Resumo: Este artigo teve como objetivo analisar a evolução do tratamento dado à esposa no Código Civil brasileiro para posteriormente discutir sobre a possibilidade da cônjuge sobrevivente, suceder ao seu marido falecido, quando estes estavam unidos pelo Casamento Putativo. Saber, nos casos de casamentos concomitantes, constituindo a bigamia, sendo o falecido o único culpado, e estando às consortes de boa-fé, se a viúva putativa possui direitos sucessórios, quando a decisão que anula o matrimônio celebrado, ocorre posterior à morte. E, concluir explicando que o direito sucessório adquirido pela contraente putativa, ainda na constância do casamento, deve ser respeitado e preservado, mesmo após, a desconstituição da relação viciosa.[1]
Palavras-chave: Casamento Putativo. Casamento válido. Cônjuge putativo. Falecido. Efeitos sucessórios. Viúva. Decisão anulatória.
Abstract: This study aimed to analyze the evolution of the treatment given to the wife in the Brazilian Civil Code to further discuss the possibility of the surviving spouse, to succeed her deceased husband, when they were united by the putative marriage. Ie in cases of concurrent marriages, making bigamy, the deceased being the only culprit, and being the consorts in good faith, to have putative widow inheritance, where the decision annulling the marriage celebrated after the death occurs. And concluded by explaining that the law of succession putative acquired by Contractor, even during marriage, shall be respected and preserved, even after the relationship deconstitution vicious.
Keywords: putative marriage. Valid marriage. Putative spouse. Deceased. Effects inheritance. Widow. Decision annulment.
Sumário: Introdução. 1. Relação putativa. 1.1. Casamento. 1.2. Efeitos. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Direito Civil brasileiro sofreu grandes transformações nesses últimos anos e em matéria de Sucessões, as mudanças mostraram-se tímidas diante do contexto mundial, pois, suas alterações ocorrem de forma lenta e estancam, ainda, em algumas concepções retrógadas que, insistem em carregar traços de sua origem.
Percebemos isso, quando nos deparamos com os direitos sucessórios para a cônjuge que, tornou-se viúva e logo após, descobriu que não possuía nenhum vínculo matrimonial com o falecido, uma vez que, seu casamento sofria impedimento legal para existir e que, portanto, era considerado inválido. O mesmo ocorre para cônjuges Putativos, o qual ainda há dúvidas na concessão de direitos sucessórios.
Abordaremos este tema, em primeiro momento, mostrando como as normas sucessórias eram aplicadas para as viúvas, antes do Código Civil atual e tomaremos como ponto inicial o Código Civil de 1916, fazendo breves considerações da origem da aplicação do direito sucessório ocorridas até mesmo anteriores a esse marco.
A Constituição Federal de 1988 tornou-se também um marco significativo para o tema, pois, surgiu com várias finalidades, dentre elas: a valorização e reconhecimento da mulher, a sua liberdade, igualdade e dignidade. Com isso, quebrou muitos paradigmas com a super valorização do homem perante a sua família e para a sociedade.
Dessa forma, o advento da Lei nº. 10.406/2002 atualizou muitos dispositivos garantindo-as direitos que antes inexistiam, atribuindo a viúva mais importância no seu âmbito familiar e social. Contudo, silencio-se em muitas questões controversas, dentre elas, o seu direito de suceder no Casamento Putativo.
No segundo capítulo, ensinaremos como ocorre a Sucessão para a cônjuge do casamento válido, com o fim de compararmos com a cônjuge putativa e concluir se existe alguma preferência, caso ambas concorram para a sucessão, na hipótese de relações concomitantes, ou seja, entre as viúvas do casamento válido e do casamento putativo, que apresentaremos no último capítulo.
Mostraremos, em qual momento surgirá para a viúva o direito de herdar, bem como, o que terá direito a herdar, como farão isso. Destacaremos da mesma forma, como tem julgado o Poder Judiciário em relação à esses direitos adquiridos pela viúva e o pensamento jurídico neste assunto.
No último capitulo, discutiremos o Casamento Putativo, entretanto, dividiremos sobre dois aspectos. No primeiro, analisaremos de que forma ocorrerá esse casamento, os seus requisitos, até o momento de sua extinção pela morte e por sentença anulatória que irá declará-lo como nulo ou anulável, comparando com o casamento válido.
