Resumo: O presente trabalho objetiva analisar o cabimento do recurso de agravo de instrumento contra decisões de magistrados de primeiro grau que se omitem quanto à apreciação imediata de pedidos de tutelas de urgência. Será, ainda, estudada a possibilidade de ocorrência da situação no segundo grau de jurisdição e quais os meios de impugnação cabíveis.
Palavras-chave: agravo de instrumento – omissão judicial – cabimento.
Sumário: 1. Introdução. 2 Origens históricas do recurso de agravo. 3 Espécies de agravo. 3.1 Agravo interno. 3.2 Agravo regimental. 3.3 Agravo de petição. 3.4 Agravo retido. 3.5 Agravo de instrumento. 4 Alterações legislativas ocorridas no agravo de instrumento. 5 Do cabimento do agravo de instrumento. 6 Enquadramento da omissão judicial no conceito de decisão interlocutória. 7 Tratamento pretoriano da matéria. 8 Conclusão. 9 Referências.
1 Introdução
A problemática principal do presente trabalho gira em torno da possibilidade, ou não, da interposição de agravo de instrumento contra decisões de primeiro grau nas quais o magistrado não aprecia, imediatamente, pedidos de tutela de urgência.
O problema se traduz na situação de postergação judicial na apreciação de pedidos urgentes, quando os juízes, em vez de enfrentarem a questão posta, reservam-se para análise a posteriori, consignando, por exemplo, que se reservará para analisar o requerimento após a citação do réu e exaurimento do prazo para defesa.
Nesse contexto, impõe-se esclarecer se tais atitudes devem ou podem ser interpretadas como meros despachos de expediente, ou como decisões interlocutórias de conteúdo omissivo-indeferitório, isto é, decisões denegatórias do pedido de concessão da tutelas de urgência. Pretende-se, assim, verificar a possibilidade de impugnação de tais decisões através da interposição de agravo de instrumento, para que o tribunal ad quem possa vir a apreciar a questão e reformá-las, caso entenda estarem presentes os requisitos autorizadores para a concessão da medida urgente requerida.
Verificar-se-á, também, quando a situação se repete no âmbito do segundo de grau de jurisdição, isto é, quando também o relator de agravo de instrumento ou de ação de competência originária do tribunal adota a mesma postura omissiva diante de situação processual que impõe pronunciamento judicial imediato.
Para alguns, as atitudes acima aventadas nada mais seriam do que meros despachos de expediente, pelos quais os magistrados não estariam a decidir qualquer questão incidente, mas apenas a ordenar a citação/intimação do réu para posterior formação do seu livre convencimento. Neste caso, tais pronunciamentos jurisdicionais seriam irrecorríveis (CPC, art. 504).
Entretanto, parte da doutrina entende que tais atos judiciais consubstanciam-se em verdadeiras decisões interlocutórias, uma vez que o magistrado, ao se posicionar dessa maneira, diante de uma situação de urgência, termina por negar, ainda que implicitamente, a tutela jurisdicional requerida pela parte autora, sobretudo porque em certos casos a apreciação posterior seria fulminada pela perda superveniente de objeto.
Assim, uma vez identificado o objeto de estudo e a problematização respectiva, o objetivo do presente trabalho consiste em confrontar as posições doutrinárias contrapostas, a partir de uma perspectiva histórica dos recursos de agravo, para, em sucessivo, verificar o comportamento da construção pretoriana sobre o tema, e, ao cabo, tomar posição.
2 Origens históricas do recurso de agravo
O nosso recurso de agravo remonta às origens do direito português. No início, o recurso de apelação tinha por objeto o reexame de sentenças definitivas e interlocutórias.[1] Contudo, algumas sentenças eram proferidas por autoridades judiciárias de segunda instância, corregedores do reino português, juízes das Índias, dentre outros, ou até mesmo as do próprio rei que tinha competência para decidir as querimonias (queixas contra as sentenças dos juízes locais), contra as quais não se admitiam recursos.[2] Mas as partes sucumbentes, inconformadas com a decisão desfavorável, insistiam pela reforma das sentenças. E o conhecimento dessas súplicas originou o agravo ordinário. Este, por sua vez, inspirou-se na suplicatio romana e representa o primeiro agravo da história do direito processual luso-brasileiro.[3] Ocorre que no reinado de Afonso IV, a apelação deixou de ser cabível contra sentenças interlocutórias, salvo em hipóteses excepcionais.[4] As sentenças interlocutórias passaram a ser impugnadas através de querimonias dirigidas aos juízes de instância superior ou ao próprio rei. Então, logo em seguida, no reinado de D. Duarte essas queixas transformaram-se no recurso de agravo de instrumento.[5]
Em sucessivo à criação do agravo de instrumento, surgiu o agravo de petição, cujo processamento dava-se nos próprios autos do processo, ainda no primeiro grau de jurisdição. Depois, surgiu o agravo no auto do processo, admitido contra decisões proferidas no curso do processo referentes à ordem do procedimento e que pudessem influenciar no julgamento final. Na vigência das ordenações filipinas surgiu outra espécie de agravo: agravo de ordenação não guardada com o objetivo de preservar a garantia do cumprimento das formalidades extrínsecas do procedimento.[6]
Com a independência do Brasil, restaram cinco espécies de agravos: ordinário, de instrumento, de petição, no auto do processo, e de ordenação mal guardada. Os dois primeiros a serem abolidos foram: o agravo ordinário, através da Disposição Provisória de 29 de novembro de 1832; e o de ordenação mal guardada, pelo Reg. nº 143, de 15 de março de 1842. Mas a mesma Disposição Provisória, de 1832, que pôs fim ao agravo ordinário transformou os agravos: de instrumento e de petição, em agravo no auto do processo. Entretanto, estes dois agravos revogados voltaram à cena processual brasileira, ainda em 1841. O Regulamento 737, de 1850, que passou a reger o processo comercial, só admitiu os agravos de petição e de instrumento. Mas, como o Decreto nº 763, de 19 de setembro de 1890, determinou que se aplicasse ao processo civil o Regulamento 737/1850, o agravo no auto do processo foi extinto. Em seguida, o processo civil brasileiro passou a ser da competência dos Estados-membros. O primeiro código de processo civil federal (de 1939) ressuscitou o agravo no auto do processo. Em 1974, passou a viger o atual CPC, que, por sua vez, também procedeu alterações no regime dos agravos. Para substituir o agravo no auto do processo foi revogado o agravo de petição e instituído o agravo retido e o legal (agravo interno).[7]
3 Espécies de agravo
São cinco as espécies de agravo existentes na legislação processual vigente: (i) o agravo interno; (ii) o agravo regimental; (iii) o agravo de petição, este atualmente em uso apenas no direito processual trabalhista; (iv) o agravo retido; e (v) o agravo de instrumento, espécie abordada com maior profundidade no presente estudo, ao passo que as demais espécies serão apenas rasteiramente definidas.
