Direito real de laje e as modificações trazidas pela Lei nº 13.465/2017

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Resumo: O presente artigo tem como objetivo um estudo sobre o direito real de laje e as modificações trazidas pela Lei nº 13.465/2017. Para bem entendermos o tema, primeiramente é necessário uma análise sobre os requisitos necessários para a instituição do direito real de laje, quais sejam, isolamento funcional e acesso independente. Em seguida, passou-se ao breve estudo sobre o contrato jurídico como fato gerador e a possibilidade de lajes sucessivas. Após, foi realizada uma diferenciação entre o direito real de laje e o condomínio. Verificou-se também o direito de preferencia na alienação da laje, bem como a situação da laje em face da ruina da construção base. Por fim, analisou-se os aspectos registrais e processuais, com as principais alterações trazidas pela Lei nº 13.465/2017.

Palavras-chave: Direito real. Direito real sobre coisa própria. Direito real de laje.

Abstract: The present article has as objective a study on the real right of slab and the modifications brought by Law nº 13.465 / 2017. In order to understand the issue, it is first necessary to analyze the necessary requirements for the institution of the real slab rights, namely, functional isolation and independent access. Then, the brief study on the legal contract as a generating fact and the possibility of successive slabs was passed. Afterwards, a distinction was made between the real right of slab and the condominium. It was also verified the right of preference in the alienation of the slab, as well as the situation of the slab in the face of the ruin of the base construction. Finally, we analyzed the registration and procedural aspects, with the main changes brought by Law 13,465 / 2017.

Keywords: Real right. Real right over own thing. Right of slab.

Sumário: Introdução. 1. Dos requisitos para instituição do direito real de laje. 2. O contrato como fato jurídico gerador do direito. 3. Da possibilidade de lajes sucessivas. 4. Do direito real de laje e condomínio. 5. Do direito de preferência na alienação da laje. 6. Da situação do direito de laje em face da ruína da construção-base. 7. Dos aspectos registrais. 8. Das aspectos processuais. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O Direito Real de Laje decorre de uma situação histórica e real na vida de muitos brasileiros. Por falta de condições financeiras de adquirir um imóvel próprio, filhos e filhas acabam construindo seus "imóveis" em laje do imóvel de seus pais, conhecido popularmente como "puxadinho".

Para as famílias que residem ali, é certo que há “duas casas", separadas e individualizadas, dentro de um único imóvel. No entanto, por muito tempo o ordenamento jurídico brasileiro não reconhecia estes direitos. A situação social e jurídica, nestes casos, não tinha solução prática definida em lei.

Buscando regularizar esta situação, em 22/12/2016 foi publicada a Medida Provisória 759, a qual dispunha sobre a regularização fundiária rural e urbana, incluindo o direito real de laje.

Por sua vez, a Medida Provisória 759 foi convertida na Lei nº 13.465/2017, no qual o instituto do direito real de laje foi aprimorado e introduzido no Código Civil Brasileiro.

A Lei nº 13.465/2017 introduziu alterações significativas no Código Civil, na Lei de Registros Públicos e no Código de Processo Civil, as quais veremos no decorrer desse artigo.

1 DOS REQUISITOS PARA INSTITUIÇÃO DO DIREITO REAL DE LAJE

O direito real de laje trata-se de direito real exercido sobre a unidade imobiliária autônoma sobrelevada, erigida sobre a construção original, de propriedade de outrem, conforme descreve o artigo 1510-A do Código Civil:

“Art. 1.510-A. O proprietário de uma construção-base poderá ceder a superfície superior ou inferior de sua construção a fim de que o titular da laje mantenha unidade distinta daquela originalmente construída sobre o solo”.

Neste caso, não se trata de uma propriedade, pois o direito ali exercido não é na coisa própria. Trata-se, portanto, de direito real sobre coisa alheia, uma vez que a laje esta limitada a construção original, de propriedade de outrem.

Assim, este novo direito real somente será admitido se preencher os seguintes requisitos:

O isolamento funcional, ou seja, a unidade imobiliária da laje devera estar isolada da construção original. Segundo, o acesso independente, como por exemplo uma escada exclusiva para acesso a unidade imobiliária da laje. Neste caso, a lei refere-se ao acesso independente em face do proprietário da construção original, localizado abaixo.

