Do estado gestor ao estado regulador: A hiper-regulação e a complexidade regulatória da União Européia

Resumo: O presente artigo busca demonstrar o declínio do Estado gestor, social, mínimo, bem como os preceitos da regulação econômica, social e redistributiva, para o Estado regulador, fornecendo uma chave de leitura retrospectiva dos eventos de intervenção publica na Europa ocidental, após a assinatura do Tratado de Maastricht e de Amsterdã. Apartir dos anos 70, os governos europeus foram forçados com velocidade, modalidade e determinação a dar ínicio em uma nova mudança em seu estilo tradicional de governança, em resposta aos novos desafios decorrentes da crescente competição internacional e o aprofundar-se da integração econômica e monetária no âmbito comunitário. A adaptação estratégica às novas realidades, comportou, embora não tanto deliberado, rápido e sistemático, uma redução no papel do Estado gestor e intervencionista, com uma correspondente valorização do Estado regulador.


Palavras-chave: – Estado gestor – Estado regulador – Regulação Comuniária – Democracia – Tratados.


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1. APRESENTAÇÃO


A expansão da intervenção Estatal, voltada a garantir o gozo dos direitos sociais e “liberdade positiva” cada vez mais numerosas e exigentes, até pouco tempo atrás parecia uma tendência irreversível e, enquanto merecedora, motivada, por um lado, pela difusão de novas concepções de solidariedade e de qualidade de vida e, por outro, possível graças aos elevados níves de crescimento econômico dos países ocidentais.


A estas exigências, se está respondendo, em muitos países desenvolvidos com o abandono de um modelo de Estado gestor direto, dispensador de bens, engenheiro social, em favor da idéia de um Estado regulador. Instrumentos estratégicos deste último são as autoridades reguladoras. A afirmação de um Estado regulador, e a ampliação da atividade regulatória pública, pode parecer a primeira vista relacionados à expansão das políticas e dos aparatos administrativos do Estado social, intervencionista Keynesiano. A este último, tendo sido atribuído a missão de combinar simultaneamente os objetivos do crescimento econômico, da plena ocupação, da potencialização dos direitos à cidadania, e de uma maior igualdade de crédito e de riqueza.


As modernas teorias políticas-econômicas do Estado dividem-se em três pilares de intervenção pública na economia: a redistribuição do crédito, a estabilização macro-econômica e a regulação do mercado. Todos os Estados modernos desenvolvem de certo modo as três funções, mas a importância relativa de cada uma, varia de país para país e de um período histórico a outro. Desta forma, no final do período da reconstrução das economias nacionais enfraquecidas em decorrência da Segunda Guerra Mundial, a redistribuição e a gestão macro-econômica discricionária por parte do Estado, emergiu como prioridade nas políticas na maior parte dos governos da Europa-Ocidental.


A importância atribuída às políticas redistributivas e a gestão discricionária da demanda agregada se manifesta em uma formulação do “welfare state Keynesiano” que tornou-se popular para o período. Todavia, o consenso social-democrático sobre o papel benéfico do “Estado positivo” – como planificador, como produtor direto de bens e serviços e como empregador em última instância – deram início a deteriorização em meados do anos 70. É neste período que se difunde a noção de falência do Estado. As políticas de nacionalização pareciam agora oferecer provas inevitáveis do insucesso do Estado “positivo”, invervencionista, gestor direto [1].


De fato, algumas das críticas voltadas ao Estado gestor, não são sempre equânimes ou carecem empiricamente de relevância, a novidade que se fez presente nos anos 80, foi com um crescente número de eleitores que de certo modo, se convenceram de tais críticas, e dispostos a apoiar uma nova abordagem do governo na economia, que incluía a privatização de muitas partes do setor público, uma maior ênfase sobre a concorrência e reformas incisivas do Estado social[2].