3.1 Agravo interno
O agravo interno, também denominado por parte da doutrina de agravo legal ou inominado, é o recurso cabível contra decisão singular proferida por magistrado de 2º grau, de natureza terminativa (denegatória de seguimento ou de provimento, bem como de concessão de provimento), isto é, não cabe contra decisões interlocutórias de segundo grau, mas só das que resolverem o recurso ou o incidente de conflito de competência.
São hipóteses de cabimento desta espécie de agravo: 1ª- no julgamento monocrático do conflito de competência, quando houver jurisprudência dominante do tribunal sobre a questão suscitada, caso em que o relator poderá decidir de plano o conflito, cabendo agravo, no prazo de cinco dias, contado da intimação da decisão às partes, para o órgão recursal competente (CPC, art. 120); 2ª- da decisão monocrática que não admitir os embargos infringentes, caso em que caberá agravo, em cinco dias, para o órgão competente para o julgamento do recurso (CPC, art. 532); 3ª- da decisão do relator que não admitir o agravo de instrumento interposto contra a decisão denegatória de recurso extraordinário ou especial, caso em que caberá agravo no prazo de cinco dias (CPC, art. 545); 4ª- quando o relator negar seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior (CPC, art. 557).
3.2 Agravo regimental
Esta espécie de agravo é instituída pelos regimentos internos dos tribunais, é cabível contra decisões interlocutórias, proferidas de forma isolada por magistrados de 2º grau. Em outras palavras, conforme ensina Mantovani Colares Cavalcante, “o agravo regimental é apenas um instrumento que a parte dispõe para submeter ao colegiado do tribunal as decisões individuais proferidas por membro do respectivo tribunal”, desde que não sejam desafiáveis pelo agravo interno, pode-se acrescentar.[8] É que, sendo cabível o agravo interno, restará afastada a possibilidade de cabimento de agravo regimental. Logo, considerando as previsões constantes do CPC e de outras leis extravagantes que prevêem o cabimento de agravo interno para as decisões terminativas monocráticas de segundo grau, resta ao agravo regimental apenas as decisões monocráticas de cunho interlocutório.
3.3 Agravo de petição
O agravo de petição, previsto no Código de Processo Civil de 1939, era cabível para a impugnação das decisões que extinguiam o processo sem julgamento de mérito. Entretanto, com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973, tal espécie de agravo foi extinta no processo civil, remanescendo hoje exclusivamente para o direito processual trabalhista. Com efeito, o agravo de petição está atualmente previsto na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, mais precisamente em seu artigo nº 897, alínea “a”, e deve ser manejado contra as decisões proferidas no processo de execução trabalhista, para fins de impugnação da matéria e/ou valores contidos na referida execução.
3.4 Agravo retido
O agravo retido procura atender aos casos em que não há, por qualquer motivo, interesse na revisão imediata da decisão interlocutória atacada, pelo órgão ad quem, ou quando, por circunstâncias de ordem processual, é mais útil e recomendável – por questões de economia processual – a retenção nos autos do agravo interposto. Poupam-se, neste caso, despesas que a parte agravante teria que arcar, bem como o trabalhoso ritual que envolve a interposição e o acompanhamento do agravo na sua forma instrumentalizada.[9]
Segundo Athos Gusmão Carneiro, o agravo retido deve ser utilizado naqueles casos em que:
“(…) não tendo o litigante interesse maior na “imediata” reforma da decisão interlocutória a ele desfavorável, entende todavia prudente interpor, a fim de evitar preclusão, um recurso com eficácia diferida; ou seja, para ser conhecido e julgado (como preliminar da apelação) apenas se alguma das partes vier a apelar e se o interessado reiterar o agravo, expressamente, nas razões (se for ele o apelante) ou nas contra-razões (CPC, art. 522)”.[10]
Isto significa que, no agravo retido, a manifestação do inconformismo da parte agravante fica consignada no processo, o que impede a verificação da preclusão, contudo o agravo não é julgado de pronto pelo tribunal competente, mas apenas por ocasião da apreciação do recurso de apelação, e somente na hipótese de ser reiterado, pela parte agravante, em preliminar das razões ou das contra-razões da apelação.
Além disso, esclareça-se que o prazo para interposição do agravo retido variará conforme a hipótese concreta constada. Deve ser interposto no prazo de 10 dias, tendo a parte adversa também 10 dias para apresentar suas contra-razões (§ 2º do artigo 523[11] do Código de Processo Civil), sempre que a decisão agravável não tiver sido prolatada em audiência. Porém, sempre que a decisão agravável for proferida em audiência, a interposição do agravo retido deve ser imediata (§ 3º do artigo 523[12]), hipótese na qual a parte adversa também deverá apresentar suas contra-razões imediatamente, de forma oral.
No tocante à interposição do agravo retido nas decisões proferidas em audiência, merece destaque a posição de Athos Gusmão Carneiro, segundo a qual desde a vigência da Lei nº 10.352/2001, que alterou o § 3º do artigo 523 do Código de Processo Civil:
“(…) o agravo deve ser interposto não apenas oralmente, mas “oral e imediatamente”. Assim, das decisões proferidas em audiência de instrução e julgamento, não é mais concedido o prazo de dez dias para o recurso; caso não interposto de imediato, o agravo não poderá ser manifestado pela forma retida”.[13]
O eminente autor sustenta, entretanto, que caso não seja interposto o agravo retido oral e imediatamente, no bojo da audiência, e embora este não possa mais ser interposto, haverá casos em que será possível a interposição do recurso de agravo na forma instrumentalizada, no prazo de dez dias, a teor do artigo 522 do Código de Processo Civil, embora tal modalidade não esteja expressamente prevista no referido § 3º. [14]
Isto porque, como bem pondera o autor, casos haverá em que:
“(…) a demora inerente ao agravo retido imporá o emprego, como recurso processual útil, do agravo por instrumento. A não ser assim, veremos o ressurgimento do mandado de segurança, como anômalo sucedâneo recursal….”[15]
Por tais razões é que o ilustre processualista arremata:
“Bem pensando, o recurso-padrão das interlocutórias era, e continuará a ser, o agravo por instrumento, permissivo de uma breve solução da questão incidental, mantendo-se o agravo retido numa posição anciliar, empregado em hipóteses de menor importância.”[16]
As alterações legislativas promovidas no ano de 2005, a partir da vigência da Lei nº 11.187/2005, corroboram as asserções acima transcritas, na medida em que a interposição do agravo retido passou a ser a regra, enquanto que o manejo do agravo de instrumento ficou restrito às hipóteses previstas no artigo 522 do Código de Processo Civil, como poderá ser observado detalhadamente mais adiante.
