Direito Sucessório das Famílias Simultâneas à Luz da Jurisprudência Brasileira

Autoras: Anna Jessyca Nunes Texeira Couto – Acadêmica de Direito do Centro Universitário Uninovafapi, (E-mail: [email protected]);

Luana Cristina Rodrigues da Rocha – Acadêmica de Direito do Centro Universitário Uninovafapi, (E-mail: [email protected]);

Orientadora: Vanessa de Pádua Rios Magalhães – Mestre em Direito pela universidade Católica de Brasília. Professor da Faculdade de Saúde, Ciências Humanas e Tecnológicas do Piauí- UNINOVAFAPI; Professora na Pós graduação da Escola do Judiciário do Piauí – ESMEPI; Professora na Pós-graduação da ALEPI – Assembléia Legislativa do Estado do Piauí; Professora na Pós-graduação da ESA – Escola Superior da Advocacia do Piauí e Consultora Jurídica no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. (E-mail: [email protected])

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Resumo: O presente artigo tratou sobre os direitos sucessórios das famílias simultâneas. A instigação da pesquisa centrou-se em abordar o conceito de família simultânea no ordenamento jurídico e como esta se aplica nas relações sucessórias no direito de família. Para responder a problemática em questão, valeu-se de uma revisão bibliográfica, a partir do estudo da doutrina, da lei e de jurisprudência de Tribunais Superiores. Constatou-se que as famílias simultâneas são o centro da discussão entre o princípio da monogamia e o princípio da afetividade na construção de novos modelos familiares.  Percebeu-se que os Tribunais pátrios não possuem um entendimento uníssono e concretizado quanto aos direitos decorrentes de um provável reconhecimento das uniões paralelas. Mas, não há dúvida que a ocorrência destas uniões é uma realidade inquestionável, da qual decorre a necessidade de se abrigar, no âmbito do direito de família a possibilidade das uniões paralelas receberem o reconhecimento jurídico de uniões estáveis e não somente sociedade de fato no âmbito obrigacional.

Palavras-chave: Famílias. Simultâneas. Sucessão.

 

Abstract: This article dealt with the succession rights of simultaneous families. The instigation of the research focused on addressing the concept of simultaneous family in the legal system and how it applies in succession relations in family law. To answer the problem in question, a bibliographic review was made, based on the study of the doctrine, law and jurisprudence of the Superior Courts. It was found that simultaneous families are the center of the discussion between the principle of monogamy and the principle of affectivity in the construction of new family models. It was noticed that the Brazilian Courts do not have a unified and concrete understanding of the rights resulting from a probable recognition of parallel unions. But, there is no doubt, that the occurrence of these unions is an unquestionable reality, which results in the need to shelter, within the scope of family law, the possibility of parallel unions receiving the legal recognition of stable unions, and not only de facto society , at the mandatory level.

Keywords: Families. Simultaneous. Successio.

 

Sumário: Introdução. 1. FAMÍLIA: evolução histórica das várias acepções do termo família. 1.1 Modalidades de família: a família matrimonial e a família formada na união estável. 2. AS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS OU PARALELAS. 2.1 Princípios da monogamia. 2.2 O princípio da afetividade na construção de novos modelos familiares. 3 DIREITOS SUCESSÓRIOS DAS FAMÍLIAS SIMULTÂNEAS NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA. 3.1 Julgados acerca do reconhecimento da simultaneidade familiar para fins de direito sucessório. Considerações finais. Referências.

 

Introdução

Com o advento da Constituição Federal de 1988 ocorreram significativas transformações no direito de família, principalmente no que concerne às diferentes entidades familiares. Exclui-se a expressão “constituída pelo casamento” que adjetivava o vocábulo “família” no artigo 175 da Constituição pretérita, sem a substituir por qualquer outra, abrindo a possibilidade para se reconhecer diversos modelos de família.

Contudo, embora a legislação tenha evoluído na tentativa de acompanhar as variações na sociedade ao longo de toda trajetória histórica, em se tratando de direito de família ainda há muito que se discutir, pois fica claramente demonstrado que a legislação não dá conta das constantes modificações sociais.  Prova disso são as famílias simultâneas constituídas por relações paralelas ao casamento ou a união estável.

Portanto, o objetivo desta pesquisa é averiguar a hipótese de reconhecimento no que tange às famílias paralelas, bem como os efeitos sucessórios desta entidade familiar, haja vista que essa configuração familiar não apresenta legislação inerente.

É nessa perspectiva que se insere este trabalho. Objetiva-se o desenvolvimento de um estudo acerca do instituto da família simultânea, abrangendo fundamentos históricos e a principiologia a ela aplicada. Por fim, intenta-se focar na interpretação realizada pelos Tribunais pátrios acerca das famílias simultâneas, a fim de se analisar o embasamento jurídico utilizado pelos julgadores diante da divergência do tema.

Desta forma, no primeiro capítulo do presente trabalho, procura-se comentar, brevemente, sobre o instituto e a evolução da família no direito de família brasileiro, bem como o demonstrar o atual estágio do pluralismo das entidades familiares. Neste capítulo aborda-se também o casamento, a união estável e o concubinato, demonstrando suas características e peculiaridades.

O segundo capítulo retrata acerca das famílias simultâneas ou paralelas, estabelecendo conceitos por meio da doutrina, bem como demonstrando suas características. Ainda neste capítulo, busca-se analisar as diferentes correntes doutrinárias existentes e a dicotomia entre o princípio da afetividade e da monogamia, que permeiam esse instituto.

No terceiro e último capítulo, busca-se investigar, mediante análise da jurisprudência, como os tribunais pátrios posicionam-se sobre os direitos sucessórios nas famílias paralelas e em quais fundamentos embasam suas decisões.

