Resumo: diante da problemática crescente dos resíduos sólidos urbanos (RSU), os caminhos para a sustentabilidade requerem a interpretação e discussão das diretrizes jurídico-ambientais por meio dos preceitos normativos postos na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Considerando que a gestão e o gerenciamento do RSU devem ponderar os vieses técnico e socioambiental para a maioria dos municípios brasileiros, o presente artigo procura levantar tal assunto a partir do cenário jurídico contido na Lei federal n. 12.305/2010 e Decreto federal n. 7.404/2010. Ademais, este ensaio teórico utiliza-se do método dissertativo-bibliográfico. Por fim, defende-se a ideia da gestão participativa dos atores sociais como gestão integrada de resíduos sólidos e instrumento para a justiça socioambiental.
Palavras chave: Resíduos sólidos urbanos (RSU). Sustentabilidade. Justiça socioambiental. Diretrizes jurídico-ambientais. Lei federal n. 12.305/2010.
Abstract: in light of the growing issue of urban solid waste (USW), the move towards sustainability calls for the interpretation and discussion of legal and environmental guidelines throw the normative requirements in line with the National Policy on Solid Waste (NPSW). Whereas tenure and management of USW must be a technical and socio-environmental perception of the most Brazilian cities, the present article strikes to consider that subject from the legal scenario described in the Federal Law n. 12.305/2010 and Federal Decree n. 7.404/2010. Moreover, the written uses a bibliographic method. Therefore, It defends the idea of participatory management, which social actors has been the solid residue integrated management and instrument to socio-environmental justice.
Keywords: Urban solid waste (USW). Sustainability. Socio-environmental justice. Legal and environmental guidelines. Federal law nº 12.305/2010.
Sumário: 1. Introdução; 2. Política nacional de resíduos sólidos PNRS: uma política normativa;
2.1. Em busca da justiça socioambiental; 2.2. Produção de bens e modo de vida; 3. Diretrizes jurídico-ambientais pelo direito à sustentabilidade; 3.1. Do instrumento PMGIRS; 3.2. Dos processos produtivos e aproveitamento energético; 4. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Sob o olhar da tão debatida estratégia da sustentabilidade vê-se que preservar o meio ambiente, assegurar a manutenção da saúde pública e promover o desenvolvimento econômico é um grande desafio jurídico-político. Pois se abrange não apenas o cumprimento de normas gerais federais, mas também, especificamente no estudo deste artigo, a implementação ambiental e socialmente adequada dos serviços de coleta, destinação e disposição final dos resíduos sólidos frente às diretrizes da política normativa da Lei federal n. 12.305/2010.
Quanto à estratégia da sustentabilidade, apresentam-se duas perspectivas (LEFF, 2001): a visão tecnicista e a visão socioambiental. Concretamente, a destinação ou disposição final inadequada dos resíduos sólidos resulta em graves problemas de desperdício de materiais que podem ser usados em reciclagem ou reaproveitamento, além de trazer enormes desafios para a estratégia da gestão ambiental urbana (MILARÉ, 2011).
Afinal, para atender ao binômio desenvolvimento e sustentabilidade, o tema ganhou nova relevância após a publicação, em 2010, da Lei federal n. 12.305, instituidora da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). A referida lei exige que municípios envoltos nos problemas dos lixões, destacadamente os integrantes de áreas de interesse turístico ou populosos (com mais de 20 mil habitantes), elaborem planos de gestão integrada e estabeleçam processos de participação social para obter melhores resultados na gestão dos resíduos sólidos (art. 19).
Com a PNRS surgem elementos teóricos essenciais para concepção de um Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) – modus operandi daquela lei. O PMGIRS é imprescindível à captação de recursos econômicos do governo federal (Ministério das Cidades; idem, Decreto federal n. 7.404/10 e Lei federal n. 10.257/2001) para preservação do meio ambiente, desenvolvimento regional, geração de emprego e renda (art. 6º), e custeamento das tecnologias limpas de empresas privadas e seus serviços.
Então, o que preconizam as diretrizes jurídico-ambientais da Lei da PNRS frente ao novo direito de sustentabilidade?
Para responder à questão é preciso apreciar além da Lei federal n. 12.305/2010 (incluindo o Decreto federal n. 7.404/2010), a doutrina do Direito Ambiental, artigos científicos de cunho interdisciplinar e outras normas federais. Interpretando-se as diretrizes e os objetivos presentes na PNRS, a considerar o direito à sustentabilidade por dois vieses: tecnicista da lei e socioambiental da realidade vivida em quase totalidade das cidades brasileiras. Com a importância de tais apontamentos do cenário jurídico quanto aos planejamentos (diretrizes, metas, estruturas) sobre gestão e gerenciamento do RSU é possível se ter um “norte teórico” para a elaboração de um PMGIRS. Nesses resultados, inclui-se o fator exemplificativo da necessidade ou possibilidade de gerenciamento integrado de resíduos por empresa privada Biogas Nordic AB, na cidade de Santa Cruz, RN.
Por conseguinte, o presente texto tem como objetivo de análise as diretrizes jurídico-ambientais da política normativa Lei federal n. 12.305/2010, interpretando-se os principais fins dessa norma geral em relação ao conteúdo interdisciplinar das temáticas: produção, consumo sustentáveis, resíduos e justiça socioambiental. Isto é, identificando-se naquela lei os pontos de discussão de problemas ambientais, sociais, econômicos, administrativos, que também são de interesse jurídico. Para tanto, faz-se uso da metodologia bibliográfica (GIL, 2010) somada à análise de livros e leis pelo método descritivo político-normativo (DYE, 2005).
