Resumo: O estudo em referência tem como objetivo traçar uma abordagem sintética a respeito do direito de greve do servidor público na perspectiva de nosso sistema jurídico e analisarmos as normas vigentes aplicáveis, seus efeitos e a quem se aplicará. A greve é um direito de todos, inclusive os servidores públicos de quaisquer cargos? Ou em alguns casos deverá haver certa “ressalva” devido a importância e relevância que tais funções ocupam perante as demais com destaque a segurança pública. Assim, conforme veremos, existe um tratamento diferenciado do setor púbico com o privado.
Palavras-chave: Servidor, Greve, Norma, Empregados.
Abstract: The study in reference aims to draw a synthetic approach regarding the civil servants the right to strike in the context of our legal system and analyze the relevant rules in force, its effects and to whom they apply. The strike is a right of everyone, including the public servants of any position? Or in some cases must be some "reservations" because of the importance and relevance of these functions take up before the others especially public safety. Thus, as we shall see, there is a different treatment of the pubic sector to the private.
Keywords: Server, Strike, Norma, Employees.
Sumário: 1. Introdução; 2. Legislação aplicável; 3. Norma constitucional de eficácia limitada; 4. Efeitos da Decisão em Mandado de Injunção; 5. Mandado de Injunção e o direito de greve em apreciação pelo STF; 6. Efeitos da greve; Conclusão; Referências.
1. Introdução
O direito de greve dos empregados da iniciativa privada e o direito de greve dos servidores receberam tratamento jurídico distinto em nosso texto Constitucional.
Com efeito, da dicção do artigo nono[1] e seus desdobramentos da Constituição da República se constata ter sido assegurado o direito de greve dos trabalhadores urbanos e rurais.
Entretanto, o Constituinte preferiu, em razão das peculiaridades do trabalho desenvolvido no âmbito da Administração Pública, dar tratamento específico ao direito de greve dos servidores públicos civis.
Nessa perspectiva, erigiu o artigo 37, VII[2] da Constituição da República.
Nesta senda, o que se pode inferir da posição topográfica do referido dispositivo Constitucional é que ele foi colocado no seu devido espaço, na medida em que, em relação ao servidor público, que mantém um vínculo estatutário com a Administração Pública, há princípios próprios que não se aplicam aos trabalhadores da iniciativa privada.
Dessa forma, saltam aos olhos que, para a interpretação do referido dispositivo constitucional, o direito de greve dos servidores públicos civis deve ser encarado na perspectiva dos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público, pilares de toda ação administrativa.
Por isso, que, em linha de princípio, a disciplina infraconstitucional dedicada à regulamentar o direito de greve dos servidores da iniciativa privada não poderia se aplicar aos servidores públicos civis.
Assim, aos servidores públicos é aplicada qual lei?
Nas linhas a seguir esmiuçaremos esse assunto.
2. Legislação aplicável
Para o autor Matheus Carvalho, os servidores militares não têm direito de greve nem de sindicalização, vedação expressa do artigo 142, inciso IV[3] da Constituição Federal. Tal regra se aplica aos que prestam serviços às forças armadas, como exército, marinha e aeronáutica, se estendendo aos militares dos estados, incluindo a polícia militar e o corpo de bombeiros. Já com relação aos servidores públicos civis, o direito de greve está garantido pelo art. 37, inciso VII da Constituição Federal e será exercido nos limites definidos em lei específica, se refere à edição de lei ordinária para tratar do tema, definindo os contornos e forma de exercício deste direito pelos servidores públicos civis, não sendo matéria afeta à lei complementar (CARVALHO, 2016, 798).
Segundo o Supremo Tribunal Federal, os servidores públicos que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública e à segurança, à administração da Justiça, ai os integrados nas chamadas carreiras de Estado, que exerciam atividades indelegáveis, inclusive as de fiscalização tributária, e à saúde pública, não podem fazer greve uma vez que a conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve (SCATOLLINO, 2016, p. 420).
Daí porque a interpretação que vinha sendo dada pelos estudiosos do tema é que, quando o constituinte asseverou que o direito de greve dos servidores públicos civis[4] deve ter seus termos e limites definidos em lei específica, tal diploma normativo deve contemplar apenas aqueles que mantenham vínculo estatutário na Administração Pública direta e indireta.
Contudo, como bem se sabe essa lei específica, ainda não foi confeccionada pelo Congresso Nacional, sendo tal órgão legiferante considerado omisso nesse particular, apesar de ter já transcorrido um quarto de século da promulgação do Texto Constitucional.
Diante desse panorama, num primeiro momento, o Supremo Tribunal Federal entendeu que o exercício do direito de greve pelos funcionários públicos carecia de regulamentação, razão pela qual, diversas greves de servidores públicos civis foram declaradas inconstitucionais no Brasil.
Ocorre que, lei ordinária específica sobre direito de greve existe desde 1989 (a Lei nº 7.783/89), a qual estabelece critérios regulamentares do movimento paredista.
