Resumo: É inegável que sem água não há vida na terra, dada a essencialidade desse elemento. No entanto, por muito tempo se questionou a fundamentalidade do direito a água potável, já que, admiravelmente, nenhum documento oficial o reconhecia como tal expressamente. Recentemente, a sua intima ligação com o direito à vida e com a dignidade da pessoa humana acabou o elevando a tal status. Nesse sentido, por meio de um estudo bibliográfico, o presente trabalho irá desenvolver o aspecto de direito fundamental que o direito a água vem tomando ao longo de sua evolução histórica, de forma que possa restar clara a conexão do direito a água potável e a dignidade da pessoa humana, uma vez que inegável sua importância no contexto econômico, social e vital do mundo atual.
Palavras chaves: Direito Fundamental; Dignidade da Pessoa Humana; Direito a Água Potável.
Abstract: It is undeniable that without water there is no life on earth, given the essentiality of this element. However, it has long been questioned fundamentality of the right to drinking water, since, surprisingly, no official document expressly recognized it as such. Recently, his intimate connection with the right to life and the dignity of the human person over the raising of such status. Accordingly, through a bibliographic study, this paper will develop the fundamental aspect of law that the right to water has been taking over its historical evolution, so that the connection can remain clear of the right to drinking water and the dignity of human person, since its undeniable importance in the economic, social and vital in today's world.
Keywords: Fundamental Right, Human Dignity, Right to Drinking Water
Sumário: Introdução; 2 Direitos Fundamentais de Terceira Geração; 3 A água como direito fundamental; 4 Direito de Acesso a Água Potável Como Dignidade da Pessoa Humana; Considerações Finais; Referências
Introdução
Há algumas décadas, a sociedade vem adotando um novo referencial para se pensar as relações humanas e o meio ambiente, principalmente influenciada por movimentos ambientalistas que vem alertando sobre os impactos causados pela constante destruição da natureza, seja por indústrias, empresas ou até mesmo atitudes isoladas.
Foi nesse sentido que surgiu a ideia dos direitos fundamentais de terceira geração, também conceituados de direitos de fraternidade ou de solidariedade que se diferenciam das concepções anteriores pelo fato de se distanciarem da figura do homem como indivíduo único, passando a se destinarem à proteção de grupos humanos, ou seja, uma coletividade. Dentre os temas que envolvem essa geração de direitos fundamentais encontra-se o direito ao meio ambiente equilibrado e saudável.
A questão do meio ambiente engloba diversos assuntos, já que se destina a estudar as matérias primas que a natureza nos oferece. No meio de tantas matérias uma se destaca como a mais preciosa de todas, motivo pelo qual vem sendo, constantemente, base de diversos debates: a água. Isso porque sem a água não há como existir os demais direitos consagrados, já que não é possível vida sem esse elemento natural essencial ao ser humano e aos demais seres vivos.
Após séculos de exploração ambiental, o mundo começou a se atentar para o fato de que os recursos hídricos mundiais são finitos e se alertar que a falta de uma postura mais protetora poderia levar o planeta a um verdadeiro colapso.
A primeira problemática que se apresenta é que grande parte da água mundial não é potável, pois a maioria do porcentual é composta pelas águas salgadas dos oceanos, inviáveis para o consumo humano, o que vem a limitar a quantidade de água potável mundial.
Não bastasse a sua limitação e a constatação de seu porcentual reduzido, o uso indiscriminado da água vem sendo praticado há tempos sem qualquer preocupação com a sua poluição, que torna a sua reutilização inviável. Esse fato ocorre em face do aumento da industrialização, o crescimento acelerado da população que despeja seus detritos nos rios sem qualquer tratamento prévio, o uso constante de agrotóxicos que contaminam as águas, a destruição e desmatamento que não protegem o leito dos rios e acabam por assoreá-los, etc.
Ademais, outra questão que vem sendo motivo de alerta é o fato de que, embora existam países fortemente privilegiados em recursos hídricos, os mesmos não são corretamente aproveitados e utilizados, o que acaba por desperdiçar o potencial das águas e deixam a população carente desses recursos.
