexa e competitiva a disputa por novos mercados.

Nesse ambiente, os agentes econômicos tendem, muitas vezes, a viabilizar a reprodução de condições anticoncorrenciais a exemplo da conduta horizontal denominada Cartel. O Cartel é constituído por um grupo de sociedades empresárias que disputam o mesmo mercado, na condição de concorrentes e, a partir de um dado momento, verificam que podem obter lucros mais elevados se fixarem um preço único para seus produtos ou se dividirem entre si os mercados consumidores, ou ainda, se estabelecerem uma estratégia conjunta para explorar suas atividades.

Contudo, sua identificação é tarefa difícil, pois ao observar determinado mercado, o intérprete pode deparar-se com preços semelhantes que decorrem não de um acordo, mas do funcionamento normal daquele setor econômico. Ademais, como o Cartel em sua essência possuí como característica a clandestinidade, a obtenção de provas também se torna tarefa árdua.

Não obstante, ao analisar o mercado o Estado pode encontrar alguns elementos que possam culminar na cartelização, tais como: poucos agentes econômicos de um mesmo nicho econômico; homogeneidade do produto; existência de barreiras à entrada de novos agentes dentre outros.

 

Referências bibliográficas
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2005.
MALARD, Neide Teresinha. Concentração de empresas: livre concorrência e limites à liberdade de iniciativa. Brasília: UnB/Faculdade de Direito, 1997.
________________________. Condutas abusivas no direito da concorrência. Brasília: UnB/Faculdade de Direito, 1997.
_______________________. A liberdade de iniciativa e a livre concorrência: as questões jurídicas do poder econômico. Disponível em: < http://www.iesb.br/ModuloOnline/Atena/arquivos_upload/Neide%20Teresinha%20Malard.pdf>, acesso em 13/03/2012.
_______________________. O Cartel. Brasília: UnB/Faculdade de Direito, 1997c.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Ordem Econômica e Desenvolvimento na Constituição de 1988. Rio de Janeiro: APEC., p 28.
PROENÇA, José Marcelo Martins. Concentração Empresarial e o Direito da Concorrência. São Paulo: Saraiva, 2001. p.4.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as condutas. São Paulo: Malheiros, 2003a.
________________________. Direito concorrencial: as estruturas. 3ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2003b.
VAZ, Isabel. Direito Econômico da Concorrência. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Forense. 1993.
 
Notas:
 
[1] Artigo 1° do Sherman Act: “Todo e qualquer contrato, combinação sob a forma de truste ou qualquer outra forma ou conspiração em restrição do tráfico ou comércio entre os Estados, ou com nações estrangeiras, é declarado ilícito pela presente Lei.”

[2] 166 U.S. 290- 1897.


Informações Sobre o Autor

Renata de Souza Maeda

Advogada graduada pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Possui especialização em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília – UnB, especialização em Contratos e Responsabilidade Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é Mestranda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB


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