Para alcançar tal fim, as proposições deste artigo científico se dividem em duas partes ou capítulos: (i) Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS): uma política normativa; e (ii) Diretrizes jurídico-ambientais pelo Direito à Sustentabilidade. A primeira parte contextualiza o surgimento e para que veio a Lei federal n. 12.305, destacando seus principais aspectos gerais. A segunda parte traz pontos de interpretação das diretrizes jurídico-ambientais daquela lei pelo preceito da sustentabilidade: meio de desenvolvimento econômico e socioambiental nas cidades.
2. POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS (PNRS): UMA POLÍTICA NORMATIVA
Nos últimos 30 anos, a questão das políticas públicas frente à temática dos resíduos sólidos tem sido palco de debates nas cidades brasileiras. Na maioria dos casos os lixões, depósitos clandestinos que servem para enterramento de resíduos dos mais variados tipos, cresceram em proporção tal que ultrapassaram os limites geográficos dos centros urbanos até atingir as zonas rurais dos municípios. Impulsionada pelo consumo capitalista, a sociedade passou a produzir diariamente restos, entulhos, rejeitos e descartes em escala industrial, cuja proporção polui nas mais diferentes formas (visual, aérea, hídrica, geológica) as paisagens urbanas e rurais.
Atualmente, não se despreza tal realidade, que constitui muito mais do que um problema ambiental ou social, mas também de interesse jurídico, cujos gastos financeiros de serviço público com gestão e gerenciamento dos resíduos sólidos urbanos (RSU) ultrapassam milhões de reais/horas de trabalho humano todo mês. Essa constatação econômica passa despercebida aos olhos do cidadão contribuinte dos tributos diretos: IPTU e taxa de limpeza urbana, pois é natural à pessoa de mente mediana encarar o lixo como algo que quanto mais distante e escondido, melhor. Daí as cidades são povoadas de costumes irracionais quanto ao RSU, sendo a preocupação “fugir do problema”, literalmente livrar-se do lixo. A julgá-lo como um material inservível, sem valor agregado.
Então, só quando surge uma greve no serviço público de coleta e transporte do RSU, a sociedade se dá conta da gravidade do problema, que não se limita ao contexto da responsabilização da Administração Pública Municipal, porque também é uma responsabilidade individual de cada habitante (Lei federal n. 12.305/2010, art. 1º, § 1º). Enfim, o lixo não pertence à cidade, enquanto pessoa jurídica de direito público, mas sim à sociedade que o produz diariamente.
Após mais de 20 anos tramitando nas duas casas do poder legislativo nacional surge a política normativa sobre o lixo, a Lei federal n. 12.305, de 02 de agosto de 2010, instituidora da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Essa lei descreve, de forma geral, princípios, objetivos, instrumentos técnico-normativos, diretrizes para a realização da gestão integrada (entre pessoas jurídicas públicas, privadas e físicas), e do gerenciamento de resíduos sólidos, abrangendo os ditos perigosos e os rejeitos (resíduos sem possibilidade de reuso ou reciclagem), com exclusão dos resíduos radioativos, cuja disposição referida lei não trata. Além de confirmar o âmbito da responsabilidade penal e administrativa dos geradores de resíduos e do próprio Poder Público, com conceituação de termos técnicos, descrições formais de planos e autorização de instrumentos econômicos (concessão de créditos do erário, empréstimos, financiamentos, isenção de tributos, etc.) para entes públicos, privados e governamentais.
A Lei da PNRS veio a determinar diretrizes jurídico-ambientais que antes não havia, ao menos por completo, no sistema legislativo nacional em matéria de resíduos sólidos. Até antes da promulgação da Lei federal n. 12.305/2010, tal temática ficava a cargo das leis federais n. 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA), n. 9.795/1999 (Política Nacional de Educação Ambiental – PNEA), e n. 11.445/2007 (Política Nacional de Saneamento Básico – PNSB). Mais especificamente, a lacuna legislativa foi preenchida, em 2005, pela Lei federal n. 11.107, e, em 2007, pelo Decreto federal n. 6.017. Ambas as normas tratavam da gestão associada de serviços públicos, tendo como meta maior a Gestão Integrada e Compartilhada de Resíduos Sólidos. Nesse momento, teve-se a ideia de uma gestão ambiental, governamental e empresarial conjunta na resolução da problemática dos resíduos sólidos. Isto é, um tratamento diferenciado a cada situação do resíduo e localidade do modus operandi (o município). Articulando-se, ainda, todos os demais entes federativos (federação, estados, distrito) em ações claras e responsáveis na elaboração de suas próprias leis específicas de interesse local ou regional.
2.1 EM BUSCA DA JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL
De início, deve-se saber que, no Brasil, a atual superinflação de normas (gerais e específicas) não significa a garantia de uma justiça socioambiental. Isso porque não é função das normas jurídicas modificar situações de riscos ecológicos ou sociais, por mais que se queira, em um joguete do senso comum: “se há lei, há justiça”, solucionar os complexos problemas ambientais através da tarefa estatal na promulgação de leis. Bem verdade que a criação de leis é um fenômeno inexorável ao aparelho estatal contemporâneo. Porém, é preciso conhecer que a única solução possível para a problemática socioambiental estaria em se considerar que o que dá legitimidade ao Estado capitalista atual não são exclusivamente normas jurídicas. Pois, ao que explica o sociólogo e jurista Enio Waldir da Silva (2012, p. 99):
“As leis e as demais espécies normativas aparecem apenas como um de outros fatores que têm de guiar a atividade pública. Deve-se também considerar, em idêntico patamar, toda a série de direitos fundamentais que estão consagrados nos ordenamentos dos povos democráticos, desde tradicionais institutos do sistema capitalista (como a propriedade privada e a livre iniciativa), a outros direitos que foram tutelados no decorrer dos anos, como saúde, educação, previdência social e meio ambiente.”