Essas observações acerca dessas outras espécies de agravo são pertinentes com a temática aqui abordada, pois é possível que ocorra uma situação de urgência no primeiro grau e que o juiz a quo deixe de apreciar o pedido de liminar que postule, por exemplo, pela concessão de antecipação dos efeitos da tutela para remoção de paciente que esteja a necessitar de leito de UTI (devidamente comprovada a situação por laudo médico) inexistente na rede de saúde pública. Imagine-se que numa tal hipótese o juiz de primeira instância reserve-se para apreciar o pedido após a ouvida da parte adversa. Nesse caso, terá havido a denegação da prestação jurisdicional como se expressamente negada fosse a liminar, cabendo agravo de instrumento. Mas, se o relator do agravo de instrumento também se recusar a apreciar o pedido de liminar, até a formação do contraditório, caberá recurso contra tal decisão. E o recurso adequado, nesse caso, seria o agravo regimental.
Noutra hipótese, se uma situação de urgência surgir no curso do procedimento de primeiro grau, incidentalmente, e houver requerimento oral de concessão de antecipação dos efeitos da tutela em audiência de instrução e julgamento, por exemplo, e se o juiz não o apreciar ou o denegar, caberá agravo de instrumento, não obstante a decisão tenha sido prolatada em audiência de instrução e julgamento, em razão da urgência que o caso impõe para ser solucionado. Passemos, portanto, à análise dessa espécie de agravo.
3.5 Agravo de instrumento
O agravo de instrumento é a espécie de agravo que deve ser interposto nos casos em que a decisão interlocutória impugnada possa causar à parte agravante lesão grave e de difícil reparação, ainda que a decisão tenha sido tomada em audiência de instrução e julgamento ou audiência preliminar, ou, ainda, nos casos de inadmissão do recurso de apelação e nos casos de decisões equivocadas sobre a atribuição de efeitos à apelação no âmbito do juízo de admissibilidade do primeiro grau de jurisdição. Conforme dispõe o caput do art. 522 do Código de Processo Civil:
“Art. 522. Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento. (…)”
Assim, nota-se que, além dos casos de inadmissão da apelação e dos relativos aos efeitos em que for recebida, o principal pressuposto para a utilização do agravo de instrumento como meio de impugnação de decisão interlocutória, diferenciando-o do agravo retido, é a urgência demonstrada em cada situação, isto é, a possibilidade de dano imediato à parte.
Por tal motivo, por ocasião da interposição do agravo de instrumento, e em virtude da urgência, deve o referido recurso abranger toda a matéria de fato e de direito relativa à decisão interlocutória que a parte agravante deseja ver reformada. A matéria de fato seria, então, a equivocada interpretação, por parte do magistrado de primeiro grau, dos fatos narrados pela parte agravante. Já a matéria de direito apresenta-se como a equivocada aplicação do direito pertinente ao caso concreto.
Neste esteio, caso não observadas essas formalidades iniciais, o relator, no tribunal, poderá declarar o agravo de instrumento inadmissível, quando não cumprir tal obrigação processual, bem como dar-lhe provimento ou julgá-lo improcedente, quando não for demonstrada a razão meritória. Pode ainda o relator julgar o agravo de instrumento prejudicado, se constatada a retratação do juízo a quo ou por outra questão ter sido decidida gerando o efeito da sua perda de objeto.[17]
Outra particularidade do agravo de instrumento em relação às demais espécies do gênero dos agravos, é que ele deve ser interposto diretamente perante o tribunal competente para julgá-lo e não no mesmo grau de jurisdição, processando-se assim em autos apartados.[18] Assim, o juízo de admissibilidade do agravo de instrumento não é feito pelo juízo de primeiro grau (impugnado), mas sim pelo juízo ad quem, que terá competência para julgar o agravo de instrumento.
Por tais motivos, deve o agravo de instrumento ser instruído (entenda-se: instrumentalizado) com todas as peças e documentos previstos no artigo 525 do Código de Processo Civil, documentos estes que representam requisitos de admissibilidade da regularidade formal do recurso de agravo de instrumento.
Ainda na hipótese de agravo de instrumento, e justamente por ser interposto diretamente no tribunal competente para julgá-lo, o Código de Processo Civil prevê, em seu artigo 526, a necessidade de juntada pelo agravante aos autos do processo originário, no prazo de 3 (três) dias, de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, bem como a relação de documentos que instruíram o recurso. A respeito de tal previsão legal, será ela também abordada mais adiante, em item específico do presente trabalho. Antes, contudo, verificar-se-ão mais a amiúde as alterações legislativas ocorridas nessa espécie recursal.
4 Alterações legislativas ocorridas no agravo de instrumento
Ao longo das últimas décadas, mais precisamente do ano de 1973, quando entrou em vigor o Código de Processo Civil atual, até os dias de hoje, importantes alterações relativas ao agravo foram introduzidas na legislação de regência. De início, destaca-se que ao entrar em vigor, o Código de Processo Civil previa apenas duas espécies para o agravo: o agravo retido, previsto nos artigos 522 e 523, e o agravo de instrumento, previsto também no artigo 522 e no artigo 524. Até então, o agravo de instrumento era interposto no primeiro grau de jurisdição, e seguia procedimento que requeria a formação das peças a serem instrumentalizadas, bem como ouvida da parte contrária. Somente depois é que o juiz – de primeiro grau – fazia o juízo de retratação e remetia os autos ao tribunal ad quem. O rito era tão moroso que a jurisprudência admitiu de forma pacífica o uso do mandado de segurança para emprestar efeito suspensivo ao agravo de instrumento, isto é, o agravante, para obter imediatamente o efeito suspensivo da decisão interlocutória impugnada, tinha de impetrar mandado de segurança perante o tribunal ad quem a fim de que o relator apreciasse o requerimento de concessão de efeito suspensivo. Tal sistemática, com acerto, teve de ser modificada.
A primeira alteração legislativa relevante ocorreu no ano de 1995, com a entrada em vigor da Lei nº 9.139, que introduziu no ordenamento jurídico, entre outras novidades, a possibilidade do relator do agravo de instrumento atribuir a tal recurso efeito suspensivo, nas hipóteses previstas no artigo 558[19] Código de Processo Civil, aí incluídos os casos que possam resultar em lesão grave e de difícil reparação, bem como a emprestar-lhe o chamado “efeito ativo”, que nada mais é do que adiantamento, total ou parcial, da tutela recursal negada em primeiro grau[20], nos termos do artigo 527, III[21], do Código de Processo Civil. Desde então, não é mais admissível o uso do mandado de segurança para se emprestar efeito suspensivo ao agravo de instrumento, pois tal recurso passou a ser interposto diretamente no segundo grau e o relator respectivo passou a poder deferir o efeito suspensivo no âmbito do próprio recurso. Passou-se a fazer num único processo (agravo de instrumento) o que, até então, requerida dois: o agravo de instrumento no primeiro grau e o mandado de segurança no segundo.
