Do instituto da parte civil no anteprojeto de reforma do CPP


Na parte dedicada aos sujeitos do processo, dentro do Livro I dedicado à persecução penal, o Anteprojeto de Reforma do Código de Processo Penal traz de maneira inédita um desconhecido e bem-vindo personagem ao direito processual penal brasileiro. Trata-se da Parte Civil, que, junto do já conhecido Assistente (da Acusação) compõem o Capítulo denominado pela Comissão de Juristas do Anteprojeto de “Da Intervenção Civil” (Arts. 75 a 82). O novel instituto da Parte Civil, por sua vez, encontra assento mais precisamente nos Arts. 79 a 82 do Anteprojeto reformista.


Dizendo a que veio este forasteiro instituto processual, dispõe o Art. 79 que a vítima da infração penal, seu representante legal (se for o caso) ou seus herdeiros, poderão requerer a recomposição civil do dano moral causado pelo delito. Não poderá a Parte Civil, entretanto, aditar a peça acusatória para inserir novos elementos para ampliar a matéria de fato sob persecução estatal. O pleito de recomposição do dano moral sofrido deverá, assim, se circunscrever estritamente aos limites da imputação penal eleita pelo Ministério Público. E, o prazo para a habilitação da Parte Civil será de 10 (dez) dias, contados da data da notificação judicial a ser realizada após o oferecimento da Denúncia.


Desta notificação formal a ser realizada à vítima ou às pessoas legitimadas a se habilitarem como Parte Civil deverá constar a circunstância de que caso a parte seja necessitada e não possua condições de arcar com as despesas de Advogado ser-lhe-á nomeado pelo Juiz para o ato de adesão civil à ação penal, se assim desejar, Defensor Público, caso em que o prazo de 10 (dez) dias para a adesão será renovado por igual período, sem possibilidade de prorrogação.  


O Juiz ao arbitrar o valor do dano moral na sentença final – e, advirta-se, não se cogita para este pleito da tutela antecipatória, por óbvio, por força da presunção de inocência – deverá fixá-lo por pessoa individualmente considerada no caso de mais de um contemplado pela reparação. O que acontecerá, p. ex., no caso do cônjuge supérstite e filhos da vítima de um homicídio consumado, aonde cada um dos herdeiros habilitados deverá receber um valor certo e individualizado, e não uma cota-parte. Respeita o Anteprojeto, assim, com muita propriedade e técnica o quesito da proporcionalidade e razoabilidade que devem permear o estabelecimento do quantum debeatur nas reparações de dano moral. E, ainda, no mesmo decisum o Juiz condenará o acusado em honorários ad vocatícios devidos ao patrono da Parte Civil, fixada esta verba de sucumbência dentro da regra estabelecida pelo desgastado Art. 20 do Código de Processo Civil.


Reza o Art. 80 do Anteprojeto que a Parte Civil poderá propor todos os meios de prova admitidos e não vedados, formular perguntas e reperguntas às testemunhas e ao acusado, participar do debate oral e escrito, arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ela própria nos casos de improcedência da acusação. Com muito acerto, prescreve o Anteprojeto que quanto à matéria tratada na adesão – recomposição civil do dano moral – a Parte Civil gozará de autonomia recursal, por se tratar de pretensão periférica ao delito, afeta ao seu exclusivo interesse. Acentua e reforça este dispositivo que, de tudo, será garantido ao acusado o exercício da ampla defesa, seja da imputação penal, seja da pretensão reparatória civil agora a ser deduzida no mesmo feito.


Em duas hipóteses poderá o Juiz da ação penal remeter a Parte Civil ao juízo cível, não conhecendo do pleito reparatório. E, são elas, quando o arbitramento do dano moral depender da prova de fatos ou circunstancias não contidas na Denúncia (requisito objetivo), e, quando a comprovação do dano moral puder trazer prejuízos ao regular desenvolvimento do processo penal (requisito subjetivo). Revelando o Anteprojeto sem timidez, desse modo, que não se procederá a uma fase de liquidação, incabível no juízo penal, e, também, que a preocupação maior da ação penal continuará sendo a condenação ou a absolvição do acusado pela infração penal. De todo modo, não ajuizada a competente ação reparatória na esfera cível, a sentença penal condenatória transitada em julgado constituir-se-á em título executivo judicial para satisfação integral de todos os d anos (patrimoniais e extra-patrimoniais) causados.


Estabelece o Art. 81 do Anteprojeto que se no juízo cível a vítima ou seus sucessores propuserem ação reparatória contra o acusado, incluindo aí o pleito de satisfação dos danos morais causados pelo ilícito, estará prejudicada a adesão da ação penal, sendo a Parte Civil exonerada deste feito criminal. Entretanto, se no juízo cível a ação reparatória for dirigida contra terceiro estranho ao feito criminal, que tenha, de alguma forma, responsabilidade civil no evento delituoso, seja por força de lei ou do contrato, permanecerá hígida a adesão na ação penal, não havendo que se cogitar aí de qualquer litispendência.


Evitando-se o odioso enriquecimento indevido e o bis in idem preconiza o Anteprojeto que o valor da reparação dos danos morais arbitrado na sentença penal deverá ser considerado pelo juízo cível, abatendo-se aquela quantia do valor total da indenização encontrado por este último. Em caso de precedência no julgamento da ação civil, o valor da reparação pelo dano moral encontrado na sentença cível será considerado como teto no juízo criminal, não podendo o Juiz do feito criminal, numa espécie de compensação de ações, criar saldo favorável à vítima ou seus sucessores quanto à reparação do dano moral. O Juiz da ação civil, se desejar, poderá sobrestar o andamento do feito, até o julgamento final da ação penal instaurada, uma vez que, como cediço, malgrado a responsabilidade civil ser independente da criminal, não se poderá questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.


Transitada em julgado a sentença penal condenatória, contendo em seu dispositivo o valor da recomposição civil do dano moral causado pela infração, poderão promover-lhe a execução no juízo cível a vítima, seu representante legal no caso de menoridade ou incapacidade, e, na sua falta, por morte ou ausência, seus herdeiros, conforme a ordem de vocação hereditária estabelecida na legislação civil.



Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público do Estado do Espírito Santo


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