Tem-se, ainda, que o Estado brasileiro é racional, ao que deve optar pela segurança e estabilidade dos cidadãos, indo além do cumprimento de leis (legalidade estrita) quando na efetivação de valores e direitos fundamentais quais os esculpidos na justiça socioambiental. Por exemplo, não pode um dado município envolto na problemática dos lixões, qual a cidade de Santa Cruz, RN, abster-se de amparar econômica e socialmente os catadores de resíduos sólidos, muito menos permitir que seus recursos naturais continuem sendo contaminados por pura e simples argumentação de não haver uma lei municipal que controle tal situação de risco. Por vezes, muitos entes políticos atribuem à burocracia interna um motivo inexistente pela própria Constituição Federal, tornando a máquina pública envolta na improbidade administrativa por ineficiência reiterada dos serviços essenciais de saneamento básico. Ou ainda,
“O que é mais grave é que são tantos os atos internos da administração, muitos dos quais incompatíveis uns com os outros, que constantemente deixa o servidor de levar em conta normas hierarquicamente superiores, como as leis e, até mesmo, dispositivos constitucionais, tudo, à evidência, em prejuízo do bom andamento dos trabalhos administrativos e dos direitos do administrado a uma administração pública eficaz” (SILVA, 2012, p. 99).
Pelo viés tecnicista dos “bons costumes” (execução de projetos dispendiosos ao erário e de infraestrutura imediatista) da Administração Pública brasileira, tem-se que o equilíbrio ecológico e a igualdade social são perfeitamente alcançados através das tecnologias (revolução técnico-científica) e sua capacidade de reverter os impactos ambientais (despoluição do meio ambiente). Como se a construção de um oneroso aterro sanitário fosse, por definitivo, trazer a solução à problemática do RSU. Ledo engano. Essa perspectiva tecnicista não considera os tempos ecológicos de produtividade (resiliência), nem mesmo traz alguma promessa de justiça socioambiental. Por vezes, o próprio viés tecnicista revela leis de concessão municipal de serviço público do manejo de RSU favorecendo grandes empresas privadas e seus maquinários sofisticados. Frise-se ser algo importante, mas longe de solucionar tal problemática do ponto de vista socioambiental.
Enquanto que o viés socioambiental segue a ideia de reconstrução da ordem econômica e seu modelo de produção através dos limites de crescimento; examinando os padrões dominantes de uma sociedade de consumo (LEFF, 2001), além de propor um diálogo entre tecnologias, atores sociais, processos ecológicos e culturais: uma Gestão Democrática (art. 2º, II, Lei federal n. 10.257/2001). Ou seja, uma administração urbana que seja por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de um PMGIRS, em projetos e programas de gerenciamento do RSU.
Igualmente, para o alcance continuado da justiça socioambiental é preciso emponderar e autonomizar os atores sociais dos resíduos sólidos. Pois, paralelamente às obrigações outras postas na Lei federal n. 12.305, a norma prevê que o Poder Público institua incentivos econômicos aos participantes do sistema de coleta seletiva (art. 35, par. úni.). O que, todavia, não significa a leitura dessa lei uma inibição do pleno exercício do Poder de Polícia da Administração Pública, quando esta deve fiscalizar e impor sanções aos descumpridores das normas ambientais vigentes.
Além disso, o aparecimento da recente Lei Geral da PNRS não significou a substituição tácita e simples daquelas leis federais anteriores, mas sim a complementação delas. A unir metas e ações dirigidas pelo governo federal, isolada ou conjuntamente com a execução por parte dos demais entes federativos (Municípios, Estados e Distrito Federal), e entes privados com objetivo à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente correto dos resíduos sólidos. Aqui também entendidos como meios geradores de emprego e renda aos cidadãos.
A complementar a Lei da PNRS, a Lei federal n. 10.257/2001 (Estatuto das Cidades) aponta como diretriz principal da política urbana o direito à Cidade Sustentável. Referido direito é relacionado à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (art. 2º, I). Percebe-se que a concepção teórica de uma Cidade Sustentável vai ao encontro do que se entende por desenvolvimento sustentável. Trata-se de um viés socioambiental integrado entre meio ambiente e estrutura socioeconômica, a abranger a capacidade de resiliência dos ecossistemas (produção no espaço urbano) e qualidade de vida (consumo sustentável). Aliás, não se pode ater-se àquela ideia sem uma “ordem ambientalmente racional, humana e sem alienação social” (HANNIGAN, 2009, p. 24).
Do mesmo modo, o desenvolvimento sustentável é entendido como uma conciliação entre a “redistribuição dos resultados do processo produtivo e a erradicação da pobreza, de forma a reduzir as disparidades nos padrões de vida e melhor atendimento da maioria da população” (SILVA, 2004, p. 26). Entendendo-se o desenvolvimento como fator de eliminação da pobreza absoluta, que satisfaça um nível de qualidade de vida para toda a população, mas não aquela ideia de “desenvolvimento” como uma industrialização pró-empresária, a enriquecer economicamente um restrito grupo de pessoas.