O segundo aspecto refere-se aos efeitos que o Casamento Putativo gerará para os filhos, terceiros e principalmente, os efeitos sucessórios para as cônjuges de boa-fé, destacando o pensamento jurídico acerca do tema e concluindo pela sua possibilidade, se a mesma ocorrer anteriormente a decisão anulatória.
Utilizaremos diversos materiais de pesquisa, no qual será constituída por meio de pesquisas bibliográficas, consulta a site de internet, materiais como livros, revistas e artigos. Por meio desse meio de consulta, realizaremos a apresentação do artigo.
O método de abordagem utilizado será o exploratório de base analítica, levantando dados com análise bibliográfica, constituída principalmente por doutrina, jurisprudências e artigos científicos.
1 CONJUGE PUTATIVO
1.1 O CASAMENTO
O casamento putativo constitui a união de dois indivíduos que, ambos ou somente um dos envolvidos, pensam estar estabelecendo uma relação afetiva reconhecida pelo Estado, religião e perante a sociedade, de forma legítima, e considerada dentro das normalidades, mas que por algum motivo impeditivo para o estabelecimento deste, torna-o nulo e inválido de pleno direito.
“É aquele que sendo nulo foi, todavia, contraído de boa-fé, por um só ou ambos os cônjuges”[2]. Ou como conceitua também, Alípio Silveira, é aquele nulo ou anulável, mas que, em respeito ao princípio da boa-fé com que foi contraído por um ou ambos os cônjuges, produz, para aquele que está de boa-fé e os filhos, todos os efeitos civis até transitar em julgado a sentença anular o casamento contraído. É certo, por outro lado, que alguns efeitos continuam durando durante o tempo como os relativos a legitimidades dos filhos havidos durante o período de validez.[3]
O casamento putativo teve origem no direito canônico e romano, onde para configurar a existência da relação, exigia-se na época requisitos mais severos. Tanto é antiga sua origem que, o antigo Código Civil já previa e tutelava a sua existência, em seu artigo 226, atualmente substituído pelo artigo 1.561, § 1°, sem muitas alterações, pois acrescentaram um parágrafo, o segundo, e transformou no primeiro parágrafo, o antigo parágrafo único como veremos:
“Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.
§ 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.
§ 2o Se ambos os cônjuges estavam de má-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só aos filhos aproveitarão”.[4]
Ressalta Pontes de Miranda, que o casamento putativo teve sua origem, baseado em um problema de consciência, pois não se compreenderia que alguém se dispusesse a um matrimônio e, sem qualquer culpa sua, não o conseguisse, tendo confiado em sua obtenção.[5]
A simples ignorância da cônjuge com relação a seu marido, ou melhor, suposto, não caracteriza o tema aqui abordado, pois, existem alguns requisitos, os quais devem necessariamente e obrigatoriamente estarem presentes na relação, que conforme ensina Arnaldo Rizzardo, considera-se casamento putativo, desde que presentes três requisitos: boa-fé, o erro escusável e a celebração.
A priori, interessante registrar duas interpretações que a boa-fé apresenta, a objetiva e a subjetiva. Esta última vigorante, por exemplo, em matéria de direitos reais e casamento putativo, corresponde, fundamentalmente, a uma atitude psicológica, isto é, uma decisão da vontade, denotando o convencimento individual da parte de agir em conformidade com o direito. Já a boa-fé objetiva apresenta-se como uma exigência de fidelidade, padrão objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse padrão, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal. Essa conduta impõe diretrizes ao agir no tráfico negocial, devendo-se ter em conta, o interesse do morto como membro do conjunto social que é juridicamente tutelado. Desse ponto de vista, podemos afirmar que a boa-fé objetiva se qualifica como normativa de conduta leal.[6]
A boa-fé aparece no momento em que, ao relacionar-se com o de cujos, quando ainda vivo, buscou a companhia sem nenhuma intenção de obter vantagens patrimoniais, ou qualquer outro interesse que não fosse o objetivo comum almejado nas relações normais, quais sejam de, constituir família, assistência mútua, criação dos filhos, etc.
Segundo entende Miguel Reale, “a conduta, segundo a boa-fé objetiva, é assim entendida como noção sinônima de ‘honestidade pública’.”[7]
Identificamos também, a hipótese da ignorância, quando temos a suposta viúva, pensando estar casada de maneira correta, ou imaginando ter um relacionamento legítimo com o falecido, e que nunca soube da existência de uma relação extraconjugal, na qual essa seria considerada primária ou reconhecida pelo Estado.