Na realidade, a regulamentação comunitária, aquela dirigida no setor da regulação econômica e social, cresceu exponencialmente tanto em quantidade quanto em importância, de forma que em muitos estados membros esta tornou-se de forma concreta a mais importante fonte de direito. A título de exemplo, segundo estimativas do Conseil d’Etat, ja em 1991 a Comunidade Européia produziu mais direito francês, do que fizeram as autoridades nacionais competentes: somente uma quota exemplificativa dentre os 20 e 25% da produção normativa aplicável na França vinha adotada sem uma prévia consultação com Bruxelas. Isto é ainda mais claro hoje, no momento em que a globalização a integração econômica e monetária da União européia estão minando os alicerces do Estado gestor.


A abordagem que se propõe no presente artigo, é a de rever o papel democrático das instituições com capacidade e legitimidade regulatória, como a Comissão Européia, cujo desenho institucional e sua arquitetura comunitária correspondem com significativa capacidade à lógica acima tracejada. E nesta cimeira, explanar as diferentes abordargens à explicação da legitimação democrática e institucional da Comunidade européia, como teoria positiva regulatória.


Delineando principalmente o papel da União Européia como Estato regulador, reconhecendo o papel crucial desempenhado pela Comissão européia para o crescimento da regulação comunitária, no que se refere a oferta de regulação, contra uma articulação e um aumento na demanda de regulação comunitária. Certamente, não devendo desconsiderar ainda, alguns defeitos de tal regulamentação, como a super-abundância de normas, bem como a sua excessiva complexidade e rigidez. Assim, tendo como importante instrumento do Estado regulador as autoridades regulatórias, entradas rescentemente no panorama europeu, tanto no âambito nacional quanto comunitário.


2. A legitimidade democrática: modelo majoritário e modelo madisoniano


O debate sobre a “des-regulação”[3] nos anos 80 enfatizou os defeitos do processo regulatório, dentre os quais, a falta de uma efetiva disciplina de balanço e a consequente tendência em manifestar na legislação o legalismo, uma excessiva e desnecessária complexidade regulatória, demonstrando assim, inflexibilidade em afrontar as inovações tecnológicas e econômicas e ainda a falta de coordenamento entre os reguladores. Os reguladores podem gozar de um grande poder, mesmo que não sejam eleitos para tanto, tampouco são responsáveis perante os detentores de mandato eletivo. Desta forma, questiona- se de como é feito o controle deste poder?. A resposta depende em última análise do modelo de democracia adotado.


Segundo o modelo majoritário, a principal, e senão única, fonte de legitimidade é a responsabilidade para com os eleitores ou com os representantes eleitos[4]. Segundo Veljanovski[5] , a forma do modelo adotado, pelas autoridades regulaltórias independentes devem ser vistas tão somente como “anomalias consitucionais que não se enquadram perfeitamente na tradicional arquitetura dos controles, e dos pesos e dos contrapesos”. E neste mesmo sentido, Teitgen-Colly[6], vai mais longe, “até mesmo como uma ameaça aos princípios fundamentais do constitucionalismo e da teoria democrática”.


O debate sobre o déficit democrático na tomada de decisões no âmbito comunitário, foi inspirado pelos princípios derivados do modelo majoritário. Alguns críticos como Vaubel[7] apontam, como resultado da supremacia do direito europeu sobre o nacional, onde os governos dos Estados Membros, com sede no Conselho, podem controlar seus próprios parlamentos ao invés de serem controlados por este último. Porém, se assim fosse, o déficit democrático poderia ser reduzido de maneira significativa somente potencializando o papal dos Parlamentos, tanto Europeu quanto os nacionais, no processo de formulação de políticas comunitárias.


Já aqueles que estão mais inclinados para um modelo não majoritário de democracia, concordam sobre o fato de que o problema da legitimidade da regulação existe seja tanto no âmbito europeu como nacional, mas negam que uma maior politização do processo regulatório seja a resposta mais adequada a tal questão. Este modelo é particularmente focalizado à proteger as minorias da “tirania da maioria”, antes em detrimento da concentração do poder nas mãos da maioria, apontando a limitar e a dispersar o poder entre instituições diversas. De certo modo, Lijphart (1984-1991)[8]; Rogowski e Weaver 1993[9], demonstram, com sólida evidência empírica, que a democracia majoritária é a exceção e não a regra. Apesar disso, o pressuposto de que o princípio da maioria seja a única fonte da legitimidade democrática é ainda geralmente aceito.