Com clareza, “a sustentabilidade, entendida como valor e como princípio constitucional, garante a dignidade dos seres vivos e a preponderância da responsabilidade antecipatória, via expansão dos horizontes espaciais e temporais das políticas regulatórias” (SILVA, 2004, p. 27).
Apesar dos desafios jurídico-políticos que povoam a Lei federal n. 12.305/2010, quando sua aplicação, implementação e execução se dá, em muitos municípios, de forma tardia, com proporções de poluições que são desconhecidas, além das sérias dificuldades em se identificar seus agentes responsáveis. A exemplo das “áreas órfãs contaminadas” – termo descrito na lei (art. 3º, III) como sendo áreas contaminadas cujos responsáveis pela disposição irregular ou ilegal do lixo não são identificáveis civil e penalmente, nem sequer individualizáveis na maioria das vezes. Fazendo dos impactos ambientais também “órfãos”. Também, a PNRS vem a fortalecer enquanto processo contínuo que é sua implementação, cujo prazo de início de planos e projetos municipais sobre RSU vai até o ano de 2018 (MP 651/14), o atendimento de principais questões socioambientais que assolam o Brasil: a problemática dos resíduos sólidos e a miséria dos catadores de lixo.
2.2 PRODUÇÃO DE BENS E MODO DE VIDA
A partir do século XX, a crescente demanda capitalista por produção de bens em atendimento ao mercado global (lucro por exportação e importação de produtos) fez nascer um modo de vida consumista (american way of life). Em comportamentos sociais padronizados, que consoante Greice Pinz (2012, p. 153):
“(…) decorrem da forma industrial de produção de bens e do modo de vida (caracterizado, sobretudo, pelo consumo) que se constituiu no bojo da sociedade moderna, como condição de sustento desta; e, de outra parte, revelam-se hoje, com a proporção assumida pelo descarte de materiais, em um problemático subproduto da modernidade, convertido em objeto de preocupação da própria indústria, da ciência, do poder público e da sociedade em seu todo.”
Com a urbanização acelerada sob reflexos da ocupação e uso do solo urbano, a sociedade sedenta por alimentos, conforto material, moradia, transporte, lazer, etc., apelou ao discurso “racional” do progresso tecnológico, do avanço científico e do crescimento industrial para atender às “necessidades humanas” (mercado consumidor). Consequentemente, a produção dos resíduos sólidos desencadeia um imprevisível caos ambiental nas cidades: poluição. Uma questão tanto social quanto econômica.
Diante disso, a poluição dos resíduos sólidos gravita em torno de vários tipos de contaminação ou afetação, tanto do meio biótico quanto abiótico, com riscos significativos à saúde pública, a comprometer o uso dos recursos naturais. Principalmente, há muitos casos de poluição geológica os quais o período de latência entre o fato causador e a manifestação ou percepção do dano ambiental pode demorar anos, talvez décadas para vir à superfície. A exemplo de casas e condomínios edilícios construídos sobre terrenos que abrigam antigos lixões: local de graves danos à saúde dos moradores e à estrutura física das construções, haja vista gases e fluidos tóxicos que emanam do solo.
Em uma percepção da realidade (ou risco) trazida pelo RSU, conforme recentes dados divulgados pela ABRELPE e IBGE (2013), foram gerados no Brasil a quantidade crescente de 209.280 toneladas/dia de RSU, um número agigantado. Por outro lado, em dado positivo, o número de municípios brasileiros com iniciativas de coleta seletiva cresceu de forma relevante, para mais de 5.570 iniciativas privadas entre 2012 e 2013. Do mesmo modo, a destinação final correta de RSU tonelada/dia aumentou, para 58,3% em aterros sanitários.
Ainda, os valores de recursos financeiros aplicados na coleta de RSU também aumentaram se comparados aos anos anteriores, com o número atualizado de R$ 8,167 milhões de reais por municípios brasileiros, no ano de 2013. Também cresceu positivamente o número de empregos diretos gerados pelo setor de limpeza urbana, totalizando-se, no Brasil, a quantia total de 332.777 empregos, dos quais 144.726 foram públicos, e 188.051 foram privados (ABRELPE, 2013). Em síntese, referidos numerários demonstram que desde a vigência da PNRS, ano de 2010, o país tem tido resultados positivos crescentes, apesar do número também crescente dos resíduos sólidos gerados pelos municípios.
Entretanto, o modelo de percepção do risco em dados estatísticos, ou mesmo aquele de caráter “entrevista de campo”, não demonstra a essência da problemática dos resíduos sólidos: a cultura do consumo excessivo e as frequentes gestões públicas municipais que desprezam o caráter interdisciplinar dos empreendimentos (sentido amplo) de cunho ambiental, quando desconsideram o lado sociológico do problema. Ao que “existe uma sistemática força de atração entre pobreza extrema e riscos [da pesquisa em consultoria técnica] (…), cegueira material e cegueira diante do risco” (BECK, 2010, p.49). Pois, dentro do contexto atual dos impactos ambientais pela produção de RSU, não há como omitir a culpabilidade governamental, nem sequer ter a estratégia da sustentabilidade sem o viés da consciência ecológica e da justiça socioambiental.
3. DIRETRIZES JURÍDICO-AMBIENTAIS PELO DIREITO À SUSTENTABILIDADE
Pelo viés ambiental, a Lei federal n. 12.305/2010 apresenta objetivos e diretrizes que estão legitimados na Constituição Federal de 1988, destacadamente em seu art. 225: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Especificamente, a Lei da PNRS descreve diretrizes jurídico-ambientais que regem o Sistema de Gestão de Resíduos Sólidos (SGRS), este hoje consolidado através do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS). Dentre vários princípios ambientais presentes nessa norma, dois são elementares: sustentabilidade e participação social. Suas diretrizes respeitam a seguinte ordem de prioridades: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos (art. 9º).
