Dos crimes contra a dignidade sexual e suas recentes alterações

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Isabella Cristina Falcão de Souza – Acadêmica de Direito na Universidade de Gurupi UnirG. E-mail: [email protected].

Marco Antônio Alves Bezerra – Graduado pela Instituição Toledo de Ensino – Faculdade de Direito de Bauru. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected].

Resumo: No presente artigo serão apresentadas as mudanças advindas da Lei n.º 13.718/18 e Lei n.º 13.772/18 que alteraram o Código Penal Brasileiro, a Lei Maria da Penha, e que revogou dispositivo da Lei das Contravenções Penais, as aludidas alterações serão tratadas de forma objetiva, a fim de elucidar todas as modificações que estas leis introduziram no ordenamento jurídico, como a questão da importunação sexual, estupro coletivo e corretivo, as polêmicas da alteração da ação penal quando se trata de crimes sexuais, divergências de entendimentos das turmas superiores acerca da vítima estar desacordada, outrossim, proteção à intimidade das pessoas no âmbito sexual, tipificando adequadamente de acordo com a gravidade do delito, dentre outras mudanças ocasionadas pelas supracitadas leis.

Palavras-chave: Mulher. Internet. Intimidade. Pornografia. Vulnerável.

 

Abstract: In this article will be presented the changes arising from Law No. 13.718/18 and Law No. 13.772/18 that amended the Brazilian Penal Code, the Maria da Penha Law, and that revoked the provision of the Law on Penal Contraventions, the mentioned amendments will be treated in an objective manner, in order to clarify all the transformations  that these laws introduced in the legal system, such as the issue of sexual harassment, collective rape and correction, the controversies of changing the criminal action when it comes to sexual crimes, differences of understanding of the higher classes about the victim being disagreed, and also protection of the intimacy of people in the sexual sphere, typifying adequately according to the seriousness of the crime, among other changes caused by the aforementioned laws.

Keywords: Woman. Internet. Intimacy. Pornography. Vulnerable.

 

Sumário: Introdução. 1. Alterações introduzidas pela Lei nº 13.718/18. 1.1. Importunação sexual. 1.2. Consentimento da vítima no estupro de vulnerável. 1.3. Divulgações indevidas de cunho sexual. 1.4. “Pornografia de revanche”. 1.5. Exclusão de ilicitude.1.6. Ação Penal. 1.7. Aumento de pena. 1.8. Estupro coletivo. 1.9. Estupro corretivo. 2. Alterações introduzidas pela Lei nº 13.772/18. 2.1 Violação de sua intimidade. 2.2. Registro não autorizado. Considerações finais. Referências.

 

Introdução

O presente artigo irá tratar das mudanças trazidas pela Lei n.º 13.718/18, bem como a Lei n.º 13.772/18. Com o decorrer dos anos, aumentaram-se as variações de crimes estabelecidos na sociedade, em razão disso os legisladores precisam adequar as normas ao que está acontecendo na contemporaneidade, assim, surgiram as referidas leis trazendo novas tipificações para o ordenamento jurídico brasileiro ou modificando-as.

Irão ser tratadas neste artigo as seguintes inclusões, alterações e elucidações: O crime de importunação sexual inserido no Código Penal Brasileiro, exemplos de crimes recentes que ocorreram no Brasil, discussão acerca de sua adequada tipificação; Consentimento da vítima no estupro de vulnerável onde se tinha divergências em julgados contrariando Súmula do Superior Tribunal de Justiça; Divulgações indevidas de cunho sexual, fazendo a diferenciação de quem produz o conteúdo; “Pornografia de Revanche” que diz respeito a parceiros(as) que não aceitam término de relacionamento e expõem materiais eróticos indevidamente, sem consentimento.

Outrossim, irá ser tratada a exclusão de ilicitude prevista no § 2º do artigo 218-C da Lei 13.718/18 onde dispõe que não haverá crime se a publicação do caput do aludido artigo for feito com fins jornalísticos, culturais e outros; A ação penal dos crimes contra a dignidade sexual serão de ação penal pública incondicionada, o artigo trará divergências dos operadores o direito acerca do tema, a desnecessidade de Súmula do Supremo Tribunal Federal, indagações sobre a vítima estar desacordada; Aumento de pena se entre o agressor e a vítima houver uma relação de confiança, autoridade.