“A ignorância do direito acaba de certa forma ajudando os cônjuges no reconhecimento da boa-fé, de acordo com Pontes de Miranda, embora o brocardo latino jus ignorare nemine licet e a regra do art. 3º da lei de Introdução ao Código Civil, de que ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece: o erro de Direito é, ai, escusável, porquanto a instituição mesma da putatividade, por suas origens, atende ao que realmente se passou dentro do espírito do nubente quando contraiu as núpcias. Não importa distinguir-se se a lei ignorada é a brasileira, ou se é a lei estrangeira, desde que seja brasileiro o nubente de boa-fé. Se estrangeiro, só a sua lei nacional, ou a lei-conteúdo, pode decidir, sendo de notar-se que o Estado da nacionalidade é que resolve sobre a qualificação da putatividade, inclusive se é matéria de validade, ou se é matéria de efeito.”[8]
Entendemos por erro escusável, o erro inevitável, que ocorreu pelas circunstâncias geradas pelo marido em questão já falecido, e que independiam dos cuidados normais da relação, que se ressalta de passagem, totalmente irrelevantes para motivarem tal atitude e que em nada participou a suposta esposa.
Quanto à celebração, trata-se do fato de ter efetivamente ocorrido o matrimônio preenchendo todos os requisitos necessários para a concretização do casamento, assumindo um ato solene, um ato jurídico, por meio do contrato entre duas pessoas com o compromisso de viverem juntos e constituírem uma família.
Algumas causas impedem a realização do casamento, pois na sua origem, desrespeitaram alguns quesitos obrigatórios para sua validação, dentre essas causas, umas podem gerar nulidades irreparáveis, pois pela sua natureza, não há como convalidá-las, enquanto que para outras, existe a possibilidade do vício ser sanado, as consideradas anuláveis.
“Urge não confundir incapacidade para o matrimônio com impedimento matrimonial”[9].
Orlando Gomes ensina que “Impedimento é falta de legitimação, logo, não é incapacidade, mas ilegitimidade”:[10]
“Consubstancia-se uma proibição que atinge uma pessoa em relação a outra ou a outras. Tal pessoa não é incapaz; tem capacidade para praticar o ato jurídico, apenas não se lhe permite que escolha certa pessoa para, com ela, constituir vínculo matrimonial. Tecnicamente, pois, não está legitimada a contrair núpcias com certas pessoas, mas é livre de fazê-lo com todas as outras que não se achem compreendidas na proibição. Numa palavra, é impedida de casar com determinada pessoa, mas não é incapaz para o casamento”.[11]
A legislação prevê algumas formas para a extinção do casamento, dentre elas, as mais naturais, seriam a dissolução pelo divórcio ou pela morte de um dos cônjuges, que é o momento pelo qual, a esposa tornar-se-ia viúva.
Antes da Emenda Constitucional 66 em 13 de julho de 2010, vigorava a dissolução pela separação judicial, onde o artigo 1.571, § 1º do Código Civil, previa a dissolução da sociedade conjugal, mas não o casamento, já que não encerrava o vínculo matrimonial.
Consequentemente, exigia-se o lapso temporal de um ano de prévia separação judicial, ou evidente a separação de fato por mais de dois anos, para só assim, extinguir o casamento pelo divórcio, onde se permitia aos cônjuges separados, um novo matrimônio se assim quisessem, pois encerraria tanto o liame matrimonial, quanto a sociedade conjugal.
Ocorre que, a fase pós Emenda 66/2010, considerou desnecessário a exigência de um prazo para o divórcio, sendo necessário, portanto, tão somente a propositura do divórcio para extinguir o vínculo matrimonial.
O casamento poderá ser extinto também pela ausência e a morte presumida do cônjuge, onde, poderá a suposta viúva requerer o divórcio por meio de declaração judicial transitada em julgado, onde lhe permitirá a contrair novo matrimonio, ou, aguardar a presunção da morte, onde lhe assegurará seus direitos sucessórios.
Contudo, nosso tema abordará a extinção por meio da nulidade ou anulabilidade do casamento, que pela existência de um fator impeditivo para contrair núpcias, dissolve a sociedade conjugal, mesmo estando às partes ignorantes ao impedimento.