Igualmente, a PNRS prevê a implantação de aterros sanitários para disposição final de rejeitos (aquilo que não pode ser aproveitado ou reciclado). Tais aterros serão revestidos de ampla tecnologia a fim de evitar contaminação do ar, do solo e da água subterrânea; tratando-se, também, o líquido tóxico peculiar aos lixões (chorume) e os gases explosivos provenientes da decomposição orgânica (metano). Para isso, vale-se de processos de reutilização dos resíduos sólidos sem sua transformação biológica, física ou físico-química; de reciclagem; e disposição final dos rejeitos em aterros sanitários, em respeito às condições e padrões estabelecidos pelos órgãos do Sisnama, SNVS e Suasa (art. 3º, XIV, XV, XVIII).
Os caminhos ou objetivos da Lei da PNRS são a proteção da saúde pública e a manutenção da qualidade ambiental (art. 7º, I, II). E ainda,
“III – estímulo à adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços;”
O inciso III do art. 7º tem por objetivo o Princípio do Consumo Sustentável, ao que deve a sociedade optar pela produção e consumo de bens e serviços, industriais ou não, que realmente atendam às necessidades atuais, além de permitir melhores condições materiais de vida às futuras gerações humanas, sem destruir a qualidade ambiental (art. 3º, XIII). O legislador ambiental fez perceber os fatores ambientais mostrados pela realidade do início deste século XXI, quais sejam: os sistemas e relações sociopolíticas de gestão do problema. Pois cabe à lei antecipar os fatos negativos, os perigos de poluição e contaminação dos recursos naturais, as ameaças que se ainda não ocorreram, serão iminentes de ocorrer às gerações humanas futuras. Afinal, como ensina Beck Ulrich (2010, p. 40), “o núcleo da consciência do risco não está no presente, e sim no futuro”.
“IV – adoção, desenvolvimento e aprimoramento de tecnologias limpas como forma de minimizar impactos ambientais;
V – redução do volume e da periculosidade dos resíduos perigosos;
VI – incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados”;
Na interpretação dos incisos IV, V, e VI do artigo 7º, da Lei da PNRS, fica evidente mais uma vez que a reciclagem é a principal alternativa para obtenção do desenvolvimento sustentável nas cidades brasileiras. Nesse sentido, descreve Márcio Magera (2010, p. 102 e 103),
“A reciclagem vem se apresentando como uma alternativa social e econômica à geração e concentração de milhões de toneladas de lixo produzido diariamente pelos grandes centros urbanos espalhados pelo mundo; entretanto sua maior importância se dá no campo do desenvolvimento sustentável, visto que proporciona uma economia de recursos naturais do planeta, com 74% a menos de poluição do ar; 35% a menos de poluição da água; um ganho de energia de 64%. Dependendo do produto, gera uma redução de 30% a 40% da matéria-prima utilizada, e um exemplo é a fabricação das latinhas de alumínio em que há uma economia de 90% de bauxita a cada latinha nova posta no mercado, além de isso gerar, também, cinco vezes mais empregos do que os gerados na extração da matéria-prima virgem.”
Contudo, na maioria dos casos, a reciclagem empregada no Brasil, a citar aquela efetuada no centro da cidade de São Paulo através da coleta seletiva, é a mais pura reinvenção capitalista, “travestida de ecologia e falando na defesa do meio ambiente (…), ações ecológicas para se apresentar por baixo do seu traje, como uma reciclagem” (Legaspe, 1996, p. 23, apud Magera, 2010, p. 106). Algo longe da real sustentabilidade urbana, uma vez que muitas indústrias de reciclagem não cumprem, na íntegra, a PNRS. Isso porque há, por parte de muitos industriais e seu desejo de lucro imediato, a tentativa de burlar as próprias diretrizes da PNRS, quando estas também visam proibir as seguintes formas de destinação ou disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos (art. 47): I – lançamento em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos; II – lançamento in natura a céu aberto, com exceção dos resíduos de mineração; III – queima a céu aberto ou em recipientes, instalações e equipamentos não licenciados para essa finalidade; IV – outras formas vedadas pelo Poder Público. Levando-se em consideração que nem todo o material coletado para reciclagem é realmente “100% reciclável”, a gerar vários resíduos indesejáveis tanto ao industrial quanto ao meio ambiente.
No mesmo sentido, a Lei federal n. 12.305 veda a importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como aqueles cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal, e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reuso, reutilização ou recuperação (art. 49). Por outro lado, excepcionalmente, como se observa na cidade de Santa Cruz, RN, onde a situação do lixão a céu aberto é visivelmente crítica, deve-se, por meio de decreto do Poder Executivo local e autorização dos órgãos competentes do Sisnama ou SNVS ou Suasa (aqui se inclui o IBAMA), realizar a queima dos resíduos sólidos sob técnicas ecologicamente corretas, a exemplo de uso das Usinas Verdes da empresa Biogás Nordic Ab. Essa medida é extrema e não será realizada se tiver alguma vedação outra do próprio Poder Público (art. 48, V), ou desrespeitar o Protocolo de Kyoto (acordo internacional para redução das emissões atmosféricas), no qual o Brasil é signatário.