Contudo, deve-se destacar que o art. 558, em sua antiga redação, já trazia as hipóteses nas quais o agravo de instrumento teria efeito suspensivo, como observa Teresa Arruda Alvim Wambier. Porém, antes da reforma de 1995, o rol de tais hipóteses era taxativo, ou seja, o agravo de instrumento só poderia ter efeito suspensivo naquelas hipóteses rigorosamente elencadas pela antiga redação do artigo 558, e observando o procedimento de tramitação prévia no primeiro grau[22]. Nesse sistema inicial tanto o relator quanto o próprio juiz da causa podiam atribuir efeito suspensivo ao agravo, entretanto se tal possibilidade tivesse logrado a mais mínima eficácia a lei não careceria de alteração, até porque se o próprio juiz da causa foi quem deferiu a decisão agravada a sua suspensão era pouquíssimo provável e o relator do agravo só tomava conhecimento da causa após todo o trâmite de primeiro grau, que não raro levava mais de mês para ser concluído, não se prestando, consequentemente, para resolver situações de urgência, daí porque o mandado de segurança era o meio mais eficaz para a obtenção do efeito suspensivo.
Assim, a alteração introduzida na sistemática do agravo de instrumento pela Lei nº 9.139/1995, que permitiu sua interposição diretamente ao tribunal ad quem competente para o julgamento, diferentemente do que ocorria até então, quando o agravo de instrumento deveria ser interposto perante o próprio juízo de primeiro grau que prolatou a decisão agravada (juízo recorrido), foi fundamental para dotar o procedimento desse recurso de celeridade e, via de conseqüência, de eficácia tempestiva. A propósito, José Eduardo Carreira Alvim observa a burocracia desnecessária que havia no procedimento do recurso de agravo de instrumento na primeira instância, à medida que o juiz da causa iria:
“(…) recebê-lo, processá-lo e também julgá-lo, dado que podia exercer o juízo de retratação. Só era encaminhado ao tribunal pelo escrivão, se mantida a decisão ou, se reformada, houvesse pedido do agravado.”[23]
Tal mudança visou, precipuamente, conferir celeridade e eficiência no processamento e julgamento do agravo de instrumento, com a finalidade de evitar que, como bem esclarece José Eduardo Carreira Alvim, “(…) não viesse a ser julgado, no tribunal, quando já houvesse a causa sido decidida na inferior instância.”[24] Além disso, esse autor ainda acrescenta que:
“(…) o grande propósito da reforma – admitindo a interposição do agravo diretamente no tribunal – foi evitar que, em face da sua lentidão procedimental, o mandado de segurança continuasse sendo manejado para coibir danos de difícil ou incerta reparação, nas inúmeras hipóteses de decisões abusivas ou teratológicas, que, por não encontrarem eficaz proteção na lei, buscavam no mandamus a sua correição.”[25]
Outorgou-se ao relator a possibilidade de atribuir efeito suspensivo e/ou efeito suspensivo/ativo ao agravo de instrumento, esvaziando-se assim o manejo do mandado de segurança, que possuía objetivo idêntico, mas que restava apensado aos autos do agravo quando chegava ao tribunal ad quem.[26]
Ainda no tocante às alterações legislativas relativas ao recurso de agravo no ordenamento processual pátrio, também merecem destaque as importantes modificações trazidas pela Lei nº 10.352, de 26 de dezembro de 2001, e cuja vigência se deu a partir de 27 de março de 2002. Dentre tais modificações, tem-se, primeiramente, o estabelecimento do prazo de 10 dias para a resposta da parte agravada nos casos de agravo retido, posto que seria inconcebível, como acontecia até tal mudança, que o prazo para a parte agravante interpor tal recurso fosse de 10 dias, enquanto o prazo para o agravado responder fosse de apenas cinco dias.[27] Assim, por força de tal modificação, passou o artigo 523, § 2º, a ter a seguinte redação:
“Art. 523. (…)
§ 2º. Interposto o agravo, e ouvido o agravado no prazo de 10 (dez) dias, o juiz poderá reformar sua decisão.”
Outra alteração relevante promovida pela mesma Lei nº 10.352/2001 consistiu na redação do inciso II do artigo 527 do Código de Processo Civil, que facultou ao relator do agravo de instrumento no tribunal ad quem a sua conversão em agravo retido, exceto nas hipóteses de provisão jurisdicional de urgência ou quando tal conversão pudesse impor à parte agravante lesão grave e de difícil ou incerta reparação. A finalidade de tal modificação não era outra que não a diminuição do número de agravos instrumentalizados interpostos perante os tribunais, na tentativa de desafogar o Poder Judiciário de segundo grau, embora sem muito sucesso[28]. Tanto é assim que, em 2005, a redação do inciso II do artigo 527 foi novamente alterada, desta vez pela Lei nº 11.187/2005, como será observado mais adiante.
Por fim, outra importante modificação trazida pela Lei nº 10.352/2001 foi a criação do parágrafo único do art. 526 do Código de Processo Civil, que prevê a inadmissibilidade do recurso de agravo se o agravante, no prazo de 3 dias, não apresentar, perante o juízo a quo, cópia da petição do agravo e da comprovação de que o mesmo foi interposto, conforme se observa da redação do referido dispositivo:
“Art. 526. O agravante, no prazo de três dias, requererá juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos que instruíram o recurso.
Parágrafo único. O não cumprimento do disposto neste artigo, desde que argüido e provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo.”
Tal hipótese, segundo nos parece, não se apresenta como caso de inadmissibilidade do recurso, pois esse juízo já foi perpetrado pelo relator quando recepcionou o agravo de instrumento. A situação resta mais adequada à hipótese de negativa de seguimento de recurso já admitido por falta de interesse processual superveniente do agravante, do que à pretendida inadmissibilidade de algo que já havia sido admitido.