Os organismos reguladores, como o Banco Central, os Tribunais Administrativos e a Comissão Européia, pertencem ao genero das “instituições não majoritárias”, isto é, instituiçoes públicas criadas deliberadamente de modo a não torná-los diretamente responsáveis perante o eleitorado ou a seus representantes eleitos. Ao mesmo tempo, no entanto, persistem dúvidas sobre a legitimidade de tais instituições, que por outro lado, aumentam em proporção direta a expansão do papel das Agências Reguladoras.


Como tem sido apontado polemicamente por Duret[10], “Através da criação de uma autoridade independente, o Parlamento viria a trair e manifestar a sua própria incapacidade de disciplinar a matéria. Esta abdicação corresponderia a uma crescente “delegação”, a ser entendida não no sentido técnico – jurídico, mas, por assim dizer sociológico do poder normativo”.


Segundo alguns teóricos da democracia, como Spitz[11], distinguem-se duas diferentes concessões, ambas compatíveis com a idéia que remonta a Abraham Lincoln, de “governo do povo, da parte do povo, para o povo”. O primeiro é representado pelo modelo majoritário ou populista de democracia, tendente a concentrar todo o poder político nas mãos da maioria. Segundo esta concessão, a maioria deve ser capaz de “controlar tudo o que existe no sistema do governo – o legislativo, o executivo, o judiciário, e ainda controlar tudo até onde a política possa alcançar. De fato, nada explica o total domínio da maioria no tocante a sua capacidade de alterar e ajustar os critérios de legitimidade.


Em contraste, o modelo não majoritário bem como é apresentado por Dahl[12] como Madisoniano de democracia, visa a compartilhar, dispersar, delegar e limitar o poder em uma multiplicidade de formas. O objetivo predominante é, usando a linguagem de Madison, proteger as minorias contra a “tirania da maioria” e criar defesas contra a usurpação do governo por parte dos potentes grupos e auto-interessados – e as ameaças que tal facciocismo eleva para o credo republicano em uma democracia deliberativa.


Uma visão empírica produzida por Lijphart, nos fornece evidências adicionais a favor da tese, na qual os mecanismos de decisão não majoritários são mais adequados à sociedades complexas e pluralistas, em detrimento dos mecanismos que conservam todo o poder nas mãos da maioria política. Este autor, define as sociedades “plurais” como aquelas que são “profundamente divididas ao longo de linhas de fraturas religiosas, ideológicas, linguísticas, culturais ou raciais – em sub-sociedades praticamente separadas, com os seus partidos políticos, seus grupos de interesse e meios de comunicação”[13].


Nesta linha de investigação, é claramente relevante uma análise da integração européia, que está coberta por um grande número de profundas fraturas, a mais óbvia de todas é a distinção entre os estados membros em grandes e pequenas dimensões. Fraturas linguísticas, geográficas (entre Norte e Sul), ideológicas (países protecionistas contra países livres-escambistas, países dirigistas contra países mais orientados ao laissez faire) que também desempenham um papel significativo na política européia[14].


Desta forma, como bem assevera Dehousse[15], é surpreendente ver como muitas propostas voltadas a aumentar a legitimação democrática das instituições européias – associando o Parlamento Europeu à nomeação dos componentes da Comissão, redimensionando a Comissão (que não inclui mais os representantes de todos os Estados membros), generalizando e simplificando o uso da votação por maioria no Conselho, e reformando a presidência de tal modo a limitar de facto o papel dos países menores – apontando no direcionamento do fortalecimento de todos os traços da maioria do sistema político europeu.


