Resumo:O trabalho em tela tem como fito primário discorrer acerca de um tema crucialmente importante para o Operador do Direito, sobretudo, no que concernem as ramificações Penal e Constitucional da Ciência Jurídica, a saber: os crimes cometidos contra o sentimento religioso. Para tanto, será feita uma breve análise do tema, expondo, de maneira clara e concisa, a respeito do histórico que o alicerça, assim como os fatos de maiores relevância e que se sobressaem, quando de analisa o presente conteúdo. De igual maneira, será abordado também as possíveis modificações que se descortinam num horizonte bem próximo, fruto da necessária e indispensável mutabilidade sofrida pelo Direito.
Palavras–Chaves: Religião, Crime, artigo 208 do Código Penal, Igreja, Estado Laico, Direito.
Sumário: I – Noções Gerais; II – Estado Laico e Estado Não Laico: Singelas Considerações; III – O Brasil como Estado Laico; IV – Breve Histórico; V – Capítulo I: Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso; VI – Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo: Artigo 208 do Código Penal; VII – Inovações ao Artigo 208 do Código Penal; Referências.
I – Noções Gerais:
Em linhas iniciais, interessante se faz discorrer a respeito de um dos proeminentes aspectos da Ciência Jurídica, em especial, no que concerne a sua ramificação penal, a saber: sua contínua mutabilidade. Tal característica está associada, precipuamente, pelas constantes e robustas influências advindas das inovações e das novas realidades que passam a orientar a sociedade a respeito de determinado tema, criando novos valores ou ainda descartando antigos. Sendo assim, em um primeiro momento, cabe afirmar que esse aspecto é responsável por assegurar que o Ordenamento Jurídico esteja em consonância com as distintas necessidades, em contrapartida, evita-se um conjunto normativo obsoleto, anacrônico e ultrapassado.
Neste sentido, encontra pleno descanso o adágio latino ubi societas, ibi ius, que explicita, de maneira clarividente, a íntima e indispensável interdependência mantida entre o arcabouço normativo e a coletividade: onde houver o Direito, há a sociedade. Logo, o que se observa é uma interação de mútua necessidade, pois o primeiro é totalmente dependente do constante processo de desenvolvimento da sociedade, para que suas leis e seus ditames não se tornem arcaicos e inaptos, em total descompasso com a realidade existente. Ao passo que a segunda tem dependência das regras trazidas pelo Direito, cuja finalidade é garantir que não haja uma vingança particular, extirpando, assim, qualquer ranço que lembre os tempos primordiais em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se instale um caos no seio da sociedade.
Ademais, com o advento do pós-positivismo, hasteia-se como uma flâmula a ser, obrigatoriamente, observada a utilização da Lex Fundamentalis de um Estado como filtro para se orientar a interpretação das leis e das normas, bem sua aplicação. Nessa nova realidade, vige também, a valoração dos princípios e corolários, salvaguardados pelo Direito, como supernormas, ou seja, aplicados, não mais em caráter subsidiários, mas sim, por vezes, substituindo as próprias normas que integram o Arcabouço Jurídico.
II – Estado Laico e Estado Não Laico: Singelas Considerações.
Ab initio, cumpre tecer considerações mais maciças acerca do laicismo a fim de compreender o substrato que fortalece a postura de um Estado Laico, a exemplo do Brasil. Essa vertente é uma doutrina, de cunho filosófico, que defende e promove a separação do Ente Estatal das igrejas e comunidades religiosas, bem como sua neutralidade no concernente a matéria religiosa. Cumpre asseverar que o laicismo não deve ser confundido nem tão pouco empregado como sinônimo do ateísmo do Estado.
“Os valores primaciais do laicismo são a liberdade de consciência, a igualdade entre cidadãos em matéria religiosa, e a origem humana e democraticamente estabelecida das leis do Estado[1]”. Interessante salientar que esta corrente tem sua gênese nos catastróficos resultados acarretados pela desmedida interferência das instituições religiosas nas políticas das nações, bem como nos estabelecimentos de educação (Universidades) pós-medievais.