Pois bem, no andar das reformas do agravo de instrumento, no ano de 2005, com a entrada em vigor da já mencionada Lei nº 11.187, de 19 de outubro daquele ano, ocorreram as mais recentes alterações relativas ao instituto em questão. Esta visou a correção de erros que haviam resistido às alterações anteriores, bem como dar ainda mais importância ao agravo retido, que passou a ser a regra cabível na maioria dos casos de impugnação de decisões interlocutórias, deixando o agravo de instrumento, nas palavras de Athos Gusmão Carneiro, apenas “para os casos de provimentos judiciais de urgência, capazes de resultar em prováveis danos graves”.[29] Assim é que o inciso II do artigo 527 do Código de Processo Civil passa a ter a seguinte redação a partir da vigência da Lei nº 11.187/2005:
“Art. 527. Recebido o agravo de instrumento no tribunal, e distribuído incontinenti, o relator:(…)
II – converterá o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, mandando remeter os autos ao juiz da causa; (…)”
Reforçando-se tal entendimento, nota-se, da leitura do dispositivo acima transcrito, que a expressão “poderá converter” foi substituída, por força das alterações introduzidas pela Lei nº 11.187/2005, pela expressão “converterá”, de conotação indubitavelmente imperativa, pois não se trata de faculdade, mas dever do relator. A respeito de tal modificação, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery lecionam que
“(…) o relator deverá converter o agravo de instrumento em agravo retido. No sistema anterior, a redação revogada do CPC 527 II dava ao relator a faculdade de converter o agravo de instrumento em retido. No novo regime, entretanto, existe obrigatoriedade de o relator converter, quando presentes os pressupostos legais determinadores dessa conversão (…)”.
Mas os relatores dos agravos de instrumento devem ficar atentos às tentativas de se ressuscitar a possibilidade de aceitação tardia de um agravo retido quando o prazo já havia se escoado. Explica-se: é que o atual sistema, como visto acima, estabelece que as decisões interlocutórias prolatadas em audiência de instrução e julgamento devem ser desafiadas por agravo retido, salvo se delas resultar risco de dano iminente à parte. Assim, não sendo caso de dano imediato, as interlocutórias concedidas nessas situações devem ser impugnadas imediatamente, oralmente, sob pena de preclusão consumativa e temporal. Todavia, há registros de casos nos quais os advogados não impugnam essas decisões na própria audiência e interpõem o agravo de instrumento, no prazo de dez dias, visando à obtenção da conversão para agravo retido e, via de conseqüência, lograr o prazo que haviam perdido quando não se recorreu oralmente na audiência. Deve-se observar que não é cabível a conversão nessas situações de agravos de instrumento em agravos retidos, pelo menos por duas razões: primeiro, porque o prazo já se consumou e o recurso é intempestivo; e, segundo, porque o recurso de agravo de instrumento não é adequado para a situação, faltando mais um pressuposto recursal de admissibilidade.
Por fim, ainda no tocante às relevantes alterações trazidas pela Lei nº 11.187/2005, merece, ainda, realce a previsão do parágrafo único do artigo 527[30] do Código de Processo Civil, que considerou irrecorrível a decisão do relator que converte o agravo de instrumento em retido (inciso II do artigo 527), bem como a decisão do relator que suspende a eficácia da decisão agravada – concedendo efeito suspensivo ao agravo – ou que antecipa a tutela requerida no recurso de agravo – concedendo o chamado efeito ativo ao mesmo (inciso III do artigo 527).[31] Inadmissível a irrecorribilidade dessas decisões. As razões que justificam o inconformismo com as decisões do juiz de primeiro grau aplicam-se, igualmente, às decisões tomadas pelos relatores de forma monocrática. Razão pela qual os tribunais resolveram admitir o cabimento do agravo regimental nessas situações, o que demonstra o erro do legislador em haver suprimido a possibilidade de agravo legal (interno) antes possível. Passemos, agora, à análise do cabimento do agravo de instrumento.
5 Do cabimento do agravo de instrumento
As decisões interlocutórias, assim entendidas aquelas pelas quais “o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente” (CPC, art. 162, § 2º), são impugnáveis por meio do recurso de agravo retido (se delas não advierem dano imediato) ou de instrumento (se gerarem risco de dano iminente). As decisões interlocutórias podem ainda ser simples ou mistas, sendo que, como bem leciona José Eduardo Carreira Alvim:
“(…) O núcleo da distinção entre a interlocutória simples e a mista reside exatamente no conteúdo da decisão que encerram: se a questão resolvida for de índole exclusivamente processual, será interlocutória simples; se a decisão extravasar os lindes estritamente processuais, atingindo a questão material entre as partes, será interlocutória mista”.[32]
Segundo Humberto Theodoro Júnior, o agravo de instrumento é “o recurso cabível contra as decisões interlocutórias, ou seja, contra os atos pelos quais o juiz, no curso do processo, resolve questão incidente”.[33] E, ainda na lição de Amaral Santos:
“Chama-se agravo porque é recurso destinado a impugnar ato decisório do juiz, causador de gravame ou prejuízo ao litigante, e de instrumento porque, diversamente dos demais recursos, não se processa nos próprios autos em que foi proferida a decisão impugnada, mas sim em autos apartados…”[34]
Porém, segundo a atual sistemática, é imperioso ressalvar que o agravo de instrumento é o recurso destinado à impugnação das decisões interlocutórias, que não sejam impugnáveis por agravo retido, isto é, aquelas que acarretem risco de dano imediato. Reforce-se, portanto, acerca do cabimento do agravo de instrumento, que o artigo 522 do CPC é cristalino ao estabelecer, como regra, a interposição do agravo retido como meio de impugnação das decisões interlocutórias, sendo cabível a interposição do agravo de instrumento apenas nas hipóteses de (i) decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação; (ii) inadmissão da apelação; e (iii) dos efeitos em que a apelação é recebida. Apropriada, nos parece, a observação feita por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, que, com propriedade, alertam que esses casos devem ser tratados “(…) como medidas de exceção, as hipóteses devem ser interpretadas restritivamente, o que significa que não admitem interpretação extensiva.”[35]
Com relação à primeira hipótese de cabimento do agravo de instrumento prevista no caput do artigo 522 do Código de Processo Civil, a saber, lesão grave e de difícil reparação, que constitui o objeto central de nossa análise, observa Athos Gusmão Carneiro que o emprego do agravo retido seria ineficaz.[36] Nestes casos, a verificação de tal requisito legal – lesão grave e de difícil reparação – há de ser feita pelo relator responsável pelo julgamento do agravo de instrumento no tribunal. Entretanto, não restam dúvidas de que sempre que se fizer necessário provimento urgente, como em geral ocorre nos pedidos de concessão de liminar, será cabível a interposição do agravo sob a forma de instrumento, não havendo interesse recursal no agravo retido. Isto porque, como bem esclarece o eminente autor:
“As decisões de adiantamento dos efeitos da tutela, a toda evidência e dado seu caráter satisfativo, somente comportam o agravo por instrumento; o propósito da tutela antecipada é, com efeito, superar de imediato os possíveis efeitos deletérios ao direito da parte, decorrentes do tempo em que o processo corre (ou lentamente marcha…) em juízo (CARNEIRO, Athos Gusmão. Da Antecipação de Tutela. 6ª ed. Forense, 2005). O adiantamento tardio equivalerá, freqüentes vezes, ao não-adiantamento”[37].