Tal proposta, somente pode ser compreendida nos termos de um paradigma que equipara a democracia ao princípio de maioria. Mas como bem evidenciamos anteriormente, um tal paradigma é frágil, e inadequado próprio no contexto europeu, que não é, e nem poderá tornar-se um Estado no sentido moderno do conceito. Este é no máximo, um “Estado regulador” porque manifesta algumas características de um Estado somente na área importante mas limitada, que é o da regulação econômica e social.


3. O aumento vertiginoso da regulação comunitária


A atividade normativa no âmbito europeu conheceu um crescimento impetuoso, e segundo alguns autores hipertrófico[16]. Além disso, esta focou-se em matérias não previstas pelos tratados originários e tampouco estritamente necessários para o bom funcionamento do mercado comum. Ou ainda como bem descreve Zagrebelski, “a anomalia regulatória tem por objetivos razões sociais, como a maciça intervanção do Estado nos setores precedentemente reservados à autonomia privada, que caracterizou uma recente fase tanto a nível nacional quanto europeu, e a cada vez mais acentuada a fragmentação da sociedade em grupos e céticos que exigem tratamentos normativos diferenciados e adequados às suas exigências emergentes[17].


O número de diretivas e regulamentos produzidos por ano, em media, pelos orgãos comunitários, foi de 25 diretivas e 600 regulamentos até o final de 1970, de 50 diretivas e 1.000 regulamentos até o final de 1975, de 80 diretivas e 1.500 regulamentos até os meados de 1985. Em 1991 Bruxelas produzia 1.564 diretivas e regulamentos, contra as 1.417 “unidades” de legislação (leis, decretos, portarias) emitidos por Paris. Em outras palavras, a Comunidade introduziu no ordenamento francês, mais regulação daquelas criadas pelas próprias autoridades nacionais[18].


No que diz respeito a contínua expansão das matérias objeto de decisões comunitárias, um indicador expressivo é representado pelo número de Conselhos de Ministros especializados, que passou de 14 em 1984, para 21 em 1983[19]. Das sete importantes áreas de políticas comunitárias em forte expansão – políticas regionais, pesquisa e desenvolvimento tecnológico, ambiente, proteção dos consumidores, instrução, política cultural e audio-televisiva, política da saúde e da segurança no trabalho – somente esta última era mencionada no Tratado de Roma[20] e somente como área de decisão, onde a Comissão deveria promover uma estreita cooperação entre os Estados membros (Art.18).


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No tocante a questão da proteção ambiental, locução que de fato não aparece no Tratado de Roma, onde não se encontra nem mesmo o termo “ambiente” por exemplo, três programas de ação específicos foram aprovados antes mesmo que o Ato Único Europeu[21] reconhecesse a competência da Comunidade em tal área. O terceiro em 1982-1986, sublinhava a importância da avaliação do impacto ambiental e dos instrumentos econômicos para implementar o princípio “de quem polui paga”. O número de diretivas/decisões em matéria ambiental, teve um acréscimo saindo da casa dos 10 em 1975, para 13 em 1980, e de 20 em 1984, seguido por 25 em 1985, seis meses precedentes a adoção do Ato Único Europeu[22]. Estima-se, que a normativa européia no que diz respeito ao meio ambiente, incluiu mais de duas centenas de regulamentos, e que em muitos Estados membros, esta cifra pode ser ainda maior.


De certa forma, enquanto as primeiras diretivas diziam respeito aos produtos e então, eram justificáveis em nome da exigência em evitar que as normas nacionais criassem restrições para a sua circulação, as sucessivas diretivas concentraram-se também nos processos produtivos (no padrão de emissão ambiental, tratamento dos resíduos e utilização do território, proteção da fauna e da flora) endereçados explicitamente aos objetivos ambientais, desviando-se do foco para qual foi criada, o livre comércio.


O crescimento da atividade regulatória Comunitário e o papel da Comissão Européia não deixou de sucitar críticas, onde se encontram traços nos Tratados de Maastricht[23] e de Amsterdam[24]. A enfase no princípio da subsidiaridade, é uma clara menssagem de intolerância por parte dos Estados Membros, na tentativa de impor uniformidade normativa que não seja absolutamente indispensável[25].