O método de abordagem utilizado no desenvolvimento da pesquisa é o dedutivo, demonstrando-se uma pesquisa essencialmente teórica, ou seja, através de levantamento doutrinário se propõe a análise de princípios e estudos jurisprudenciais, dados e informações que visem identificar de que modo o tema das famílias simultâneas tem sido tratado nos juízos de família do país.

Por fim, cumpre ressaltar que este estudo não tem a pretensão de esgotar o tema proposto, mas sim de fornecer uma visão sobre a simultaneidade de relações familiares, especialmente no que concerne à sua análise pelos juízos pátrios.  

 

1 FAMÍLIA: evolução histórica das várias acepções do termo família

A família é o lugar onde o homem se encontra inserido por nascimento ou adoção e nela desenvolve sua personalidade. O conceito de família ao longo do tempo sofreu inúmeras transformações, não sendo possível delinear um conceito fixo para a noção de família, isso decorre da possibilidade de coexistirem múltipos conceitos para o tema em questão os quais podem se desenvolver sob diferentes pontos de vista, tais como: o religioso, o político, o social, o antropológico e o jurídico.

Na evolução histórica da família, além da família tradicional, formada pelo casamento, a introdução de novos costumes e valores, a internacionalização dos direitos humanos, a globalização, o respeito ao ser humano, tendo em vista sua dignidade e os direitos inerentes à sua personalidade, impôs o reconhecimento de novas modalidades de família formadas na união estável, no concubinato, na monoparentalidade, na homoafetividade e nos estados intersexuais. (MALUF, 2010).

Segundo Ferrarini (2010, p.78) “ A família, fundada no casamento, não é mais a única consagrada pelo direito brasileiro. A Constituição de 1988 trouxe outras entidades familiares, como a família monoparental e reconheceu a união estável como entidade familiar”.

Portanto, afirma-se que a família ao decorrer dos anos assumiu diferentes formas, mutacionando-se conforme valores adotados pela sociedade, de acordo com o tempo e o espaço em que se encontra. Sendo assim, notável é a sua importância para o direito de família brasileiro, pois não há um entendimento uníssono quanto à noção de família.

Nos ditames de Gonçalves (2017, p.17-18) o vocábulo família “abrangeria pessoas tanto ligadas por sangue, ou seja, decorrentes de um tronco ancestral comum, bem como pessoas ligadas pela afinidade ou adoção. Dessa forma, compreenderia os cônjuges, companheiros e demais parentes”.

Para Venosa (2006, p.2) assevera que família “em um conceito amplo é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar, e em conceito restrito, compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder”.

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Sob outro enfoque, Diniz (2005, p.132) denota que amplamente a família “compreende todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos”, entretanto, no sentido restrito a família “seria formada apenas pelo laços do matrimônio e da filiação”.

Diante dessas concepções doutrinárias pode-se afirmar que a família é a conjunção de indivíduos ligados entre si por laços sanguíneos ou afetivos. Porém, demonstra-se imperioso ressaltar que esse conceito está em constante evolução e muito varia em um mesmo período.

A sociedade se desenvolve de acordo com o momento histórico, e a família dentro do conceito jurídico, segundo Gaiotto Filho (2013, p.1) “ foi um dos organismos que mais sofreu alterações, justamente em virtude da mutabilidade natural do homem”.

O instituto familiar não possui um conceito definitivo e específico, sendo baseado mediante valores sociais que variam com a concepção vivida por cada indivíduo em épocas distintas. Estes valores se modificam então com o decurso do tempo, fazendo com que diversos fatores influenciem na definição de família bem como nos novos modelos familiares, que serão explanados nos tópicos seguintes.

Diante dessas transformações sociais e culturais, o conceito de família passou por diversas mudanças que foram se adaptando à nossa realidade, pois juntamente com esta evolução, os nossos institutos jurídicos também foram evoluindo de forma que a família tradicional reconhecida pelo casamento recebeu outras formas, como união estável (art. 226, § 3º CF) e a família monoparental (art. 226, § 4º CF) já adotadas pela Constituição Federal de 1988, assim como a doutrina e a jurisprudência já reconhece esse tipo de união. Outro tipo de família que também foge da tradicional é a homoafetiva que é construída com intuito de constituir família baseada no laço afetivo e na liberdade da sexualidade. No entanto, o presente artigo não adentrará nas peculiaridades destas novas entidades familiares.

 

1.1 Modalidades de família: a família matrimonial e a família formada na união estável

A família pode ser constituída através do vínculo matrimonial, biológico e afetivo, o que acarreta na formação de diversos arranjos familiares. Dessa forma, este capítulo abordará as diferenças entre as famílias constituídas por meio do casamento, da união estável e das relações extraconjugais. Destaca-se que não é objeto do presente trabalho tratar das peculiaridades presentes em cada instituto, e sim conceituar de forma breve cada um.

A primeira espécie de família a ser abordada é a decorrente do matrimônio, que por muito tempo foi considerado como o único instituto gerador da família.  Duas teorias se formam: a primeira aponta ser o casamento o principal vínculo de família. Os adeptos desta corrente apontam que os artigos 226, §1º e 2ª da Constituição Federal de 1988, privilegiam o casamento. Por outro lado, a segunda corrente, defendendo o princípio da isonomia entre os vínculos familiares, estabelece ser o casamento apenas uma das formas de família. Com fundamento nos artigos 5º e 226 da CF, bem como no projeto do Estatuto das Famílias (SOUZA, 2009).

Para Pontes de Miranda (2001, p.85) o casamento pode ser definido como sendo “o contrato de direito de família que regula a união entre marido e mulher. A regulamentação social do instituto de reprodução”.

De acordo com os ensinamentos de Lôbo (2011, p. 99) o casamento é “ um ato jurídico negocial solene, público e complexo, mediante o qual um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado”.