No mais, outro fator preocupante é que apenas uma pequena porcentagem da população mundial consome mais de 40% das águas, o que vem evidenciar um verdadeiro descompasso no consumo hídrico, marcado, ainda, pela ausência de um acesso a água que seja realmente eficaz em uma grande parte do mundo.
Todas essas problemáticas, em especial a que se destaca no ultimo parágrafo, faz com que se questione se a forma como essas pessoas estão vivendo pode ser considerada digna, diante das concepções de dignidade humana apresentada nas legislações internacionais. Rapidamente, percebe-se que a ausência de acesso à água acaba tornando a vida mais desumana e degradante, o que viola um dos maiores direitos fundamentais já consagrados pelo homem: a dignidade da pessoa humana.
Para constatar tal fato basta voltar os olhos para a situação que se encontra a população africana, que sofre com a escassez de água ou a sua má distribuição. Trata-se de uma forma de vida baseada em muito sofrimento, já que a população não obtém facilmente esse recurso, precisando se deslocar longas distâncias para conseguir o suficiente para sobrevivência.
No entanto, não é necessário ir tão longe para se perceber que a escassez e a má distribuição das águas é um fato que atinge uma grande parcela de pessoas também no Brasil. Assim como a destruição dos recursos hídricos, o acesso aos mesmos tem se tornado questão a ser debatida, inclusive nos pequenos municípios.
Trata-se do reconhecimento de que o direito ao acesso a água é um direito humano fundamental e que deve ser distribuído de modo igualitário a todos os cidadãos, sob pena de se ferir a dignidade humana, haja vista que não existe vida sem água e não há como se viver dignamente se seu acesso é falho ou até mesmo não ocorre.
Nesse trabalho, busca-se trazer tal problemática para o contexto do Brasil, de modo que se analisem os conceitos de água, a sua caracterização como direito fundamental e sua intrínseca relação com o principio da dignidade da pessoa humana, a dificuldade de acesso da população a essa água, verificando a forma como a mesma é respeitada ou prejudicada pela ação humana. A grande questão que envolve o presente tema atualmente é, além da preocupação em se conseguir harmonizar a necessidade de proteção à água com o desenvolvimento do país e das cidades, que precisam do uso dessa matéria prima para poderem manter sua economia e a sobrevivência da população, é verificar se esse recurso natural esta sendo conscientemente utilizado e uniformemente distribuído para a população, pelo que deveria ser unanimente considerada direito fundamental para a vida humana e, portanto, usufruído por todos.
2 Direitos Fundamentais de Terceira Geração
Para se chegar, portanto, à concepção atual que temos de direitos humanos houve uma série de precedentes históricos que levaram a construção do ordenamento jurídico de base internacional que afirma que os direitos que são universalmente reconhecidos as pessoas.
Os direitos humanos se dividem em dimensões, com base na ordem cronológica em que passaram a ser consagrados à Humanidade, isso quer dizer que não surgiram todos de uma única vez, muito menos pelos mesmos motivos, mas de acordo com as lutas contra o poder e opressões que foram aparecendo ao longo dos tempos.
Nas palavras de Norberto Bobbio: “Os direitos do homem, […] são direitos históricos, […] caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.” (BOBBIO, 1992, p. 5) Ainda completa Celso Lafer que “[…] do século XVIII até os nossos dias, o elenco de direitos do homem contemplados nas constituições e nos instrumentos internacionais foram-se alterando com a mudança das condições históricas.”(LAFER, 1988, p. 124)
A terceira geração de direitos foi marcada pela reivindicação da materialização de poderes de titularidade coletiva e difusa e que se correlaciona aos ideais de fraternidade e solidariedade.
Após as duas Guerras Mundiais e o fim da Guerra Fria, o mundo começou a questionar a segregação do poder nas mãos de poucos, momento no qual países de terceiro mundo intensificaram movimentos requerendo sua autonomia, principalmente econômica, seu desenvolvimento e sua autodeterminação. Buscava-se o direito a paz, a autodeterminação dos povos, qualidade de vida, o direito `a comunicação, ao desenvolvimento, a um meio ambiente saudável, o direito `a paz e o direito ao patrimônio comum da humanidade, os quais se destinavam a uma universalidade.
