Direito dos animais: comentários à legislação federal brasileira

Resumo: O presente trabalho faz uma breve análise da legislação federal brasileira sob a óptica do movimento pelos direitos dos animais.  Observa-se que o mencionado corpo normativo, embora, por evidente, essencialmente construído com uma visão antropocêntrica, contém avanços significativos e capazes de tutelar de maneira eficiente, se não todos, pelo menos alguns direitos significativos dos animais.


INTRODUÇÃO


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Como facilmente se concluí do título deste artigo, seu objetivo primordial é o de realizar uma análise da legislação federal brasileira diretamente relacionada aos direitos dos animais. 


Cabe destacar que possui particular interesse a legislação voltada à proteção do animal enquanto ser vivo, com interesses próprios e distintos daqueles dos seres humanos, paradigma central do movimento pelos direitos dos animais.  Assim, não são relevantes no presente contexto os dispositivos legais de mera proteção ambiental ou de estoques, cuja vigência transcende, por motivos óbvios, os interesses dos próprios animais não humanos, atendendo, na maioria das vezes, primordialmente aos interesses dos seres humanos.  Aliás, tal tipo de legislação é aprovado com uma visão antropocêntrica, que não se coaduna com a abolição do “especismo” e com os direitos dos animais.  É o caso, por exemplo, de dispositivos que objetivam a regulação de estoques para exploração humana, tais como a Convenção Internacional para Regulamentação da Pesca da Baleia (sobre a qual existem diversos dispositivos legais), ou o Decreto-Lei 221 de 28/02/1967 que dispõe sobre a proteção e estímulos à pesca.


Também não interessam, no presente contexto, dispositivos legais que protejam os animais enquanto propriedade, já que também desconsideram os interesses próprios destes seres, não indo assim ao encontro dos objetivos centrais do movimento pelos direitos dos animais.


Como muito bem observa RODRIGUES (2003) o bem jurídico tutelado pela algumas destas leis, “…não são propriamente os Animais, porém a função ecológica, pois não são considerados sujeitos de direitos pela doutrina majoritária”.


Interesse específico desperta a legislação que proteja os animais contra a crueldade, proibindo ou minimizando a exposição dos mesmos a procedimentos e atos cruéis e capazes de lhes provocar sofrimento.  Não é intenção exaurir o tema, mas destacar os principais aspectos e dispositivos pátrios que demonstrem o eventual avanço legislativo brasileiro na esfera federal.


Constituição da República Federativa do Brasil de 05/10/1988


A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, seguindo uma tendência mundial, dedicou capítulo específico (Capítulo VI do Título VIII) à proteção ambiental, incluindo proteção à flora e fauna nativas, em consonância com o disposto na Declaração da Conferência das Nações Unidas de Estocolmo, realizada em 1972.  No que concerne os direitos animais reza o Art. 225, § 1o., Inc. VII, in verbis:


“Proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”. (grifo nosso).


Sem dúvida, os animais são objetos de proteção ampla em nível constitucional, com interesses próprios, claramente independentes daqueles dos seres humanos.  Há, entretanto, pelo menos duas grandes dificuldades para efetiva proteção dos direitos animais garantidos constitucionalmente, quais sejam, (1) o conceito de “animal” e, (2) o conceito de “crueldade”.  Atualmente, não há qualquer legislação vigente que defina claramente estes dois conceitos.


No que se refere ao conceito de “animal” cumpre mencionar que se encontram em tramitação no Congresso Nacional, como veremos mais adiante, projetos de lei que, de certa forma, suprem esta deficiência, ao menos para algumas atividades específicas.


Quanto ao conceito de “crueldade”, o Decreto 24.645 de 17/07/1934 contém, como também veremos adiante, o conceito de maus-tratos, que pode preencher, ainda que parcialmente, a referida lacuna.


Decreto 24.645 de 10/07/1934 – Estabelece medidas de proteção aos animais


Fundamental o Art. 1o. deste dispositivo, que coloca sob tutela do Estado “todos os animais existentes no país”, e mais, atribuí ao Ministério Público a função de substituto legal dos mesmos, com capacidade, assim como os membros das “Sociedades Protetoras dos Animais”, de assisti-los em juízo (Art. 2o., § 3o.).


