Direitos difusos, coletivos em sentido estrito e individuais homogêneos: conceito e diferenciação

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Resumo: Os direitos coletivos em sentido lato se classificam em direitos difusos direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos. A diferenciação entre esses direitos se dá dentre outros aspectos pela transindividualidade que pode ser real ou artificial ampla ou restrita; pelos sujeitos titulares determinados ou indeterminados; pela indivisibilidade ou divisibilidade do seu objeto; pela disponibilidade ou indisponibilidade do bem jurídico tutelado; e pelo vínculo a ensejar a demanda coletiva jurídico ou de fato.

Sumário: I considerações iniciais; II. Direitos coletivos em sentido amplo; II.1. Direitos difusos; II.2. Os direitos coletivos em sentido estrito; II.3. Os direitos individuais homogêneos; II.4. Diferenciação; III. Conclusões finais. IV. Referências bibliográficas.

I – CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Os direitos coletivos em sentido lato se classificam em direitos difusos, direitos coletivos em sentido estrito e direitos individuais homogêneos. A diferenciação entre esses direitos se dá, dentre outros aspectos, pela transindividualidade, que pode ser real ou artificial, ampla ou restrita; pelos sujeitos titulares, determinados ou indeterminados; pela indivisibilidade ou divisibilidade do seu objeto; pela disponibilidade ou indisponibilidade do bem jurídico tutelado; e pelo vínculo a ensejar a demanda coletiva, jurídico ou de fato.

II – DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO AMPLO

II.1 – DIREITOS DIFUSOS

A classificação e a diferenciação literal legal dos direitos coletivos em sentido amplo é dada pelo parágrafo único do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe:

A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

“I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum”. (grifou-se)

Das três categorias de direitos transindividuais supramencionados, os direitos difusos são aqueles que possuem a mais ampla transindividualidade real. Além disso, têm como características a indeterminação dos sujeitos titulares – unidos por um vínculo meramente de fato -, a indivisibilidade ampla, a indisponibilidade, a intensa conflituosidade, a ressarcibilidade indireta – o quantum debeatur vai para um fundo[1].

São exemplos de direitos difusos a proteção da comunidade indígena, da criança e do adolescente, das pessoas portadoras de deficiência e:

“a) o direito de todos não serem expostos à propaganda enganosa e abusiva veiculada pela televisão, rádio, jornais, revistas, painéis publicitários; b) a pretensão a um meio ambiente hígido, sadio e preservado para as presentes e futuras gerações; (…) e) o dano difuso gerado pela falsificação de produtos farmacêuticos por laboratórios químicos inescrupulosos; f) a destruição, pela famigerada indústria edilícia, do patrimônio artístico, estético, histórico turístico e paisagístico; g) a defesa do erário público; (…) j) o dano nefasto e incalculável de cláusulas abusivas inseridas em contratos padrões de massa; k) produtos com vícios de qualidade ou quantidade ou defeitos colocados no mercado de consumo;” (…)[2]

Para Ada Pellegrini Grinover, a categoria dos direitos difusos:

“(…) compreende interesses que não encontram apoio em uma relação base bem definida, reduzindo-se o vínculo entre as pessoas a fatores conjunturais ou extremamente genéricos, a dados de fato freqüentemente acidentais ou mutáveis: habitar a mesma região, consumir o mesmo produto, viver sob determinadas condições sócio-econômicas, sujeitar-se a determinados empreendimentos, etc.”[3]

II.2 – OS DIREITOS COLETIVOS EM SENTIDO ESTRITO

Os direitos coletivos em sentido estrito, por sua vez, têm como características a transindividualidade real restrita; a determinabilidade dos sujeitos titulares –  grupo, categoria ou classe de pessoas – , unidos por uma relação jurídica-base; a divisibilidade externa e a divisibilidade interna; a disponibilidade coletiva e a indisponibilidade individual; a irrelevância de unanimidade social e a reparabilidade indireta[4].