2 O CONTRATO COMO FATO JURÍDICO GERADOR DO DIREITO

A parte final do artigo 1.510-C, do Código Civil, incluído pela Lei nº 13.465/17, caput, parte final, faz referência ao “contrato”, como fato jurídico gerador do direito da laje.

“Art. 1.510-C. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato.”

No entanto, conforme anotou Stolze (2017), o direto da laje também pode ser adquirido por meio da usucapião:

Por fim, interessante serão os reflexos do novo regramento no Direito de Família, na medida em que não é incomum o titular da construção original ceder a unidade sobrelevada a um parente, que passa a exercer direito sobre a unidade autônoma.

Dependendo da circunstância, poderá, até mesmo, operar-se a aquisição do direito real de laje por usucapião, observados os requisitos legais da prescrição aquisitiva.

E mesmo que a cessão seja gratuita, a título de comodato, se o cessionário passa a se comportar como titular exclusivo da laje, alterando o seu ‘animus’ e a própria natureza da posse precária até então exercida, poderá, em nosso sentir, consolidar o seu direto sobre a construção sobrelevada (direito real de laje), mediante usucapião, contando-se o prazo de prescrição a partir do momento em que deixa de se comportar como simples comodatário, por aplicação da regra da 'interversio possessionis’.

Desta forma, sendo o contrato omisso quanto a proporção das despesas a serem arcadas pelo proprietário do imóvel e o proprietário da laje, ou então caso a laje tenha sido adquirida por usucapião, caberá ao juiz dirimir tais conflitos, quando não haver composição extrajudicial.

Quanto ao §2º do citado artigo 1510-C, o qual prevê que “É assegurado, em qualquer caso, o direito de qualquer interessado em promover reparações urgentes na construção na forma do parágrafo único do art. 249 deste Código”, escrevem Stolze e Pamplona Filho (2017):

Atento a isso, o Código Civil admite a possibilidade de o fato ser executado por terceiro, havendo recusa ou mora do devedor, nos termos do seu art. 249:

“Art. 249. Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.

Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido'.”

Comentando esse dispositivo, concernente às obrigações fungíveis, SILVIO VENOSA pontifica:

'É interessante notar que, no parágrafo único, a novel lei introduz a possibilidade de procedimento de justiça de mão própria, no que andou muito bem. Imagine-se a hipótese de contratação de empresa para fazer a laje de concreto de um prédio, procedimento que requer tempo e época precisos. Caracterizada a recusa e a mora, bem como a urgência, aguardar uma decisão judicial, ainda que liminar, no caso concreto, poderá causar prejuízo de difícil reparação'.

Assim, poderá o credor, independentemente de autorização judicial, contratar terceiro para executar a tarefa, pleiteando, depois, a devida indenização, o que, se já era possível ser admitido no sistema anterior por construção doutrinária, agora se torna norma expressa.

Desta forma, não dúvidas quanto à constituição do direito real de laje por meio de contrato.

3 DA POSSIBILIDADE DE LAJES SUCESSIVAS

A Lei nº 13.465/2017 colocou fim a vedação que a Medida Provisória nº 759/2016 trazia em seu texto, referente à abertura de lajes sucessivas, ou seja, que impedia “sobrelevações sucessivas”.

Em estudo sobre o tema, Stolze (2017) criticava a restrição imposta:

Além disso, dada a autonomia registral que lhe foi conferida, o § 5º da MP admitiu ainda a alienação da laje: ‘as unidades autônomas constituídas em matrícula própria poderão ser alienadas e gravadas livremente por seus titulares, não podendo o adquirente instituir sobrelevações sucessivas, observadas as posturas previstas em legislação local’.

Um ponto, aqui, nos despertou atenção.

Temos certa dúvida quanto ao alcance e constitucionalidade deste dispositivo, na perspectiva do princípio da função social, no que tange à vedação de extensões ou lajes sucessivas.

