Em época que tanto se discute a tal “Lei da Mordaça”, questão interessante que se coloca à reflexão é saber se, após autorizada judicialmente a quebra de determinados dados inerentes à intimidade da pessoa física, eles ainda deverão ser mantidos nesse status sigiloso pelo órgão do Ministério Público ou autoridade policial destinatários das informações.
De um lado a necessidade de preservação da privacidade como garantia constitucional. De outro o direito à publicidade, também constitucional. E o que pesa mais na balança do direito? Desde logo devo confessar a minha dificuldade de entender a razão pela qual os dados bancários e bens das declarações de imposto de renda devam estar inseridos naqueles tais “sigilos da privacidade das pessoas”. A questão incomoda ainda mais quando se trate de funcionários públicos, que recebem e manipulam as coisas públicas. Mas, enfim, é discussão para momento mais oportuno.
Em relação aos dados – ditos sigilosos – com quebra autorizada pelo Judiciário, como toda interpretação deve manter congruência em si mesma, acompanhando a lógica e a sistemática do espírito da lei, interpretamos que, uma vez “quebrado” o sigilo, a razão que pode justificar a sua manutenção ocorrerá na situação em que a própria investigação estiver sendo mantida sob sigilo, por vontade do órgão do Ministério Público e para garantia do seu sucesso. Explicando melhor: Sendo o M.P. o titular da ação penal pública, parece intuitivo que a divulgação dos dados dependerá exclusivamente de decisão do Promotor de Justiça encarregado ou destinatário da investigação e do contexto probatório criminal, pois somente a ele poderá interessar a situação contrária, diga-se a manutenção do sigilo. Por outro lado, uma vez rompido o “lacre do sigilo dos dados”, repita-se, por determinação judicial – evidentemente porque o Poder Judiciário houver vislumbrado no pedido elementos suficientes de convicção que o autorizem, e considerando a aplicação do Princípio da Publicidade do Processo Penal, nada mais justifica a sua manutenção.
Decorrência desta interpretação, a divulgação daquele “ex-sigilo” não configurará o delito previsto no artigo 325 do Código Penal (Violação de sigilo profissional), já que o dispositivo claramente tutela a finalidade do Estado em proteger a investigação, até por se tratar de crime praticado contra a Administração Pública, estando inserido neste capítulo, especificamente, – e não ação atentatória contra o particular, cujos dados foram revelados. Nesse sentido muito esclarecedoras as lições dos seguintes julgados: “Ação Penal – CP, art. 325 – Crime capitulado entre os praticados por funlcionário contra a Administração Pública – “No ilícito do art. 325 do CP, dá-se ato de grave infidelidade ao dever de preservar em segredo o conhecimento que tem de certo fato, ratione officii, no interesse da coisa pública…” (TFR-AC-Rel. José Neri da Silveira – DJU 14.8.78, p. 5.779). “Ao incriminar a violação de sigilo funcional, a Lei visa impedir a revelação de fato que deva permanecer em segredo, porque sua divulgação pode prejudicar ou pôr em perigo os fins que o Estado persegue…” (TACRIM-SP-Rec. – Rel. Dante Busana – Bol. AASP 1300/273, novembro/83).
A exceção encontra-se no fato de a investigação criminal tramitar sob segredo de justiça, seja em inquérito policial, seja em procedimento investigatório próprio no âmbito do Ministério Público, ou ainda em processo que, por outra qualquer circunstância tramite em segredo de justiça, especialmente quando, fudamentadamente decretada pelo próprio Juiz de Direito. Nessa situação a decretação do sigilo nos transporta à conclusão de que a revelação dos dados ofende os interesses da Administração da Justiça, não da pessoa física cujos dados integrem os autos, e por conseguinte pode configurar aquele delito. O dispositivo tutela, não é demais repetir, os interesses da Administração Pública.
Os dados extraídos de interceptação telefônica são, por determinação expressa da lei mantidos em autos apartados, do inquérito policial ou do processo criminal, destruídos aqueles que não têm relação com os fatos investigados. Concluído o inquérito policial, em face da expressa determinação legal, devem ser mantidos, sempre em apartado, sob sigilo, independentemente de ser decretado o sigilo pelo Juiz de Direito, após recebimento da denúncia.
A contrario senso, demais dados eventualmente protegidos durante o inquérito policial, dados de IR ou de contas bancárias, por exemplo, por falta de previsão expressa em lei e atendendo o princípio da publicidade, somente serão mantidos sob sigilo se o Juiz, a qualquer momento, decretar sigilo (dos dados), mantidos em apartado, de ofício ou a requerimento da parte investigada ou do Ministério Público.
Importante, entretanto, ressaltar, que são questões que devem ser levadas à reflexão da comunidade jurídica do País, para que de uma vez estejam bem equacionadas para correta aplicação.
Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia
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