Por outro lado, os regimes de bens firmados na celebração do casamento ocorrerão na mesma forma do casamento válido que são eles, pela comunhão total ou parcial de bens, separação total ou obrigatória de bens e, participação final nos aquestos, como já esclarecido em capítulo anterior, e que conforme veremos mais adiante, terá respeitado seus efeitos até o fim, com a sentença anulatória, como se ocorresse a dissolução e a consequente partilha dos bens do cônjuge falecido.
A decisão judicial que declara nulo o casamento poderá ser requerida por um dos cônjuges envolvidos, pelo Ministério Público ou por meio dos seus filhos e colateral como ensina Arnoldo Rizzardo:
Tratando-se, porém, de casamento simplesmente anulável, essa legitimação (dos parentes sucessíveis) não terá cabimento, até mesmo ao Ministério Público, pois é um assunto que apesar de colidirem com os princípios de ordem pública e de natureza constitutiva da família, que permanece sob a égide da Carta Magna, podem ser sanados.
Contudo, é mais provável ser proposta a ação por aquele cônjuge que estava de boa-fé, no momento em que descobre outra relação constituída pelo seu finado marido.
O prazo para propositura da ação de nulidade é imprescritível, conforme entende Washington de Barros Monteiro:
“A anulabilidade é prescritível. A nulidade, ao contrário, em regra, não prescreve, sobretudo em direito matrimonial. É realmente inconcebível, como diz Paulo, que o decurso do tempo torne eficaz ato proibido por lei(quo initio vitiosum est, non potest tractu temporis convalescere)”.[12]
Portanto, a ação ordinária declaratória de nulidade do ato jurídico poderá ser proposta em qualquer momento, pois a ação declaratória de nulidade do casamento não está sujeita a tempo determinado, haja vista que a sua finalidade incide na proteção e importância do casamento.[13]
No caso da anulação do casamento dando-se por culpa de um dos cônjuges, este sofrerá algumas consequências, das quais estão previstas no artigo 1.564 do Código Civil dois tipos de efeitos de modo patrimonial.
“Determina que o culpado perca todas as vantagens que para ele adviriam do casamento, se fosse válido, o que significa dizer que, o legislador ignora a existência do matrimônio[14].”
Atribui ao responsável o compromisso de cumprir todas as obrigações contidas no pacto antenupcial, ou seja, em relação ao cônjuge inocente e no campo patrimonial, considera o casamento como válido, até a sentença anulatória.[15]
1.2 EFEITOS
A legislação, por meio de uma ficção e tendo em vista a boa-fé dos contraentes ou de um deles, atribui ao casamento anulável ou mesmo nulo os efeitos do casamento válido, até o momento da sentença que o invalidou. Vemos que o legislador explanou, ao criar este instituto, a finalidade de proteger os consortes de boa-fé e, sobretudo, a sua prole[16].
As consequências, em relação aos cônjuges, variam conforme estejam ambos ou um só deles de boa-fé, posto que o parágrafo 1º do artigo 1.561 dispõe que “se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão”[17].
Os efeitos para os cônjuges serão diferentes em relação aos efeitos gerados aos filho.
A sentença que declara nulo ou anulado o casamento, opera seus efeitos ex nunc, portanto não retroagem, produzindo assim, o casamento eivado de vício, efeitos normais, como se válido fosse, nesse sentido entende Arnaldo Rizzardo:
“Assim em razão da boa-fé dos cônjuges ou de um deles, embora declarado nulo ou anulado o casamento, tem ele efeitos de casamento válido desde a data da celebração até a data da decisão judicial que declara a invalidade do ato. Simplesmente consideram-se válidas todas as ocorrências havidas durante sua vigência, embora a invalidade decretada pela sentença, a decisão opera ex nunc e não ex tunc seus efeitos. Por outras palavras, não tem repercussão retroativa a sentença, como é unanimemente admitido”.[18]
Contudo, algumas questões por motivos coerentes e lógicos devem necessariamente retornar ao estado que estava antes, ou serem extintas após o trânsito e julgado da sentença, uma vez que, seguem a sorte do matrimonio, como, o acessório do principal.