Bem como estupro coletivo no qual ocorre o crime se dois ou mais agentes praticam o fato delituoso; Estupro Corretivo que sucede com o agente praticando o estupro a fim de tentar corrigir, consertar o comportamento que a vítima possa estar tendo na sociedade. Por fim, ajuste na redação do inciso II do Artigo 7º da supracitada lei que diz respeito a violação de sua intimidade e a questão do registro não autorizado de conteúdo de natureza sexual. Dessa forma, serão apresentadas todas as modificações que as aludidas leis fizeram no direito brasileiro.

 

1 Alterações introduzidas pela Lei nº 13.718/18

A Lei n.º 13.718/18 foi inserida no ordenamento jurídico trazendo alterações significativas no Código Penal Brasileiro, bem como revoga dispositivo da Lei das Contravenções Penais. A supracitada lei de 2018 é uma norma de natureza híbrida, visto que sua matéria se trata de uma norma penal (material) e processual. Por se submeter ao princípio da retroatividade benéfica, a lei em análise não poderá retroagir para prejudicar o réu, logo, não irá alcançar fatos anteriores a ela. Como dispõe o artigo 5º, inc. XL, da Constituição Federal. (BRASIL, 1988).

 

1.2 Importunação Sexual

A supramencionada lei traz um novo tipo penal em seu art. 215-A, que dispõe: “Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro […].” (BRASIL, 2018).

A sociedade brasileira está em constante desenvolvimento, alguns crimes vão mudando, outros aperfeiçoando, e outros surgindo como o novo crime de importunação sexual, neste, entra-se a discussão da pressão midiática que houve na elaboração dessa lei, um exemplo foi o caso de um homem que ejaculou em uma mulher no ônibus, e este mesmo homem tem várias passagens pela polícia por fazer este ato repugnante reiteradas vezes, como vê-se na reportagem na qual consta os respectivos anos, locais, idade da vítima e ato libidinoso cometido; alguns exemplos dos atos libidinosos praticados: “[…] Esfregou o pênis no ombro da mulher e tentou impedi-la de fugir usando a perna […] Ejaculou em mulher […] Encostou o pênis no ombro da mulher.” (ROSA, et al., 2017).

Existem diversos casos como os elencados na supramencionada reportagem, principalmente nas grandes cidades do país, ônibus lotados, sem assento para todos os passageiros, gerando uma grande aglomeração e difícil locomoção. Assim, muitas mulheres ficam com receio de reclamar dentro dos transportes coletivos, algumas com vergonha, outras com medo propriamente dito, dessa forma, estava gerando impunidade, os agressores não estavam sendo punidos corretamente, ou sem punição de forma alguma.

Anterior à lei, havia dificuldade por parte do Estado em tipificar condutas como essas anteriormente descritas, não poderiam por exemplo tipificá-las como estupro (art. 213, CP) por não existir violência ou grave ameaça. (BRASIL, 1940). Pois em um transporte coletivo o agressor comete o ato na maioria das vezes em silêncio para os demais passageiros não ouvirem o que ele está fazendo, ou eventual reclamação por parte da vítima.

Ademais, não seria razoável tipificar como algo mais brando, como muitas vezes este tipo de ato incorria no crime de importunação ofensiva ao pudor que estava disposto no artigo 61 da Lei das Contravenções Penais, o referido artigo foi revogado pela lei em análise no presente artigo. (BRASIL, 1941). Ou seja, incorreria em algo grave como estupro, ou algo mais leve como o art. 61, da LCP, não havia um meio termo para tipificar condutas repugnantes como estas.

Ressalta-se que mesmo o artigo revogado, não há que se falar em “abolitio criminis”, não há a transformação de um fato corretamente tipificado no ordenamento jurídico, passando a ser atípico, não sendo mais crime, pois o que houve de fato, foi a migração do tipo penal para a lei que está sendo tratada neste artigo científico que cuida do crime de importunação sexual.