O termo “laico” é um adjetivo, cujo significado está associado a “uma atitude crítica e separadora da interferência da religião organizada na vida pública das sociedades contemporâneas[2]”. Nesse passo, hígido é lançar mão do que é prelecionado por Houaiss (2004, pág. 445) que corrobora tais argumentos, dispondo que: “laicidade: 1 – qualidade do que é laico, leigo; 2 – separação entre instituição religiosa e governamental em uma sociedade”.
Desta feita, pode-se dividir politicamente os países em dluas categorias disitintas, os laicos e os não-laicos. No primeiro grupo, denota-se que nos países politicamente laicos a religião não intefere diretamente na política, como, por exemplo, ocorre em grande parte dos países ocidentais. Já no segundo, a religião tem papel ativo na política, influenciando, inclusive, na Constituição, são os denominados estados teocráticos, como é o caso do Vaticano e o Irã, cujas autoridades, respectivamente, são o Papa (lider religioso da Igreja Católica) e os Aiatolás (líderes religiosos do Islamismo).
Nos governos teocráticos o exercício da autoridade política é, ao mesmo tempo, um ritual religioso, que, em tese, afasta qualquer contestação social. Um forte exemplo disso são os países islâmicos, mormente, aqueles nos quais a facção xiita é majoritária, são fortemente estruturados sobre essa mistura de crença e submissão. “Um exemplo presente de Estado teocrático é o Irã, onde vigora o regime dos aiatolás, que são, simultaneamente, sacerdotes e governantes e sustentam, como objetivo central, a destruição do mundo ocidental por meio de atos terroristas estimulados pelo fanatismo religioso[3].”
III – O Brasil como Estado Laico.
A História do Brasil sempre esteve fortemente atrelada a uma feição religiosa, fruto especialmente da grande influência exercida pela Igreja Católica nos países da Península Ibérica – Portugal e Espanha. Esse ranso se estendeu, inclusive, nas terras recém-descobertas e os países que se proclamavam independentes de suas metrópoles. Nesse mister, é salutar trazer à baila a redação da “Constituição Politica do Império do Brazil”, outorgada pelo então imperador D. Pedro I, em 1824, destaca-se nessa Carta Magna os seguintes dispositivos, transcritos na íntegra:
“EM NOME DA SANTISSIMA TRINDADE.
Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo. (…)
Art. 106. O Herdeiro presumptivo, em completando quatorze annos de idade, prestará nas mãos do Presidente do Senado, reunidas as duas Camaras, o seguinte Juramento – Juro manter a Religião Catholica Apostolica Romana, observar a Constituição Politica da Nação Brazileira, e ser obediente ás Leis, e ao Imperador.” (PLANALTO/2009)
De plano, verifica-se a maciça influência da religião nos assuntos pertinentes tão-somente ao Estado, ou seja, de certa maneira, o Estado era norteado por agir fundado estruturalmente na aquisciência da Igreja Católica, religião oficial do Império. Entretanto, com a promulgação da Carta Política de 1891 tais privilégios desabaram, posto que definiu-se a separação entre a Igreja e o Estado: as eleições não mais correriam no interior da igreja; o Governo não mais interfiria nas escolhas de cargos do alto clero, como: bispos, diáconos e cardeais; e, extinguiu-se a definição de paróquia como unidade administrativa adotada pelo Estado. Antigamente esta unidade poderia equivaler tanto a um município como também a um distrito, vila, comarca ou mesmo a um bairro (feguesia) .
Além disso, o País não mais assumiu uma religão oficial, como ocorrera na Constituição Outorgada de 1824, bem como o monopólio de registros civis passou ao Estado, sendo criados, neste perído, os cartórios para os registros de nascimento, casamento e morte, e os cemitérios passam a ser públicos, nos quais qualquer pessoa poderia ser sepultada, indepentemente do credo que professava. O Estado também assumiu, de forma definitiva, as rédeas da educação, instituindo várias escolas públicas de ensino fundamental e intermediário, tornando a educação laica, ou seja, longe de qualquer influência ou manipulação advinda da religião oficial do antigo Império.