Uma notável crítica dirigida à Comissão, emerge especificamente das declarações anexadas ao Tratado de Maastricht, onde destaca os princípios de transparência e o acesso às informações convocando ainda, a Comissão para o uso sistemático da análise custo/benefício em suas propostas normativas. Além dos referidos Tratados, foi individuado uma série de deficiências, como a falta de procedimentos racionais para selecionar as prioridades regulatórias, a falta de uma coordenação e de uma supervisão central, a tendência à hiper-regulação, tanto no sentido de adotar muita regulação como no sentido de apresentá-las de modo excecivamente complexas.


Não obstante, a relevância de tais modificações institucionais e substanciais aportadas pelo Ato Único, logo se revelaram insuficientes na persecução dos desevolvimentos identificados como indispensáveis para prosseguir no caminho de uma União Européia. Em particular, apresentava de modo frágil o papel do Parlamento Europeu, que não deixou de enfatizar repetidamente a persistência do “dèficit democrático” do sistema comunitário. Fazia-se necessário outras alterações institucionais, com a finalidade de reforçar a legitimidade democrática e consentir que Comunidade pudesse afrontar eficazmente os novos desenvolvimentos e as novas exigências, era necessário garantir a coerência entre o sistema comunitário com o da política externa, advertia-se para a exigência em atingir uma união econômica e monetária, pressuposto indispensável para a união politica[26].


Enquanto se verificou um florescimento quantitativo da normatização comunitária nos campos não previstos pelos tratados, destaca-se a concreta expansão das competências comunitária de forma seletiva, onde a Comissão teve um papel protagonístico na transformação qualitativa da regulação comunitária, bem como o seu crescimento desenfreado, considerando tanto o lado da demanda de regulação, quanto aquele da sua oferta.


4. A demanda por regulação


Pode parecer a primeira vista incongruente, mas os atores mais importantes na demanda por regulação, figurando neste polo como pioneiros, são os governos nacionais. Onde, segundo La Spina, estes encaixam-se perfeitamente como “consumidores” de regulação comunitária. De certo modo, é evidente que muitas das propostas da Comissão são apresentadas com base na iniciativa dos Estados membros[27] (ou ainda por outros atores como o Parlamento Europeu, o Conselho de Ministros, a Comissão Econômica e Social, os representantes de interesses privados). De acordo com o relatório do Conselho de Estado francês, das últimas 500 propostas de regulação e diretivas apresentadas à Comissão em 1991, somente 6% figuravam como “iniciativa expontânea”. Assim, uma avalanche de propostas na sua maioria seria produzida pela demanda dos Estados membros ou de outros autores.


Podemos observar que existem numerosas razões nas quais um país Membro possa querer utilizar-se da normativa comunitária para impor-se sobre os demais com a sua própria abordagem, que como bem relata Héritier et al., “o fato de que internamente os custos de adaptação jurídicos e administrativos às novas regras serão mínimos, atribuiria assim, uma vantagem competitiva para as indústrias já habituadas a tais regras, ocasionando uma redução da vantagem competitiva dos outros países”[28].


Um segundo fator da demanda por regulação comunitária, está praticamente conexa à dificuldade na característica da cooperação internacional[29]. Para minimizar a perda de soberania nacional em favor das instituições comunitárias, os Estados Membros podem recorrer aos acordos do tipo intergovernamental para coordenar a regulação dos fenômenos, como certas formas de poluição, cujos efeitos ultrapassem os limites nacionais. Mas este é um fator de risco que segundo alguns autores como Gatsios e Seabright, alertam para a deficiência na eficácia de tal acordo, como a difícil tarefa de recolher datos, informações, e se os governos signatários estariam fazendo o esforço recíproco, em razão da manutenção de tal acordo[30].


