Resumo: O presente trabalho tem por escopo apresentar de forma didática um estudo sobre o dever de licitar no Brasil e as suas implicações na vida econômica, social e política de nossa sociedade. Para tanto trabalharemos com a questão da obrigatoriedade do processo licitatório. Busca-se a partir de uma análise inicialmente geral e em seguida mais específica sobre o tema, compreender a questão, sobretudo no que diz respeito aos princípios que orientam a obrigatoriedade da licitação.
Palavras-chave: Dever de licitar. Princípios. Direito administrativo. Lei 8.666/93.
Abstract: The present work has the purpose to present didactically a study on the duty to bid on Brazil and its implications on economic, social and political life of our society. For both work with the issue of mandatory bidding process. Searching is from a general analysis initially and then more specific on the subject, understand the issue, particularly with regard to the principles that guide the mandatory bid.
Keywords: Duty to bid. Principles. Administrative law. Law 8.666/93.
Sumário: Introdução. 1. Licitação: dever e garantia. 2. Características. 3. Legitimados 4. Licitação nas empresas estatais. 5. Demais entidades. 6. Considerações finais. 7. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
No presente trabalho, na área de Direito Administrativo, na linha de pesquisa sobre Licitações e Contratos Administrativos, abordar-se-á a obrigatoriedade do processo licitatório no Brasil. A delimitação do tema se perfaz com a seguinte indagação: o dever de licitar no Brasil se consubstancia em obrigação do Administrador ou direito fundamental do jurisdicionado?
Ensina Fernanda Marinela (2010, p. 29) que há no regime jurídico administrativo o interesse público primário e o interesse público secundário, sendo considerado “interesse público primário o resultado da soma dos interessesindividuais enquanto partícipes de uma sociedade, também denominados interessespúblicos propriamente ditos.” Continua ainda a ilustre professora dizendo que “tem-se o interesse público secundárioque consiste nos anseios do Estado, considerado como pessoa jurídica, um simplessujeito de direitos; são os interesses privados desse sujeito.”
O instituto da licitação está previsto no ordenamento jurídico pátrio tanto na Constituição Federal como na legislação ordinária. Positivado no art. 37, XXI da Carta Magna e na Lei de Licitações (Lei 8.666/93), disposições legislativas estas que serão analisadas e interpretadas no desenvolvimento deste trabalho de acordo com a jurisprudência e exposições doutrinárias.
Buscar-se-á com o presente Artigo Científico compreender, com ênfase no processo administrativo licitatório este princípio-garantia, do qual repercutem várias situações jurídicas: a observância do princípio da isonomia entre os licitantes, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa quando do processamento e julgamento das propostas licitatórias.
1. LICITAÇÃO: DEVER E GARANTIA
Se por um lado licitar se constitui em um dever do administrador público, por outro, não menos importante, se torna também uma garantia para os administrados, especialmente para os licitantes.
Ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (2009, p. 522) que “a licitação é uma aplicação concreta do princípio da igualdade, o qual, na Constituição, está encartado como um dos direitos e garantias fundamentais.”
Decorre diretamente da Constituição Federal o dever de licitar (art. 37, XXI), cujo sentido etimológico (BUENO, 1968) vem do latim LICITATIO que significa “ato de vender em leilão”, derivado do verbo LICITARI que significa “leiloar, oferecer pelo melhor preço”, derivado ainda de LICERE que por sua vez significa “ser permitido”.
Dentre as principais características que se pode perceber no conceito de licitação está a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração Pública, a isonomia entre os licitantes e a vinculação ao instrumento convocatório.
As demandas crescentes de uma sociedade plugada no mundo cibernético, em que tudo acontece em milésimos de segundos, por vezes tem o condão de dar uma pseudo-aparência de obsolescência ao sistema de licitações, na forma concebida hodiernamente.
Contudo, a licitação ainda é sinônima de um legítimo instrumento de gestão pública proba, eficiente e transparente.
2. CARACTERÍSTICAS
O instituto da licitação possui determinadas características marcantes, que serão esmiuçadas sucintamente durante o desenvolver deste trabalho ganhando especial destaque:
a) proposta mais vantajosa para a Administração Pública;
b) a isonomia entre os licitantes;
c) vinculação ao instrumento convocatório;
d) incentivo ao desenvolvimento sustentável;
3. LEGITIMADOS
Legitimidade é o caráter daquilo que é legítimo, legal, que está conforme o ordenamento jurídico, fundado no direito, na razão ou na justiça.
Obrigatoriedade é o caráter daquilo que é coercitivo, que está sendo feito de forma impositiva, fundada no direito, na norma positivada.
Dessume-se que há entes da Administração Pública, lato senso, que são legitimados a licitar, e mais do que isso, são obrigados a licitar, sendo que esta legitimidade e obrigatoriedade estão expressamente previstas na Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:
“Art. 37, XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”
E ainda na Lei 8.666/93, denominada de Lei das Licitações encontramos que:
“Art. 1º Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”
Em linhas gerais estão obrigados a licitar todos os entes da Administração Pública direta, autarquias, fundações públicas, e demais entes da Administração Pública Indireta.