Em nossa opinião este Decreto é uma verdadeira obra-prima no que se refere aos direitos dos animais, pois cristaliza princípios normativos que são atualmente buscados pelos advogados destes direitos em todo o mundo.  Sua análise mais apurada revela que, ao contrário do senso comum, sobrepassa o instituto da propriedade e da mercancia dos animais, muito embora, como reconheça RODRIGUES (2003), ainda não tenha havido “…reconhecimento do novo status quo como sujeitos de direito a despeito do disposto no §3o. do Art. 2o do Decreto 24.645, de 1934…”.


Na mesma direção segue ACKEL FILHO (2001),


“Já se pode afirmar que a norma atribui aos animais uma espécie de personificação, que os torna sujeitos de direitos dos quais podem gozar e obter a tutela jurisdicional em caso de violação.”


A interpretação deste Decreto conduz à conclusão de que o Ministério Público pode ser qualificado como substituto processual, tendo assim a possibilidade de fazer valer em juízo qualquer decisão sobre direito individual e indisponível dos animais.  Cabe mencionar que, como é de amplo conhecimento, a substituição processual permite, neste caso, ao Ministério Público avocar para si o papel de parte no processo.  Repetindo as palavras de RODRIGUES (2003):


“Ao considerar que o Ministério Público possui legitimidade para substituir as partes para as quais atua em nome próprio, na qualidade de autor ou réu, de pessoas físicas ou jurídicas a quem são atribuídas personalizações, o legislador, mediante o Decreto 24.645, não só conferiu nova função relevantíssima ao Ministério Público, mas também reconhece que os animais não são meramente coisas como se abstrai do Código Civil.”


Aliás, parece haver aqui um conflito de leis, já que se os animais fossem considerados coisas não deveria ter o Ministério Público legitimidade para a referida substituição processual determinada pela norma em questão.  Este tema é mais profundamente analisado na já mencionada obra de RODRIGUES (2003).


Além disto, o Art. 3o. do Decreto enumera 31 situações consideradas “maus tratos”, e que sujeitam o indivíduo que os praticar à penalidades previstas no Art. 2o..


Como se pode aduzir da análise dos comportamentos elencados, alguns deles vão diretamente ao encontro dos anseios dos atuais movimentos pelos direitos dos animais, enquanto outros são claramente utilitaristas e talvez satisfaçam os adeptos do movimento pelo bem-estar animal.


Dentre os incisos do Art. 3o que respeitam os princípios defendidos pelos advogados dos direitos dos animais tem-se:


“V – abandonar animal doente, ferido, extenuado ou mutilado, bem como deixar de ministrar-lhe tudo que humanitariamente se lhe possa prover, inclusive assistência veterinária;


VII – abater para o consumo ou fazer trabalhar os animais em período adiantado de gestação;


XV – prender animais atrás dos veículos ou atados às caudas de outros;


XXV – engordar aves mecanicamente;


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XXVI – despelar ou depenar animais vivos ou entregá-los vivos a alimentação de outros;


XXVIII – exercitar tiro ao alvo sobre patos ou qualquer animal selvagem ou sobre pombos, nas sociedades, clubes de caça, inscritos no Serviço de Caça e Pesca;


XXIX – realizar ou promover lutas entre animais da mesma espécies ou de espécie diferente, touradas e simulacros de touradas, ainda mesmo em lugar privado;


XXX – arrojar aves e outros animais nas casas de espetáculos e exibi-los, para tirar sortes ou realizar acrobacias;


XXXI – transportar, negociar ou caçar, em qualquer época do ano, aves insetívoras, pássaros canoros, beija-flores, e outras aves de pequeno porte, exceção feita das autorizações para fins científicos, consignadas em lei anterior.”


Os demais incisos do referido artigo tratam precipuamente de proibições que visam minimizar eventual sofrimento dos animais mantendo, todavia, uma visão antropocêntrica e, portanto, “especista”.