O matrimônio estabelece algumas obrigações de ambos os cônjuges, previstas no Código Civil de 2002, em seu artigo 1.566: “ O dever de fidelidade recíproca; a vida em comum, no domicílio conjugal; mútua assistência; sustento guarda e educação dos filhos e respeito e consideração mútua” (BRASIL, 2002).

O Código Civil de 1916 somente reconhecia e normatizava a família considerada legítima àquela que se constitui a partir do matrimônio, garantindo aos que a compõem a titularidade no tocante a direitos e obrigações. Neste sentido, apenas os filhos concebidos através do casamento eram considerados filhos legítimos, havendo assim, a descriminação com os demais filhos não concebidos na constância da relação conjugal. Com o advento da Lei nº 6.515 de 1977, a dissolução do vínculo conjugal pelo divórcio foi permitida, os filhos ilegítimos passaram ser considerados como titulares de direitos. Tal dispositivo trouxe importante inovação no sentido de qualquer que seja o estado civil do genitor (a) há a possibilidade de reconhecimento da filiação (CALDERAN, 2011,).

Nas palavras de Pereira (2005, p. 53) “ O casamento é uma das diversas e variadas formas de convivência afetiva, através da união de duas pessoas realizando uma integração fisiopsíquica”.

A própria estrutura basilar da família formada no casamento alterou-se com o passar dos tempos. Importante destacar que o casamento não é a única forma de constituição de família, mas apenas uma modalidade pela união formal e solene, estabelecendo uma comunhão de vida. A ideia de família traçada apenas pela sacramentalização do casamento, aos poucos vai cedendo lugar às relações advindas dos laços afetivos.

Pode-se aferir, portanto, inicialmente que a lei tutelava apenas a família constituída pelo casamento, vedando direitos às outras formas de arranjos familiares. Posteriormente, com a Constituição de 1988, maleabilizou-se o entendimento do que seria uma entidade familiar, não a limitando ao casamento. Também é relevante observar que há muito o legislador deveria ter reconhecido outras formas de arranjos familiares, justamente porque elas não deixam de existir por não estarem previstas no ordenamento jurídico, tão pouco, por reconhecer somente aquelas constituídas pelo matrimônio.

A associação de família ligada exclusivamente ao casamento representa uma tendência de pensamento cultural. É a reprodução do que vivemos até então. Mas a sociedade mudou, tanto é que no ordenamento jurídico pátrio atual, a família pode ser constituída de outras formas, como a união estável, a família monoparental e tantos outros arranjos implícitos constitucionalmente.

A segunda espécie de família a ser tratada neste capítulo é a entidade familiar constituída a partir da união estável, que anteriormente não era regulada pela legislação pátria, pois aos vínculos afetivos mantidos fora do casamento, eram negados quaisquer consequências jurídicas. Mas, como afirma Dias (2013, p.45) “ A lacuna normativa não impediu o surgimento de relacionamentos sem o respaldo legal”.

A Constituição Federal de 1988, sendo assim, deu guarida às novas formações afetivas, incluindo a união estável no conceito de entidade familiar, por meio do artigo 226, § 3º.

O Código Civil de 2002, também legitimou a inclusão da união estável no ordenamento jurídico ao dispor por meio do art. 1.723 que: “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Portanto, com a simples leitura do artigo acima citado, torna-se possível a identificação de quatro elementos caracterizadores da união estável, sendo eles:

  1. Publicidade: “ é um dos elementos essenciais para a configuração da união estável. O casal deve manter uma convivência pública, sendo reconhecidos socialmente como uma família” (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2014, p.52).
  2. Continuidade: “ para sua configuração se faz necessário o animus de permanência e definitividade. A união estável não se coaduna com a eventualidade” (CAMARGO, 2014, p.54).
  3. Estabilidade: “ se apresenta através da convivência duradoura, isto é, os sujeitos, mantêm uma relação estável, firme e resistente”. (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2014, p.52).
  4. Objetivo de constituição de família: “identificado como principal elemento caracterizador, pois ausente a finalidade imediata de constituição familiar, a estrutura do núcleo se desfaz igualando-se a instabilidade de um namoro” (CAMARGO, 2014, p.55).

Não obstante, caso falte algum elemento, não significa que esteja descaracterizada a união estável. Pode-se dizer, inclusive, que houve uma evolução legislativa com o art. 1.723, do Código Civil de 2002, visto que o artigo eliminou a questão temporal, a delimitação de um tempo rígido para a caracterização da união estável, como fazia a Lei n. 8.971/94.

Ademais é importante ressaltar a diferença entre concubinato e união estável. Nas palavras de Veloso (2003, p.155) “ a união estável é uma relação afetiva qualificada, espiritualizada, aberta, franca, exposta, assumida, constitutiva de família; o concubinato, em regra é clandestino, velado, desleal e impuro”. O legislador optou por dar uma definição legal ao concubinato para retirar da união estável o estigma do preconceito, por meio do artigo 1.727 do Código Civil (BRASIL, 2002) assim define: “ Que as relações não eventuais entre homem e a mulher impedidos de casar, constituem concubinato”.

Pode-se concluir que a família formada pela união estável representa um processo natural da mutação da sociedade através dos aspectos históricos, legitimada na realidade brasileira, e que hoje encontra respaldo constitucional, permitindo que o homem possa escolher a configuração familiar que melhor lhe convier.

Portanto, nota-se que o matrimônio não é exclusivamente a base da formação da família, outras formas de configuração familiar surgem ao longo do tempo, uma delas são as chamadas famílias simultâneas ou paralelas, que serão abordadas no capítulo seguinte.

 

2 As famílias simultâneas ou paralelas

A caracterização da simultaneidade familiar leva em consideração a condição de alguém que se coloca como integrante de duas ou mais entidades familiares diversas entre si, ao mesmo tempo. Trata-se de uma pluralidade concomitante de núcleos diversos que possuem, no entanto, um componente em comum. (RUZYK, 2005). Ou seja, família paralela é aquela que se opõe ao princípio da monogamia, a qual um dos cônjuges participa, paralelamente a primeira família, como cônjuge de outra(s) família(s).