“VII – gestão integrada de resíduos sólidos;”
A ideia primeira de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos não surge apenas no inciso VII da Lei da PNRS, mas já constava no Decreto federal n. 6.017/2007 (art. 2º, II, “c”, IX), como um conjunto de atividades de planejamento, regulação ou fiscalização de serviços públicos por meio de consórcio público ou de convênio de cooperação entre entes federados, acompanhadas ou não da prestação de serviços públicos ou da transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. Instituiu-se, pois, a estratégia da gestão ambiental empresarial, quando ao ente público ou governamental cabia dar oportunidade aos serviços técnico-industriais de empresas privadas especializadas em gerenciamento de resíduos sólidos.
No entanto, referida legislação anterior à Lei federal n. 12.305 não centralizava esforços na resolução da problemática do lixo per si, propondo mais uma “administração” do problema. Inclusive, aquela legislação deixou brechas quanto aos sistemas de gestão de resíduos sólidos. Logo, somente em 2010, com o surgimento da Lei da PNRS, houve clareza na diretriz do tratamento adequado de resíduos sólidos, além de responsabilizar governos, sociedade e empresários sobre a produção destes.
“VIII – articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos;”
A Lei federal n. 12.305 trouxe como diretriz ao Sistema de Gestão de Resíduos Sólidos (SGRS): proteger a saúde pública e garantir meios de qualidade de vida humana em harmonia com o meio ambiente; não gerar, mas sim reduzir, reutilizar, reciclar, gerenciar os resíduos sólidos e rejeitos até a destinação ou disposição final ecologicamente adequada; desenvolver o consumo sustentável nas cidades; integrar os serviços de limpeza urbana e tratamento dos resíduos; articular a gestão dos resíduos sólidos com as diferentes esferas do Poder Público, norteando a cooperação técnica e financeira entre os diversos entes (governamentais, públicos e privados) e setores sociais. A completar esse sentido, o art. 7º e incisos mostram:
“IX – capacitação técnica continuada na área de resíduos sólidos;
X – regularidade, continuidade, funcionalidade e universalização da prestação dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, com adoção de mecanismos gerenciais e econômicos que assegurem a recuperação dos custos dos serviços prestados, como forma de garantir sua sustentabilidade operacional e financeira, observada a Lei nº 11.445, de 2007;
XI – prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para:
a) produtos reciclados e recicláveis;
b) bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis;
XII – integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos;”
No inciso XII, percebe-se a preocupação do legislador com a participação dos atores sociais historicamente excluídos do sistema SGRS: os catadores de lixo. Trata-se da sustentabilidade socioambiental, que se baseia em uma visão integral das variáveis técnicas, econômicas, sociais, culturais, ambientais e políticas como meio para resolução da problemática dos resíduos sólidos. Aliada a essa estratégia, estão os mecanismos de coleta seletiva ou de logística reversa sob a forma de inclusão social dos catadores de lixo, cooperativas, associações e outras formas de participação de pessoas físicas de baixa renda (art. 40, Decreto federal n. 7.404/2010).
Na contramão da legislação, tem-se o fato da omissão pública na autonomização e apoio aos “atores invisíveis”. Por vezes, os catadores de lixo são excluídos das ações emergenciais de contenção do problema dos lixões, quando muitos municípios, inclusive aqueles com população inferior a vinte mil habitantes (art. 51, §1º, IX, Decreto federal n. 7.404/2010) utilizam-se das táticas meramente técnicas de limpeza urbana; esquecendo-se da participação popular. A gestão ambiental de qualquer ente político deve, então, emergir das reflexões interdisciplinares na busca por soluções socioambientais, pois “a análise ecológica sem enfoque sociológico é incapaz de lidar com a crise contemporânea da Terra” (HANNIGAN, 2009, p. 26).
Daí, por infelicidade de muitas gestões municipais, os próprios processos decisórios na elaboração das agendas políticas e seus planos de contenção dos resíduos sólidos estão distantes dos valores da democracia, da sociedade sustentável, porque são elaborados por um único grupo influente, os “empresários políticos”. Nesse sentido, tem-se a Teoria do Grupo descrita pelo cientista político norte-americano Thomas R. Dye (2005, p. 20-22), ao mostrar a política como um equilíbrio coletivo. Isto é, tal teoria se inicia pelo pressuposto de que a interação entre grupos é o fator principal da Política. Isso no sentido benevolente, mas não “politiqueiro” quando os indivíduos com interesses egoísticos se juntam formal ou informalmente para pressionar seus respectivos projetos no governo. Nada surpreende o fato de que dadas políticas ditas coletivas são, em realidade, a aplicação mais favorável de determinada classe ou grupo social em exclusão de outra.
A Lei da PNRS não apoia que o Legislativo ou Executivo Municipal referenciem interesses de grupos empresariais políticos tão-somente. Como daquelas “vitórias” de uma coalizão política exitosa, qual a registrada nos termos de revogação, compromissos e conquistas na forma de contratos de licitação pública com licitantes “vencedores”, que, outrora, nada coincidência, foram “investidores” de doações em campanhas eleitorais. Tanto que, na exigência legal de priorizar e favorecer a contratação pelo Poder Público de cooperativas ou associações de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, há a dispensa de licitação (Decreto federal n. 7.404/2010, art. 44; Lei federal n. 8.666/1993, art. 24, XXVII).