Contudo, como se pode constatar pelos incisos transcritos, trata-se de legislação com aspectos extremamente avançados, que proíbe terminantemente diversas práticas contrárias aos interesses dos animais. Algumas destas práticas, infelizmente, ainda podem ser corriqueiramente observadas em distintas regiões do país.  Por motivos desconhecidos tais comportamentos, proibidos desde 1934, continuam se perpetuando sem a devida interferência do Estado que, corretamente, colocou os animais sob sua tutela.  Um levantamento breve na jurisprudência também permite vislumbrar que o Ministério Público não tem atuado de forma determinante na defesa dos interesses dos animais como lhe determina o Decreto.


Houve na Doutrina, por algum tempo, discussão acerca da eventual revogação deste decreto, em face do Decreto Federal 11 de 18/01/1991, que aprovou a estrutura do Ministério da Justiça revogando expressamente inúmeros decretos, dentre eles o Decreto 24.645.  Ocorre, todavia, que o Decreto 24.645 foi editado em 1934, portanto em período de exceção, pelo então presidente Getúlio Vargas, equiparando-se a Lei.  Evidentemente, não pode uma Lei ser revogada por instrumento que lhe é inferior, no caso um Decreto.  Esta é, por exemplo, a posição de MARTINS (2004).  Tal debate, todavia, parece superado uma vez que o Decreto 761 de 19/02/1993 revogou o Decreto Federal 11 de 18/01/1991, dando-se assim uma repristinação, que é o entendimento de DIAS (1999), uma das mais proeminentes defensoras dos direitos dos animais em nosso país.


Muito embora nenhuma outra legislação vigente defina claramente o que considera “maus tratos”, o que por si só demonstra o valor do Decreto 24.645, mencione-se que legislação inequivocamente em vigor, mais especificamente a Lei 9.605 de 12/02/1998, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais, que também será analisada mais adiante, considera crimes os maus tratos aos animais, com a devida cominação de penas.


Decreto-Lei 3.688 de 3/10/1941 – Lei das contravenções penais


Este Decreto estabelece em seu Art. 64:


“Crueldade contra animais


Art. 64 – Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo:


Pena – prisão simples, de 10 (dez) dias a 1 (um) mês, ou multa.


§ 1º – Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.


§ 2º – Aplica-se a pena com aumento de metade, se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público.”


Observe-se que apenas a primeira parte do caput do artigo citado atende aos objetivos dos advogados dos animais, na medida em que proíbe a crueldade contra estes.  Os demais dispositivos apenas evitam excessos e crueldade, indo assim ao encontro do movimento pelo bem estar animal.  Falha a lei em não definir o que considera tais excessos ou atos de crueldade.


Decreto 5.197 de 03/01/1967 – Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências


O Art. 1o. deste Decreto é também de alta relevância, porque define toda a fauna silvestre, ou seja, quaisquer espécies e em qualquer fase de seu desenvolvimento e que viva naturalmente fora do cativeiro, assim como seus ninhos, abrigos e criadouros, como propriedade do Estado, proibindo a sua utilização, destruição, perseguição, caça ou apanha.  Proíbe também, em seu Art. 3o., “o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha”.


Sem dúvida, um artigo como o desejado por todos os defensores dos animais, embora se refira exclusivamente ao animais silvestres.  Todavia, o resto do texto legal descreve uma série de situações em que tais atividades são permitidas, inclusive a caça amadora, retirando assim muito do seu impacto efetivo.


Em alguns aspectos preocupa-se com o bem estar animal, ao, por exemplo, proibir a caça “com visgos, atiradeiras, fundas, bodoques, veneno, incêndio ou armadilhas que maltratem a caça”.  Todavia, continua permitindo, inexplicavelmente, esta atividade de pouco ou nenhum significado útil para os humanos nos dias de hoje, mas altamente questionável dos pontos de vista moral e ético.


Os demais artigos centram-se em aspectos regulamentares da caça, e um pouco sobre a pesca, estabelecendo penalidades para os infratores.


Aspecto interessante, e ao que parece fartamente ignorado, é o preceito contido no Art. 35, caput, de que, a partir de 1969:


 “Nenhuma autoridade poderá permitir a adoção de livros escolares de leitura que não contenham textos sobre a proteção da fauna, aprovados pelo Conselho Federal de Educação”.