Encerrando-se o casamento, inexiste a obrigação de coabitação, mútua assistência e os deveres do casal, “após a sentença anulatória, posto que putativo o matrimônio, cessam os deveres de fidelidade”.[19]
Outro ponto que também deve retroagir após sentença anulatória, diz respeito à maioridade adquirida, porém as obrigações com terceiros e demais atos jurídicos praticados durante a vigência do casamento terão plena validade, assim entende Arnaldo Rizzardo:
“Se a sentença encontra as partes ainda menores, recomeçará a incapacidade, da mesma forma que anteriormente ao casamento. Mas os atos jurídicos praticados durante o casamento tem plena validade”.[20]
Entendemos que a cônjuge, que teve o casamento anulado, faz jus a alguns direitos após a data da sentença anulatória, dentre eles, defenderemos tudo o que estiver relacionado aos seus Direitos sucessórios, especificamente, na hipótese de morte do cônjuge anterior a data da sentença anulatória.
Principalmente o consorte que independentemente da boa ou má-fé, casou-se impedido para tanto, e que antes da regularização da situação, ou sentença anulatória, faleceu, deixando uma dúvida entre as esposas, herdeiras remanescentes quanto ao recebimento de sua herança, que inevitavelmente tomarão ciência do vício só nesta ocasião.
Critica-se, assim, a solução encontrada por algumas doutrinas e jurisprudência atuais que conferem direitos sucessórios somente ao cônjuge de casamento reconhecido pelo Estado, ou seja, o válido. Afastam, por outro lado, a esposa do casamento putativo, uma vez que entendem ser incabível perdurar efeitos sucessórios depois de prolatada sentença que declarou o casamento como inválido.
Com relação aos filhos, não temos nenhuma dúvida no que diz respeito aos seus direitos, uma vez que, independe da caracterização da boa ou má fé dos cônjuges, pois para os filhos, os efeitos civis perduram para sempre, conforme salienta Arnaldo Rizzardo.
“A discussão sobre os efeitos do casamento em relação aos filhos não tinha mais razão de ser desde a vigência da li n°. 6.515, de 26.12.1977, que, segundo já foi observado, afastou qualquer pressuposto de boa-fé para a legitimação e o aproveitamento dos efeitos civis: “ainda que um dos cônjuges esteja de boa-fé ao contrair o casamento, seus efeitos civis aproveitarão aos filhos comuns”.[21]
Deste modo, verificada a anulação do casamento, não fica afastada a legitimidade do filho concebido ao havido antes ou na constância do matrimônio.[22]
Com isto, se vê que nada mais concebe a putatividade ou não do matrimônio em relação à prole. A equiparação com os filhos havidos em casamento normal e válido é aceito sem controvérsia, envolvendo qualquer espécie de filhos, mesmo os incestuosos e os adulterinos.[23]
Como explica Sílvio Rodrigues, após o tratamento igualitário dado entre os filhos advindo da relação conjugal ou extraconjugal, pela nossa Carta Magna:
“No direito brasileiro anterior a Constituição de 1988, a principal conseqüência da declaração de putatividade de um casamento nulo ou anulado era legitimação dos filhos havidos durante a sua vigência ou anteriormente a esta. Como já foi reiteradamente afirmado, esse efeito perdeu toda a sua importância em face da regra do § 6° do art. 227 da constituição de 1988, que equiparou os filhos, qualquer que seja a natureza da filiação”.[24]
Sendo assim, o filho proveniente de casamento putativo mantém os seus direitos sucessórios perante os pais se estiverem de má-fé, estando, portanto, proibida qualquer outra qualificação discriminatória com relação a este.
O casamento putativo possui mais relevância do que se imaginam, pois apesar de decretado nulo ou anulado, durante sua vigência é capaz de produzir efeitos, que se ignorados traria insegurança ao mundo jurídico, pois envolvem os filhos, os próprios cônjuges, no qual discutirei logo em seguida, e a terceiros de boa-fé que, também, acabarão sendo atingidos pela relação matrimonial.
Sendo assim, os patrimônios dos consortes estarão diretamente relacionados com determinada obrigação contraída com terceiro, dependendo da obrigação, todavia, se constituídas em prol dos consortes, seus patrimônios responderão pelo encargo, se por outro lado, aproveitar somente a um dos cônjuges, os bens particulares, deste, suportará a responsabilidade, a priori. E responderá com seus próprios bens também, aquele que estiver de má-fé.