Segundo Schreiber (2009, p.241) deve ser reconhecida como entidade familiar toda aquela que preencha os requisitos da “afetividade, estabilidade e ostensibilidade, incluindo-se, aqui, as famílias simultâneas que atendam a esses requisitos, uma vez que negar efeitos jurídicos a uma realidade tão evidente atenta contra toda a evolução mais recente do direito de família”.

Lobo (2011, p.70-72) ensina que as uniões concomitantes “ são compostas por algumas prerrogativas básicas- o afeto, que é princípio basilar das entidades familiares, solidez da relação afetiva- sendo excluídas meras relações momentâneas e sem compromisso”. O autor ainda refere que, para o reconhecimento das uniões paralelas, “não se mostra necessário comprovação temporal de sua existência, mas, sim, de uma duração razoável para que se possa consolidar o vínculo afetivo existente, passando, assim, a conviver como se fossem casados.”

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Segundo Dias (2007, p.49) entende-se por família simultânea a manutenção de “uma entidade familiar paralelamente à existência de um casamento ou a uma união estável. Podendo ser constituída de duas formas: duas uniões estáveis ou um casamento e uma união estável, desde que haja concomitância em ambas”.

Existem correntes doutrinárias que posicionam opiniões divergentes em relação às famílias simultâneas. No entanto, esses posicionamentos não são pacíficos, tampouco unânimes, havendo divergências nas decisões dos Tribunais, alguns negam efeitos familiares às uniões concubinárias, já outros levam em conta o caráter afetivo das relações familiares para enquadrar as uniões paralelas no âmbito do Direito das Famílias, como será explanado adiante.

Antes de adentrar a possibilidade de reconhecimento das famílias simultâneas pelos Tribunais pátrios, importante ressaltar a diferença que existe entre o concubinato e famílias simultâneas. De acordo com Laragnoit (2015, p. 26) “o concubinato é um relacionamento que envolve uma pessoa casada, que infringe o dever de fidelidade, sendo reconhecido como adulterino, e a concubina, amante do cônjuge, normalmente tem ciência do matrimônio deste último”. Enquanto nas famílias simultâneas, a autora ensina que “o indivíduo possui obrigações iguais que tem com a primeira família, sendo que este constituiu uma entidade familiar distinta da primeira e, muitas vezes, uma família não tem ciência da existência da outra”.

Em relação ao concubinato, a doutrina brasileira ainda o classifica em duas espécies: puro e impuro. A primeira espécie é a união formada entre duas pessoas (solteiras, separadas ou viúvas) que não possuem impedimentos para casarem-se formalmente, portanto, trata-se de uma união estável, reconhecida pelo atual texto constitucional. A segunda espécie é a união entre pessoas que estão impedidas de formalizar enlace matrimonial, posto que o casamento de um dos concubinos ainda está em vigor, ou seja, presume-se a concomitância entre duas uniões estáveis ou entre uma união estável e um casamento já constituído. (COSTA, 2015).

A distinção ora mencionada restou superada em face do que dispõe o art. 1.727 do Código Civil (BRASIL, 2002) “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato”. Portanto, hoje a expressão concubinato ocupa-se apenas do tipo impuro, que designa o relacionamento de pessoas que infringem o dever de fidelidade.

Diante das concepções doutrinárias acima citadas, cumpre analisar, portanto, os princípios contraditórios que regem a simultaneidade familiar, quais sejam, o princípio da monogamia e o princípio da afetividade.

 

2.1 Princípio da monogamia

A maior problemática em torno do reconhecimento das famílias simultâneas diz respeito ao instituto da monogamia, que nas palavras de Lima Filho (2015, p.01) “proíbe o matrimônio com mais de uma pessoa e determina que haja fidelidade recíproca do homem com a esposa e vice-versa”. Dessa forma se demonstra que por meio deste princípio é imposto que todas as relações de afeto sejam realizadas com apenas um cônjuge.

Existe uma divergência doutrinária quanto ao reconhecimento da monogamia como princípio ou valor. A partir dessa premissa, importa distinguir princípio de valor. De acordo com Bobbio, “ os princípios são normas generalistas, isto é, são normas mais gerais do sistema e contém o espírito que paira sobre todas as leis, cuja origem pode ser identificada, inclusive como uma norma fundamental.” Em contraponto, no tocante ao termo valor, o autor afirma que este “adentra-se mais profundamente na seara do subjetivismo, dessa forma, no plano da conduta moral o homem tende a ser o legislador de si mesmo.” (2006, p. 27-28).

Pianovski (2005, p. 198) rebate a ideia de que a monogamia seja um princípio do Direito de Família, mas a entende como uma “regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, não sendo da competência do Estado realizar juízos prévios e gerais de reprovabilidade de relações plúrimas.

Em consonância com o entendimento acima citado, Oliveira (2015, p.24) reforça este pensamento ao ensinar que “a monogamia não representa um princípio jurídico, mas, mera regra moral chancelada pelo direito, tendo em vista não a encontramos nem na Constituição Federal nem em qualquer outro diploma infraconstitucional”.

Dias (2007, p.198) defende que “ não se pode considerar a fidelidade como um dever jurídico, mas sim como uma opção disponível para cada pessoa que se dispõe a conviver com outra, podendo ser exercitável ou não, de modo que a união estável tem como requisito a lealdade e não a fidelidade”.

Em contrapartida Pereira (2005, p.106) percebe a monogamia como “ o princípio básico e organizador das relações jurídicas da família, principalmente no mundo ocidental, funcionando como ponto-chave das conexões morais das relações amorosas e conjugais.”