São hipóteses que versam sobre direitos coletivos em sentido estrito:

“a) aumento ilegal das prestações de um  consórcio: o aumento não será mais ou menos ilegal para um ou outro consorciado. (…) Uma vez quantificada a ilegalidade (comum a todos), cada qual poderá individualizar o seu prejuízo, passando a ter, então, disponibilidade do seu direito. Eventual restituição caracterizaria proteção a interesses individuais homogêneos; b) os direitos dos alunos de certa escola de terem a mesma qualidade de ensino em determinado curso; c) o interesse que aglutina os proprietários de veículos automotores ou os contribuintes de certo imposto; d) a ilegalidade do aumento abusivo das mensalidades escolares, relativamente aos alunos já matriculados; e) o aumento abusivo das mensalidades de planos de saúde, relativamente aos contratantes que já firmaram contratos; (…) g) o dano causado a acionistas de uma mesma sociedade ou a membros de uma associação de classe (…); h) contribuintes de um mesmo tributo; prestamistas de um sistema habitacional; (…) i) moradores de um mesmo condomínio”.[5]

II.3 – OS DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS

Os direitos individuais homogêneos, também chamados “direitos acidentalmente coletivos” por José Carlos Barbosa Moreira[6], são aqueles que decorrem de uma origem comum, possuem transindividualidade instrumental ou artificial, os seus titulares são pessoas determinadas e o seu objeto é divisível e admite reparabilidade direta, ou seja, fruição e recomposição individual[7].

O tratamento especial conferido aos direitos individuais homogêneos tem razões pragmáticas, objetivando-se unir várias demandas individuais em uma única coletiva, por razões de facilitação do acesso à justiça e priorização da eficiência e da economia processuais.

São exemplos de situações que envolvem direitos individuais homogêneos:

“a) os compradores de carros de um lote com o mesmo defeito de fabricação (a ligação entre eles, pessoas determinadas, não decorre de uma relação jurídica, mas, em última análise, do fato de terem adquirido o mesmo produto com defeito de série); b) o caso de uma explosão do Shopping de Osasco, em que inúmeras vítimas sofreram danos; c) danos sofridos em razão do descumprimento de obrigação contratual relativamente a muitas pessoas; d) um alimento que venha gerar a intoxicação de muitos consumidores; e) danos sofridos por inúmeros consumidores em razão de uma prática comercial abusiva (…); f) sendo determinados, os moradores de sítios que tiveram suas criações dizimadas por conta da poluição de um curso d’água causada por uma indústria; (…) k) prejuízos causados a um número elevado de pessoas em razão de fraude financeira; l) pessoas determinadas contaminadas com o vírus da AIDS, em razão de transfusão de sangue em determinado hospital público”.[8]

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery conceituaram os direitos individuais homogêneos como:

“(…) direitos individuais cujo titular é perfeitamente identificável e cujo objeto é divisível e cindível. O que caracteriza um direito individual comum como homogêneo é a sua origem comum. A grande novidade trazida pelo CDC no particular foi permitir que esses direitos individuais pudessem ser defendidos coletivamente em juízo. Não se trata de pluralidade subjetiva de demanda (litisconsórcio), mas de uma única demanda, coletiva, objetivando a tutela dos titulares dos direitos individuais homogêneos. A ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos é, grosso modo, a class actin brasileira.”[9]  (grifou-se)

II.4 – DIFERENCIAÇÃO

Hugo Nigro Mazzilli exemplificou e distinguiu as categorias de direitos transindividuais segundo as suas origens:

“a) se o que une interessados determináveis é a mesma situação de fato (p. ex., os consumidores que adquiriram produtos fabricados em série com defeito), temos interesses individuais homogêneos; b) se o que une interessados determináveis é a circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica (como os consorciados que sofrem o mesmo aumento ilegal das prestações), temos interesses coletivos em sentido estrito; c) se o que une interessados indetermináveis é a mesma situação de fato ( p. ex., os que assistem pela televisão à mesma propaganda enganosa), temos interesses difusos.”[10]  (grifou-se)

De acordo com Nelson Nery Júnior[11], parte da doutrina tem se equivocado ao classificar o direito transindividual segundo a matéria genérica, afirmando, por exemplo, que questões ligadas ao meio ambiente dizem respeito a direitos difusos.