Uma vez que o legislador cuidou de conceder dignidade legal ao direito sobre a laje, desde que as limitações administrativas e o Plano Diretor sejam respeitados, sobrelevações sucessivas, regularmente edificadas, mereceriam, talvez, o amparo da norma.

Fica o convite à reflexão.

O artigo 1.510-A, em seu § 6º, do Código Civil acolhe expressamente a essa possibilidade, alinhando a legislação brasileira a realidade pratica que de fato ocorre no país.

“Art. 1.510-A. […]

§ 6o O titular da laje poderá ceder a superfície de sua construção para a instituição de um sucessivo direito real de laje, desde que haja autorização expressa dos titulares da construção-base e das demais lajes, respeitadas as posturas edilícias e urbanísticas vigentes.”

O que o §6º consiste em abertura de novo direito real de laje, que pode ocorrer de cessão da superfície da unidade para edificação da laje quanto por cisão. Portanto, não se trata de alienação de um direito real já existente, conforme pactua o artigo 1510-D.

4 DO DIREITO REAL DE LAJE E CONDOMÍNIO

O artigo 1.510-C do Código Civil, em seu caput, determina que se apliquem as regras relativa ao condomínio edilício à edificação da laje, no que couber.

Art. 1.510-C. Sem prejuízo, no que couber, das normas aplicáveis aos condomínios edilícios, para fins do direito real de laje, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes que sirvam a todo o edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum serão partilhadas entre o proprietário da construção-base e o titular da laje, na proporção que venha a ser estipulada em contrato.

Com isso, a lei quis estabelecer um conjunto de deveres comuns à todas as edificações ali existente, utilizáveis por todos os habitantes, conforme demonstra o §1º do mesmo artigo.

“Art. 1.510-C. […]

§ 1o São partes que servem a todo o edifício

I – os alicerces, colunas, pilares, paredes-mestras e todas as partes restantes que constituam a estrutura do prédio

II – o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso exclusivo do titular da laje

III – as instalações gerais de água, esgoto, eletricidade, aquecimento, ar condicionado, gás, comunicações e semelhantes que sirvam a todo o edifício; e

IV – em geral, as coisas que sejam afetadas ao uso de todo o edifício.”

Assim, conclui-se que a laje não se confunda com o regime de condomínio, sendo aplicadas apenas algumas normas deste na medida em que diversas pessoas compartilharão uma mesma estrutura física básica.

5 DO DIREITO DE PREFERÊNCIA NA ALIENAÇÃO DA LAJE

Para as edificações que possuem direito de laje, em caso de alienação, existe o direito de preferencia ao titulares demais titulares.

O direito de preferencia esta previsto no artigo 1.510-D do Código Civil, o qual estabelece uma ordem preferencial, com o titular da construção-base ocupando a primeira posição.

“Art. 1.510-D. Em caso de alienação de qualquer das unidades sobrepostas, terão direito de preferência, em igualdade de condições com terceiros, os titulares da construção-base e da laje, nessa ordem, que serão cientificados por escrito para que se manifestem no prazo de trinta dias, salvo se o contrato dispuser de modo diverso.

§ 1o O titular da construção-base ou da laje a quem não se der conhecimento da alienação poderá, mediante depósito do respectivo preço, haver para si a parte alienada a terceiros, se o requerer no prazo decadencial de cento e oitenta dias, contado da data de alienação.

§ 2o Se houver mais de uma laje, terá preferência, sucessivamente, o titular das lajes ascendentes e o titular das lajes descendentes, assegurada a prioridade para a laje mais próxima à unidade sobreposta a ser alienada. “

Neste caso, o legislador visa estimular que as lajes sejam apropriadas apenas por uma pessoa, por isso a previsão legal de preferência aos titulares da construção base. Já para os casos de expropriação judicial do bem, foi introduzido os incisos X e XI no artigo 799 do Código de Processo Civil, no qual se exige a intimação dos titulares das unidades sobrepostas e da construção-base no caso de penhora.