Essa separação viria a irritar a Igreja de maneira explícita, vez que fora aliada dos republicanos no desmoronamento do Império e da instauração da República. Tal fato ajudaria a incitar uma série de revoltas, como, por exemplo, a Guerra de Canudos, ocorrida no sertão da Bahia. Vale destacar, que a reconciliação só viria ocorrer futuramente durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Impõe ainda asseverar que as premissas que balizaram a República e findaram com a figura do Estado umbilicalmente ligado a Igreja Católica foram positivadas na Constituição de 1891 sob a égide “Declaração de Direitos”, como se pode observar de sua transcrição in verbis:
“Art 72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 3º – Todos os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto, associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum.
§ 4º – A República só reconhece o casamento civil, cuja celebração será gratuita.
§ 5º – Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, ficando livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes, desde que não ofendam a moral pública e as leis.
§ 6º – Será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos.
§ 7º – Nenhum culto ou igreja gozará de subvenção oficial, nem terá relações de dependência ou aliança com o Governo da União ou dos Estados.
§ 28 – Por motivo de crença ou de função religiosa, nenhum cidadão brasileiro poderá ser privado de seus direitos civis e políticos nem eximir-se do cumprimento de qualquer dever cívico.
§ 29 – Os que alegarem motivo de crença religiosa com o fim de se isentarem de qualquer ônus que as leis da República imponham aos cidadãos, e os que aceitarem condecoração ou títulos nobiliárquicos estrangeiros perderão todos os direitos políticos.” (PLANALTO/2009)
Os ideários ofertadas pela Carta Política de 1891, foram reafirmadas nas demais Constiuições do Estado Brasileiro, erigindo como estandarte o Brasil como um Estado Laico, sem religião oficial, valorizando a liberdade de crença religiosa e culto, sem que isto trouxesse qualquer consequência negativa para seus adeptos ou mesmo qualquer sanção ou represália por parte do Estado. Nesses termos, pode-se observar tais considerações ao analisar a Constituição de 1934 que resguardou o referido assunto em seu artigo 113:
“Art 113 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
1) Todos são iguais perante a lei. Não haverá privilégios, nem distinções, por motivo de nascimento, sexo, raça, profissões próprias ou dos pais, classe social, riqueza, crenças religiosas ou idéias políticas.
4) Por motivo de convicções filosófica, políticas ou religiosas, ninguém será privado de qualquer dos seus direitos, salvo o caso do art. 111, letra b.
5) É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem pública e aos bons costume. As associações religiosas adquirem personalidade jurídica nos termos da lei civil.
6) Sempre que solicitada, será permitida a assistência religiosa nas expedições militares, nos hospitais, nas penitenciárias e em outros estabelecimentos oficiais, sem ônus para os cofres públicos, nem constrangimento ou coação dos assistidos. Nas expedições militares a assistência religiosa só poderá ser exercida por sacerdotes brasileiros natos.
7) Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal, sendo livre a todos os cultos religiosos a prática dos respectivos ritos em relação aos seus crentes. As associações religiosas poderão manter cemitérios particulares, sujeitos, porém, à fiscalização das autoridades competentes. É lhes proibida a recusa de sepultura onde não houver cemitério secular.” (PLANALTO/2009).
A Constituição Cidadã abarcou em seu âmago os condões suscitados em 1891 e que perduraram até a sua promulgação em 1988, ou seja, em consonância com o texto da Lei Maior do Estado, o Brasil não mantém nenhum laço de intimidade, dependência ou de privilégios para com qualquer religião em detrimento das demais, ao revés, valoriza a multiplicidade de credos, asseverando um tratamento igual a todos indivíduos, indepedente da fé que professem. Desta maneira, permite aos indivíduos que exerçam livremente os cultos religiosos, sendo-lhes preservados os locais de sua manifestação, nos termos do inciso VI, artigo 5°, da Lei Fundamental do Estado Brasileiro que assim aduz: “art. 5°: VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias[4]”.