Desta forma, segundo os autores supra citados, quando um problema ambiental tem efeitos internacionais e as sanções determinam uma desvantagem competitiva relevante para as empresas presentes no mercado internacional, estas serão levadas a crer que os reguladores nacionais não irão querer aplicar tais sanções de maneira rigorosa quando decidida de modo unilateral, do que quando agem sob uma supervisão supranacional. Por isso, a transferência dos poderes regulatórios a uma autoridade supranacional como a Comissão Européia, tende a se fortalecer acrescentando segurança e credibilidade na regulação. O que é suficiente para explicar porque os governos nacionais, na incerteza sobre o grau de confiança do reguladores de outros países, inclinam a transferir importantes poderes de regulação no âmbito Comunitário.


Por fim, entende-se que as demandas por regulação chegam a Bruxelas, tanto das organizações de público interesse como aquelas ambientalistas ou de proteção dos consumidores, que visam obter em sede comunitária o tipo de norma protetora que não obteriam em sede nacional, pela sua propria debilidade, negligência ou até mesmo uma oposição da classe política.


Considerações finais


Em suma, a regulação tornou-se o “core bussines” dos poderes supranacionais, com uma produção em continua expansão. Por isso, é crucial no que diz respeito a legitimidade da política regulatória, que tornou-se um dos componentes importantes da legitimidade do novo Estado regulador, a coerente necessidade de dar provação na adequação das instituições em promover o interesse Comunitário. Em segundo lugar, os Estados-Membros da União Européia e, mais geralmente para outros Estados mundiais, o Estado regulador possui uma dimensão seja nacional como supranacional. Em particular, esta última refere-se ao crescente papel desempenhado pela União Européia como entidade regulatória e, portanto, como um sistema político-administrativo especializado na produção de políticas regulatórias. A delegação de responsabilidade das decisões políticas para organismos independentes, seja ele no âmbito nacional ou supranacional, é vista de modo favorável, como meio de difusão do poder. Difusão que, segundo tal modelo, pode ser uma forma de controle democrático mais eficaz da responsabilidade direta para com os eleitores ou representantes eleitos.


Em última análise, conforme Majone, se pensarmos em evidenciar os aspectos mais salientes da transformação do velho Estado gestor ao novo Estado regulador, em primeiro lugar, esta explica o porque da importância da qualidade da regulação e do governo da regulamentação, conceitos que tornaram-se prioridade seja para os países Membros da OECD, como para as categorias sociais, se não para todos os cidadãos em geral. Se no Estado positivo a redistribuição e o controle do ciclo econômico foram as principais políticas, o novo Estado regulador é julgado pelos cidadãos em base naquilo que o Estado pode oferecer através da regulamentação.


Em definitivo, o ativismo do Estado gestor intervencionista, propondo-se a ambiciosos objetivos da redistribuição do crédito, nas garantias dos direitos individuais e da segurança social, requer um aumento significativo das intervenções regulatórias, embora nem sempre a produção normativa se revela como necessária e essencial. Em face da excessiva ingerência do Estado na economia sempre mais alarmante, se manifesta em certo modo sempre mais incisiva a necessidade de reorganizar o estado social, e neste contexto a regulação se apresenta de modo expressivo um instrumento para realizar tal objetivo.


 


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Notas:

[1] MAJONE 1996, 11;23.  A combinação de uma desocupação em grande aumento e de taxas inflacionárias em crescente aumento, não poderia ser explicada nos modelos keynesianos para aquele período.

[2] Podemos fazer referência neste segmento, a falência da experiência socialista do presidente  Mitterrand em 1981-82, reforçando a idéia de que o Keynesianismo redistributivo não era mais possível em países que de certo modo, como a França, estava estreitamente integrada na economia européia e mundial.

[3] O termo “des-regulação” ou “delegificação” vem atribuído no uso corrente e no sentido técnico, como uma transferência da função normativa (sobre matéria ou atividades determinadas) da sede legislativa estatal, para outra sede. Que como bem descreve [ Martines 1987, 867], “ A delegificação não implica na interrupção da disciplina, sendo tão somente a sua transferência da área legislativa (de primeiro grau) para administrativa em regulatória (de segundo grau).  Ou ainda, não querendo abandonar o seu específico significado técnico (equiparando por exemplo a delegificação com a desjuridicização de um dado setor de atividade social), esta deve ser vista como uma condicio sine qua non da regulamentação (onde a transferência do poder normativo, conjuntamente com outros poderes, é efetuado a favor das agências regulatórias, preterivelmente independentes).