“XIII – estímulo à implementação da avaliação do ciclo de vida do produto;”
3.1 DO INSTRUMENTO PMGIRS
A PNRS ordena instrumentos ambientais para a gestão de resíduos, assim descritos: planos de gestão integrada de resíduos sólidos; análise e avaliação do ciclo de vida dos produtos; e logística reversa. Para a implementação desses instrumentos ambientais, o art. 18 da Lei federal n. 12.305 indica a elaboração do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS), deixando claro, mais uma vez, que o modus operandi da PNRS é o município. Esse ente federativo deve ter acesso a recursos econômicos do governo federal, destacadamente através do Ministério das Cidades, com autorização no Decreto federal n. 7.404/2010 e Lei federal n. 10.257/2001, objetivando a preservação do meio ambiente, desenvolvimento regional, geração de emprego e renda, e custeamento das tecnologias limpas de empresas privadas e serviços nos municípios (art. 6º e incisos, Lei da PNRS).
Quanto à elaboração do instrumento PMGIRS por parte dos municípios (art. 14, IV, V, da PNRS) e seu corpo técnico, somando-se à interpretação do jurista Édis Milaré (2011), é imprescindível a contratação de advogados, preferencialmente aqueles com formação no nível de mestrado na área do Desenvolvimento, Meio Ambiente e Direito Ambiental. Também, contratar técnicos engenheiros, economistas, sociólogos e gestores ambientais para o diagnóstico dos resíduos sólidos em dado território, bem como definir as várias etapas, análises e definições técnicas para o estabelecimento do sistema de operação do plano, tendo em vista estratégias socioambientais e sustentabilidades.
Ainda, para o cumprimento dos requisitos da Lei federal n. 12.305, que não deve ser fonte única de consulta para elaboração do PMGIRS, é preciso haver primeiro a caracterização de um ou mais municípios, conforme o plano for municipal ou intermunicipal, compreendendo todos os resíduos sólidos gerados nas áreas de abrangência. As áreas de abrangência são definidas como “os valores de áreas do Brasil, Estados e Municípios em vigor, segundo o quadro territorial vigente em 01 de janeiro de 2001, constantes na Resolução da Presidência do IBGE de n. 5” (BANCO DO BRASIL, 2011, p. 4). O PMGIRS deve ser atualizado ou revisto periódica e prioritariamente de forma simultânea à elaboração dos Planos Plurianuais dos municípios (PPA), de modo que as ações e os recursos previstos possam ser aprovados e incluídos no orçamento municipal.
Os serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de RSU deverão estar inseridos nos planos de saneamento básico (Lei federal n. 11.445/2007, art. 3º, I, “c”), em respeito àquele conteúdo mínimo previsto no art. 19 da PNRS (diagnóstico, identificação, procedimento, indicadores, regras, definições, programas, meios, descrições e ações em prol da gestão dos resíduos sólidos). Ademais, o PMGIRS e os planos de saneamento básico devem compor a realidade in loco da gestão de resíduos sólidos no município, de modo a permitir que seja esboçada uma situação presente e de alcance no futuro, compondo tais planos um processo contínuo de gerenciamento em um território delimitado.
Infelizmente, a elaboração de um PMGIRS vem sendo um “obstáculo” para a grande maioria dos municípios brasileiros, haja vista o entrave no acesso aos recursos econômicos da União, só liberados por meio desse plano. Daí a Lei da PNRS é descumprida reiteradamente desde o último prazo vencido em agosto de 2014, este então postergado para o ano de 2018 (MP 651/14). Também pior, são os gestores municipais (prefeitos) que descumprem as diretrizes legais da Lei federal n. 12.305. Ou na melhor situação, eles executam apenas pedaços do Sistema de Gestão e Gerenciamento de Resíduos Sólidos (SGRS). Resumindo a PNRS, pois, aos serviços de limpeza urbana, de coleta de lixo domiciliar; longe de resultar, porém, no estabelecimento do sistema de participação democrática dos atores sociais, excluindo-os também da revisão periódica do plano.
Porquanto, aquelas diretrizes do sistema SGRS terminam por serem descumpridas, não havendo o enfrentamento da problemática da geração de resíduos que é seu objetivo, limitando ações e programas de gerenciamento a intervenções técnicas superficiais e “suspeitas” de grupos empresarias aos quais não incluem o diálogo com os catadores de lixo – “atores invisíveis” no processo. Põe-se em cheque a tão propalada estratégia da sustentabilidade socioambiental.
3.2 DOS PROCESSOS PRODUTIVOS E APROVEITAMENTO ENERGÉTICO
Outra importante diretriz da PNRS surge no contexto econômico-ambiental em que se insere a implantação das Usinas de Recuperação Energética no Brasil, a incluir a necessidade de aquisição de novas tecnologias (com o menor impacto ambiental possível) e o planejamento ambiental. Ou seja, o aproveitamento energético descrito na Lei federal n. 12.305, art. 7º, XIV, está contextualizado nas diretrizes aplicáveis à gestão e ao gerenciamento em não geração, redução, reutilização, reciclagem e tratamento dos resíduos sólidos. Ademais, a utilização dos resíduos sólidos nos processos de recuperação energética obedecerá às normas estabelecidas pelos órgãos competentes (Decreto federal n. 7.404/2010, arts. 36, 37, par. úni).
“XIV – incentivo ao desenvolvimento de sistemas de gestão ambiental e empresarial voltados para a melhoria dos processos produtivos e ao reaproveitamento dos resíduos sólidos, incluídos a recuperação e o aproveitamento energético;”
Detalhadamente, a recuperação energética referida no § 1º do art. 9º da Lei federal nº 12.305, será por meio do manejo de RSU, resíduo assim qualificado no art. 13, inciso I, alínea “c”, dessa Lei, que deverá ser disciplinada em ato conjunto com o Ministério do Meio Ambiente, Ministério de Minas e Energia, e Ministério das Cidades. Observando-se que referidas metas não se aplicam ao aproveitamento energético dos gases gerados na biodigestão e na decomposição da matéria orgânica de RSU em aterros sanitários, pois estes constituem impactos ao meio ambiente.