 E mais, em seu § 1o. determina aos programas de ensino dos níveis primário (hoje fundamental) e médio o oferecimento de ao menos duas aulas anuais sobre o tema.  Não bastasse, diz o § 2o. que:


 “Igualmente os programas de rádio e televisão deverão incluir textos e dispositivos aprovados pelo órgão público federal competente, no limite mínimo de cinco minutos semanais, distribuídos ou não, em diferentes dias.”


Lei 6.638 de 08/05/1979 – Estabelece normas para a prática didático-científica da vivissecção de animais e determina outras providências.


Esta lei tem claro cunho utilitarista indo ao encontro dos anseios dos defensores do bem estar animal, uma vez que não proíbe a prática da vivissecção, mas regulamenta sua utilização.


Veta, em seu Art. 2o., a vivissecção sem o uso de anestesia, em centros não registrados, sem a supervisão de técnico especializado, em um período de aclimatação em biotérios e “em estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus e em quaisquer locais freqüentados por menores de idade (Inc. V) (grifo nosso).  Este inciso é claramente ignorado, ao menos em nosso conhecimento, em todas as instituições universitárias brasileiras que atuam nas áreas da saúde (particularmente medicina e enfermagem), veterinária e ciências biológicas, dentre outros.  Como é notório, a cada dia mais tem acesso ao ensino superior jovens com idade inferior a 18 (dezoito) anos, que desde o primeiro ou segundo ano de seus cursos de graduação freqüentam disciplinas nas quais se pratica a vivissecção, tais como zoologia e, particularmente, fisiologia.  Muito embora o objetivo do referido inciso, em face do caráter utilitarista da lei, pareça ser muito mais o de proteger a formação psicológica dos jovens do que conferir efetiva proteção aos direitos animais, os defensores destes direitos parecem não estão atentos ao fato, nem tampouco os responsáveis por estas atividades, que também parecem desconhecer, ou pior ainda, simplesmente ignorar, a referida legislação.


Lei 7.173 de 14/12/1983 – Dispõe sobre o estabelecimento e funcionamento de jardins zoológicos e dá outras providencias


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Trata a referida lei dos procedimentos a serem adotados para o funcionamento de estabelecimentos que mantenham animais vivos em cativeiro, ou semi-liberdade, para a visitação pública, ou seja, jardins zoológicos, conforme definidos no Art. 1o.


Do ponto de vista dos direitos dos animais merece destaque principalmente o Art. 7o., in verbis:


“Art 7º – As dimensões dos jardins zoológicos e as respectivas instalações deverão atender aos requisitos mínimos de habitabilidade, sanidade e segurança de cada espécie, atendendo às necessidades ecológicas, ao mesmo tempo garantindo a continuidade do manejo e do tratamento indispensáveis à proteção e conforto do público visitante.”


Ou seja, a legislação exige determinadas condições de “habitabilidade, sanidade e segurança” para cada espécie mantida, todavia, com um duplo caráter, ou seja, de um lado “atendendo as necessidades ecológicas” e, portanto, tendo os animais como foco determinante das condições, e de outro a garantia de continuidade “do manejo e do tratamento indispensáveis à proteção e conforto do público visitante (grifo nosso), ou seja, o objeto último a ser protegido e mantido confortavelmente é o ser humano.


O Art. 3o., bem como em certa medida o Art. 16, conferem alguma proteção aos direitos dos animais, já que, em razão do que dispõe o art. 1º da Lei nº 5.197, de 03/01/1967, deixa claro que os animais da fauna nativa, ou indígena, são propriedade do Estado e não podem ser objeto de comercialização.  Abre, entretanto, exceção para os espécimes nascidos em cativeiro.


Lei 7.643 de 18/12/1987 – Proíbe a pesca de cetáceos nas águas territoriais brasileiras, e dá outras providências


Indubitavelmente uma lei que, em um único artigo, atende plenamente os anseios do movimento em defesa dos direitos dos animais, na medida em que proíbe, sem qualquer exceção, a pesca, ou mesmo o molestamento intencional, de todas as espécies de cetáceos nas águas territoriais brasileiras, cominando pena de 2 (dois) a 5 (cinco) anos de reclusão e multa, com possibilidade de perda da embarcação em caso de reincidência.  Desnecessários outros comentários.