Entende Ricardo Andreucci que neste caso aplica-se o princípio da continuidade normativo-típica: “[…] Uma conduta prevista em uma norma penal revogada continua sendo incriminada pela norma ou pelo diploma revogador. Nesse caso, há o deslocamento do conteúdo infracional para outro tipo penal.” (ANDREUCCI, 2018). Assim sendo, vai haver o deslocamento da sanção adequada à conduta para outro tipo penal.

Outrossim, percebe-se a consequência jurídica da obrigatoriedade da aplicação do princípio da irretroatividade da lei, porque a nova norma é notadamente mais gravosa para o réu, logo, este não poderá ser punido com base no recente diploma legal, e sim no anterior já estabelecido no ordenamento jurídico brasileiro, pois não irá beneficiar o indivíduo que eventualmente cometer os atos dispostos no dispositivo legal.

Deve-se salientar que no tipo penal tratado nesta seção, há a necessidade de observar a redação trazida pelo artigo, desde logo vemos a questão da anuência da vítima, o legislador elaborou o dispositivo claramente, dado que ele poderia se confundir com outras condutas, como por exemplo exames clínicos, o médico precisa tocar nos seios da mulher, no exame ginecológico há a necessidade de contato com a vagina, então o legislador não deixou dúvidas, vê-se nessa questão também o dolo específico exigido neste artigo, pois o autor do fato tem de ter o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou de outrem. (BRASIL, 2018).

Trata-se de um crime comum pois não exige qualidade especial do indivíduo que está cometendo o ato contrário à lei. Sendo assim, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa que tenha o dolo específico requerido pelo caput. No entanto, embora o sujeito passivo possa ser qualquer pessoa, precisa ser pessoa determinada. (CUNHA, 2016). Posto que, se não for determinada, o fato pode incidir em outro crime menos gravoso, por exemplo o crime disposto no artigo 233 do Código Penal que diz respeito a atos obscenos onde qualquer pessoa pode adentrar. (BRASIL, 1940). Nota-se também que a sua consumação é instantânea, não há qualquer prorrogação no tempo.

Outras questões que entram na classificação da importunação sexual são por exemplo: As chamadas “encoxadas”, onde o agente encosta seu órgão genital na vítima, beijos roubados em festas, eventos, tocar nas partes íntimas da pessoa, etc. Porém, precisa ter a voluntariedade (dolo específico) do sujeito ativo e a não anuência da vítima.

Continuando a análise da redação do artigo em questão, prevê: “Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos […].” (BRASIL, 2018). É de suma importância atentar-se ao que dispõe na penalidade do artigo, pois há consequências jurídicas relevantes em virtude disso; Tais como: No âmbito policial, o delegado de polícia não poderá arbitrar fiança ao infrator, visto que se trata de crime com pena superior a 04 (quatro) anos, exigido para a possibilidade de pagar fiança na delegacia.

Sendo assim, somente o magistrado poderá fazer. Com fulcro no artigo 322 da Lei n.º 12.403/11 onde dispõe que a fiança só poderá ser concedida pela autoridade no âmbito policial se o limite de 04 (quatro) anos de pena não for alcançado. (BRASIL, 2011).

Outra consequência em decorrência da pena ser de 01 (um) a 05 (cinco) anos é o fato de o crime ter médio potencial ofensivo, logo, há a possibilidade de aplicar a suspenção condicional do processo. Nota-se ainda analisando o artigo em estudo, que se trata de um crime material, logo, admite-se tentativa, embora seja de difícil identificação, como exemplo um homem tentar tocar nos seios de uma moça e ser impedido pelas demais pessoas que estão com eles no transporte coletivo. (LOPES JÚNIOR, et al, 2018).

 

1.2 Consentimento da vítima no estupro de vulnerável

Esta seção irá tratar da inclusão do parágrafo 5º no artigo 217-A, no Código Penal qual seja:

 

“Art. 217-A. […] § 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime. (BRASIL, 2018)”.

 

Anteriormente havia muita discussão entre os operadores do direito, alguns queriam defender a tese de que quando houvesse o consentimento da vítima, não seria crime, e outros diziam que incorreria em crime mesmo com a clara anuência da vítima. E para resolver esta celeuma, o Superior Tribunal de Justiça editou a súmula 593 que dispõe:

 

“O crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente. (STJ, 2017)”.