4. LICITAÇÃO NAS EMPRESAS ESTATAIS
Em seu texto original a Constituição Federal de 1.988 previu no art. 22, XVII a existência de apenas um regime legal sobre licitações para toda a Administração Pública, in verbis:
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para a administração pública, direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, nas diversas esferas de governo, e empresas sob seu controle;
No entanto a Emenda Constitucional n. 19, de 04.06.1998 conhecida como “reforma administrativa” alterou o texto do supracitado inciso que passou a dispor que para as empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços haveria um diploma legislativo próprio para estas entidades, consubstanciando a denominada regra especial do art. 173, §1º, III, da Constituição Federal. Senão vejamos:
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III;
“Art. 173 [omissis]
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
III – licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;”
Aqui impende distinguir entre as empresas estatais que exploram atividades econômicas e as que são prestadoras de serviços públicos. Sendo que somente para as primeiras é dado ter um estatuto licitatório próprio, cuja finalidade é óbvia, dar as empresas estatais que explorem atividades econômicas, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, por exemplo, mais dinamicidade e agilidade nas suas contratações para que possam continuar sendo competitivas no mundo empresarial.
Por outro lado, no que diz respeito às empresas estatais que prestam serviços públicos, em face de não haver previsão constitucional lhes concedendo um regime licitatória próprio deverão obedecer ao regime geral de licitações instituído pela Lei 8.666/93. Por certo que é sobre estas entidades empresariais que se refere o parágrafo único do art. 1º da Lei de Licitações:
“Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. [grifo nosso]”
Contudo, em que pese a norma constitucional prever um estatuto específico às empresas estatais de caráter empresarial, o legislador infraconstitucional ainda não editou tal norma, deixando uma lacuna no ordenamento jurídico. Diante desta constatação os julgados do Tribunal de Contas da União têm evoluído no sentido de que até que seja editada a norma do art. 173, §1º, III da Constituição Federal, as empresas estatais de caráter empresarial estão desobrigadas da observância dos procedimentos da Lei 8.666/93, a uma quando o objeto a ser contratado estiver relacionado diretamente com sua atividade fim, e a duas quando a burocracia dos procedimentos licitatórios da Lei 8.666/93 se torne obstáculo intransponível à atividade empresarial da entidade estatal que atue em mercado que haja concorrência. Neste sentido tem se consolidado a jurisprudência do Corte de Contas da União.
Conforme ensina Maria Sylvia Zanella di Pietro (2011, p. 278) com a alteração promovida pela Emenda Constitucional 19/98 oportunizou-se a que fossem estabelecidas“normas sobre licitação e contratos diferentes para as empresas estatais. Enquanto não for estabelecido o estatuto jurídico previsto no artigo 173, § 1º., continuam a aplicar-se as normas da Lei nº. 8.666, já que o dispositivo constitucional não é autoaplicável.”
5. DEMAIS ENTIDADES
Consoante dispõe a parte final do parágrafo único do art. 1º da Lei de Licitações estão obrigados a licitar as “demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”
Estas demais entidades podem ser agrupadas da seguinte forma: Agencias Reguladoras; Consórcios Públicos; Conselhos Profissionais; Paraestatais; Ordem dos Advogados do Brasil e Fundos Especiais;
A partir de 1.995, o governo iniciou a Política Nacional das Privatizações. Alguns serviços efetivamente foram privatizados (quando havia venda da empresa pública). Mas, em outros casos, ocorreu desestatização (concessão de alguns serviços públicos que, até então, eram prestados exclusivamente pelo Estado – ex: telefonia), que nada mais era do que uma descentralização. Para fiscalizar e controlar esses serviços desestatizados foram criadas as Agências Reguladoras.
Por serem autarquias de regime especial, as Agências Reguladoras teriam a princípio um regime diferenciado de licitações que foi previsto na Lei 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações) que instituiu a ANATEL. Em síntese esta lei previu que as Agência Reguladoras estariam desobrigadas de licitar no regime da Lei 8.666/93 e que poderiam ter modalidades próprias para licitar, consubstanciadas na consulta e no pregão.
A matéria foi levada ao Supremo Tribunal Federal e julgada na ADI 1.688-5/DF. O STF entendeu que as normas eram inconstitucionais, e que as agências reguladoras, por serem autarquias de regime especial, devem se submeter ao regime geral da Lei 8.666/93. Mas, apesar disso, manteve a constitucionalidade das modalidades de pregão e consulta.
Frise-se ainda que atualmente a modalidade licitatória específica das Agências Reguladoras é a consulta, uma vez que o pregão foi generalizado para todos os entes desde a edição da Lei n. 10.520/2002.