Conforme bem explicita Celso Lafer, todos esses direitos foram concebidos com titularidade coletiva ou difusa, se baseando em uma identidade de circunstancias de fato (LAFER, 1988).
Portanto, se direcionam para grupos mais “vulneráveis”, como crianças, idosos, indígenas, etc. Nesse sentido, “estes direitos têm como titular não o indivíduo na sua singularidade, mas sim grupos humanos como a família, o povo, a nação, coletividades regionais ou étnicas e a própria humanidade”. (LAFER, 1988, p. 131) Nas palavras de Paulo Bonavides, são direitos:
“Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente a proteção dos interesses de um individuo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem por primeiro destinatário o ser humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta.” (BONAVIDES, 2001, p. 569)
Alguns desses direitos podem até assumir uma dupla titularidade, sendo tanto individual como coletivo, é o caso do direito ao desenvolvimento, ao meio ambiente e a comunicação, isso porque podem ser reivindicados por uma pessoa física individualmente, tendo como sujeito passivo, no geral, o próprio Estado. Por outro lado, o direito `a paz, `a autodeterminação e o direito ao patrimônio comum da humanidade têm como titular somente o povo. (FERREIRA FILHO, 2011). No mais, é certo que devem beneficiar, ao mesmo tempo, a todos e a cada um separadamente.
O objeto desses direitos pode ser uma conduta, que pode se materializar por diversas formas seja exigindo uma situação de fazer ou não fazer, que pode se direcionar a determinados bens ou atitudes, ou seja, pode ser na preservação ambiental ou na não poluição, pode ser na proibição de guerras, na não interferência de um Estado em outro, etc. Logo, se fundamentam na solidariedade entre os povos, já que se espera a conduta adequada de cada um, de modo que agindo assim, esta sendo respeitado um direito que se aplica a todos.
De todos os direitos presentes nessa geração o mais elaborado foi o direito ao meio ambiente, consagrado na Declaração de Estocolmo de 1972, onde se admite que: “O homem tem o direito fundamental a liberdade, `a igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas num meio ambiente de tal qualidade que lhe permita levar uma vida digna […]” (FERREIRA FILHO, 2011, p. 80).
A reivindicação por um meio ambiente saudável surgiu nesse momento, já que foi então que se percebeu que os recursos naturais eram finitos, isso porque a exploração predatória em prol de um desenvolvimento econômico estava deteriorando os ecossistemas que ainda se encontravam intactos.
Os movimentos ambientalistas fizeram questionamentos que vieram se contrapor a essa necessidade de desenvolvimento econômico, o que acabou por não ter muito respaldo, uma vez que os países emergentes focaram mais em seu crescimento econômico que na preservação ambiental. Contudo, alguns anos depois, o tema voltou a ser objeto de discussão na ECO 92, originando a ideia do desenvolvimento sustentável.
Um meio ambiente saudável envolve diversos aspectos e temas, dentre eles a água. Atualmente, a água tem sido foco de debates econômicos, políticos e sociais. Em muitas oportunidades já foi considerado o “ouro azul” do século. Embora sua importância seja latente, a ONU ainda não formulou qualquer documento que defina a água como direito fundamental, o que vem causando alguns questionamentos.
3 A água como direito fundamental
A água, como parte do meio ambiente, foi mencionada em algumas ocasiões, embora seu reconhecimento como direito fundamental tenha sido tardio, já que nenhum texto internacional mencionava expressamente esse direito como fundamental.