Além desses direitos, o inciso VIII, do art. 5º da Constituição Federal de 1988, exaltou que: “art. 5°.: inciso VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei[5]”.
Por derradeiro, cuida hastear como pavilhão que o Brasil é signatário do Pacto São José da Costa Rica, documento este que esculpi em seu artigo 12, itens 1, 2 e 3 a respeito da liberdade de consciência e de religião, fixando paradigmas e estruturando nortes a serem observados[6]:
“Artigo 12 – Liberdade de consciência e de religião
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado.
2. Ninguém pode ser submetido a medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita apenas às limitações previstas em lei e que se façam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas.” (PORTAL DA FAMÍLIA/2009)
IV – Breve Histórico:
Face aos argumentos expostos até este momento, mister se faz lançar mão de toda a tábua histórica que conspirou para a estruturação da conduta exaurida, atualmente, no artigo 208 do Estatuto Penal Pátrio. Conforme se denota, o primeiro diploma a abarcar em suas linhas a conduta em estudo foi o Código Penal de 1890, resguardando sob a égide: “Título IV: Dos crimes contra o livre gozo e exercicio dos direitos individuaes – Capítulo III: Dos Crimes contra o Livre Exercício dos Cultos” (transcrito na íntegra).
Decerto, denota-se que o artífice da legislação, a época do Diploma Legal, buscou reafirmar o Estado Brasileiro como laico, portanto, desvencilhado de qualquer religião, permitindo, em decorrência, a liberdade religiosa como um direito individual do cidadão. O capítulo retro era constituído por 04 (quatro) dispositivos que versavam em suas redações acerca das condutas que atentavam contra a liberdade dos cultos, bem como cominando sanção para os indivíduos que perpetrassem as condutas previstas no Código Penal de 1890 e que seguem trasladas in verbis:
“Art. 185. Ultrajar qualquer confissão religiosa vilipendiando acto ou objecto de seu culto, desacatando ou profanando os seus symbolos publicamente:
Pena: de prisão cellular por um a seis mezes.
Art. 186. Impedir, por qualquer modo, a celebração de ceremonias religiosas, solemnidades e ritos de qualquer confissão religiosa, ou perturba-la no exercicio de seu culto:
Pena: de prisão cellular por dous mezes a um anno.
Art. 187. Usar de ameaças, ou injurias, contra os ministros de qualquer confissão religiosa, no exercício de suas funcções:
Pena: de prisão cellular por seis mezes a um anno.
Art. 188. Sempre que o facto for acompanhado de violencias contra a pessoa, a pena será augmentada de um terço, sem prejuizo da correspondente ao acto de violência praticado, na qual tambem o criminoso incorrerá”. (PLANALTO/2009) (transcrito na íntegra)
V – Capítulo I: Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso
O dispositivo em apreço possui descanso constitucional, qual seja, nos moldes do que hasteia a Carta Política Brasileira, em seu artigo 5°, inciso VI, é assegurado a liberdade de consciência e de crença, viabilizando, desse modo, o livre exercício dos cultos religiosos, assim como resguardada a proteção aos locais de culto e suas liturgias. Diante disso, é assegurada a pluralidade religiosa, desde que não haja excessos ou abusos de modo a prejudicar outros direito e garantias individuais.
Além disso, sob a epígrafe do Capitulo I, encontra-se disciplinado o crime de “Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo”, estando o delito exaurido no artigo 208 do Estatuto Repressor Criminal.
VI – Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo: Artigo 208 do Código Penal
O nomen juris do crime encontra-se disposto de maneira clarividente no artigo 208 da Lei Penal Brasileira, aduzindo que constitui o crime quando o agente delituoso: “Art. 208 – Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso”.