Por outro lado, caso o relator entenda que não restou configurada, nas razões do agravo, a possibilidade de lesão grave e de difícil reparação, deve ele relator, a teor do artigo 527, II[38], do Código de Processo Civil, converter o agravo de instrumento em agravo retido, remetendo os autos para o juízo de primeiro grau, não cabendo recurso contra tal decisão.[39] Reitere-se que deve o relator observar se não se trata de tentativa de ressurreição de agravo retido intempestivo, como alertamos acima.
Além das hipóteses de cabimento do agravo de instrumento acima referidas, e que estão previstas no artigo 522 do Código de Processo Civil, a doutrina ainda aponta outras nas quais se tem admitido o agravo de instrumento, em razão da inexistência, no ordenamento jurídico vigente, do recurso de apelação por instrumento. Um dos exemplos citados é a decisão que indefere a petição inicial da reconvenção, pois, neste caso, mesmo tendo a reconvenção natureza de ação, a jurisprudência, pacificamente, admite a utilização do agravo de instrumento, por questão de ordem prática, uma vez que se se admitisse o recurso de apelação, os autos subiriam ao tribunal por completo, atrapalhando assim o andamento da ação principal.
Athos Gusmão Carneiro anota outra hipótese de cabimento do agravo de instrumento, com fundamento distinto do CPC, art. 522, e que seria a da decisão que não admite a intervenção de terceiros – o assistente, por exemplo – pois neste caso de nada adiantaria ao terceiro uma assistência deferida apenas por ocasião da apelação, quando o processo já terá sido julgado.[40] Contudo, nos parece que essas hipóteses estão sim previstas no dispositivo que condiciona a aceitação do agravo instrumentalizado à comprovação de dano iminente, porquanto parece-nos induvidoso que elas acarretam inequívoco risco de dano imediato à parte.
6 Enquadramento da omissão judicial no conceito de decisão interlocutória
Superada a questão relativa à definição de decisão interlocutória, passa-se à análise do ponto principal do presente trabalho, qual seja, o possível enquadramento da não apreciação judicial como decisão interlocutória omissiva, bem como a jurisprudência pátria acerca do tema.
Como já visto alhures, em muitos casos existe para a parte autora em processo judicial a necessidade de uma prestação jurisdicional urgente. Nesses casos, não há outro caminho que não seja, quando da interposição da ação judicial, requerer a antecipação dos efeitos da tutela ou postular por medida cautelar, através de pedido liminar, levando-se ao conhecimento do Poder Judiciário, nesta ocasião, todos os elementos fáticos e legais que justifiquem tal pedido, notadamente a existência dos requisitos específicos exigidos em lei.
Assim, preenchidos tais requisitos, não há dúvidas de que assiste à parte o direito subjetivo de ver concedida a medida liminar requerida na peça exordial, sobretudo se presentes o fumus boni juris e o periculum in mora. Por outro lado, se ausente qualquer desses requisitos, deve o juiz de primeiro grau negar (expressamente) a antecipação dos efeitos da tutela ou a medida cautelar, conforme o caso. Em outras palavras, significa dizer que, ao se deparar com um pedido de tutela de urgência formulado pelo autor em sua peça inicial, deve o juízo a quo analisá-lo e, caso se convença da presença dos requisitos autorizadores de tal medida, concedê-la, ao passo que, por outro lado, em não se convencendo acerca dos argumentos lançados pela parte autora, deve indeferir tal pedido, mas não se abster em decidir e reservar-se para após a formação do contraditório.
Portanto, se por qualquer motivo o magistrado de primeiro grau não se convencer das alegações levantadas pelo autor, ou entender que não estejam presentes quaisquer dos requisitos previstos em lei para o deferimento da tutela de urgência, deve indeferir o pedido, abrindo espaço para que a parte autora, dada a urgência da situação, possa manejar o recurso de agravo de instrumento para o tribunal ad quem, na tentativa de reformar a decisão agravada.[41]
Assim, o não pronunciamento imediato do juízo a quo deve ser interpretado não como um simples despacho de mero expediente, mas sim como uma decisão interlocutória indeferitória, posto consistir em inequívoca negação da prestação da tutela jurisdicional (dever ao qual o juiz não pode se abster, ainda que inexista norma jurídica no ordenamento a prever a situação concreta[42]). Neste caso, a abstenção deve ser equiparada a uma decisão interlocutória denegatória, sujeita, portanto, ao manejo do agravo de instrumento.[43]
Ainda a respeito do tema, merecem destaque também as ponderações de Misael Montenegro Filho, ao tomar como exemplo caso hipotético de internamento em hospital privado, aliado à negativa, por plano de saúde, de autorização para permanência de paciente no estabelecimento, e considerando ainda que se o magistrado de primeiro grau, por circunstância qualquer, não enfrentar o pedido de antecipação de tutela em prazo urgente, na verdade, estará a negar a tutela, vejamos:[44]
“O caso concreto permite o uso do agravo de instrumento, de modo substitutivo, com evidente supressão de instância, raciocínio que pregamos não de forma alternativa, mas com fundamentação. Em primeiro lugar, cabe-nos analisar o inciso III do art. 527 do CPC, alusivo à prerrogativa conferida ao relator de deferir a tutela antecipada recursal, ou seja, de emprestar o intitulado efeito ativo ao recurso, deferindo na esfera recursal providência negada pela instância monocrática, provando a possibilidade de os julgadores que tomam assento nos tribunais não apenas reverem decisões positivas (o deferimento ou o indeferimento de uma liminar ou de uma antecipação de tutela, por exemplo), como também positivarem comandos negados pelo 1º Grau de Jurisdição, no âmbito estreito do agravo de instrumento, com a possibilidade de compararmos a omissão ao indeferimento da pretensão perseguida, estabelecendo um não atuar”.[45]
Argumento dos mais relevantes apontado por Mizael é que a não apreciação do requerimento pode dar ensejo ao perecimento do próprio direito material buscado, ao que podemos acrescentar que fulminado estaria o objeto do processo em razão da inércia do julgador de primeiro grau.[46] Além dos argumentos e posicionamentos acima transcritos, observa-se também que alguns tribunais vêm se posicionando no sentido do cabimento do agravo de instrumento em tais casos, desde que configurada a urgência da prestação jurisdicional, como restará demonstrado a seguir.