Atualmente, o modelo de Usinas Verdes é utilizado para obtenção de energia elétrica através da queima de resíduos sólidos. A exemplo, já citado anteriormente, da empresa privada sueca Biogas Nordic AB[1], que utiliza práticas de gestão ambiental mais evoluídas no mercado internacional, a envolver a separação dos resíduos gerados em cada fase produtiva, cujo aproveitamento se dá por meio de tecnologias limpas. Principalmente, tais técnicas se tornam viáveis diante de alguns materiais residuais (massa de rejeitos) misturados ao RSU, que são impossíveis de reaproveitamento na indústria de reciclagem; sendo a destinação final destes tão-somente a incineração em fornos especiais de combustão controlada, de 1.000 a 1.450 ºC (FUNASA, 2007, p. 266).
Em realidade, diante do atual e grave quadro de geração de resíduos sólidos nos municípios brasileiros, com influências também mundiais, as concepções ecológicas das chamadas “tecnologias limpas” ficam submissas às práticas imediatistas e desenvolvimentistas da gestão pública, cuja preocupação maior é uma mitigação do problema do lixo, mas não a solução definitiva; a escolha do caminho mais fácil, e não do caminho melhor. Restando à incineração de RSU um imperativo em prol do desenvolvimento urbano e seu discurso de aproveitamento energético. Ao revés de se repensar os instrumentos e as diretrizes jurídico-ambientais que conciliem, com o mínimo de impactos ambientais, os valores econômicos e sociais.
4. CONCLUSÃO
Nos lixões estão as maiores fontes de poluição do meio ambiente, assim como os grandes problemas que afetam a qualidade de vida e preocupam o Poder Público. Sendo as práticas de gestão pública importantes para equacionar, ou mesmo solucionar, os problemas socioambientais referentes ao destino e disposição final dos resíduos sólidos. Ao que é de grande necessidade haver a responsabilização dos municípios para com a temática denominada comumente de “limpeza urbana” (numa acepção apenas técnica da administração pública).
A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) tem uma abrangência formidável. Isso porque se exige a participação da comunidade para a solução da problemática dos resíduos sólidos. Revestindo-a de um direito socioambiental à sustentabilidade, por suas diferentes faces na visão interdisciplinar do meio ambiente (sanitária, social, econômica, técnica, cultural e política).
Um caminho desafiador e, também, grandioso dessa política normativa nacional é que ela não conhece limites de competência jurídica – exceto aqueles determinados na Constituição Federal de 1988 – nem de classes sociais nem de limites geográficos pelas fronteiras geopolíticas do Brasil. Extraordinariamente, os efeitos diretos e indiretos da PNRS interessam a outros países, destacadamente os que se encontram no âmbito do MERCOSUL e aqueles que necessitam importar as bem-elaboradas legislações ambientais brasileiras.
No entanto, ainda existe uma grande distância entre a realidade e a teoria posta pela norma jurídica. Pois ainda é frequente a ausência de aterros sanitários nas cidades brasileiras, expressa pela preterida responsabilidade compartilhada por parte da maioria dos gestores públicos. Problema que afeta não só o ambiente humano (artificial), como também se salienta nas diversas formas de poluição do ambiente natural. A trazer enormes consequências negativas à qualidade de vida da comunidade e ao equilíbrio dos ecossistemas.
Do mesmo modo, não se deve somente atribuir o descumprimento de parte ou total das diretrizes da PNRS ao gestor público, ao prefeito do município. É preciso abraçar a ideia que sucede à Lei federal n. 12.305: Construção da Comunidade Sustentável. Ou seja, buscar aliar tecnologia, educação e instrumentos legais a fim de desenvolverem-se obras minimizadoras de impactos negativos do lixo, principalmente, à saúde da população, e recuperação de algumas áreas urbanas poluídas; com inclusão das questões socioeconômicas (emprego, distribuição de renda, redução das misérias sociais, etc.).
Ademais, mesmo com a responsabilização legal dos agentes pela omissão ou ação de empreendimentos que deram causa aos impactos ambientais dos lixões e a concessão de incentivos econômicos aos atores sociais envoltos no manejo dos resíduos sólidos, ainda estarão longe do sentimento da justiça socioambiental. Isso porque o caminho é intricado, ao que se deve mudar o próprio comportamento cultural da então intitulada “sociedade do descartável” (GORE, 1993), uma vez que os recursos naturais são tratados como infinitos diante do suprimento infindável dos bens de consumo em repositórios sem limites, agravando, inclusive, as disparidades sociais entre os economicamente pobres e ricos.
Portanto, as diretrizes jurídico-ambientais da PNRS refletem a ideia de desenvolvimento sustentável presente na Constituição Federal atual (art. 225), sem perder o foco de serem os resíduos sólidos urbanos (RSU) um grave problema social. Utilizando-se daquelas várias dimensões que envolvem a estratégia ou processo de sustentabilidade. De modo que a sociedade possa preservar os ecossistemas existentes e garantir a sobrevivência das presentes e futuras gerações humanas (Princípio da Equidade Geracional).
Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente PRODEMA/UFRN. Advogado. Bacharel em Direito – Universidade Potiguar UNP. TÃcnico em GestÃo Ambiental – SENAI. Membro da ComissÃo de Direito Ambiental da OAB/RN
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