Trata-se de tipo penal misto cumulativo, consoante o que exalta Nucci (2009, pág. 865), vez que possui três figuras incriminadoras autônomas, de maneira que “a prática de mais de uma implica na punição por mais de um crime. Assim, é possível que o agente responda, em concurso material, por escarnecer de alguém, por perturbar culto e por vilipendiar objeto religioso…”. Além do exposto, o artigo possui ainda uma causa de aumento de pena, insculpido no parágrafo único, que assim entalha: “Parágrafo único – Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência”.
VI.1 – Objeto Juridicamente Tutelado:
Em consonância com o que apregoa a doutrina moderna, o objeto tutelado juridicamente pelo artigo 208 é a liberdade de crença e de função religiosa (o sentimento religioso), impedindo que terceiros possam obstruir a sua prática mediante manifestações ostensivas irônicas ou maldosas. Rogério Greco (2008, pág. 889) evidencia ainda que o objeto material dependerá da conduta perpetrada pelo agente delituoso, ou seja, “pode ser a pessoa que foi escarnecida publicamente, por motivo de crença ou função, que foi impedida(o) ou perturbada(o); ou, ainda, o ato ou objeto de culto religioso[7]”.
VI.2 – Sujeitos da Conduta Delituosa:
Conforme é ensinado pelos doutrinadores, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, independente de sua crença religiosa ou qualquer outra qualidade ou condição especial. Inclusive, podem cometer o ilícito em tela pastores, sacerdotes ou “ministros” de outras religiões.
Bitencourt (2009, pág.788) ao entalhar acerca do assunto, expõe que para grande parte da vertente, trata-se de crime vago, opinião comungada por Rogério Greco (2008, pág. 890) e Guilherme de Souza Nucci (2009, pág. 865), “em razão de indeterminação do sujeito passivo, pois protegeria interesses coletivos (sentimento religioso liberdade de culto)[8]”. Desta feita, configuraria como sujeito passivo imediato do crime esgotado no artigo 208 a coletividade e, mediatamente, a pessoa que sofrer a ação diretamente. Ao lado dessa explanação, Bitencourt (2009, pág. 788), ao citar o mestre Heleno Fragoso, aduz que: “Estes crimes violam diretamente interesses coletivos, motivo pelo qual sujeito passivo deles é, primariamente, o corpo social. Será sujeito passivo particular ou secundário qualquer pessoa física ou jurídica que sofrer a ação incriminada”. Impera ainda sustar que outros, no entanto, exigem a presença efetiva de alguma pessoa determinada no sentido de satisfazer a exigência da elementar “alguém” esculpida no caput do referido artigo, o que, de modo clarividente, não quer dizer um grupo indeterminado de pessoas.
Ainda que soe como uma discussão meramente acadêmica, a guisa de conhecimento, é interessante transcrever o parecer elaborado por Bitencourt (2009, pág. 789) no que concerne a discussão que recai sobre o sujeito passivo do artigo 208 do Estatuto Penal Brasileiro, no qual o sábio doutrinador traz à baila informações robustas e de maciça relevância:
“Pessoalmente, achamos que o sujeito passivo ora pode ser a pessoa individual (primeira parte do dispositivo penal), ora pode ser a coletividade ou corpo social (segunda e terceira partes), dependendo, in concreto, da figura lesiva que é praticada. É incontroverso que a liberdade de consciência e de crença constitui uma garantia fundamental individual, assegurada pela atual Constituição brasileira; no entanto, “o livre exercício dos cultos religiosos” (individual e, ao mesmo tempo, coletivo) e “a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” são garantias constitucionais coletivas. Na primeira hipótese, o sujeito passivo é a pessoa de quem se zomba (sacerdote, ministro, crente, religioso etc.); na segunda, pode ser o indivíduo “impedido” ou “turbado” em sua prática religiosa, se a ação incriminada for contra ele praticada, ou a coletividade, quando aquela for dirigida contra exercício coletivo de culto religioso; e, finalmente, na terceira hipótese, o sujeito passivo imediato somente pode ser a coletividade e apenas mediatamente o indivíduo. Nesse particular, pela clareza e precisão, merece ser transcrita a orientação de Paulo José da Costa Jr. (Comentários ao Código Penal, p. 695), a qual subscrevemos integralmente: “Sujeito passivo, no caso do ultraje, é a pessoa de quem se zomba (sacerdote, ministro, crente). Ou então, no caso de turbação ou vilipêndio de culto, a ofendida é a coletividade religiosa atingida”.