Em que pese essa discussão principiológica é possível encontrar a monogamia expressamente no texto legal brasileiro. No Código Civil (BRASIL, 2002) por exemplo,  segundo o artigo 1.566, inciso I, a fidelidade recíproca é dever dos cônjuges, o artigo 1.724 demonstra que a lealdade como dever entre companheiros em união estável, o impedimento para o casamento de pessoas casadas encontra-se previsto no artigo 1.521, inciso VI. O Código Penal (BRASIL, 1940)  por meio do artigo 235, considera crime de bigamia contrair novo casamento aquele que já é casado.

Diante disso, é possível afirmar que a monogamia encontra-se presente no ordenamento jurídico brasileiro, seja como valor ou princípio, os códigos acima citados demonstram que este instituto possuí fortes raízes na sociedade e na legislação. Trata-se de uma percepção importante a ser considerada, pois diante de uma nova fase da sociedade em que vários são os fatos sociais de famílias paralelas que pleiteiam uma tutela jurídica do Estado, a imposição da monogamia não é mais cabível em detrimento da dignidade da pessoa humana.

O instituto da monogamia é considerado por alguns doutrinadores como princípio constitucional, usado por este motivo, como fundamentação para o não reconhecimento das uniões paralelas existentes. Partindo dessa premissa, defende-se o posicionamento de que a monogamia deve ser interpretada como uma vertente para as relações constituídas em sociedade, e não como um comando limitador imposto a todos sem distinção.  Diante disso, quando se é negado pelo Estado o reconhecimento deste novo modelo familiar, os efeitos dessa conduta provocam desigualdades, conferindo uma invisibilidade das famílias paralelas existentes, sob a alegação de que estas não possuem configuração ou elementos característicos de um núcleo familiar determinados pelo Estado por constarem na sua constituição um impedimento que fere a monogamia (SILVA, 2015).

Apesar da monogamia determinar muitos efeitos na esfera do direito de família, principalmente no que diz respeito ao casamento,  a sua aplicação perde cada vez mais eficácia, e da lugar ao princípio da afetividade diante da mutabilidade do conceito de família, e sua aplicação perde a eficácia, e dá lugar ao princípio da afetividade.

 

2.2 O princípio da afetividade na construção de novos modelos familiares

Em razão das modificações na estrutura familiar, faz-se necessário compreender a natureza jurídica do princípio da afetividade, demonstrando sua relevância para o direito de família. Apesar deste princípio não estar expressamente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, foi reconhecido implicitamente quando a Constituição Federal de 1988 recepcionou o princípio da pluralidade das entidades familiares. Além disso, verifica-se a sua presença no texto constitucional em diversas passagens conforme ensina Lôbo (2011, p.48):

Encontram-se na Constituição fundamentos essenciais do princípio da afetividade, constitutivos dessa aguda evolução da família brasileira, além dos referidos: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227).

 

Conforme consagra o doutrinador anteriormente citado, é possível reconhecer o princípio da afetividade por meio da adoção que se baseia por meio de laços afetivos, da igualdade entre os filhos, e principalmente no reconhecimento de novas entidades familiares. Demonstrando dessa forma que a sociedade evoluiu e o conceito de família ampliou-se, acolhendo novas formas de relacionamento que se estruturam sem a necessidade do selo matrimonial.

Para Tartuce a definição deste princípio está ligada “às relações de amor, sentimento e afeto. Sendo nesse sentido interpretado como o princípio jurídico tratado como resposta à carência de vínculos sentimentais, uma retaliação à ausência de afeto nas relações interpessoais”.

De acordo com o conceito trazido por Lôbo (2011, p. 70) “ é o princípio que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico”.

Diante da crescente evolução nas relações familiares e o declínio do modelo patriarcal, matrimonializado e patrimonialista, Lôbo (2011, p. 52) afirma que “hoje temos hoje um modelo de família eudemonista, fundado no afeto entre seus membros”. Dessa forma, nota-se que a família eudemonista é fruto de laços afetivos e da solidariedade mútua entre seus membros, e não por simples vínculos jurídicos e institucionais.

Importante ressaltar o conceito de família eudemonista, que nas palavras de Dias (2007, p. 52-53) “ é a família que tem por base o envolvimento afetivo, buscando a felicidade individual, vivendo processo de emancipação de seus membros. O eudemonismo é a doutrina que enfatiza o sentido de busca pelo sujeito de sua felicidade.”

Portanto, diante das concepções doutrinárias acerca do princípio da afetividade, nota-se, que o conceito de família modificou-se, demonstrando que seu elemento formador é o afeto, antes mesmo do que qualquer fator genético. A antiga primazia dos interesses patrimoniais deu espaço para a valorização do afeto como elemento norteador para a formação de entidades familiares. Tal reflexão justifica a busca pela tutela jurídica e reconhecimento do Estado diante de novas entidades familiares emergidas perante tais elementos.

A partir dessas considerações e delineado o princípio da afetividade, compreendemos um novo modelo familiar surgido perante as evoluções sociais com base nesse princípio: as famílias paralelas. Prontamente conceituadas no capítulo anterior, essa nova modalidade de família insurge diversas problemáticas no âmbito do direito sucessório, o que será abordado a seguir.

 

3 Direitos sucessórios das famílias simultâneas na jurisprudência brasileira

Neste capítulo, passa-se a análise dos direitos sucessórios das famílias simultâneas. Considerando todo o acima mencionado, percebe-se que as famílias simultâneas fazem parte da realidade da sociedade e por esta razão merecem obter seus direitos reconhecidos, como qualquer entidade familiar existente.

O Código Civil de 2002, não observa as relações concomitantes, deixando de prever qualquer tratamento jurídico relativo ao direito sucessório. De acordo com Dias (2013, p.91) “ deixar de reconhecer a família paralela como entidade familiar leva à exclusão de todos os direitos do âmbito do direito das famílias e sucessório ”.

