Conhecimento do latim cognitio representa em geral, uma técnica para aferição de um objeto qualquer, ou a disponibilidade ou posse de uma técnica semelhante. Deve ser entendido como qualquer procedimento que possibilite a descrição, o cálculo ou a previsão verificável de um objeto; e por objeto entende-se ser qualquer entidade, fato, coisa, realidade ou propriedade.
Conhecimento também advém do latim cognoscere, que significa procurar saber, conhecer. Trata-se de função ou ato de vida psíquica que tem por efeito tornar um objeto presente aos sentidos ou à inteligência.
É apropriação intelectual de determinado campo empírico ou ideal de dados, tendo em vista de dominá-los ou utilizá-los. Assim o termo pode designar tanto a coisa conhecida quanto também o ato de conhecer (subjetivo) e o fato de conhecer.
A técnica é o uso normal de um órgão do sentido tanto quanto a operação com instrumentos complexos de cálculo: ambos os procedimentos permitem aferições verificáveis.
No entanto, não devemos acreditar que tais aferições sejam infalíveis ou exaustivas, posto que sempre renováveis e substituíveis. A verificabilidade dos procedimentos de aferição significa a repetibilidade de suas aplicações, de modo que um fato ou conclusão só permanece enquanto subsistir a possibilidade da aferição.
Observamos que a técnica de aferição poderá ter diversos graus de eficácia e podem em última análise, ter eficácia mínima ou até nula. E, nesse caso, perdem completamente, a qualificação de conhecimento.
A disponibilidade ou posse de certa técnica cognitiva designa a participação pessoal dessa técnica. Portanto, temos o significado pessoal ou subjetivo do conhecimento, que é de caráter secundário ou derivado, pois o significado primário é objetivo e impessoal.
Esse significado primário também nos permite fazer facilmente a distinção entre crença e conhecimento. Na crença reside o empenho na verdade de uma noção qualquer, ainda que não aferível. Já o conhecimento é procedimento de aferição ou participação possível em tal procedimento.
Assim pelo procedimento de aferição visa a um objeto e instaura com este uma relação da qual venha surgir uma característica efetiva deste.
Portanto, as interpretações dadas ao conhecimento ao longo da história da filosofia podem ser consideradas como interpretações dessa relação, e resume-se em duas alternativas fundamentais:
a 1ª.) essa relação é uma identidade ou semelhança (que é uma identidade fraca e parcial); e a operação cognitiva é procedimento de identificação com o objetivo ou de reprodução deste;
2ª) a relação cognitiva é um procedimento de transcendência.
Verificamos que a primeira alternativa traz a interpretação que é a mais comum na filosofia ocidental. E que por sua vez pode ser dividia em duas fases distintas.
Na primeira fase a identidade e semelhança com o objeto é entendida como identidade e semelhança dos elementos do conhecimento com os elementos do objeto. Por exemplo, os conceitos e representações com as coisas;
Na segunda fase, a identidade e semelhança restringem-se à ordem dos respectivos elementos, nesse caso, a operação de conhecer não consiste em reproduzir o objeto, mas das relações constitutivas do próprio objeto, ou seja, a ordem dos elementos.
A primeira fase da doutrina do conhecimento surgiu com a identificação e mais precisamente no mundo antigo. Os pré-socráticos exprimiram o princípio de que o semelhante conhece o semelhante, pelo qual o Empédocles afirmava que conhecemos a terra com a terra, a água com a água etc.
Podemos considerar como variantes desse princípio tanto a afirmação de Heráclito “o que se move conhece o que se move”, como também a afirmação de Anaxágoras que enunciou que a “alma conhece o contrário com o contrário”.
O que nos faz deduzir que é condição do conhecimento a diversidade como disse também Aristóteles. Foram Platão e Aristóteles que construíram as bases sólidas para interpretação do conhecimento.
O encontro do semelhante com o semelhante, a homogeneidade, são os conceitos que Platão utiliza para explicar os processos cognitivos, onde conhecer significa tornar o pensante semelhante ao pensado.