Com o passar do tempo e a evolução da sociedade, o entendimento inicial esposado pelo Supremo Tribunal Federal se modificou entre os jurisconsultos que se debruçaram sobre o tema.
A nova orientação, mais consentânea com a realidade, passou a ser a seguinte: ainda que se interprete no sentido de que a Lei nº 7.783/89 é norma dirigida apenas aos empregados da iniciativa privada, cabe destacar que, ante a ausência de norma específica para servidor público, ela pode ser aplicada por analogia, na forma prevista em lei.
3. Norma constitucional de eficácia limitada
Existem normas constitucionais relativas a direitos e garantias fundamentais que não são autoaplicáveis, carecem de regulamentação para a produção de seus integrais efeitos (eficácia limitada). Assim os direitos sociais, em sua grande parte, têm a sua plena eficácia condicionada a uma regulamentação mediante lei, por exemplo, os incisos X[5], XI[6], XII[7], XX[8], XXI[9], XXIII[10], XXVII[11] do art. 7º da Constituição Federal, e no artigo 5º do mesmo diploma legal têm normas que exigem a complementação legislativa para a produção de seus efeitos integrais, incisos VII[12], XXXIII[13] e XXXVIII[14]. Portanto, embora a regra seja a aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais, alguns deles encontram-se previstos em normas constitucionais de eficácia limitada, dependentes de regulamentação para a produção de seus efeitos essenciais (PAULO, 2016, p. 108).
Como se percebe, o inciso VII do artigo 37 da Constituição da República Federativa de 1988 é uma norma constitucional de eficácia limitada, precisa ser complementado por uma norma para ter aplicabilidade.
Essa condição já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, que de há muito, por meio do Plenário (MI 20-4, RDA 207/226 e RTJ/751) entendeu que tal dispositivo constitucional trata-se de “norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em consequência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição.”
Vale anotar que a referida decisão adotada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal é anterior à edição da Emenda Constitucional nº 19/1998, que alterou o texto do artigo 37, VII da Constituição da República, a não exigir que a regulamentação se dê por lei complementar.
Cumpre recordar, nessa ordem de ideias, que as normas constitucionais de eficácia limitada são regras, que implicam exequibilidade indireta e reduzida.
Como é cediço, essas normas exigem a edição de uma lei futura, em que o legislador, concedendo-lhes a eficácia mediante lei, concede a capacidade de execução dos interesses pleiteados.
Com efeito, o professor José Afonso da Silva, pioneiro na adoção da sobredita classificação, aduz que são normas que apresentam aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses, após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a aplicabilidade.
Existe uma corrente minoritária a qual defende a ideia de que se trata de norma de eficácia contida, também denominada norma de eficácia restringível ou resolúvel, e não de eficácia limitada, em que o servidor público pode fazer greve desde já, porém quando a lei for aprovada ela poderá regulamentar e restringir o exercício desse direito (MARINELA, 2015, p. 720).
4. Efeitos da Decisão em Mandado de Injunção
Podemos identificar três correntes de pensamento acerca dos efeitos da decisão em Mandado de injunção.[15] Para a primeira delas, a decisão nessa espécie de ação seria meramente declaratória, ou seja, teria como escopo tão-somente declarar a inconstitucionalidade da omissão legislativa e de dar ciência disso ao órgão competente, para as providências cabíveis. Essa concepção, defendida por adeptos de uma visão mais ortodoxa do princípio da separação dos poderes. É considerada ineficaz, por frustrar a expectativa do impetrante de obter uma tutela efetiva do direito cujo exercício é obstado pela ausência de norma regulamentadora.
A segunda teoria admite a remoção, pelo Judiciário, do referido obstáculo, viabilizando o exercício do direito no caso concreto. É mais concretista e dá mais força à da decisão judicial ao conferir-lhe uma natureza condenatória.
A derradeira corrente de pensamento dispões que cabe ao Judiciário suprir a lacuna legislativa, legislando sobre o tema, ou adotar outra já existente, compatível com a matéria pendente de regulamentação, suprindo, desse modo, a omissão do legislador. A decisão judicial terá natureza constitutiva, podendo ser adotada com validade erga omnes ou limitada à situação concreta[16].
5. Mandado de Injunção e o direito de greve em apreciação pelo STF
O artigo 37, VII da Constituição da República, efetivamente, é norma de eficácia limitada, conforme já dito, pois impede a possibilidade dos servidores públicos de imediato realizarem greve, o que ela faz é trazer a possibilidade da existência desse direito, porém condicionado à existência de lei regulando a referida situação.
O perigo desses tipos de normas é possibilidade de, durante certo espaço de tempo, não haver a possibilidade do exercício de determinados direitos previstos na Constituição.
Assim, dentre outros, o Mandado de Injunção[17] é remédio essencial para a efetivação de direitos constitucionais.
Como foi dito, o direito de greve do servidor público para que pudesse ser exercido carecia de uma norma infraconstitucional regulamentadora.
Nesta seara, diversos sindicatos brasileiros começaram a interpor Ação Constitucional de Mandado de Injunção provocando o Poder Judiciário a se manifestar sobre o tema.