No atual legislação pátria, a partilha dos bens deixados pelo de cujus pode ser realizada por meio da sucessão legítima, transmitindo os bens deixados pelo proprietário aos herdeiros legítimos, àqueles elencados no art. 1.829 do Código Civil de 2002, ou pela vontade expressa do de cujus por meio do testamento, devidamente válido e registrado.

Por força do artigo 1.801, inciso III do Código Civil, os concubinos estão excluídos “tanto da sucessão legítima, quando da testamentária, exceto no caso da sucessão testamentária, quando o testador casado, sem culpa do concubino, estiver separado de fato do cônjuge há mais de 05 (cinco) anos”. (BRASIL, 2002).

Contudo, diante da controvérsia, a súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, reconhece direitos sucessórios às famílias simultâneas, desde que os bens sejam adquiridos pelo esforço comum. Assim, (Costa, 2015, p.42) ensina que “após a morte do de cujus, haverá de ser realizado dois cálculos, o primeiro com a divisão pela meação dos bens do primeiro relacionamento, e o segundo com a divisão dos bens adquiridos pelo esforço comum, também pela meação entre os concubinos”.

Segundo Madaleno (2011, p.1090) no tocante aos efeitos sucessórios, partindo da ausência de previsão legal, “as questões que mais vêm à tona dizem respeito ao direito do concubino sobrevivente à meação do patrimônio do de cujus e, consequentemente a partilha, bem como a herança, pensão por morte e direito real de habitação”. Portanto, esse tema mostra grande controvérsia, trazendo argumentos válidos para distintos entendimentos doutrinários e jurisprudências. No presente capítulo, serão objeto de análise apenas os direitos sucessórios nas famílias simultâneas de acordo com o entendimento dos Tribunais pátrios.

 

3.1 Julgados acerca do reconhecimento da simultaneidade familiar para fins de direito sucessório

A sucessão na relação extraconjugal ainda não parece pacificada na doutrina e no ordenamento jurídico nacional. Em consulta à jurisprudência, nota-se que existem posicionamentos favoráveis ao reconhecimento de uniões estáveis simultâneas ou ditas uniões paralelas a outro vínculo preexistente de um do par, seja ele casamento ou união estável, mas a posição da maioria dos Tribunais é contrária a tal reconhecimento.  Diante disso, primeiramente serão explanadas algumas das decisões favoráveis ao reconhecimento das famílias simultâneas.

A decisão do Tribunal de Justiça do Maranhão reconheceu como união paralela ao casamento, o relacionamento entre a concubina e o de cujus que mantiveram relacionamento duradouro e público. Vejamos:

DIREITO DE FAMÍLIA. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. CASAMENTO E UNIÃO ESTÁVEL SIMULTÂNEOS. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO.

  1. Ainda que de forma incipiente, doutrina e jurisprudência vêm reconhecendo a juridicidade das chamadas famílias paralelas, como aquelas que se formam concomitantemente ao casamento ou à união estável.
  2. A força dos fatos surge como situações novas que reclamam acolhida jurídica para não ficarem no limbo da exclusão. Dentre esses casos, estão exatamente as famílias paralelas, que vicejam ao lado das famílias matrimonializadas.
  3. Para a familiarista Giselda Hironaka, a família paralela não é uma família inventada, nem é família imoral, amoral ou aética, nem ilícita. E continua, com esta lição: Na verdade, são famílias estigmatizadas, socialmente falando. O segundo núcleo ainda hoje é concebido como estritamente adulterino, e, por isso, de certa forma perigoso, moralmente reprovável e até maligno. A concepção é generalizada e cada caso não é considerado por si só, com suas peculiaridade próprias. É como se todas as situações de simultaneidade fossem iguais, malignas e inseridas num único e exclusivo contexto. O triângulo amoroso sub-reptício, demolidor do relacionamento número um, sólido e perfeito, é o quadro que sempre está à frente do pensamento geral, quando se refere a famílias paralelas. O preconceito – ainda que amenizado nos dias atuais, sem dúvida – ainda existe na roda social, o que também dificulta o seu reconhecimento na roda judicial.
  4. Havendo nos autos elementos suficientes ao reconhecimento da existência de união estável entre a apelante e o de cujus, o caso é de procedência do pedido formulado em ação declaratória.
  5. Apelação cível provida.

(Apelação Cível nº00000728-90.2007.8.10.0115/MA, Terceira Câmara Cível, Relator: Lourival de Jesus Serejo Sousa, Julgado em: 29/05/2014, Data de  Publicação: 15/07/2014).

No julgado acima citado, a apelação foi interposta com o escopo de ser reconhecida a união estável post mortem entre a apelante e o de cujus, que convivera com o mesmo durante dezessete anos.

Em seu voto o Reator Lourival de Jesus Sousa entendeu que  “as provas carreadas aos autos dão conta de que o de cujus, mesmo não estando separado de fato da esposa, manteve união estável com a autora por mais de dezessete anos”. O relator então reconheceu a constituição de ambas relações familiares.  E ainda declarou que “o termo inicial da união estável é o período em que as partes começaram a viver como se casados fossem, isto é, com affectio maritalis.” A união foi portanto reconhecida, e o pedido da apelante em participar da partilha de bens deixados pelo de cujus em concorrência com a esposa do mesmo, foi considerado plausível.