Lei 9.605 de 12/02/1998 – Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências


A conhecida “Lei dos Crimes Ambientais” traz em seu bojo, na Seção I do Capítulo V, um conjunto de 9 (nove) artigos referentes aos crimes contra a fauna.  Em que pese ainda uma certa conotação utilitarista, como se denota nos dispositivos que permitem a exportação de couros de anfíbios e répteis desde que devidamente autorizadas (Art. 30), ou no Art. 29, que define como crime “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória”, mas tão somente se praticados “sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida”, não há dúvida de que o presente instrumento contém alguns avanços importantes na defesa dos direitos dos animais.


Os artigos da mencionada seção tratam de diferentes aspectos do relacionamento entre animais não humanos e humanos, incluindo a pesca e a caça.  Todavia, no contexto dos direitos dos animais, há que se destacar a norma incriminadora do Art. 32, na medida em que parece atender aos princípios defendidos por seus advogados, in verbis:


“Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:


Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.


§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.


§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.”


Tal dispositivo deixa clara a posição dos animais como bem juridicamente tutelado independentemente do eventual interesse dos seres humanos.  O animal é, claramente, o objeto central do dispositivo.


  Este artigo deve ser interpretado em conjunto com o Decreto 24.645 de 10/07/1934, na medida em que este último é o único dispositivo legal que define maus-tratos, como já mencionado.


Igualmente importante o disposto no parágrafo 1o. deste mesmo artigo, já que também incrimina aquele que “realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo”, mesmo que o fim seja o avanço da ciência ou do conhecimento humano, quando existam recursos alternativos.  Este dispositivo evidencia e importância da adequada compreensão dos mecanismos dolorosos e de sofrimento dos animais, assim como a da busca de recursos que possibilitem o aprendizado e o avanço do conhecimento sem a necessidade de seu emprego, especialmente se com o uso de técnicas cruéis ou dolorosas.  Tal preocupação não é apenas brasileira, mas vem crescendo significativamente em diversos países, existindo centenas de cientistas e instituições internacionais que vem buscando seriamente por alternativas ao uso de animais no ensino e na pesquisa, como por exemplo o “Fund for the Replacement of Animals in Medical Experiments”[1] (Fundo para Substiuição de Animais em Experimentos Médicos) e o “European Center for the Validation of Alternative Methods”[2] (Centro Europeu para a Validação de Métodos Alternativos).


Decreto 3.842 de 13/06/2001 – Promulga a Convenção Interamericana para a Proteção e a Conservação das Tartarugas Marinhas, concluída em Caracas, em 1º de dezembro de 1996


No que se refere especificamente aos direitos dos animais merece destaque, na convenção em epígrafe, o constante do Art. 4o., Item 2, alínea a.  Tal dispositivo proíbe a captura, a retenção ou a morte intencionais das tartarugas marinhas, bem como o comércio doméstico destas, de seus ovos, partes ou produtos.  Assim, vê-se respeitado o objetivo de proibição absoluta do uso de animais, como preconizado pelos advogados destes.  Destaque-se também que a proibição inclui todas as fases de desenvolvimento destes organismos, incluindo-se os ovos.  Desnecessários quaisquer comentários adicionais acerca da propriedade do referido dispositivo legal.