Resumidamente, a identificação do provável sujeito passivo está diretamente vinculada à conduta tipificada: na primeira figura, do escarnecimento, sujeito passivo é a pessoa física determinada que sofre o escárnio; essa ação, dirigida aos crentes em geral, não é adequada a essa descrição típica, ao contrário do apregoado pela Exposição de Motivos; na segunda, isto é, no impedimento ou turbação de prática ou culto religioso, o sujeito passivo pode ser aquele que sofre diretamente a ação ou, dependendo das circunstâncias, a coletividade religiosa, quando a ação for contra o exercício coletivo culto religioso; finalmente, no caso de vilipêndio, o sujeito passivo é a coletividade como um todo.”
VI.3 – Elementos Objetivos do Tipo:
a) Escárnio por motivo de religião:
O verbo escarnecer se traduz, dentro do contexto do presente dispositivo, como zombar, troçar, ridicularizar, humilhar, achincalhar. Conforme preleciona Rogério Greco (2008, pág. 888), para que ocorra o crime em tela, faz-se imprescindível que o escarnecimento aconteça em local público (publicamente). Isto é, “significa que se o agente escarnece da vítima em lugar reservado, onde se encontravam somente os dois (vítima e agente), o fato poderá se configurar em outro delito, a exemplo do crime de injúria”.
Ademais, vale frisar que a conduta realizada particularmente, sem que chegue ao conhecimento das pessoas em geral, não se amolda de maneira adequada ao tipo penal. Desnecessário é que o ofendido esteja presente ou ainda que o escárnio se realize face a face; todavia, deverá dirigir-se a pessoa determinada e não contra grupos religiosos em geral. Tal fato justifica, no caso em apreço, a figura do sujeito passivo imediato ser a pessoa em particular, “alguém”. Por derradeiro, a conduta supramencionada deve ser perpetrada por motivo de crença ou função religiosa da vítima.
No contexto em estudo, compreenda-se crença como no sentido de fé religiosa. No que concerne à função, não deve ser interpretada no sentido do direito administrativo, ao revés, faz menção a atividade exercida por padres, bispos, pastores, freiras ou rabinos no desempenho da missão religiosa.
“Para a configuração do art. 208 é necessário que o escárnio seja dirigido a determinada pessoa, sendo que a assertiva de que determinadas religiões traduzem ‘possessões demoníacas’ ou ‘espíritos imundos’ espelham tão-somente posição ideológica, dogmática, de crença religiosa[9]” (TACrSP, RJDTACr 23/374).
b) Impedimento ou perturbação de culto religioso:
A segunda conduta criminalizada pelo artigo 208 tange ao impedimento ou perturbação de culto religioso. Em linhas doutrinárias, pode-se intuir o impedimento em duas esferas distintas. A primeira está atrelada a evitar que comece, por óbice, dificultar, inibir, tolher, por empecilho, obstar. Já a segunda está associada paralisar a cerimônia já em andamento, não permitir que esta progrida regularmente, interromper.
Ao lado disso, preleciona-se perturbação como: tumultuar, embaraçar ou atrapalhar cerimônia religiosa, não permitir que os atos religiosos aconteçam de modo normal, agitação. Face ao fato de se tratar de crime de forma livre, essas condutas podem se corporificar mediante vaias, gritos, ruídos, violência. Bitencourt (2009, pág. 790), destaca também que “perturba a cerimônia ou a prática de culto religioso quem a tumultua, desorganiza e altera seu desenvolvimento regular”.