Algumas jurisprudências,vem reconhecendo os direitos sucessórios por meio do que eles chamam de triação.  Segundo Canoa (2016, p.50) “a triação é um método de partilhar os bens, no qual se verifica todo o acervo de bens da herança e divide de forma igualitária entre todas as partes das famílias paralelas”, ou seja, divide-se em três, sendo que a quota que for correspondente ao falecido será partilhado da forma disposta em lei, recebendo a cônjuge e companheira dentro dos direitos dispostos em lei. Nessa direção o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu a partilha dos bens na forma da triação, conforme se verifica:

APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO E OUTRA UNIÃO ESTÁVEL. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE. PARTILHA DE BENS. MEAÇÃO. “TRIAÇÃO “. ALIMENTOS. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união estável entre a autora e o réu em período concomitante ao seu casamento e, posteriormente, concomitante a uma segunda união estável que se iniciou após o término do casamento. Caso em que se reconhece a união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o réu. Meação que se transmuda em “triação”, pela duplicidade de uniões. O mesmo se verificando em relação aos bens adquiridos na constância da segunda união estável. Eventual período em que o réu tiver se relacionado somente com a apelante, o patrimônio adquirido nesse período será partilhado à metade. Assentado o vínculo familiar e comprovado nos autos que durante a união o varão sustentava a apelante, resta demonstrado os pressupostos da obrigação alimentar, quais sejam, as necessidades de quem postula o pensionamento e as possibilidades de quem o supre. Caso em que se determina o pagamento de alimentos em favor da excompanheira. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA

(AC: 70047754296 RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Data de Julgamento: 20/03/2013, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 22/03/2013).

 

Destaca-se no presente caso o voto da Relatora, que “o de cujus mantinha um duplo relacionamento, possuía duas famílias, devendo ser reconhecida, portanto, a união estável paralela ao casamento e, com as duas, evidenciar o affectio maritalis.”

A relatora ainda destacou em seu voto que os efeitos da união estável não decorrem do estado civil das partes, “ mas do vínculo afetivo e da natureza da relação entretida, que foi duradoura, pública e contínua com o animus de constituir uma família.” Na decisão do julgado acima mencionado a Sétima Câmara Cível além de reconhecer a existência da união simultânea, decidiu pela partilha dos bens em três partes.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu em dividir em metade do patrimônio para cada uma das mulheres que viviam com o de cujus, verifica-se:

APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. POSSIBILIDADE. A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao casamento de “papel”. Reconhecimento de união dúplice. Precedentes jurisprudenciais. Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus. Meação que se transmuda em “triação”, pela duplicidade de uniões. DERAM PROVIMENTO, POR MAIORIA, VENCIDO O DES. RELATOR.

(Apelação Cível Nº 70019387455, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 24/05/2007).

 

No julgado acima, restou demonstrado que a prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus, visto que a autora e o falecido conviveram juntos por mais de vinte e cinco anos em período concomitante ao casamento. Segundo o Relator “é dever da Constituição proteger não apenas o núcleo familiar formal, mas qualquer estrutura familiar, indiscriminadamente”.

Houve, portanto, o reconhecimento de união dúplice. E os bens adquiridos na constância da união dúplice foram partilhados entre a esposa, a companheira e o de cujus, em decorrência da duplicidade de uniões.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já proferiu julgado no sentido de que é possível a titularidade de direitos sucessórios para as famílias paralelas. Veja-se:

APELAÇÃO. UNIÃO DÚPLICE. RECONHECIMENTO. POSSIBILIDADE. Caso em que, em face de peculiaridade, resta viável reconhecer união estável mantida por pessoa casada. Reconhecimento dos réus a respeito da existência de relacionamento por mais de 20 anos, e existência de dois filhos. Presentes requisitos caracterizadores da união estável. Precedentes jurisprudenciais. NEGARAM PROVIMENTO.

(Apelação Cível nº 70039847553, Oitava Câmara Cível, Relator: Rui Portanova, Julgado em 28/04/2011).

 

O acórdão acima transcrito examinou um relacionamento que perdurou em média de vinte anos, onde foram constituídos dois filhos, de maneira paralela ao casamento. Após o falecimento do de cujus, a companheira simultânea ingressou em juízo a fim de que fosse realizado o reconhecimento de união estável. Foi comprovado nos autos que o de cujus e a convivente exerciam comunhão de vida, e ainda que era presente a dependência econômica daquela família em face do falecido. Por fim, nesse julgado, restaram-se reconhecida as duas famílias, uma vez que houve a manutenção de ambas de forma concomitante, uma através do casamento e a outra através de uma união afetiva duradoura e conhecida no âmbito social.

Em contrapartida, a posição de grande parte dos Tribunais pátrios é no sentido de não ser possível o reconhecimento de uniões constituídas paralelamente ao casamento, como por exemplo a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL COM PARTILHA DE BENS. RELACIONAMENTOS CONCOMITANTES. IMPOSSIBILIDADE. Cuida-se de ação de reconhecimento e dissolução de união estável, cumulada com pedido de partilha de bens. Conjunto probatório que aponta para a existência de dois relacionamentos concomitantes. União estável prévia, devidamente reconhecida em escritura pública entre a mãe e o pai da Ré, que impede o reconhecimento da alegada união entre a Autora e este último. O Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de ser inadmissível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas. Assim, se uma relação afetiva de convivência for caracterizada como união estável, as outras concomitantes, quando muito, poderão ser enquadradas como concubinato (ou sociedade de fato). (AgRg no Ag 1130816/MG, Rel. Ministro Vasco Della Giustina, Terceira Turma, julgado em 19/08/2010, DJe 27/08/2010). Recurso desprovido.

De acordo com a decisão anteriormente citada, a legitimidade do relacionamento afetivo reside na possibilidade de a união identificar-se como uma família, não duas, três ou mais famílias, preservando os valores monogâmicos éticos, sociais, morais e religiosos da cultura ocidental.

É nesse sentido que vêm entendendo Tribunal de Justiça do Tocantins, afastando qualquer efeito jurídico às famílias paralelas. Vejamos:

ADULTÉRIO. CONCUBINATO. CONVERÇÃO EM UNIÃO ESTÁVEL. IMPOSSIBILIDADE. POVA TESTEMUNHAL E DOCUMENTAL UNÍSSONA. DESCUMPRIMENTO PELA APELADA DO ÔNUS IMPOSTO PELO ARTIGO 333, I, DO CPC. RECURSO PROVIDO.