[4] A teoria da democracia descrita por Dahl, assenta-se na concepção dos indivíduos como cidadãos; aquela do capitalismo repousa sobre os indivíduos como consumidores de bens e de serviços. Dahl, R.A., Politica e virtù. La teoria democratica nel nuovo secolo, in Fabbrini S. (a cura di), Laterza, Roma-Bari, 2001, p. 55.

[5] VELJANOVSKI, C., The Regulation Game:Rugulators and the Market, London, Institute of Economic Affairs. 1991, p. 16.

[6] TEIGEN, COLLY, C. Les autorités administratives indépendants: histoire d”une institution, in Colliard e Timsit: Les autorités administratives indépendantes. Paris, Presses Universitaires de France. 1988, p.58.

[7] VAUBEL 1995, apresenta o funcionamento do executivo. europeu  na forma do (Conselho dos Ministros e a Comissão), ao invés de o Parlamento Europeu,  como sendo o responsável pela legislação. Segnundo ele, internamente o executivo, o ramo burocrático (a Comissão) seria essencialmente forte a respeito do ramo político (o Conselho),  cujos componentes são em última instância estariam sujeitos ao controle dos parlamentos nacionais.

[8] LIJPHART, A., Democracies: Patterns of Majoritarian and Consensus Government in Twenty-one Coutries, New Haven, Yale University Press, 1984.

[9] LIJPHART, A.; ROGOWSKI, R.; WEAVER, R.K. Separation of Powers and Cleavage Managemente, do Insitutions Matter?, Washington DC, The Brookings  Institution, 1993.

[10] DURET, P.  Le autorità indipendenti: ovvero dei personaggi in cerca d’autore, in Jus, 1,2. 1996. pp. 197-207., 197;198)

[11] SPITZ, E., Majority Rule, Chantham (NJ), Chantam Publishers, 1984. Citado por Lijphart, A. Majority Rule in Theory and Practice: tehe Tenacity of a Flawed Paradigm, in Internatinal Social Science Journal, 129. pp. 483- 493.

[12] DAHL, R. A.,  A Preface to Democartic Theory, Chicago, The University of Chicago Prss. 1956.

[13] LIJPHART, 1984. Ob.cit, p. 22

[14] TAYLOR, P., The European Community and the State: Assumptions, Theories and Propositions., In Review of International Studies, 1991, 17, pp. 34-47.

[15] DEHOUSSE, R. Institutional Reform in the European Community: are there Alternative to the Majoritarian Avenue?, Florence, European University Institute, Eui Working Papper, Robert Schuman Centre. RSC 95/4. 1995.

[16]  MARTINO, A. A., la progettazione legislativa nell’ordinamento inquinato, in Studi parlamentari e di politica costituzionale, 1997 n.38.

[17] ZAGREBELSKI, G., Il diritto mite, Torino, Einaudi, 1992.

[18] LA SPINA, Antonio. Lo stato Regolatore. Il mulino saggi. Bologna, 200. P.232

[19] Além dos Conselhos  tradicionais como Conselho dos Ministros da Economia, das Finanças, da Agricultura, do Comércio e da Indústria, incidiram na política de encontro regular nos últimos anos entre, os Ministros do Ambiente, da Instrução, da Pesquisa, dos problemas dos Consumidores, da Cultura, do Turismo, da Proteção Civil, e das Telecomunicações.