No ano de 1977 ocorreu a primeira Conferência especifica sobre a água, na Argentina, conhecida como Ação de Mar Del Plata. Posteriormente, a ONU organizou a Conferência Internacional sobre a Água e Meio Ambiente na Irlanda na cidade de Dublin, em 1992, antes da ECO-92. Nessa Conferencia observou-se a finitude dos recursos hídricos e a necessidade de sua preservação, pelo que se extraiu a sugestão de que os Estados adotassem gestões de recursos hídricos. O Documento produzido relaciona o cuidado com a água e a mitigação de doenças; o estímulo à adoção de técnicas de reaproveitamento de água e à proteção contra os desastres naturais; ao desenvolvimento urbano sustentável; a produção agrícola; aos conflitos geopolíticos decorrentes da posse de bacias hidrográficas; ao fornecimento de água potável às zonas rurais; além da proteção e conservação desse precioso recurso natural.
No encontro relacionado ao meio ambiente a água também foi motivo de pauta, como a ECO – 92, desse encontro originou-se a Agenda 21, a qual afirma, em seu Capitulo 18, que:
“A água é necessária em todos os aspectos da vida. O objetivo geral é assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de boa qualidade para toda a população do planeta, ao mesmo tempo em que se preserve as funções hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da capacidade da natureza e combatendo vetores de moléstias relacionadas com a água. Tecnologias inovadoras, inclusive o aperfeiçoamento de tecnologias nativas, são necessárias para aproveitar plenamente os recursos hídricos limitados e protegê-los da poluição.”
Nesse contexto, ainda estabelece alguns programas, no Item 18.5, que promoveriam a Proteção dos recursos hídricos, da qualidade da água e dos ecossistemas aquáticos e o devido Abastecimento de água potável e saneamento.
Mais tarde, o Fórum Mundial da Água teve por objetivo despertar a consciência sobre os problemas diretamente relacionados com a água, buscando contribuir na elaboração de políticas públicas em dimensão global e regional. O I Fórum Mundial da Água ocorreu em 1997, em Marrocos, na cidade de Marraquech, no qual governos, empresas, organizações não governamentais, especialistas, generalistas hídricos, além da sociedade civil em geral, debateram os problemas hídricos. No ano de 2000, o II Fórum foi realizado em Haia, na Holanda. Em 2003, o III Fórum Mundial da Água foi no Japão.
Em 2006, na Cidade do México, realizou-se o IV Fórum Mundial da Água, onde o público foi bem maior e também onde se debateu a Água para o Desenvolvimento, a Gestão Integrada, Saneamento, Alimentação, Meio Ambiente e a Gestão de Riscos. O relatório originado desse encontro fez referência explicita a tal direito: “a água, a essência da vida e um direito humano básico, encontra-se no cerne de uma crise diária que afecta vários milhões das pessoas mais vulneráveis do mundo – uma crise que ameaça a vida e destrói os meios de subsistência a uma escala arrasadora”.
Foi a primeira vez que se apontou expressamente a preocupação com o direito a água. E mais recentemente a Assembleia Nacional da ONU reconheceu, em 28 de julho de 2010, o acesso à água potável como um direito humano fundamental, como se observa no relatório da Assembleia: “Assembleia Geral reconhece o acesso à água como um direito humano.” No mais, ainda acrescentou que quase 900 milhões de pessoas carecem do exercício desse direito.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 aborda o tema da água fora dos artigos destinados aos direitos fundamentais, deslocando a mesma para outro Título, que a considera como bem da União e dos Estados. Assim, no Título III, da Organização do Estado, no Capítulo II, dispõe:
“Art. 20. São bens da União: III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a territórios estrangeiros ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais. (Grifo nosso).
Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União.”
A Lei Federal nº. 9.433/97, no Título I, Da Política Nacional de Recursos Hídricos, no Capítulo I, Dos Fundamentos, Art. 1º, inciso II, reza que “a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico”. Essa lei instituiu o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, estabelecendo o direito de propriedade e exploração dos recursos hídricos, seja para uso industrial, geração de energia, irrigação, etc. prevendo no corpo do seu texto a possibilidade de penalização e responsabilização pelas perdas e danos causados no uso irregular das águas. (BRENNY, 2013) Percebe-se que a água é tratada como valor econômico e socioambiental.