1.Quadro probatório dos autos que demonstra a manutenção do casamento do falecido com a primeira apelante, que somente se dissolveu com o seu óbito, não se verificando qualquer rompimento nos laços familiares firmados pelo casamento formal.

  1. A Declaração expressa da apelante, na inicial, confessando ter ciência de que o extinto era casado, afasta a configuração da união estável putativa.

3.A conversão do concubinato impuro em união estável é vedada pelo artigo 1.723, § 1º, do CC/2002.

  1. A improcedência da pretensão da apelada se impõe, diante da não caracterização dos fatos constitutivos do seu alegado direito, descumprindo o ônus que lhe é imposto pelo artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. 5) Recurso provido.(AC: 50013745620118270000, Relator: Maysa Vendramini Rosal, julgado em 22/10/2012, DJe 27/10/2012).

 

A presente apelação foi interposta pela sucessão do de cujus contra sentença que julgou procedente a ação declaratória de união estável movida pela companheira paralela, reconhecendo vínculo jurídico entre a autora e o falecido durante onze anos, paralelamente ao casamento desse. Nas razões recursais, os herdeiros do de cujus destacaram não ter havido boa-fé da apelada, uma vez que sabia da existência do casamento do mesmo.  Ainda, sustentaram que não se tratava de união estável, mas de concubinato, pois não havia a publicidade inerente àquela.

Durante a instrução, apurou-se que houve, de fato, vida em família entre a apelada e o de cujus, inclusive publicamente na cidade do interior onde aquela residia. O convivente presenteou a companheira com um empreendimento comercial e tratava o filho dela como seu.  Em nenhum momento, no entanto, separou-se de sua esposa, que vivia em outra cidade.

Em seu voto, o Relator entendeu como sendo “inexistente a alegada união estável, visto que o casamento concomitante de um dos conviventes sem separação de fato ou judicial impede seu reconhecimento, nos termos do artigo 1.723, §1º, do Código Civil”. Ainda, e principalmente, entendeu impossível o referido reconhecimento, pois a apelada tinha ciência do estado civil de casado do companheiro.

Nota-se que no caso analisado estavam presentes todos os requisitos da união estável, quais sejam, convivência pública (eram vistos como marido e mulher da cidade em que a apelada residia), contínua e duradoura (o relacionamento perdurou por aproximadamente onze anos), com o objetivo de constituir família (o filho da apelada era tido como seu pelo falecido). Apesar disso, o relator considerou o fato de a companheira “ ter ciência do casamento formal de seu parceiro para negar reconhecimento à relação, de modo a não ser enquadrada em união estável putativa, mas em concubinato, negando efeitos jurídicos”.

O tema das famílias simultâneas é questão sensível e bastante controversa, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência pátria. Tal problemática, se dá ante aos valores monogâmicos presentes na sociedade. Cabe ao Poder Judiciário ao analisar o caso concreto reconhecê-las ou não dentro do âmbito do direito de família, como entidade familiar.

 

Considerações Finais

O Direito de Família passou por grandes mudanças no decorrer do tempo, se amoldando às inovações trazidas pela evolução da sociedade. A Constituição Federal de 1988 trouxe transformações inovadoras em relação ao reconhecimento de outras formas de constituir família, tais inovações marcaram o fim daquela família fundada em interesses patrimoniais e de procriação e passa a dar lugar ao afeto, ao cuidado e realização de cada indivíduo formador da entidade familiar. Com isso, não se pode negar a tentativa da carta constitucional em abarcar e tutelar o maior número de situações possíveis, no que toca ao Direito das Famílias, assim como o olhar sensível lançado pelo legislador ao reconhecer outros arranjos familiares.

Diante do estudo desenvolvido, conclui-se que os Tribunais pátrios não possuem um entendimento uníssono e concretizado quanto aos direitos decorrentes de um provável reconhecimento das uniões paralelas. Mas, as decisões judiciais demonstram em sua grande maioria contrárias ao reconhecimento das relações paralelas e seus efeitos sucessórios decorrentes. Apesar de que não há dúvida, que a ocorrência destas uniões é uma realidade inquestionável, da qual decorre a necessidade de se abrigar, no âmbito do direito de família a possibilidade das uniões paralelas receberem o reconhecimento jurídico de uniões estáveis.

Por ser uma realidade social inegável e, ainda, sem regulamentação legal, tais questões litigiosas, quando do término de uma relação paralela, seja pela morte de um dos companheiro, seja pela cessação da união ainda em vida, acabam sendo levadas para a apreciação do Poder Judiciário. Contudo, por ser um tema bastante controverso e polêmico, não há uma posição jurisprudencial uniforme no ordenamento jurídico brasileiro.

Resta evidenciado, no decorrer deste estudo, que diante das grandes evoluções no direito, este não acompanhou a evolução no direito de família, voltado para famílias mantidas concomitantemente, e que na ausência de proteção legal ficam desamparadas perante a justiça.

Por isto, há grandes divergências doutrinárias e jurisprudenciais, que por fim devem ser observados caso a caso, analisando o principal objetivo que é a formação de uma entidade familiar, onde o direito não deve somente aplicar uma norma concreta, e sim analisar de forma ampla a intenção de formação de uma família

Por fim, é demasiadamente importante expandir de forma contínua a temática a fim de que a sociedade se conscientize e consiga visualizar a existência dessa simultaneidade, no âmbito da família com o objetivo em evitar seu desamparo, para que assim, toda esta existência tenha amparo digno na dissolução desta união, bem como seu princípio assegurado pela Constituição Federal de 1988.

 

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