 

Para consolidar a explanação acerca da dificuldade em tipificar e julgar corretamente, mesmo com a edição da referida súmula, observa-se este julgado que trata do tema:

 

APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – ESTUPRO DE VULNERÁVEL (ART. 217-A, CAPUT, DO CP)- VÍTIMA MENOR DE 14 (CATORZE) ANOS – SENTENÇA QUE ABSOLVEU O RÉU, RELATIVIZANDO A PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA – INADMISSIBILIDADE – OFENSA À SÚMULA 593 DO STJ – DECISÃO REFORMADA. 1. Para a caracterização do crime de estupro de vulnerável, previsto no art. 217-A, caput, do CP, basta que o agente tenha conjunção carnal ou pratique qualquer ato libidinoso com pessoa menor de 14 (catorze) anos. O consentimento da vítima, sua eventual experiência sexual anterior ou a existência de relacionamento amoroso entre o agente e a vítima não afastam a ocorrência do crime. Inteligência da Súmula 593 do STJ. 2. Recurso provido, para condenar o réu nos termos da denúncia. (TJ-RR – ACr: 0045130013142 0045.13.001314-2, Relator: Des., Data de Publicação: DJe 10/01/2018, p. 29).

 

A parte autora, Ministério Público do Estado de Roraima, interpôs apelação criminal, pois a sentença absolveu o réu, desconsiderando a supramencionada súmula, assim, colocando relatividade à presunção de violência que a vítima menor de 14 (quatorze) anos deveria ter por força da aludida súmula. Com a Lei n.º 13.718/18, não deixa mais espaço para esses debates, pois o legislador deixou clara a presunção absoluta de violência, presunção legal contra essa vítima na redação do referido parágrafo 5º, não somente presunção jurisprudencial.

Posto isso, entende-se, observando a alteração, que não tem importância na aplicação da norma, se a vítima já havia feito atos sexuais, com conjunção carnal ou não, nem tampouco se namorava anteriormente ao crime, ou se namorava com o próprio agressor, até mesmo se o menor estiver praticando a prostituição, o fato irá ser devidamente tipificado e julgado.

 

1.3 Divulgações indevidas de cunho sexual

Outra adição importante da lei em estudo foi a inclusão do artigo 218-C no Código Penal, que se trata de “Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia.” (BRASIL, 2018). A princípio, deve-se observar atentamente que é somente os verbos ditos no artigo, e não quem de fato produz o conteúdo, filma, fotografa, este ato incorrerá em outro tipo penal que irá ser abordado posteriormente no presente artigo científico.

Outrossim, observa-se que há necessidade de se ter mais atenção ao analisar este artigo, pois conforme observado, a vulnerabilidade disposta não se trata da vulnerabilidade do artigo 217-A, do Código Penal que são os menores de 14 (catorze) anos, e sim diz respeito à vulnerabilidade por enfermidade ou deficiência mental, pois, observando o tipo penal, nota-se que se tratar de menores vulneráveis, já existe no ordenamento jurídico brasileiro norma mais grave, logo, incorreria nos artigos 241 ou 241-A do ECA.

Posto isso, com este fato tem-se o conflito aparente de normas, que há quando “vislumbra-se a aplicação de mais de um dispositivo legal, gerando um conflito aparente de normas.” (CUNHA, 2016, p. 141). Em vista disso, deve-se aplicar o princípio da especialidade na questão da vulnerabilidade do caput do artigo que está sendo tratado nesta seção, pois este princípio diz que quando há uma lei geral e outra especial, a lei que deverá ser aplicada ao caso concreto é a especial.

A pena deste tipo penal é de 01 (um) a 05 (cinco) anos, logo, não se admite fiança em âmbito policial, porém, por ser tratar de crime de médio potencial ofensivo, admite-se a suspensão condicional do processo, como já foi elucidado acerca do tema neste artigo.