6 DA SITUAÇÃO DO DIREITO DE LAJE EM FACE DA RUÍNA DA CONSTRUÇÃO-BASE

O artigo 1.510-E do Código Civil traz a regra quanto a situação de ruína da construção-base e do consequente perecimento do imóvel sobre o qual incide o direito de laje:

“Art. 1.510-E. A ruína da construção-base implica extinção do direito real de laje, salvo:

I – se este tiver sido instituído sobre o subsolo;

II – se a construção-base não for reconstruída no prazo de cinco anos.

Parágrafo único. O disposto neste artigo não afasta o direito a eventual reparação civil contra o culpado pela ruína. “

Portanto, ocorrendo a extinção do direito real de laje havendo a ruína da construção-base sem reedificação em 5 anos, respondendo civilmente os responsáveis pela ruína.

7 DOS ASPECTOS REGISTRAIS

Conforme relatamos nos tópicos acima, o §3º do artigo 1510-A do Código Civil, prevê que deverá ser aberta uma matricula própria para o direito real de laje.

Neste sentido, foi que a Lei nº 13.465/2017, alterou a redação do artigo 176 da Lei de registro publico para nele incluir-se o §9º:

“§ 9o A instituição do direito real de laje ocorrerá por meio da abertura de uma matrícula própria no registro de imóveis e por meio da averbação desse fato na matrícula da construção-base e nas matrículas de lajes anteriores, com remissão recíproca. “

A matricula própria consiste em ter uma numeração de registro original, ou seja, é o primeiro número de registro do imóvel. Assim, a cada alienação o imóvel receberá um novo numero de registro, mantendo o numero de registro original.

Gonçalves relate que:

“[…] é qualquer anotação feita à margem de um registro, para indicar as alterações ocorridas no imóvel, seja quanto a sua situação física (edificação de uma casa, mudança de nome de rua) seja quanto à situação jurídica do seu proprietário (mudança de solteiro para casado, p. ex.)”

Portanto, se o Direito Real de Laje não fosse um direito real sobre coisa própria, ou seja, fosse um direito real sobre coisa alheia, ele não poderia gerar uma matrícula própria, como de fato está previsto na legislação.

8 DAS ASPECTOS PROCESSUAIS

A Lei nº 13.465/2017 também introduziu os incisos X e XI no artigo 799 do Código de Processo Civil de 2015.

“Art. 799. Incumbe ainda ao exequente:

X – requerer a intimação do titular da construção-base, bem como, se for o caso, do titular de lajes anteriores, quando a penhora recair sobre o direito real de laje;

XI – requerer a intimação do titular das lajes, quando a penhora recair sobre a construção-base.”

O artigo 799 do Código de Processo Civil esta inserido em um conjunto de normas voltadas para a proteção de terceiros, tanto que dele também fazem parte os artigo 804 e 889 do mesmo código.

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, concluímos o aprimoramento do Direito Real de Laje trazido pela Lei nº 13.465/2017 trouxe uma evolução para o ordenamento jurídico brasileiro, bem como dignidade humana e legal aos milhares de brasileiros viviam num vácuo normativo habitacional.

Porém, tais mudanças apesar de trazerem muitos avanços, de fato sozinhas não mudarão a realidade habitacional do país que necessita de políticas públicas mais eficazes.

 

Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 05 de Outubro 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 09 nov. 2017.
BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6015compilada.htm>. Acesso em: 14 nov. 2017.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 09 nov. 2017.
BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 14 nov. 2017.
BRASIL. Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13465.htm#art55>. Acesso em: 14 nov. 2017.
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO. Manual de Direito Civil. São Paulo: Saraiva. 20-17, pág. 236.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro – Direito das Coisas – Vol. 5. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 309.
STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4936, 5 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54931>. Acesso em: 12 jul. 2017

Informações Sobre os Autores

Kamila Gabriely de Souza Gomes

Advogada. Graduada em Direito pelo Centro Universitário UNIFAFIBE. Pós Graduada em Direito Previdenciário pela Universidade Anhanguera UNIDERP. Pós Graduando em Seguridade Social e Direito Público pela Faculdade Legale e Universidade Cândido Mendes

Joseval Martins Viana

Graduado em Letras e em Direito. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie