Resumo: O objetivo deste estudo é analisar o direito fundamental referente às questões jurídico-patrimoniais entre os homossexuais. A Constituição Federal de 1988 é um marco de ampliação dos direitos dos cidadãos, garantindo a consolidação de direitos a todos os excluídos pelas leis ordinárias. O método dedutivo possibilitou que partíssemos dos princípios constitucionais para os casos concretos, fazendo um passeio pela doutrina jurídica. Como resultado do trabalho, fica evidente que uma parte dos operadores do direito admite a possibilidade de discussão do tema levando em consideração os direitos dos homossexuais.
Palavras-chave: constituição federal, direito fundamental, direito de família, patrimônio, união homossexual.
Abstract: The objective of this study is to analyze the fundamental right regarding the juridical-patrimonial among the homosexuals. The Federal Constitution of 1988 is a mark of enlargement of the citizens’ rights, guaranteeing the consolidation of rights to all who were excluded from the ordinary laws. The deductive method has made possible that we have left of the constitutional beginnings for the concrete cases, according to literature. As a result of the study it is evident that a part of the operators of the law admits the possibility of discussion of the theme thinking about the homosexual’s rights.
Keywords: federal constitution, equality fundamental right, family right, patrimony, homosexual union.
Sumário: Introdução. Dissolução da união homossexual e seus aspectos jurídicos. Repercussão jurídico-patrimonial da dissolução da união homossexual. Últimas considerações. Referências.
Introdução
O objetivo deste estudo é analisar os efeitos da dissolução da união homossexual, no que tange às questões jurídico-patrimoniais. A questão que apresentamos é a aplicação da legislação aos casos concretos. As razões que motivam a análise desta temática baseiam-se na necessidade de um esclarecimento em relação à forma como estão sendo encaminhadas pelo Poder Judiciário as demandas que envolvem casais homossexuais. Uma vez que os direitos dos homossexuais constam na Constituição de 1988, em seu arigo. 3º, inciso IV, que preceitua promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação e no artigo 5°, caput que prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (Brasil, 2001).
Dissolução da união homossexual e seus aspectos jurídicos
As uniões homossexuais não são efetivamente regulamentadas, ou seja, não existem normas específicas no intuito de regulamentar as questões patrimoniais, por isso a necessidade da interpretação da lei de forma contextualizada.
Desde o final do século passado o Poder Judiciário começou a ser acionado para resolver questões que envolvem a dissolução das uniões homossexuais. Em sua grande maioria, as relações terminam pela separação de corpos (separação do casal) e pela morte de um dos companheiros. No intuito de resolução das lides tem cabido ao judiciário decidir as questões jurídico-patrimoniais, julgando favorável ou improcedente (acatando a contestação do réu) os pedidos dos autores.
Em 10 de fevereiro de 1998, em uma decisão inédita e ousada até então, o Ministro Ruy Rosado de Aguiar Jr., da 4ª Turma Recursal do STJ do Estado de Minas Gerais, manifestou que o parceiro de um homossexual tinha o direito de receber a metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, já que tinha sido reconhecida a existência de sociedade de fato de acordo com os requisitos do artigo 1.363 do Código Civil. Já em 1916 no antigo Código Civil (2007) o requisito para essa questão era de que celebram o contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comuns. O que correspondente ao artigo 981 do novo Código Civil (2007) que entrou em vigor a partir de 2002, dispondo que celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Sendo acrescentado ainda ao caput do artigo 981 que a atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios. Dentro deste contexto salientamos a importância da súmula 380 do STF, que estabelece que quando comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum (Oliveira, 1997). Portanto, o ministro supracitado, decidiu com base na existência de uma sociedade de fato caracterizada pelo seu teor patrimonial – primeiro requisito – e ainda pela união dos esforços com o intuito de constituírem um patrimônio comum – segundo requisito.
Lembramos que a decisão supracitada poderia ter utilizado como fundamento jurídico a Lei n° 9.278/96 denominada Estatuto da Convivência (2007), que ao tempo dos fatos já estava em vigor. Caso a decisão fosse baseada no Estatuto o direito de partilha dos bens não ficaria condicionado à colaboração e a comprovação da sociedade de fato, ponto chave para a decisão; mas, sim a demarcação do início da vida conjugal, cabendo a partir daí a partilha de todos os bens adquiridos na trajetória da vida do casal. A lei atribui à presunção de que ambos concorreram para a aquisição do bem. Assim, os bens adquiridos de forma onerosa, após a união, são passíveis de partilha, contudo, os que forem obtidos por meio de doação, legado e herança, não se enquadram nesta divisão.
Até 1999 não existiam jurisprudências concedendo ao companheiro homossexual o caráter de herdeiro. Entretanto, em 24 de fevereiro de 1999 o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, através das mãos da Juíza Judith dos Santos Mottecy, foi pioneiro ao decidir favoravelmente, acolhendo a pretensão do autor, que ao tempo dos fatos mantinha uma união homossexual, concedendo ao parceiro (autor) a herança, pois o companheiro falecido não havia deixado nenhum ascendente ou descendente. A fundamentação utilizada na decisão estava elencada no artigo 2º, inciso III, da Lei 8.971 de 1994 (2007), que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão e dispõe que na falta de descendentes e de ascendentes, o companheiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança.
Os fundamentos legais que ampararam as decisões não referem à união estável, até porque nem poderiam. A união estável foi reconhecida juridicamente pela Constituição Federal de 1988 (Brasil, 2001), através do artigo 226, § 3°, o qual refere que é reconhecida a união entre homem e a mulher como entidade familiar.
A Juíza Marga Barth Tessler do Tribunal Regional Federal da 4º Região realizou uma análise com relação à aplicação do artigo 226, § 3°, e os princípios elencados na Constituição Federal de 1988 referindo que alguns podem argumentar que o casamento é, por definição, entre homem e mulher, e que é difícil contrapor-se a uma definição. Caso o casamento for articulado mais além do decreto circular, então o motivo de ser exclusivo a homem e uma mulher desaparece. O cerne do contrato público é um vínculo emocional, financeiro e psicológico entre duas pessoas. Neste aspecto não existe diferença entre heterossexuais e homossexuais. O casamento tornou-se uma maneira de o Estado reconhecer um compromisso emocional mútuo entre duas pessoas para toda a vida. Está evidente que de acordo com os pilares da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 2001), que são os princípios da igualdade, da dignidade da pessoa humana, da promoção do bem comum e da razoabilidade; a orientação sexual do casal não é barreira para haver o reconhecimento da união estável, já que além de estarem unidos com a intenção de viverem juntos, construindo um patrimônio afetivo, estão construindo um patrimônio material.
Atualmente se verifica o mesmo entendimento, conforme o acórdão relatado pela Desembargadora Heloisa Combat, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG, 2007), que se baseou na decisão do Ministro do STJ Ruy Rosado de Aguiar, que para a união homossexual preenchido os requisitos da união estável deve ser conferido o caráter de entidade familiar, respeitando os princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana.
Repercussão jurídico-patrimonial da dissolução da união homossexual
É bem verdade que a união de pessoas do mesmo sexo não é reconhecida como entidade familiar (Brasil, 2001), entretanto, as relações envolvendo homossexuais podem ser compreendidas dentro do Direito das Sucessões e das Obrigações (Nogueira, 1998). As possibilidades de resolução das questões jurídicas patrimoniais podem ser buscadas nas questões que se apresentavam antes da instauração da Constituição Federal de 1988.
Atualmente, seja na doutrina ou na jurisprudência, as uniões homossexuais estão sendo reconhecidas como sociedades de fato. Oliveira (1997) refere que a relação estabelecida entre pessoas do mesmo sexo é uma relação jurídica e social, configurando uma sociedade/entidade civil, na qual pela comunhão de interesses, pessoas do mesmo sexo se unem com o intuito de alcançar um bem comum, demonstrando disposição para enfrentar o preconceito a fim de serem felizes e gozarem de seus direitos civis.
