Direitos (e deveres) à segurança no trânsito

É da cultura moderna possuir no automóvel seu objeto basilar ou desejo de consumo. De importância evidente, a utilização de veículos automotores, além dos óbvios benefícios em termos de deslocamento e eficiência, acarreta conseqüências gravosas à saúde e vida humanas. O impacto negativo do trânsito é de dimensão tal que só encontra paralelo nos benefícios que proporciona. A quase totalidade das famílias brasileiras já perdeu, ou quase perderam, membros em razão de acidentes automobilísticos.

Contabilizam-se milhares de vítimas do trânsito e um volume crescente de prejuízos: ocorre uma morte a cada 13 minutos e mais de 01 milhão de acidentes por ano no Brasil. Os prejuízos – sociais e materiais – somam mais de US$ 04 bilhões/ano. Em um ano, o trânsito mata 500 mil pessoas no mundo. Mata de 35 mil a 50 mil pessoas no Brasil. Mutila 350 mil brasileiros (fonte: Informe Estatístico DETRAN PR, 1996).

Isso implica na conclusão de que o trânsito continua fazendo mais vítimas que as lutas armadas, alcançando números vergonhosos e assustadores.

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O problema do trânsito no Brasil, não seria demasia afirmar, deveria ser considerado como de segurança nacional. Daí a preocupação do legislador brasileiro em procurar regulamentá-lo, sempre buscando, como já de regra nas legislações brasileiras, proporcionar uma alteração na própria realidade fática do mundo. Assim, a Constituição Federal, em seu artigo 23, atribui competência comum às entidades federadas e municipais para: “XII – estabelecer e implantar política de educação para a segurança do trânsito.” Trata-se da chamada competência concorrente comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios onde cabe aos Estados-membros implantar leis de interesse regional ou intermunicipal e aos Municípios a organização do trânsito nas vias municipais estabelecendo as ruas preferenciais e impondo determinadas condutas quanto à velocidade, ao uso de buzinas, ao estacionamento, ao sentido das pistas, ao controle da poluição, aos estacionamentos, ao momento de carga e descarga, etc.

Claro que a matéria merecia amplo tratamento infraconstitucional, afinal no Brasil circulam cerca de trinta milhões de veículos atualmente, enquanto no segundo lustro da década de 1960 as estimativas apontavam quinhentos mil veículos circulando. Daí a necessidade de substituição do Código Nacional de Trânsito, instituído em 1966 pelo atual Código de Trânsito Brasileiro, instituído pela Lei 9503/97. É nele que se flagra o regramento detido da tão esperada educação e segurança do trânsito. Por óbvio, a necessidade de educação para a segurança do trânsito pressupõe a existência de condições materiais de segurança dos equipamentos comuns a todos os que se utilizam de veículos, vale dizer, das vias públicas. Por isso que logo no artigo 1º da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 se vê: “Art. 1. O trânsito de qualquer natureza nas vias terrestres do território nacional, abertas à circulação , rege-se por este Código. Parágrafo 2º – O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, nas respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.”

No mesmo Código consta que O Sistema Nacional de Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios que têm por finalidade o exercício das atividades de planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação, engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento de infrações e aplicação das penalidades (artigo 5º). Esse mesmo Sistema Nacional de Trânsito tem como objetivo básicos estabelecer diretrizes da Política Nacional de Trânsito, com vistas à segurança, à fluidez, ao conforto, à defesa ambiental e à educação para o trânsito, e fiscalizar seu cumprimento (artigo 6º). Pois bem. Feita esta análise fria da lei, necessárias digressões sobre o perfil prático buscado por ela. Como dito anteriormente, a matéria está amplamente regulamentada por vasta legislação, que procura, em última análise, corrigir as falhas do mundo fático proporcionando sua alteração. É a força do Estado legiferante procurando dirigir a realidade social.

Esta, digamos, “mania” brasileira de procurar mudanças e progressos por meio exclusivo da lei se mostra um tanto quanto equivocada. Não se muda um país pela tão só edição de uma lei. Não se alteram realidades por meio de diplomas, estatutos ou Códigos. A alteração de uma nação reclama muito mais do que isso. Reclama o exercício da chamada cidadania, que pressupõe, dentre outras qualidades, o conhecimento dos direitos de cidadão e, principalmente, os deveres de um verdadeiro cidadão, que refletem, em última análise, o comprometimento com o respeito aos direitos dos outros cidadãos.

Deste modo, os problemas de trânsito, assim como a maioria dos problemas de massa, encontram solução no respeito aos direitos que uns tem nos outros, ou melhor, no simples respeito aos deveres impostos a cada um de nós.

Isso implica dizer que o pedestre que pretende ver seu direito de trafegar com tranqüilidade e segurança corresponde ao correlato dever de, por exemplo, atravessar na faixa de pedestre ou andar na calçada (e não na rua). Ou ainda, o direito de exigir uma sinalização correta corresponde ao correlato dever de andar com velocidade compatível com a permitida ou no (simples, mas eficaz) uso do cinto de segurança.

É justamente assim que o problema do trânsito de Juara se atenuará: com a conscientização da própria população de que suas condutas devam se ater ao respeito às normas de trânsito e aos deveres a ela (população) inerentes.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Renee do Ó Souza

 

Promotor de Justiça de Mato Grosso

 


 

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