Conseqüentemente, os graus de conhecimento modelam-se segundo os graus do ser: não se pode conhecer com certeza, isto é, com firmeza, o que não é firme, porque o conhecimento só faz reproduzir o objeto; por isso o que é absolutamente cognoscível, enquanto o que não é nenhum modo é cognoscível.
Foi Platão que elaborou a correspondência entre ser e ciência que é conhecimento verdadeiro; entre não-ser e ignorância, entre devir, que está entre o ser e o não-ser, e opinião, que está entre o conhecimento e a ignorância.
E distinguiu os diferentes graus do conhecimento, sendo o primeiro grau o da suposição ou conjectura que tem por objeto sombras e imagens das coisas sensíveis; o segundo grau, a opinião acreditada, mas não verificada, que tem por objeto as coisas naturais, os seres vivos, e, em geral, o mundo sensível; o terceiro grau cientifico, que procede por via de hipóteses e tem por objeto os entes matemáticos; o quarto grau de conhecimento trata da inteligência filosófica que procede dialeticamente e tem por objeto o mundo do ser.
Cada grau de conhecimento é cópia exata de seu objeto respectivo, portanto, para Platão não há dúvida que conhecer é estabelecer relação de identidade com o objeto, e em cada caso, ou uma relação que se aproxime o máximo que possível da identidade.
Aristóteles de forma mais rigorosa definiu que o conhecimento é idêntico ao objeto, caso se trate de conhecimento sensível, é a própria forma inteligível (ou substância) do objeto.
Entende-se que a faculdade sensível ou o intelecto potencial são simples possibilidades de conhecer, mas quando essas possibilidades se materializam, a primeira ação pelas coisas externas, e a segunda, pela ação do intelecto ativo. Assim, identificam-se com os respectivos objetos.
O que reforça a tese aristotélica que anuncia que a ciência em ato é idêntica ao seu objeto. Tem-se conhecimento quando a parte da alma com que se conhece unifica-se com o objeto conhecido e a forma um todo com ele. Se a alma e o objeto permanecem em dois, o objeto permanece exterior à alma, e o conhecimento dele permanece inoperante. Se há unidade entre os dois termos constitui o conhecimento verdadeiro.
Prossegue a filosofia cristã esse mesmo entendimento e serve de fundamento para especulações teológicas e antropológicas. Segundo Agostinho o homem pode conhecer deus porque é a imagem de Deus. Memória, inteligência e vontade, em sua unidade e distinção recíproca, reproduzem no homem, a trindade divina, de ser, verdade e amor.
Tal noção com algumas variações secundárias dominou toda a teologia medieval e também serviu de base para a antropologia. Donde se extrai relevante conseqüência para o conhecimento que o homem tem das coisas inferiores a Deus.
O reconhecimento da origem divina dos poderes humanos torna tais poderes relativamente independentes dos outros objetos cognoscíveis e acentua a importância do sujeito cognoscente.
Para Aristóteles a faculdade sensível e o intelecto potencial nada mais são que o próprio objeto “em potência”, não tem nenhuma independência em face desse objeto.
Porém, Agostinho afirma o contrário, que todo conhecimento (notitia), deriva ao mesmo tempo, do cognoscente e do conhecido. Estão no mesmo plano o objeto conhecido e o sujeito cognoscente como condição do conhecimento.
Tomás Aquino apesar de defender que todo o conhecimento ocorre por assimilação ou por união da coisa conhecida e do objeto cognoscente, afirmou que o objeto conhecido está no cognoscente segundo a natureza do próprio cognoscente. Desta forma, conhecer o peso do sujeito vem a contrabalançar o peso do objeto.
Isso vem atenuar a tese aristotélica sobre a identidade do conhecimento com o próprio objeto, e confirmava Aquino que a alma é apenas as espécies das coisas.
O pitagorismo dos fundadores da nova ciência representado por Leonardo, Copérnico, Kepler, Galileu, tem pressuposto análogo: o procedimento matemático da ciência justifica-se porque a própria natureza tem estrutura matemática: no sentido de que, conforme alega Galileu, os caracteres em que está escrito o livro da natureza são triângulos, círculos etc.