[20] O tratado de Roma que instituiu a comunidade européia (CEE), foi assinado em Roma no dia 25.03.1957, entrando em vigor 01.01.1958,  tendo como objetivos imediatos a instauração de um mercado comum e a gradual na aproximação das políticas econômicas dos Estados Membros como meio para alcançar uma expansão equilibrada e estável. STROZZI, Girolamo, Diritto dell’unione Europea- parte istituzionale, Dal trattato di Roma alla costituzione Europea. Terza Edizione, Giappichelli Editore- Torino, 2005. p.4

[21] O Ato Ùnico Europeu assinado em 17 de fevereiro de 1986 em Luxemburgo, constitui a primeira modificação substancial do tratado que instituiu a Comunidade econômica européia CEE, procedendo uma revisão do Tratado de Roma, com a finalidade de relançar a integração européia, modificando as regras de funcionamento das instituições européias e ampliando as competências comunitárias, particularmente  nos setores da pesquisa e desenvolvimento, do ambiente e da política externa comum.

[22] LA SPINA, Antonio. Lo stato Regolatore. Il mulino saggi. Bologna, 2000. p.234.

[23] O tratado de Maastricht, assinado em 7.02.1992, entrando em vigor 1.11.1993, representa uma etapa determinante na construção européia. Através da instituição da União Européia, a criação de uma  União Econômica e Monetária e a extensão da integração européia em novos setores, entrando a comunidade desta forma em uma dimensão política.

[24] Alterações ao tratado, de Amsterdam assinado em 02.10.1997, entrado em vigor em 01.5.199, colaborou para reforçar os poderes da União através da criação de uma política comunitária em matéria de emprego, na transfêrencia sob a competência comunitária de algumas matérias disciplinadas pela cooperação no setor da justiça e do comércio interno, medidas voltadas á aproximar a União dos cidadãos, a possibilidade de uma estreita cooperação entre alguns Estados-Membros  (cooperações reforçadas). Ampliando também o procedimento de co-decisão e o voto por maioria qualificada aditando ainda uma simplificação e uma reenumeração dos artigos dos tratados.

[25] Com o Tratado de Maastricht, fica demonstrado claramente ultrapassado o objetivo inicial econômico da Comunidade – ou seja, o da realização de um mercado comum – e reafirmando-se na vocação política. O tratado da União Européia adota como norma geral o princípio da subsidiariedade, aplicado à política ambiental no Ato Único Europeu. Tal princípio, precisa que nos setores que não sejam de sua exclusiva competência, a Comunidade intervenha apenas se os objetivos podem ser  melhor alcançados no âmbito comunitário do que a nível nacional. Determinando o (art. A ) que a União tome suas decisões “o mais próximo possível dos cidadãos. Ciente da evolução da integração européia, das futuras ampliações e das necessárias modificações institucionais, os Estados-Membros incluíram uma cláusula de revisão no Tratado. Para este feito, o Art. N, prevê a convocação de uma conferência intergovernamental em 1996. Tal conferência culminou na assinatura do Tratado de Amsterdam em 1997.

[26] STROZZI, G. Diritto Dell’Unione Europea: Parte Istituzionale  Dal Trattato di Roma alla Costituzione Europea. Terza Edizione,  Giappichelli, Torino, 2005.

[27] A título exemplificativo, os governos Holandês e Alemão desempenharam um papel importante na formulação e no desenvolvimento de diretrizes comunitárias no tocante ao controle de emissão dos gases produzido por motores de combustão interna. Enquanto que o governo Britânico exerceu uma pressão evidente sobre a Comissão para a liberalização do mercado dos seguros (de vida ou não), um setor onde as companhias britânicas gozam de uma grande vantagem sobre os seus competidores no continente.

[28] HERITIER, A., MINGERS, S., KNILL, C. E M. BECKA.  Die Veranderung von Staatlickeit in Europa, Opladen, Leske un Budrich. 1994.

[29] KEOHANE, R., After Hegemony, Princeton, (NJ), Princeton University Press, 1984.

[30] GATSIOS, K. e SEABRIGHT, P., Regulation in the European Community, in Oxford Review of Economic Policy, 5, 2., 1989. pp. 37-60.


Informações Sobre o Autor

Alaerte Antonio Martelli Contini

Doutor em Ciencia Politica pela Università di Pisa, Itália; Pós-doutor em Direito no Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina UFSC


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