7 Tratamento pretoriano da matéria.
Ainda acerca do tema do cabimento de agravo de instrumento contra decisões que não apreciam imediatamente o pedido de antecipação de tutela requerido na peça inicial, núcleo do presente trabalho, é de se registrar o posicionamento, cada vez mais freqüente, que tem sido adotado pelos tribunais pátrios, admitindo o cabimento de tal recurso. Neste sentido, o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco já decidiu o seguinte:
“EMENTA: Constitucional e Administrativo. Agravo de Instrumento. Ação Ordinária de Obrigação de Fazer. Omissão do juiz a quo em proferir decisão acerca da antecipação de tutela pleiteada. Impossibilidade. Princípio da inafastabilidade ou proteção judiciária. Denegação de justiça. Concessão do efeito ativo em segundo grau. Greve de servidores públicos. Ilegalidade. Encerramento da greve. Confirmação da multa cominatória devida no caso de descumprimento do efeito ativo dantes concedido. Agravo provido à unanimidade.
– A imediatidade de um provimento jurisdicional, a saber do art. 273 do CPC, não pode, ao livre talante do magistrado, ser postergada para outro momento, com sacrifício do próprio direito material, enquanto não prestada a tutela de urgência.
– Postergando o juiz o devido exame a respeito e o prazo dessa omissão, com os eventuais acréscimos advindos do próprio mecanismo processual pertinente, representa dilação incabível, a implicar, inevitavelmente, em denegação da justiça.…)
– Agravo provido. Decisão unânime.
ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento nº 0063694-2 em que figuram como agravante o ESTADO DE PERNAMBUCO e como agravado o SINDICATO DOS TRABALHADORES EM SAÚDE NO ESTADO DE PERNAMBUCO – SINDSAÚDE, ACORDAM os Desembargadores que compõem a 4º Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco, à unanimidade, em dar provimento ao agravo de instrumento interposto, na conformidade do voto e do relatório, que integram este julgado. Recife, 22 de agosto de 2001. Des. Napoleão Tavares Presidente Des. Jones Figueirêdo Alves Relator.”[47](Grifos acrescidos)
No mesmo sentido, em decisão monocrática mais recente, proferida pelo eminente Desembargador Relator Leopoldo de Arruda Raposo, do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, nos autos do agravo de instrumento nº 148654-4, a tese aqui defendida em sede de doutrina era já integralmente acolhida no âmbito da nossa jurisprudência, verbis:
“Decisão Interlocutória
Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de antecipação da tutela recursal, interposto contra decisão interlocutória proferida pelo MM Juiz de Direito da 16ª Vara Cível da Capital que, em sede de Ação Ordinária de Obrigação de Fazer, reservou-se em examinar o pleito liminar após oportunizada a defesa. Assevera o agravante que o julgador a quo desconsiderou todas as razões expendidas na peça exordial, que demonstra a presença dos requisitos autorizadores para a concessão da medida liminar. (…)
É o que importa relatar. Cuido que se afiguram presentes os requisitos apriorísticos determinantes da concessão da medida initio litis, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. No que se refere ao fumus boni iuris, entendo que o mesmo resta configurado, ao menos para este momento de prévia e sumária cognição, porquanto, as provas trazidas aos autos, bem como, os argumentos expendidos demonstram a boa-fé do agravante (…).
Quanto ao periculum in mora, entendo que o mesmo se encontra evidenciado, porquanto, o agravante encontra-se, até o presente momento, desassistido pelo seguro saúde, sendo despiciendo argumentar sobre a urgência que a assistência médico-hospitalar pode apresentar. Ex positis, em presente exame perfunctório dos autos, considerando presentes os requisitos de admissibilidade para concessão da antecipação da tutela recursal, concedo a liminar pleiteada para restabelecer o contrato de seguro saúde, determinando que a empresa agravada (…). Recife, 26 de janeiro de 2007. Leopoldo de Arruda Raposo. Desembargador Relator. (Grifos acrescidos)[48]
Semelhantemente, já se posicionou a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça:
Merece destaque também posição adotada pelo mesmo Superior Tribunal de Justiça, considerando inclusive passíveis de recurso os despachos de mero expediente, desde que capazes de causar à parte gravame ou prejuízo, conforme se observa a partir do julgado a seguir transcrito:
Por fim, importante destacar o posicionamento firmado pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina, por ocasião de ação civil pública na qual o magistrado de primeiro grau, em seu despacho inicial, deixou para decidir sobre o pedido de antecipação de tutela apenas depois da contestação da parte ré, conforme se vê no Informativo nº 17/01, da Coordenadoria de Recursos do referido órgão ministerial:
“Florianópolis, dezembro de 2001.
RECURSO DE AGRAVO (CPC, art. 557, § 1º): PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA ‘INAUDITA ALTERA PARS’. DESPACHO DO JUIZ QUE DEIXA PARA APRECIÁ-LO DEPOIS DE OUVIDA A PARTE CONTRÁRIA. INDEFERIMENTO TÁCITO.
Na Comarca da Capital os colegas André Carvalho, Carla Mara Pinheiro Miranda, Cid Luiz Ribeiro Schmitz e Márcia Aguiar Arend ajuizaram uma Ação Civil Pública contra uma empresa de telefonia celular, visando obrigá-la a quebrar o sigilo telefônico de clientes quando determinado pelo Poder Judiciário. Alegando impossibilidade técnica a referida empresa nega-se a prestar tais informações, empecilho que certamente impede, em certos casos, a completa investigação e instrução processual. Na inicial constou o pedido de tutela antecipada inaudita altera pars.
O Juízo de primeiro grau, no despacho inicial, disse que não estava presente o requisito do periculum in mora e, por isso, deixava para decidir sobre a antecipação da tutela depois da contestação.
Inconformados, os colegas interpuseram o necessário Agravo de Instrumento, insistindo na necessidade do deferimento da antecipação da tutela desde já, initio litis. No entanto, este recurso teve o seu seguimento negado (CPC, art. 557), por entender o relator pela sua inadmissibilidade ante a ausência do interesse recursal. Assentou ele, monocraticamente, que o Magistrado a quo “apenas postergou a análise do pedido de liminar para uma ocasião ulterior, depois que a ré fosse citada” e que, desta forma, na verdade, não teria ocorrido o indeferimento que justificasse a interposição do agravo. Em outras palavras, disse que a decisão do Juiz – como lançada – era irrecorrível, pois não trazia qualquer conteúdo decisório.