 

1.4 “Pornografia de revanche”

A causa de aumento de pena prevista no parágrafo 1º do artigo 218-C do Código Penal, é uma alteração de grande significação, pois se trata de algo mais sentimental, íntimo, interno do ser humano. Dessa maneira, este parágrafo se trata de algo que acontecia reiteradas vezes mas não era tipificado corretamente, é o caso de quando um casal se separava mas um deles não aceitava, ou não queria aceitar o fim do relacionamento, então a parte descontente com o fato, divulgava fotos, vídeos de cunho sexual a fim de se vingar da pessoa que não quer mais um relacionamento com ele, assim nasceu o termo “Pornografia de Vingança” ou o termo em inglês “Revenge Porn”.

Antes da edição da Lei 13.718/18, este fato vexatório muitas vezes era tipificado como uma injúria com a majorante constante no inciso III do Artigo 141 do Código Penal, que se trata da questão de ter muitas pessoas ou algum meio facilitador da divulgação dos crimes que atingem a honra do ser humano. (BRASIL, 1940). Logo, o meio favorável seria a pessoa ter um relacionamento com a vítima, morar juntos por exemplo, e que agora está bem esclarecido e com pena mais gravosa.

 

1.5 Exclusão de ilicitude

Há a previsão de uma exclusão de ilicitude prevista no parágrafo 2º do artigo 218-C, da Lei 13.718/18. Que diz respeito à publicação para outros fins que não sejam para expor a vítima de forma vexatória, como publicações jornalísticas, acadêmica, ou científica, mas utilizando meios para que a pessoa não seja identificada, exceto se esta anuir com a sua identificação. (BRASIL, 2018).

Dessa forma, o sujeito ativo da conduta que estiver publicando o material de cunho sexual para os fins descritos no referido §2º, em que não haja a identificação do sujeito passivo ou este dê anuência, se for maior de 18 (dezoito) anos. Logo, não haverá crime.

 

1.6 Ação Penal

Vê-se uma importantíssima alteração em relação à ação penal trazida no artigo 225 da Lei 13.718/18, qual seja: “Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública incondicionada.” (BRASIL, 2018). Não é mais condicionada à representação, o que gerou muitas polêmicas e debates por parte dos juristas, a parte contrária à modificação, alega que retira a liberdade de escolha da vítima, e que estas, muitas vezes não querem reviver o fato que lhes acontecera.

Ao continuar a análise do artigo 225 do CP, percebe-se a desnecessidade da Súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte enunciado: “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada.” (STF, 1984). Pois o crime de estupro está previsto no capítulo I do Título IV do Código Penal, logo, não há mais a necessidade da supracitada súmula, posto que está explicitada no caput do artigo 225 do CP.

Outra discussão que perdeu seu efeito foi a indagação da vítima estar temporariamente desacordada, a 6ª Turma do STJ entendia que neste caso, seria ação pública condicionada à representação, no entanto, a 5ª Turma do STJ entendia que seria pública incondicionada, com fulcro no supracitado artigo, será incondicionada de qualquer forma. Dando fim a esta polêmica.

 

1.7 Aumento de pena

O inciso II do artigo 226 da Lei 13.718/18 traz um aumento de pena quando há uma relação de confiança, autoridade, de poder familiar, como pais, tutores, curadores, tios, tias, companheiros, empregador, entre outras relações de confiança e/ou autoridade sobre a vítima (BRASIL, 2018). É notável a relação de confiança existente no âmbito de uma residência.

O filho confia em seu pai e não imagina que este poderia fazer algum mal a ele, e quando faz, quando comete o crime tipificado, esse pai consegue facilmente manipular a criança, promete alguma coisa, ou coloca algum tipo de medo, assim, a referida criança se cala facilmente, não diz a transgressão para ninguém, fica muitas vezes reclusa e sofrendo, sem nenhuma pessoa saber, em consequência, gerando a ausência de ajuda e impunidade.

 

1.8 Estupro coletivo

A lei em estudo fez a inclusão do estupro coletivo ao Código Penal Brasileiro, onde consta a previsão do aumento de pena no inciso IV, alínea “a” de seu artigo 226: “IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: Estupro coletivo a) mediante concurso de 2 (dois) ou mais agentes” (BRASIL, 2018).