Às doações realizadas por terceiros em favor dos consortes, que estão condicionadas a realização do casamento, portanto, propter nuptiae, existe grande divergência também, pois para alguns, devem ser devolvidas, haja vista, está eivado de vício e será anulado, contudo, penso da mesma forma como entende Sílvio Rodrigues:
“Tendo em vista que a ideia da putatividade tem por escopo proteger os filhos e os cônjuges de boa-fé, são irresilíveis as doações feitas em razão de casamento, quando, por ocasião de sua nulidade, for declarado nulo”.[25]
As doações recebidas antes do casamento permanecem válidas somente ao cônjuge de boa fé. Fará jus à metade dos bens do outro que, por conta do regime de bens estabelecido, lhe caberia se fosse válido o casamento, não aproveitando, todavia, somente em relação ao consorte de má-fé.
Aos cônjuges, voltamos a nossa atenção, pois tudo que está relacionado aos direitos sucessórios destes, no casamento putativo, ainda suscita muitas dúvidas e consequentes divergências ao tratar da morte de um deles, antes da sentença que invalida o ato.
Fica mais complexo o tema quando incluímos no contexto uma relação de bigamia em que teremos dois casamentos que até então se pensava serem válidos, ou pelo menos um deles, e duas viúvas que, como já mencionado anteriormente, estavam de boa-fé.
Imaginemos a situação hipotética e muito provável daquele cônjuge que em função da profissão, ou qualquer outro motivo, necessite constantemente deslocar-se do seu âmbito familiar para local diverso de onde está, e lá comece um relacionamento amoroso que futuramente originará um novo e ulterior casamento, uma nova família, que pelo fato da distância, a rotina do ofício e a proeza do cônjuge infiel, mantêm dois matrimônios, com duas esposas totalmente ignorantes ao fato e que pela surpresa do destino sofre acidente fatal, levando-o a óbito, como ficariam os direitos sucessórios das cônjuges remanescentes, que até então, sequer houve sentença declarando como nulo alguma relação.
Cabe ressaltar que estamos diante de uma situação sustentada por anos, relacionamentos duradouros e não simplesmente passageiros, que não possuem condições suficientes para constituir patrimônio em sociedade matrimonial, pois, a discussão está voltada para esses patrimônios.
Sendo assim, como o próprio dispositivo que trata sobre o casamento putativo diz que, os efeitos perduraram até a data da sentença, não vemos impedimentos em considerar a sucessão até esse momento.
No caso de morte anterior a decisão anulatória, entendemos ser possível a viúva receber o que lhe caberia por direito por meação e dependendo do pacto antenupcial firmado entre os consortes, a sua quota parte na herança, se houvessem outros herdeiros concorrendo, ou seja, que fossem preservados seus direitos sucessórios.
“O direito à herança encontra total aplicação. Se um dos cônjuges falecer antes da anulação, o sobrevivente receberá a parte que lhe cabe por direito de meação, e a parte que herdará se inexistentes descendentes e ascendentes, conforme o artigo 1.829, inc. III, da lei civil.”[26]
Entretanto, ocorrendo eventualmente à nulidade do casamento, por ter como fator impeditivo, gerador da nulidade, um casamento anterior e concomitante a esse putativo, terão duas famílias constituídas por um cônjuge infiel que, legitima, ao meu ponto de vista, ambas a concorrerem na herança do falecido, pois possuem os mesmos direitos.
Pois bem, prejudicial seria para o Estado em arcar com o ônus de duas famílias para um só homem, ou, teria descredibilidade e desprestígio o princípio do casamento monogâmico, onde por séculos o direito brasileiro vem coibindo essa relação .
Contudo, a questão não é a herança em dobro, e sim o rateio em tudo que envolver patrimônio adquirido em conjunto, ou com ajuda mútua dos cônjuges, durante a vigência das relações.
O patrimônio que está sendo discutido aqui, assemelha-se ao regime de bens de participação final dos aquestos, pois, deve haver o rateio sobre os bens adquiridos no casamento de esforço comum entre todos os consortes que estiverem envolvidos.
A título de exemplo podemos fazer uma analogia ao debate que está em pauta no STJ, no que diz respeito à pensão por morte aos assegurados da previdência social.