Na filosofia moderna, a doutrina segundo a qual conhecer é uma operação de identificação assume três formas principais: a) criação que o sujeito faz do objeto; b) a consciência; c) a linguagem.
O idealismo romântico e suas ramificações contemporâneas afirmaram a tese que de que conhecer significa apresentar, isto é, produzir ou criar, o objeto, assim se permite reconhecer no próprio objeto a manifestação ou a atividade do sujeito. Essa tese foi originalmente elaborada por Fichte.
O princípio afirmado por tal filósofo foi um dos pilares do movimento chamado romântico ou romantismo e tem aí a origem dos mais perniciosos e enfadonhos dizeres tais como: “o poder criativo do espírito”.
Schelling tentou esclarecer seu significado quando afirmou: “No próprio fato do saber – quando eu sei – o objetivo e o subjetivo estão tão unidos que não se pode dizer a qual dos dois cabe a prioridade. Não há um primeiro e um segundo: ambos são concomitantes e constituem um todo único.”
O conceito de conhecer como processo de unificação domina também toda a filosofia de Hegel. Onde a idéia é a consciência que se realiza, gradual e necessariamente, como unidade com o objeto.
Assim conhecer significa o processo que unifica o mundo subjetivo com o mundo objetivo, ou melhor, que leva à consciência a unidade necessária de ambos.
Gentile afirmava que conhecer é identificar, superar a alteridade enquanto tal. Porém Bradley criticamente considerava que essa identificação como um ideal-limite irrealizável em nós, mas realizado na consciência absoluta, na qual o conhecimento e ser, verdade e realidade, coincidem.
O espiritualismo moderno, considera o conhecer como relação interna da consciência consigo mesma.
Schopenhauer assim exprimira: “Ninguém nunca pode sair de si para identificar-se imediatamente com coisas diferentes de si: tudo aquilo de que alguém tem conhecimento seguro, portanto imediato, encontra-se dentro de sua consciência.”
Por vezes a consciência é chamada de intuição, e também interpretada como revelação que Deus faz ao homem de um atributo fundamental seu (como afirmou Rossimini) ou do seu próprio processo criativo, como faz Gioberti.
Com base nesse conceito, Husserl considera a percepção imanente, isto é, a consciência como absoluta e necessária: nela não há lugar para discordância, aparência, possibilidade de ser outra coisa. Ela é uma esfera de posição absoluta.
Diametralmente oposto se põe o positivismo lógico que transportou para a linguagem, onde se enxerga a operação cognitiva propriamente dita.
A segunda fase da doutrina do conhecimento como identificação nasce com a filosofia moderna mais propriamente com René Descartes.
O princípio cartesiano de que a idéia é o único objeto imediato do conhecimento e que por isso, a existência da idéia no pensamento, nada diz sobre a existência do objeto representado,o que obviamente colocava em crise a doutrina do conhecer como identificar ou como identificação com o objeto. Nesse caso, o objeto é claramente inalcançável.
Descartes continuara a conceber a idéia como “quadro” ou “imagem” da coisa, mas nele já aparece a tendência de ver o conhecimento como assimilação e identidade da ordem das idéias com a ordem dos objetos conhecidos, mais do que assimilação ou identidade da idéia com o objeto conhecido.
Malebranche admitia que o homem vê diretamente em Deus as idéias das coisas e, por isso, considera muito problemática a realidade das coisas, admite todavia uma realidade como fundamento da ordem e da sucessão de idéias no homem.
Ordem e sucessão não teriam sentido, segundo o filósofo, se não coincidissem com a ordem e a sucessão das coisas a que se referem às idéias.
Já Espinosa que admite três gêneros de conhecimento (percepção sensível e imaginação; razão com suas noções comuns e universais; a ciência intuitiva) considera que só os dois últimos permitem distinguir o verdadeiro do falso, porque tiram a idéia do seu isolamento e a vinculam às outras idéias, situando-a na ordem necessária que é a própria substância divina.
Locke define o conhecimento como a “percepção do acordo e da ligação, ou do desacordo e da oposição das idéias entre si”, exige, para que ele seja real, que as idéias correspondam aos seus arquétipos e, por isso, define a verdade como a união ou a separação de signos, conforme as coisas significadas por elas concordem ou discordem entre si.