Existe, atualmente, uma proposta de Emenda Constitucional que visa incluir o direito a água dentro do rol dos direitos sociais dispostos no artigo sexto, ficando o texto da seguinte forma: Art. 6º. “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, a água, o lazer, a segurança, a previdência, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
Não obstante, a água é elemento essencial para a vida humana, sem a qual não se faz possível que qualquer elemento vivo possa sobreviver. Nesse sentido, não há como negar que a água se trata de um direito fundamental para o ser humano e, portanto, deve ser usufruída por todos os indivíduos. O acesso à água é primordial em uma vida digna, no entanto, o que se vislumbra é uma imensa dificuldade de se concretizar esse direito em algumas regiões do Brasil.
4 Direito de Acesso a Água Potável Como Dignidade da Pessoa Humana
Saliente-se que o corpo humano é composto de 60% a 70% de água e que não há como o ser humano sobreviver se não consumir uma quantidade mínima de água diária. Contudo, o acesso à água potável vem se tornando cada vez mais difícil, isso porque o crescimento industrial e o constante descuido com o meio ambiente acabou por contaminar e poluir muitos mananciais responsáveis pelo abastecimento de milhares de pessoas.
Em alguns casos os indivíduos tem acesso água, mas a mesma se encontra inviável para consumo. Em outros casos, as pessoas se quer consegue ter esse acesso, isso porque além da contaminação há a má distribuição dos recursos hídricos, assim como a falta de planejamento urbano acaba por deixar diversas localidades sem acesso à água, razão pela qual em alguns casos as pessoas se deslocam grandes distancias para conseguir um pouco do que beber.
A problemática que envolve o acesso à água potável, segundo Boaventura de Sousa Santos é que a "A desertificação e a falta de água são os problemas que mais vão afectar os países do Terceiro Mundo na próxima década. Um quinto da humanidade já não tem hoje acesso à água potável". (SANTOS, 2001, p. 24). O fato de o acesso ser comprometido ao ponto de afetar um quinto da população mundial causa graves preocupações, visto que a escassez vem provocando o aumento do numero de mortes no mundo.
As mortes se dão pela ausência da água e pelas doenças que são trazidas quando se consome águas contaminadas. Dados sobre o tema alertam para esse caos anunciado. Observe-se que apenas 0,3% da água doce do mundo admitem a captação e distribuição para as comunidades, sendo certo que do total de água no planeta somente 2,5 % são água doce.
Não bastasse, no ano de 2000, verificou-se que 2,4 bilhões de pessoas não tinham qualquer acesso a saneamento básico, enquanto aproximadamente um bilhão de pessoas não possuíam acesso a um abastecimento mínimo às suas necessidades básicas.
Diante desse problema, cada vez mais crescente, a organização das Nações Unidas (ONU) definiu o período compreendido entre 2005 e 2015 como a “Década Internacional para a Ação Água para a vida”, como forma de contribuir na preservação das águas mundiais e com a meta de reduzir pela metade a proporção da população mundial sem acesso sustentável à água potável e saneamento até 2015. Para tanto, deverá ser fornecida água para 1,6 bilhão de pessoas e saneamento para 2,1 bilhões entre 2002 e 2015, principalmente entre as famílias pobres nos países mais pobres do mundo.
Esse novo posicionamento internacional demonstra a importância do direito de acesso a água potável como direito fundamental, compreendido dentro da terceira geração de direitos humanos e do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, razão pela qual se impôs aos Estados um posicionamento mais ativo que concretize e melhore a situação dessas pessoas que estão prejudicadas e vivem em condições sociais precárias, como forma de lhes garantir o direito a dignidade humana.
Para que o indivíduo possa ter o pleno gozo de suas principais características faz-se necessário que lhe esteja assegurada a dignidade. Trata-se de um direito inato a todo ser humano e anterior ao próprio Estado. A ideia central do princípio da dignidade é a valorização da pessoa humana. Para o doutrinador Rizzatto Nunes, a dignidade da pessoa humana consiste no fato de que “[…] toda pessoa, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser. Não admite discriminação, quer em razão do nascimento, da raça, inteligência, saúde mental ou de crença religiosa.” (NUNES, 2002, p. 49-50).