O fato é que o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF)[18] decidiu, por unanimidade, declarar a omissão legislativa quanto ao dever constitucional em editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente no setor privado (Lei nº 7.783/89). Vale ressaltar importante para o nosso objeto de trabalho, houve divergência parcial dos ministros Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa e Marco Aurélio, que estabeleciam condições para a utilização da lei de greve, considerando a especificidade do setor público, já que anorma foi feita visando o setor privado, e limitavam a decisão às categorias representadas pelos sindicatos requerentes.
Segundo noticia o Supremo Tribunal Federal a decisão foi tomada no julgamento dos Mandados de Injunção (MIs) 670, 708 e 712, ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindpol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep) os quais buscavam assegurar o direito de greve para seus filiados e reclamavam da omissão legislativa do Congresso Nacional em regulamentar a matéria, conforme determina o artigo 37, inciso VII, da Constituição Federal. Assim temos no julgamento do MI 712, proposto pelo Sinjep, votaram com o relator, ministro Eros Grau, que conheceu do mandado e propôs a aplicação da Lei 7.783 para solucionar, temporariamente, a omissão legislativa, outros ministros fizeram as mesmas ressalvas no julgamento dos três mandados de injunção[19].
E finaliza o informativo do supremo que na votação do MI 670, de autoria do Sindpol, conheceu do mandado apenas para cientificar a ausência da lei regulamentadora, na votação do Mandado 708, do Sintem, determinou também declarar a omissão do Legislativo e aplicar a Lei 7.783, no que couber, salientou que "não mais se pode tolerar, sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando, arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado de que se reveste a Constituição da República". Finalizou o Ministro Celso de Mello o qual também destacou a importância da solução proposta pelos ministros Eros Grau e Gilmar Mendes, segundo ele, a forma como esses ministros abordaram o tema "não só restitui ao mandado de injunção a sua real destinação constitucional, mas, em posição absolutamente coerente com essa visão, dá eficácia concretizadora ao direito de greve em favor dos servidores públicos civis[20].
5. Efeitos da greve
De outra parte, é bem de ver que o agente público não pode sofrer penalização pela simples participação na greve, nos termos da Súmula 316 do STF fica claro que: “A simples adesão à greve não constitui falta grave.” Nada impede, porém, que os abusos e excessos derivados da greve sejam punidos. Nesta toada, o movimento grevista deve evitar abusos, assegurando principalmente a continuidade dos serviços essenciais e urgentes.
Com relação aos descontos dos dias parados, existem entendimentos nos tribunais pátrios inclusive do Supremo Tribunal Federal na forma de que podem ser realizados estes descontos, neste sentido o voto do Min. Dias Tofolli no AI 858651 / BA – BAHIA, publicado em 21/05/13: “É pacífica a jurisprudência quanto à legalidade dos descontos relativos aos dias em que houve paralisação do serviço, por motivo de greve de servidor público. Precedentes”.
Assim temos que a pena de demissão não pode ser aplicada pelo simples fato de o servidor ter feito greve, pois para a sua aplicação seria necessária a prática de uma infração funcional, descrita no estatuto dos servidores públicos e punível dessa maneira, o que não é o caso. Há quem aplique a demissão dos servidores com fundamento na tipificação da infração de abandono de cargo, o que depende da caracterização do animus de abandonar e respectivo procedimento administrativo disciplinar, com contraditório e ampla defesa, o que não pode ser utilizado livremente pelo Administrador (MARINELA, 2015, 721).
Nesta mesma linha também não se pode admitir a exoneração do servidor em estágio probatório pelo fato de ter aderido ao movimento grevista, uma vez que essa ausência não teria como motivação a vontade consciente de não comparecer ao trabalho simplesmente por não comparecer ou por não gostar do trabalho, mas sim em busca de melhores condições de trabalho (MARINELA, 2015, 722).
Conclusão
É importante destacar que a greve é um movimento social e político, que tem como objetivo a melhoria das condições de trabalho da categoria.
Não se mostra, nessas condições, razoável que, pela inércia do legislador ordinário, não se possa dar azo à deflagração de tais movimentos no âmbito do serviço público civil.
Do que se nos afigura correta a orientação no sentido de que, enquanto não se edita a norma regulamentadora, se aplique, no que couber, a legislação atinente aos trabalhadores da iniciativa privada.
Com isso, estará assegurado o direito dos referidos servidores públicos, a minimizar abusos e desrespeitos aos direitos constitucionalmente garantidos dos referidos servidores.
Por fim, alerte-se que muitos podem ser os pleitos do ato paredista, todavia, é imprescindível o esclarecimento e união da categoria em prol do objetivo comum. Quanto ao empregador, este deve ao máximo agir no intuito de se evitar que a negociação com a classe trabalhadora não se descambe para a greve.
Mestre em Direitos Fundamentais pela Unifieo Advogado Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra
Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Procurador Geral do Município de Taboão da Serra e Professor do curso de Direito na Faculdade Anhanguera de Taboão da Serra
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