Para o processualista supracitado, o que determina seja classificado um direito como difuso, coletivo em sentido estrito, individual puro ou individual homogêneo é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando da propositura da ação, sendo que um mesmo fato pode dar ensejo à pretensão difusa, coletiva stricto sensu e individual. Exemplifica o citado autor:

“O acidente com o Bateau Mouche IV, que teve lugar no Rio de Janeiro no final de 1988, poderia abrir oportunidades para a propositura de ação individual por uma das vítimas do evento pelos prejuízos que sofreu (direito individual), ação de indenização em favor de todas as vítimas ajuizada por entidade associativa (direito individual homogêneo), ação de obrigação de fazer movida por associação das empresas de turismo que têm interesse na manutenção da boa imagem desse setor da economia (direito coletivo), bem como ação ajuizada pelo Ministério Público, em favor da vida e segurança das pessoas, para que seja interditada a embarcação a fim de se evitarem novos acidentes (direito difuso). Em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual.”[12] (grifou-se)

III – CONCLUSÕES FINAIS

Em conclusão, os direitos transindividuais ou coletivos em sentido lato se classificam em direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Os direitos difusos são aqueles que possuem o mais elevado grau de transindividualidade e, em face disso, não há como determinar todos os sujeitos titulares, o que, por outro lado, dá sustentação à indivisibilidade do objeto e a sua reparabilidade indireta.

Os direitos coletivos em sentido estrito caracterizam-se pela transindividualidade restrita ao número de sujeitos que compõem uma determinada classe, grupo ou categoria de pessoas, unidas por uma relação-jurídica base, permitindo-se apenas a disponibilidade coletiva do objeto.

Os direitos individuais homogêneos, ou acidentalmente coletivos, decorrem de uma origem comum e são dotados de transindividualidade artificial ou instrumental, para fins de economia processual e facilitação ao direito de acesso à justiça, os sujeitos titulares são determinados e podem fruir individualmente do objeto da reparação.

 

Referências
BARBOSA MOREIRA,  José Carlos. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos. In: Temas de direito processual. 3ª série. São Paulo: Editora Saraiva, p. 195-6, 1984.
BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Édis (coord.). Ação civil pública – Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Direitos difusos e coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 15-16; e MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Editora Max Limonad, 1984.
LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
MAZZILLI, Hugro Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 12ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2000.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995.
NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de  processo civil comentado e legislação extravagante. 7ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.
Notas:
[1] Cf. BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Édis (coord.). Ação civil pública – Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 92-3; FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Direitos difusos e coletivos. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1989, p. 15-16; e MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 84.
[2] LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 94-5.
[3] GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela dos interesses difusos. São Paulo: Editora Max Limonad, 1984, p. 30-1.
[4] Cf. BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Édis (coord.). Ação civil pública – Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 92-3.
[5] LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 100-1.
[6] BARBOSA MOREIRA,  José Carlos. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos. In: Temas de direito processual. 3ª série. São Paulo: Editora Saraiva, p. 195-6, 1984.
[7] Cf. BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo civil clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. In: MILARÉ, Édis (coord.). Ação civil pública – Lei 7.347/85: reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 96-7.
[8] LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 101.
[9] NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria de. Código de  processo civil comentado e legislação extravagante. 7ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 813.
[10] MAZZILLI, Hugro Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros interesses difusos e coletivos. 12ª ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 41.
[11] Cf. NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 112.
[12] Idem.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Suzana Gastaldi

 

Procuradora Federal. Especialista em direito do trabalho e direito processual do trabalho. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.