Por entenderem exatamente ao contrário, ou seja, que a não concessão da tutela antecipada como requerida – isto é, initio litis, antes da ouvida da parte contrária -, significou sim o seu indeferimento tácito, as Coordenadorias de Recursos Cível e Criminal, em conjunto, aviaram o respectivo agravo (CPC, art. 557, § 1º), encaminhando o feito para decisão colegiada. Com efeito, aguarda-se que a Câmara Civil competente perceba – e declare – que o pedido de antecipação de tutela inaudita altera pars restou indeferido quando o Juiz deixou para decidi-lo após a ouvida da outra parte, havendo assim interesse recursal a justificar a interposição do mencionado agravo de instrumento.”[51] (Não grifado no original)
Embora não se tenha conhecimento se o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina acolheu tal posicionamento, dando o devido provimento ao agravo interposto, resta demonstrado que os membros do Ministério Público estadual, acertadamente, entendem como cabível a interposição de agravo de instrumento contra decisão denegatório-omissiva de magistrado de primeiro grau, posto que tal decisão nada mais é do que um indeferimento tácito da de tutela de urgência requerida.
8 Conclusão
Vimos que tanto a doutrina quanto a jurisprudência admitem o cabimento do agravo de instrumento em situações nas quais o juiz de primeiro grau reserva-se para apreciar pedido de concessão de tutela de urgência após a manifestação do réu. Conclui-se, portanto, que tal atitude judicial não pode ser enquadrada no gênero dos despachos de mero expediente, não dotados de carga decisória. Não se trata de mero despacho. Não nos interessa aqui o fato de a jurisprudência admitir recurso contra despachos que não se enquadrem no conceito de decisão interlocutória, não obstante a previsão expressa do CPC, art. 504. É que a atitude judicial consistente na não apreciação de pedidos urgentes enquadra-se no conceito de decisão interlocutória, pois, com tal abstenção, perpetra-se verdadeira denegação da prestação da tutela jurisdicional.
Nesses casos, a prestação tardia do serviço jurisdicional é inservível ao jurisdicionado. Tal atitude não se enquadra apenas no conceito de injustiça qualificada de que falara Rui Barbosa. Há hipóteses nas quais pacientes encontram-se em situação de extrema urgência, internados em UTIs, a espera que um magistrado delibere, por exemplo, se irá, ou não, deferir requerimento que postula pela determinação imediata de um stent coronariano, bem como há pacientes de baixa renda que, apesar de se encontrarem em gravíssimo estado de saúde, não conseguem vagas em UTIs, e a única e última alternativa que possuem é a prestação jurisdicional, mas que só será efetiva se também o for tempestiva.
A não apreciação de pedidos de tutela de urgência em casos como esses, apresenta-se como inequívoco atentado contra a garantia constitucional da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXXVIII), sujeitando o juiz, inclusive, a procedimento disciplinar, desde que provada a conclusão em tempo hábil (CPC, art. 133, II e LOMAN[52]).
Considerando, portanto, como estabelecida essa premissa, dela derivam as conclusões que se apresentarão a seguir.
A análise histórica dos agravos demonstra que atualmente o agravo retido passou a ser o recurso adotado enquanto regra para desafiar as interlocutórias proferidas no primeiro grau que não irradiem efeitos danosos imediatos. Não se verificando tal situação, o agravo retido não será o recurso adequado. O seu cabimento limita-se ao primeiro grau de jurisdição, mas para a situação processual aqui estudada o agravo retido não é o recurso adequado, na medida em que falta interesse de agir ao agravante já que o seu conhecimento somente ocorrerá quando do julgamento da apelação, momento em que já se consumara a lesão ao direito pretendido.
O recurso adequado para a situação processual na qual o juiz de primeiro grau de jurisdição reserva-se para apreciar requerimentos de concessão de tutelas de urgência, in limine litis, ou até mesmo incidentalmente, quando a urgência se verificar de forma superveniente, é o agravo de instrumento (no prazo de dez dias, CPC, art. 522 e segs), posto que proporciona o conhecimento imediato da matéria pelo segundo grau tão logo seja distribuído ao relator, que poderá/deverá analisar de pronto o requerimento de concessão de liminar.
Mas, se também o relator resolver reservar-se para apreciar o pleito após a formação do contraditório, nesse caso estará a concorrer para perpetuar a situação verificada no primeiro grau, sendo, tal decisão, também recorrível imediatamente.
Porém o recurso de agravo de instrumento não é adequado para essa situação. Merece registro que o agravo instrumentalizado previsto no artigo 544 do CPC é o único dessa espécie (agravo de instrumento) cabível no segundo grau de jurisdição. Todavia, sua hipótese de cabimento limita-se à decisão denegatória de seguimento de recurso extraordinário ou especial, decisão essa que é de competência do presidente ou vice-presidente do tribunal local.
Consequentemente, da decisão do relator que não aprecia imediatamente o requerimento de liminar – que é objeto do agravo de instrumento interposto contra a decisão do juiz de primeiro grau que também não havia apreciado o pedido – cabe agravo regimental, no prazo de cinco dias. Merece o registro de que apesar de a lei nº 11.187/2005 ter pretendido que essa decisão do relator restasse irrecorrível, apesar disso (a bem da efetividade e justiça processuais) a jurisprudência logo cuidou de admitir o cabimento do agravo regimental. Portanto, em hipóteses semelhantes, incluindo os casos de ações de competência originária dos tribunais, sempre que houver requerimento de concessão de tutela de urgência denegado pelo relator, expressa ou tacitamente, caberá agravo regimental, que deve ser interposto independentemente de preparo no prazo de cinco dias e deve ser levado pelo próprio relator para o órgão colegiado ao qual estiver vinculado na primeira sessão imediatamente após a sua interposição.
Enfim, outra hipótese capaz de ensejar o cabimento de um outro tipo de agravo em decisões interlocutórias omissivas verificar-se-á quando o relator do agravo de instrumento, interposto contra a interlocutória omissiva de primeiro grau, individualmente, negar seguimento ou provimento ao agravo instrumentalizado, como admite o CPC, art. 557. Nesse caso, caberá agravo interno (legal, legal porque previsto e instituído por lei federal), no prazo de cinco dias, independentemente de preparo, e que também deve ser apresentado pelo próprio relator ao órgão colegiado do qual faz parte.
Uma observação final ainda impõe registro: é que nos casos dos agravos regimental e interno (legal) o relator pode exercer o juízo de retratação e, via de conseqüência, fulminar o objeto desses recursos, eis que a pretensão terá sido alcançada pelo agravante.
Professor do PPGD da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Professor da Faculdade de Direito do Recife (FDR-UFPE). Pós-doutorado (Universidade de Salamanca – Espanha, com bolsa da CAPES). Doutor e Mestre (FDR-UFPE). Advogado (1989-1991). Promotor de Justiça (1991-1992). Juiz de Direito Titular da 29ª Vara Cível do Recife – TJPE. Diretor da Escola Judicial Eleitoral do TRE-PE. Desembargador Eleitoral do TRE-PE. Membro da Associação Norte e Nordeste dos Professores de Processo (ANNEP). Membro da Associação Brasileira de Direito Processual (ABDPro).
Advogado e administrador de empresas
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