Maria Helena Diniz afirma que a dignidade da pessoa humana esta ligada a uma qualidade moral que infunde respeito, honraria, respeitabilidade, tratando-se de um princípio moral de que o ser humano deve ser tratado sempre como um fim e nunca como um meio. (DINIZ, 1992) Por sua vez, José Afonso da Silva, afirma que a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai todos os outros direitos fundamentais do homem.(SILVA, 2005)
Enfim, percebe-se que a dignidade humana só é alcançada quando se vislumbra a concretude de diversos direitos destinados ao homem, sem os quais a essência do ser humano se perderia em transtornos.
A manutenção da vida é o principal objetivo das legislações criadas, seja no âmbito internacional seja nacionalmente e para sua afirmação são necessários diversos elementos, os quais irão tornar o homem apto a gozar de todos seus outros direitos. Como afirmado anteriormente, sem água não há vida, sem água apropriada para o consumo, ou seja, potável, não há como sobreviver, isso a inclui como importante elemento para a dignidade humana.
Em outras palavras, para a vida é primordial a existência de água, esta antecede aquela, pelo que é necessário o aumento do comprometimento com a preservação ambiental e das águas, por meio de sua tutela efetiva das águas como direito humano fundamental essencial à dignidade da pessoa humana, uma vez que a vida e a água são bens invioláveis e de interesse indisponível, inalienável, inderrogável e irrenunciável.
Ainda assim, alguns dados mostram que esse direito está sendo desrespeitado constantemente. As águas, como águas dos mares, dos rios ou dos lagos, águas vivas, correntes ou estanques, são bens que pertencem a toda a Humanidade, o que quer dizer que os atos lesivos ao meio ambiente, no que diz respeito à degradação das águas, serão considerados delitos de lesa humanidade, porque se trata de bem jurídico-penal prevalente e de máxima importância, ante o interesse global e a necessidade premente de preservação e atenção por sua riqueza imensurável e constante escassez.
Nesse sentido, a proteção jurídica do bem água à luz dos Direitos Humanos é urgente e muito importante através da educação ambiental adequada que demonstre a necessidade de se preservar esse bem tão precioso para a manutenção da vida na terra.
Considerações Finais
Pode-se concluir que o direito ao acesso a água potável realmente é um direito fundamental, visto que intimamente ligado ao direito à vida e a saúde. Desse modo, nada mais obvio que o correlacionar com o principio da dignidade humana, já que um leva a fruição do outro. A vida é o bem mais precioso que o homem possui e todos os elementos que a tornam possível são igualmente precioso e devem ser protegidos.
É preciso que se forme uma educação ambiental adequada, que leve a conscientização das pessoas sobre a necessidade de preservação do meio ambiente para a própria existência humana, visto que sem o mesmo não é possível que o homem sobreviva na terra. Sem o acesso a água potável, ou seja, própria para consumo, não há como se assegurar que as pessoas terão uma vida saudável e, portanto, irão usufruir dos direitos que lhe foram estabelecidos.
A busca por essa década da água, com um trabalho voltado para que as pessoas tenham acesso à mesma é uma questão de Humanidade, é uma necessidade vital. A conscientização para a não poluição dos rios é fundamental, mas também a criação de políticas públicas para que o fornecimento seja feito de forma igualitária é primordial. Trata-se de uma questão de estabelecimento de metas mundiais e nacionais, inclusive para o próprio Brasil, onde algumas regiões são constantemente castigadas pela ausência de água. Em nosso caso, em especial, a ausência de acesso seria facilmente resolvida se houvesse vontade política.
Com o reconhecimento da ONU de que o acesso à água é um direito humano fundamental, uma possibilidade se abriu de que as pessoas possam exigir tal atuação de seus governos, sendo certo que o seu não atendimento pode gerar uma punição, inclusive internacional.
O presente trabalho se torna essencial para uma reflexão das violações a dignidade da pessoa humana que vem sendo cometida por séculos, quando não se admite que pessoas tenham acesso a um bem fundamental a vida humana.
Informações Sobre o Autor
Liliane Socorro de Castro
Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, pós-graduada em direito constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas; e pós graduanda em direitos humanos pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, advogada