Lei 10.519 de 17/07/2002 – Dispõe sobre a promoção e a fiscalização da defesa sanitária animal quando da realização de rodeio e dá outras providências


Neste dispositivo legal cumpre observar ab initio, não ser o mesmo compatível com o movimento dos direitos dos animais, na medida em que permite a utilização destes em atividades que, inegavelmente, são fontes de grande estresse e sofrimento.  Tal diploma pretende apenas minimizar tais efeitos, sem, todavia, alcançar plenamente seus objetivos.  Tal afirmativa embasa-se em dicotomias presentes inclusive na própria legislação.  O Art. 3o., Inc. II, da Lei 10.519, por exemplo, determina que a entidade promotora do evento deverá prover médico veterinário habilitado, e a quem caberá, dentre outros, “impedir maus tratos e injúrias de qualquer ordem”.  O Art. 3o do Decreto 26.645/34 é o único dispositivo legal brasileiro que define maus tratos, dentre os quais se inclui (Art. 3o., Inc. IV), golpear voluntariamente qualquer “órgão ou tecido de economia” .   Ora, todos os que já assistiram a um rodeio sabem que golpear os animais é atividade absolutamente corriqueira, e assim, ilegal nos termos do decreto mencionado.  Na verdade, praticamente impossível imaginar-se um rodeio sem a concretização de golpes em diversas partes dos animais envolvidos.  Mencione-se que o Inciso refere-se a órgão ou tecido de “economia”, seja lá o que isto signifique.  Possivelmente refira-se a partes que possuam interesse comercial, o que denota, apesar de tudo, sua clara visão antropocêntrica.  De qualquer sorte, inegável que praticamente qualquer parte das diferentes espécies de gado empregadas nestas atividades tem valor e interesse comercial, estando assim sob a proteção deste dispositivo.


CONCLUSÕES


Em resumo, como se pode aduzir destas breves análises, a legislação federal brasileira, embora essencialmente antropocêntrica, contém alguns dispositivos capazes de tutelar de maneira eficiente, se não todos, pelo menos alguns direitos significativos dos animais, livrando-os de maus tratos e sofrimentos absolutamente desnecessários.  Neste diapasão merece destaque o Decreto 24.645 de 10/07/1934 que, estabelece diversas medidas efetivas de proteção dos direitos animais, além de personificá-los, na medida em que define o Ministério Público como substituto processual.  Tal legislação, todavia, está por merecer uma atualização, já que completou mais de 70 anos de existência, período no qual significativa evolução do pensamento ocorreu na sociedade humana, permitindo assim uma visão não tão antropocêntrica do tema.  Esta atualização deve passar também pelo Ministério Público que, ao nosso ver, não está, no que se refere ao direito dos animais, desempenhando de maneira proeminente o papel que lhe foi confiado.


 


Bibliografia

ACKEL FILHO, D.  Direito dos animais. São Paulo: Themis, 2001.

Dias, E. C.  Crimes Ambientais. Belo Horizonte: Editora Littera Maciel

Ltda, 1999.

Martins, R. F.  Direitos dos Animais[on line] Disponível na Internet.  URL:   http://www.amjs.org.br/artigos1.1.htm.  Acesso em:  05/09/2008.

RODRIGUES, T. D.  O direito & os animais, uma abordagem ética, filosófica e normativa.  Curitiba: Juruá, 2003.

 

Notas:

[1] http://www.frame.org.uk/

[2] http://ecvam.jrc.it/index.htm


Informações Sobre o Autor

Euclydes Antônio dos Santos Filho

Graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis/Brasil) (1978), graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande (Rio Grande/Brasil) (2004), especialização em Fisiologia de Animais Marinhos pela Pontificia Universidad Católica de Chile (Talcahuano/Chile) (1985), diploma de Direito do Mar (United Nations Convention on the Law of the Sea) (Rhodes Academy Scholar) pela Rhodes Academy of Oceans Law and Policy (Rodes/Grécia) (2008), doutorado em Ciências (Fisiologia Geral) pela Universidade de São Paulo (1984) e pós-doutorado pela Rheinische Friedrich-Wilhelms-Universität (Bonn/Alemanha) (1993). Atualmente é Professor Titular da Universidade Federal do Rio Grande atuando nas áreas de Ciências Biológicas e de Oceanografia. Tem experiência em pesquisa em Biologia Marinha, sobretudo em Fisiologia Comparada. Mais recentemente vem se dedicando aos estudos de Bioética e Biodireito, assim como Direito do Mar. Representa o Brasil no âmbito da Convênção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar com vistas a organização de Tribunais Arbitrais Especiais (Anexo VIII da Convenção) na área de pesquisa em Ciências do Mar


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