O referido crime se trata de algo que acontecera por vezes no Brasil, por exemplo, um grupo de jovens vão a uma festa e fazem uma garota beber demasiadamente, perdendo a noção do que está em sua volta, ou quem está próxima a ela, e nesse ponto, os agressores aproveitam a vulnerabilidade em que a vítima se encontra para cometer atos sexuais, todos os aludidos jovens no mesmo ato.

Ou até mesmo utilizam-se de drogas para a dita vítima ficar igualmente vulnerável, colocam as substâncias no copo da pessoa que eles têm o plano de violentar, logo após cometia o ato libidinoso, em ambos exemplos se têm vários indivíduos abusando de uma pessoa que estava oferecendo pouca, ou nenhuma resistência.

Vê-se a decorrência desse repugnante delito, por exemplo nos títulos das reportagens a seguir: “Estupro coletivo: adolescente é embebedada e estuprada por seis pessoas.” (CABRAL, 2020); “Jovem de 23 anos sofre estupro coletivo em rua do DF; Polícia Civil investiga.” (G1 DF, TV Globo, 2020).

 

1.9 Estupro corretivo

Verifica-se outro aumento de pena introduzido no Código Penal pela Lei 13.718/18 em seu inciso IV, alínea “b” qual seja: “IV – de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se o crime é praticado: […] Estupro corretivo b) para controlar o comportamento social ou sexual da vítima.” (BRASIL, 2018). Se trata de um crime de estupro que o sujeito ativo pratica o ato com o objetivo de “corrigir” a vítima, os seus comportamentos em sociedade, até mesmo a fim de corrigir a sua orientação sexual. Uma forma de o agressor tentar fazer com que a vítima faça o que é certo na acepção dele.

A título de exemplo, há o seguinte caso: Uma mulher é lésbica, ou um homem é gay, e o vizinho dessas pessoas não conseguem aceitar essa atração que sentem por pessoas do mesmo sexo, e então, o aludido vizinho prende e força a moça que está em desacordo com o que ele acredita, a fazer conjunção carnal com ele, com a finalidade de corrigir o que ela acredita ser certo.

Ou a mulher desse vizinho prende o rapaz homossexual e o força a fazer atos libidinosos com ela, pois esta acredita que o certo é sempre o homem e a mulher, e não como ele leva a sua vida. Em ambos os exemplos, a finalidade é de fato corrigir ações para ficar em acordo com o que os agressores pressupõem ser certo, o plenamente aceito na sociedade.

Posto isto, agora há norma no ordenamento jurídico que tipifica adequadamente este delito que vem acontecendo na contemporaneidade. Outrossim, a referida lei introduziu o artigo 234-A que inseriu os incisos III e IV como causas de aumento de pena se a mulher ficar grávida em decorrência do crime, se a vítima contrair algum tipo de doença sexualmente transmissível, se a vítima tiver idade avançada ou tiver deficiência. (BRASIL, 2018).

Portanto, quando o agressor comete o ato criminoso e a sua vítima engravida, este transmite a ela doenças venéreas, é idosa ou for pessoa com deficiência, incorrerá em majorantes.

 

  1. Alterações introduzidas pela Lei nº 13.772/18

A Lei n.º 13.772/18 foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro para “reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar e para criminalizar o registro não autorizado de conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado.” (BRASIL, 2018). A referida lei altera a Lei Maria da Penha, bem como o Código Penal Brasileiro.

 

2.1 Violação de sua intimidade

A supracitada lei altera a redação do inciso II do Artigo 7º da Lei Maria da Penha, a única introdução na redação que já estava existente é o trecho “violação de sua intimidade”, Observa-se: “Isto é, houve um acréscimo no referido inciso para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura hipótese de violência doméstica e familiar”. (AZEVEDO, 2018).

Ao ensejo, deve-se observar o inciso como um todo. A violência que as mulheres sofrem na sociedade, não é somente a violência física, quando o seus parceiros de fato as machucam com socos, chutes, qualquer que seja o objeto, além disso, a violência psicológica, o parceiro denegrindo a sua imagem, dizendo que elas nunca irão ser melhores que eles, que os seus lugares é realmente na cozinha, lavando, passando roupas, em casa cuidando dos filhos.