A referência aos objetos reais é mais indispensável a moral pois carece de ter o conhecimento real.
Para Leibniz, o conhecimento a priori fundado em princípios constitutivos de intelecto, há um conhecimento representativo que consiste na semelhança entre representações e a coisa.
Assim, um e outro conhecimento fazem da alma humana um espelho vivo e perpétuo do universo porque ambos se baseiam na ligação que todas as coisas criadas têm entre si, de tal modo que cada substancia simples tem relações que exprimem todas as outras relações.
Embora não negue o caráter de semelhança ou de imagem dos elementos cognitivos, o conhecimento é entendido propriamente como identidade com a ordem objetivo.
Seu objeto é propriamente essa ordem, então, conhecer é a operação que tende a identificar ou identificar-se com este, e não com os elementos singulares em ter os quais intercede.
A propósito, a revolução copernicana de Kant não consiste em invocar radicalmente o conceito de conhecimento, mas em admitir que a ordem objetiva das coisas tem como modelo as condições do conhecimento e, não vice-versa.
As categorias, são, em verdade, consideradas por Kant, como conceitos prescritivos das leis a priori aos fenômenos, e, portanto, à natureza como conjunto de todos os fenômenos.
Kant enuncia que a ordem objetiva da natureza é, portanto, a ordem dos procedimentos formais do conhecer, uma vez que essa ordem se incorporou em um conteúdo objetivo, que é o material sensível da intuição.
Portanto, conhecer não é operação de assimilação ou identificação e, sim de síntese e, como tal deve ser considerada como transcendência.
Conhecer significa ver além do objeto, de sua presença. O conhecimento é então a operação através do qual o próprio objeto está presente, em pessoa, ou em signo que o torne rastreável, descritível ou previsível.
Assim visa tornar presente o objeto e estabelecer as condições que possibilitem a sua presença e permitem prevê-lo.
A idéia de transcendência é tida pela primeira vez através dos estóicos que chamavam de evidentes as coisas que vêm por si mesmas ao nosso conhecimento, e chamavam de obscuras as coisas que costumam escapar ao conhecimento humano.
Reaparece a filosofia dos estóicos com a escolástica do século XIV, com os pensamentos que criticam a doutrina da species como intermediária do conhecimento, sendo tese típica da assimilação, onde o conhecimento é simultaneamente o ato do objeto.
O problema do conhecimento como se figurou na segunda metade do século XIX com base na postura romântica ou na oposição a ela, como problema de atividade ou passividade do espírito ou de sua categoria eterna, que seria atividade teórica, é um problema que se desfez sob a ação da fenomenologia, por um lado, e da filosofia da ciência e do pragmatismo, por outro.
Heidegger cogita de anular o problema do conhecimento. O conhecer não pode ser entendido como aquilo pelo que o Dasein, indo de dentro para fora de sua esfera interior.
Conceitua o referido filósofo que “conhecer é um modo de ser do ser-no-mundo”, ou seja, transcende do sujeito para o mundo. Nunca é apenas um ver ou um contemplar.
De qualquer modo, e sem ter a auspiciosa intenção de esgotar tão precioso tema, é possível identificar a superação da fórmula tradicional do problema do conhecimento, pois muitas correntes contemporâneas, desde o existencialismo até a hermenêutica, perpassando pela filosofia pós-analítica, encararmos que o conhecimento é apenas testemunho do reconhecimento geral, a busca dos princípios primeiros dos quais se possa deduzir e com os quais se possam justificar as verdades das várias ciências.
E, ainda podemos cogitar dos neopositivistas que concentram seus fundamentos teóricos nos atuais conhecimentos, muito embasados na sistematização e nas análises analógicas do conhecimento.
Por fim, cabe mencionar que a teoria do conhecimento é disciplina filosófica que visa estudar os problemas suscitados pela relação entre o sujeito cognoscente e o objetivo conhecido. E, durante a evolução podemos observar as teorias empiristas como a de Hume, a se contrapor às teorias intelectualistas (como a de Descartes).
Referências
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.