Em muitos casos ocorre à dependência econômica unilateral, na qual alguns se não todos os bens do casal homossexual estão em nome de apenas um dos parceiros, nesses casos, quando ocorre a dissolução da união é imprescindível provar que o outro parceiro concorreu direta ou indiretamente para a aquisição do bem, mesmo sendo com seu trabalho doméstico, já que o serviço doméstico pode ser enquadrado indiretamente para o crescimento do patrimônio. Nestes casos, a decisão de conceder salário ou divisão patrimonial pode ser fundamentada no princípio do enriquecimento ilícito (Nogueira, 1998).
Portanto, de acordo com Oliveira (1997), nos casos em que ocorre a necessidade de divisão dos bens quando ocorre à dissolução da união homossexual, é conveniente aplicar as normas constantes na união estável com efeitos patrimoniais, realizando a separação do patrimônio advindo à união dos esforços, contudo, desde que a relação possa ser enquadrada nos princípios constitucionais da coabitação, da publicidade, da notoriedade e da fidelidade, a relação aos olhos da justiça tem de demonstrar a sua efetiva vontade de assemelhar-se a uma relação tipificada em lei. Seguindo o raciocínio de Oliveira (1997), atualmente temos nos acórdãos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (2007) o parecer da relatora Heloisa Combat, no qual argumenta que nas questões de divisão de bens entre casais homossexuais devem ser aplicados os preceitos da união estável, pois a declaração de que a proteção do Estado à união estável é entre o homem e a mulher (Brasil, 2001), não pretendeu excluir dessa proteção a união homossexual, até porque na época, há vinte anos, possivelmente o legislador não tinha essa preocupação. No entanto, as lacunas da lei não têm impedido, em muitos casos, o reconhecimento de um direito. O direito do reconhecimento de uma conduta que acompanha o homem desde os primórdios da história humanidade.
Últimas considerações
A homossexualidade está inserida na sociedade desde as primeiras civilizações, na Grécia como nos mostra Dover (1994), a pratica da conjugação carnal entre pessoas do mesmo sexo detinha um caráter tradicionalista, a força desta tradição ficou estampada nos muitos meios de comunicação e manifestações artísticas da época, entre as quais estão cerâmicas, livros e pinturas, que atualmente possuem muito valor comercial. Outro exemplo da aceitação da homossexualidade entre os Gregos está estampada no exército de Esparta, onde a iniciação sexual do jovem ocorria com um soldado e as futuras relações deveriam ocorrer entre determinados grupos em função de acreditarem no fortalecimento de suas tropas. Entretanto, em ambos os casos não eram descartadas as relações com as mulheres, elas detinham um papel bem definido nesta sociedade reprodutora.
Segundo Ankerberg e Weldon (2006), a partir do advento da Igreja Católica e posteriormente das demais religiões a prática homossexual deixou de ser considerada algo normal e adquiriu um caráter dantesco, pecaminoso, mas isso não a impediu de continuar ocorrendo. As sociedades foram mudando, os governos se transformando e a homossexualidade passou de doença para orientação sexual, concepção adquirida em virtude dos novos tempos, sendo que, atualmente é um fato social, não podendo mais ser renegada pela sociedade. Contudo, como fato social, ainda não está tipificado em lei. Mister salientar que é importante os casais homossexuais realizarem um contrato, desta forma em caso de dissolução da relação, nenhuma das partes ficará sem amparo e em caso de morte de um dos cônjuges o contrato garante uma porcentagem dos bens advindos da união. Evitando assim, a via judicial que ainda causa muito transtorno.
Doutor em Psicologia pela Puccamp, Prof. da Universidade Estadual do Matogrosso do Sul, Prof. da AEMS – Faculdades Integradas de Três Lagoas – MS
Especialista em Direito Civil e Processual Civil
Bacharel em Direito
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