Pois um dos fundamentos a qual relacionamos o tema está fundado no que trata o artigo 16 cumulado com o artigo 77 da Lei 8213 de 24 de Julho de 1991, em que “a pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais.”, mostrado assim, que para os dependentes, o conjunto detém de direito.[27]
E no referido tema temos a constituição de duas famílias que precisam da proteção estatal, financeira e digna, uma vez que, a origem familiar constituída de forma viciosa gerou efeitos familiares que, apesar de não perpetuar-se no tempo, não pode desmerecer o direito familiar adquirido. Destarte, é sempre bom lembrarmos que a mulher do casamento nulo, sequer participou, ou esteve ciente do crime de bigamia cometido pelo falecido e se encontra totalmente desamparada.
Entende-se, contudo, conforme Arnaldo Rizzardo, mais justo seria que, para fins de partilha, a segunda mulher recebesse somente a metade do patrimônio adquirido no segundo matrimonio.[28]
“Nesse raciocínio, o cônjuge de má fé perde todas as vantagens havidas do cônjuge inocente, conforme trata o artigo 1.564, inciso I, do código Civil.”[29]
Não podemos ignorar a cônjuge do casamento putativo, discriminando-a por não possuir relação legítima, válida, pois, “inexistirá adultério por parte da segunda mulher do bígamo, falecido, ignorante do primeiro casamento deste”.[30]
Desta forma, protegeremos os direitos individuais da viúva do casamento válido e da viúva do casamento putativo, principalmente a esta segunda que além de anular tudo o que imaginava estar correto, será a maior prejudicada com o rompimento do vínculo matrimonial e do status de viuvez, portanto, nada mais justo, encerrá-lo de forma igualitária entre ambas enganadas, já que o verdadeiro personagem a quem deveria recair a penalidade, está morto.
CONCLUSÃO
O artigo explicou em que consiste o Casamento Putativo, sempre comparando ao casamento convencional e válido. Demonstrou que o matrimônio merece mais atenção do que imaginamos, pois, é um contrato que envolve várias pessoas, que acabam em determinadas situações sendo atingidos pela relação, como os filhos, terceiros, e principalmente aos cônjuges.
Da mesma forma, desde a sua origem até a sua devida invalidação, produz efeitos patrimoniais que, a sua simples anulação, ou, distribuição de maneira desproporcional para um dos envolvidos, poderia ser muito prejudicial, e principalmente para aquela que terá sua união invalidada, pois, estará totalmente desamparada dos direito inerentes a viuvez.
Como abordado em uma situação hipotética, estamos diante de uma situação de completa boa-fé por parte das viúvas, sendo erro unicamente do falecido, em que elas em momento algum tiveram a possibilidade de prever ou meios de se precaver das atitudes realizadas pelo consorte traidor. Deste modo, não é justo transferir ao cônjuge do casamento putativo a consequência do erro praticado pelo falecido, diante da impossibilidade de responsabilizá-lo, devido a sua morte. No caso abordado por essa pesquisa, em nenhum momento a consorte enganada consentiu ou foi partícipe para a realização do ato vicioso.
Caso em que considero totalmente incabíveis as soluções apontadas no tema, merecendo, portanto, herdar exclusivamente a cônjuge advindo do casamento válido, sem haver qualquer forma de rateio dos direitos inerentes a sucessão com o cônjuge putativa, quando for identificada nesta, mesmo que de forma ínfima, a má-fé, devendo recair os efeitos de sua atitude ilícita, não fazendo jus, desse modo, a qualquer direito relacionado a essa união.
Conclui-se que o correto a ser aplicado em casos em que houverem confirmada a boa-fé e configurada a culpa particular do falecido, em nada poderá impedir o consorte a participar na sucessão do de cujos, na forma de concorrência com a cônjuge do casamento válido. Entretanto, só com relação aos bens adquiridos onerosamente e se aberta a sucessão antes de decisão que declare o casamento como nulo ou anulável, uma vez que, apesar de viciosa, aos que estavam de boa-fé, constituiu-se uma família e com ela todos os efeitos que advém da relação.
A solução é apresentada por uma questão de análise muito subjetiva, mas que em decorrência do assunto, deve ser atendida, em prol da justiça.
Informações Sobre o Autor
Carime Miranda Abdon
Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Estado do Pará CESUPA; Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Getúlio Vargas FGV e em Direito Constitucional pela Luiz Flávio Gomes FGV; Advogada