Dizendo a elas estes pensamentos retrógrados que não condizem mais com a sociedade hoje existente no país, onde as aludidas mulheres lutam por igualdade de condições, não querendo ser melhores que os homens, e sim iguais, batalhas que vêm de diversos anos, em vários locais do mundo.

Monitorando as suas vestimentas, se a mulher sai com uma roupa, eles querem dar palpite, muitas vezes taxando-as simplesmente pelas roupas que usam, desrespeitando assim as suas liberdades de escolha.

Ditando o modo de como essas devem se comportar em sociedade, cada vez mais causando violência psicológica nestas mulheres, todas essas ações, entre outras, veladas ou não, ferem, as machucam.

 

2.2 Registro não autorizado

A lei 13.772/18 fez a inclusão do artigo 216-B no Código Penal, que se trata da produção, fazer fotografia, filmagens ou registros independente do meio conteúdo de cunho sexual privado e íntimo sem a autorização de quem está sendo gravado e/ou fotografado. (BRASIL, 2018).

Com a referida inclusão, há uma devida tipificação para quem de fato, registra, grava, fotografa a pessoa sem roupas, ou até mesmo no ato sexual, sem a devida autorização desta.

Outrossim, ao continuar a análise vê-se importante introdução acerca do artigo tratado nesta seção, que se encontra em seu parágrafo único, qual seja: “Na mesma pena incorre quem realiza montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo.” (BRASIL, 2018).

Ou seja, no material de cunho sexual, não há a necessidade de ser a pessoa de fato, uma simples montagem do material erótico vinculando à imagem da vítima já configura o crime.

 

Considerações finais

Diante de todo o exposto, observa-se a grande importância e relevância das significativas alterações que a Lei n.º 13.718/18, bem como a Lei n.º 13.772/18 fizeram no ordenamento jurídico brasileiro, na contemporaneidade, as pessoas estão devidamente amparadas pela lei quando frequentam transportes públicos coletivos, quando vão a festas e querem fazer tudo conforme as suas vontades, sabendo que em caso de eventual delito, o infrator irá ser devidamente punido.

As referidas leis deram fim a discussões como a presunção de violência do menor de 14 (catorze) anos, bem como fim ao debate da vítima estar desacordada ou não quando ocorre o estupro, pois com a edição das leis tratadas, todos os crimes de âmbito sexual serão de ação penal pública incondicionada, não havendo necessidade de autorização da vítima para proceder à ação penal.

Casais que se separam, não precisam mais temer quanto à divulgação de suas fotos e vídeos íntimos no momento do relacionamento, pois em caso de eventual crime utilizando estes materiais, haverá a devida punição, outrossim, há novas formas de estupro como o estupro coletivo e coletivo descritos com as supracitadas leis, e os direitos das mulheres estão cada vez mais resguardados.

Dessa forma, percebe-se que o legislador andou bem ao incluir variados delitos novos que ainda não estavam caracterizados de forma adequada nas leis vigentes, pois o Direito têm de se adequar à realidade da sociedade, os indivíduos não podem ficar desamparados quando lhes acontecem fatos muitas vezes repugnantes, repulsivos com a consequência destes aludidos fatos não serem tipificados razoavelmente com o ocorrido a eles, e com o advento das leis tratadas no presente artigo, amenizam essas situações em que não há as devidas tipificações e suas respectivas gravidades.

 

Referências

ANDREUCCI, Ricardo Antonio. O novo crime de importunação sexual. Empório do Direito, Publicado em: 04/10/2018. Disponível em: <https://emporiododireito.com.br/leitura/o-novo-crime-de-importunacao-sexual>. Acesso em: 10 jan. 2020.

 

AZEVEDO, Luciana. Lei 13772/2018: Alterações na Lei Maria da Penha e no Código Penal. Jusbrasil, Publicado em: 20/12/2018. Disponível em: <https://lucianaasazevedo.jusbrasil.com.br/artigos/661463263/lei-13772-2018-alteracoes-na-lei-maria-da-penha-e-no-codigo-penal>. Acesso em: 20 jan. 2020.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 26 mar. 2020.

 

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