Os consórcios administrativos e convênios, previstos na Lei 8.666/93 (art.116), representando cooperação de esforços para a satisfação de uma finalidade comum já existiam em nosso ordenamento jurídico. Como exemplo, podemos citar os convênios celebrados pelas universidades públicas para a realização de estágios e os convênios celebrados pelos Estados e as Organizações Não Governamentais.
Com a edição da Lei 11.107/2005 que regulamentou o art. 241 da Constituição Federal foram criados os consórcios públicos que conforme previsão infralegal pode optar entre a forma de pessoa jurídica de direito privado ou associação pública (art. 6º, Lei 11.107/2005), sendo no entanto formalizados por meio de contrato.
Os objetivos dos consórcios públicos estão delineados no art. 2º da Lei 11.107/2005 e serão determinados pelos entes da Federação que se consorciarem. Para o cumprimento destes objetivos, o consórcio poderá firmar convênios, contratos ou acordos de qualquer natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções de outras entidades e órgãos do governo, promover desapropriações e instituir servidores, ser contratado pela Administração Direta e Indireta, com dispensa de licitação, podendo, ainda, emitir documentos de cobrança e realizar atividades de arrecadação de tarifas ou outros preços públicos pela prestação de serviços ou uso de bens. Por fim, pode também outorgar concessão, permissão ou autorização de obras ou serviços.
Independente de sua natureza jurídica, o consórcio público está sob o jugo da Lei 8.666/93, sendo obrigatória sua observância sem exceções.
Na ADI 1.717/DF o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu pela inconstitucionalidade de parte do art. 58 da Lei n. 9.649/98 que pretendia delegar a fiscalização das profissões regulamentadas a entidades privadas. Conforme a ementa “a interpretação conjugada dos artigos 5°, XIII, 22, XVI, 21, XXIV, 70, parágrafo único, 149 e 175 da Constituição Federal, leva à conclusão, no sentido da indelegabilidade, a uma entidade privada, de atividade típica de Estado, que abrange até poder de polícia, de tributar e de punir, no que concerne ao exercício de atividades profissionais regulamentadas”.
Com isto ficou reforçado que os conselhos profissionais estariam obrigados a observar a Lei 8.666/93. Exceção feita apenas a Ordem dos Advogados do Brasil.
Para o Supremo Tribunal Federal, nas palavras do Ministro Eros Grau quando do julgamento da ADI 3.026/DF a Ordem dos Advogados do Brasil é “um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro.” Não sendo, portanto, uma entidade da administração indireta, a Ordem dos Advogados do Brasil “não está sujeita a controle da administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada”.
Cabe também ressaltar que os serviços sociais autônomos (SESC, SENAC, SENAT, etc.), as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse publico (OSCIP) não integram a Administração Pública em sentido estrito e desta forma não se sujeitam ao regime da Lei de Licitações. Estas entidades, denominadas de paraestatais, devem possuir regulamento próprio, o qual deve contemplar os princípios gerais de licitação.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao discorrermos sobre o tema proposto, não tivemos em momento algum a intenção de esgotá-lo, haja vista que se trata de temática bastante extensa. Assim, analisamos neste trabalho um pequeno excerto sobre o dever de licitar.
Impende registrar que no desenvolvimento deste artigo científico nos ocorreram sugestões para trabalhos futuros, dentre as quais destacamos o aprofundamento do estudo sobre a modalidade pregão e a discussão sobre um novo modelo de licitação cada vez menos burocrático a ser aplicado a toda a Administração. Contudo, em razão da limitação de nosso tema, nos abstivemos de empreender maiores investigações, que poderão ser perpetradas no futuro.
A fim de respondermos a indagação sobre a real natureza jurídica do dever licitar percorremos um caminho longo perscrutando sobre conceito e características da licitação, e ainda sobre a entidades sujeitas ou não ao regime licitatório, quer seja o regime geral da Lei 8.666/93 ou regime próprio.
De todo o exposto e com supedâneo na doutrina, jurisprudência e legislação podemos concluir que o dever de licitar é primordialmente um dever de interesse público primário, entendido aqui como aquele interesse que provém do povo, consubstanciando a vontade social, ou seja, é da vontade do jurisdicionado que as aquisições e alienações perpetradas pela Administração Pública obedeçam aos ditames do regime jurídico administrativo das licitações.
No entanto, não podemos descuidar de que o dever de licitar é também um interesse público secundário, entendido aqui como aquele interesse que provém da vontade do Estado enquanto pessoa jurídica, ou seja, é da vontade do Estado que as aquisições e alienações da Administração Pública visem sempre a seleção da proposta mais vantajosa.
Portanto, o dever de licitar no Brasil tem sua natureza jurídica delimitada como interesse público primordialmente primário coincidente com o interesse público secundário, e desta forma consolida-se em direito fundamental do jurisdicionado e obrigação para o Administrador público.
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito Administrativo. Atlas, São Paulo, 2011.
Informações Sobre o Autor
Rildon Aurelino Evaristo Damaceno
Servidor da Justiça Eleitoral – TREGO. Pós-graduado em Licitações e Contratos