Direito, Internet e Liberdade de Expressão

De uns dez anos para cá a Internet conseguiu afirmar a sua importância não somente no que diz respeito a simples e despreocupada comunicação entre os povos de diversos países e grupos, mas principalmente quanto ao surgimento de novas relações de comércio, propaganda e serviços. Uma prova disso é os altos índices de valor que as empresas virtuais, ou empresas ponto.com, têm alcançado nas bolsas de valores mundiais; inclusive, em decorrência disso, foi criado o Nasdaq, um índice próprio para avaliar esse tipo de empresas. No Brasil, há pouco tempo, o empresário Marcos de Moraes vendeu a Zipnet pela incrível quantia de  300 milhões de dólares. E isso aconteceu porque, hoje em dia, já se faz de quase tudo pela rede, desde compras de supermercado ou de artigos raros até dar entrada em petições perante a Justiça em determinados casos, de acordo com regulamentação de certos países.

O responsável, em grande parte, por essa rápida consagração da Rede Mundial de Computadores, de acordo com o professor Lawrence Lessig, da Universidade de Stamford, foi sem sombra de dúvida o seu caráter de expressão máxima de liberdade – idéia inicial da Internet. Esse ideal era tão indiscutível e certo que levou John Perry Barlow, outro guru da informática, a redigir em 1996 uma “Declaração de Independência do Ciberespaço”, em que afirmava que nenhum governo poderia tomar qualquer medida prática para restringir a liberdade dos internautas que não pudesse ser burlada pelos mesmos. Assim, a Internet seria um espaço livre, uma espécie de território quase anárquico, onde caberia ao internauta respeitar somente os limites impostos pelo seu equipamento ou pela própria estrutura da computação.

Imbuídos por esse espírito vanguardista e libertário, os professores David Post e David Johnson, das universidades de Temple, na Filadélfia, e de Georgetown, em Washington D.C., começaram a defender a existência de leis e instituições jurídicas exclusivas para a Internet. Para eles, como a rede não está circunscrita a um território ou país específico, não seria plausível operacionalmente que a mesma se submetesse a legislações individuais dessa ou daquela nação. Eles acreditavam que a Internet seria, dessa forma, uma grande propulsora de um direito internacional realmente normatizado e efetivo.  

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No entanto, fatos ocorridos recentemente, como condenações contra provedoras e empresas virtuais por causa de material divulgado por seus usuários, provam que a tão proclamada liberdade na Internet está com os dias contados. No final do ano passado, por exemplo, a justiça francesa determinou que a empresa norte-americana Yahoo! impedisse o acesso de usuários franceses a sites de outros países que contivessem apologias ao nazismo, sob pena de pesada multa diária em caso de  descumprimento. No Reino Unido foi aprovada uma lei permitindo à polícia amplo acesso aos e-mails de todos os cidadãos e demais meios de comunicação on line. Na Coréia do Sul a visita a websites de jogos foi proibida. E até mesmo nos Estados Unidos foi aprovada uma lei que exige das bibliotecas e escolas custeadas com dinheiro público a instalação de um software para bloquear todo material considerado nocivo a menores. Isso para não se falar em países como a Namíbia, onde simplesmente é proibido irrestritamente o acesso à Internet, sob pena de morte; ou como a China, onde, por existir uma rede virtual interna, o usuário é rigorosamente proibido de navegar na Internet. O chinês é obrigado a navegar na rede oficial de seu país, onde todo material exposto é previamente averiguado pelas autoridades de lá.

Esses métodos de bloqueio que determinados governos têm adotado em relação à rede naturalmente se baseiam no desenvolvimento tecnológico de certos instrumentos, a exemplo da filtragem. Este software, ao ser instalado num micro, nos servidores de um provedor de acesso à Internet ou em vias de conexão de um país ao resto do universo on line, consegue impedir o acesso a certos sites. O próprio website também pode barrar um usuário ao empregar a mesma tecnologia usada na exibição de anúncios específicos para visitantes de países estrangeiros. O que ele faz é rastrear o endereço IP, ou Internet protocol, um código que identifica o provedor, o computador e até mesmo o lugar de onde se está acessando a rede. Inclusive, foi esta tecnologia que embasou a decisão da justiça francesa.

Há ainda outras instrumentos sendo desenvolvidos, como o IPv6, que, quando aperfeiçoado, identificará sem problemas o computador em questão e até mesmo uma possível digital com os dados de seu dono ou usuário. O importante é ressaltar que o desenvolvimento de tais tecnologias é de suma necessidade, não apenas para os governos ou para as empresas que lidam com informática, mas sobretudo para o cidadão comum. Este poderá ter acesso a serviços, produtos e soluções cada vez melhores e mais bem elaboradas. Além do que, urge realmente disciplinar de algum modo um veículo de comunicação que a se expande à proporções geométricas e que movimenta hoje em dia bilhões de dólares em diversos ramos de negócio.

Dessa forma, tornou-se muito complicado, ou até impossível, manter com relação à Internet os mesmos princípios de liberdade de expressão que a guiou quando da sua criação, num momento em que pouco se vislumbrava as dimensões de importância a que chegaria a rede, em diversos sentidos. A necessidade de um controle normativo coercitivo mínimo que seja parece óbvia, numa época em que os crimes e golpes cibernéticos estão ficando cada vez mais comuns, principalmente em se dispondo de meios para isso. O problema é que muitos países de governo autoritário já demonstram interesse em utilizar esses meios para cercear o acesso a rede, numa espécie de censura, comprometendo a informação disponível. Se isso se tornar comum, a Internet em muitas nações terá função contrária àquela pretendida em seu início, no que diz respeito à democratização do conhecimento e a liberdade. Como não se pode prever muita coisa em assuntos tão juvenis, só o futuro nos responderá a essas questões. Só o futuro nos dirá o quanto esse controle poderá ser exercido sem comprometer a essência da liberdade de expressão, mola mestra da Revolução Digital.


Informações Sobre o Autor

Talden Queiroz Farias

Advogado militante, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Pernambuco e em Gestão e Controle Ambiental pela Universidade Estadual de Pernambuco e mestrando em Direito Econômico pela Universidade Federal da Paraíba


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