Cerimônia é a realização de culto religioso praticada de maneira solene, ou seja, aquele praticado com determinado aparato, como por exemplo: missa, casamento, procissão, batizado. Guilherme de Souza Nucci (2009, pág. 866) cita ainda que “cerimônia é a exterioriza de um culto (ritual, adoração, reverência) através de uma reunião solene”. Prática de culto religioso, consoante o que estatui Bitencourt (2009, pág. 790), é o ato religioso despido de solenidade, como é o caso de reza ou ainda ensinamento de catecismo. “Prática de culto é algo mais singelo, consistente no simples exercício do ritual que a religião solicita” (NUCCI, 2009, pág. 866).
É imprescindível que a conduta impeditiva ou turbadora deve, essencialmente, dirigir-se contra culto ou cerimônia religiosa. Entretanto, é irrelevante o local em que esta ou aquele se realiza, isto é, se ocorre no interior do templo religioso ou fora. A doutrina cita como exemplos do exposto, a procissão, a via-sacra, que normalmente os adeptos do catolicismo realizam. Bitencourt (2009, pág. 790) tece ainda que “o culto ou cerimônia religiosa protegidos pela lei não podem atentar contra a moral e os bons costumes, como magia negra, macumba, etc.”. “Gritar palavrões durante uma missa” (RT 491/518). “Configura-se o delito, ainda que a cerimônia não fique interrompida, mas tenha de ser abreviada pelo tumulto causado[10]” (TACrSP, RT 533/349).
c) Vilipêndio público de ato ou objeto religioso:
A terceira modalidade esculpida no dispositivo legal diz respeito à conduta de vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso. Entende-se como o verbo vilipendiar, as condutas de aviltar, envilecer, menosprezar, menoscabar, depreciar, desprezar, afrontar, ofender, insultar, ultrajar ato ou objeto religioso. A figura penal em estudo visa, precipuamente, preservar o sentimento religioso, como também a liberdade de culto. Vale destacar que a conduta delituosa exaurida pode ocorrer dentro ou fora do templo religioso, ou ainda em locais fechados.
Nos termos da lei, apresenta-se ato de culto religioso são as cerimônias e práticas religiosas versadas no tópico anterior; objeto religioso são todos aqueles que servem para a celebração desses atos, comumente consagrados para a liturgia religiosa, incluídos nesse numerário: altar, púlpito, paramentos, turíbulos, imagens de santos, vestes solenes, crucifixos, etc.
Bitencourt (2009, pág. 790) exalta que estão excluídos do rol acima apresentado os objetos que não integram a essência do culto propriamente dito, tais como: bancos, instrumentos musicais, luminárias, entre outros. Além disso, deve-se salientar que “é indispensável que os objetos do culto estejam destinados ao culto pois, se se encontrarem expostos à venda, não tipificará o crime” (BITENCOURT, 2009, pág. 790).
“A propositada derrubada de cruzeiro (cruz de madeira) implantado defronte a igreja, com intuito de vilipendiar aquele objeto de culto, enquadra-se nesta figura do art. 208[11]” (TACrSP, Julgados 70/280).
VI.4 – Elemento Subjetivo do Tipo:
Ao se analisar as condutas presentes no corpo estrutural do artigo 208 do Estatuto Criminal Brasileiro, é possível vislumbrar que o elemento subjetivo da conduta é o dolo, seja ele direto, seja eventual, externando-se por meio da vontade consciente de escarnecer publicamente de alguém, em decorrência de sua religião ou função religiosa; impedir ou perturbar a realização de culto religioso ou ainda vilipendiar ato ou objeto de culto religioso. Cuida destacar que o Diploma Legal não prevê a modalidade culposa, logo, se esta ocorrer, configurará fato atípico e, portanto, não punível.
Tomando por baliza o que é ensinado pelo mestre Bitencourt (2009, pág. 790) no que concerne ao tema, implica asseverar que na primeira figura (escarnecer), o elemento subjetivo geral é o dolo (exigido em todas as figuras apresentadas no artigo 208), e o elemento subjetivo especial do tipo está representado “por motivo de crença ou de função religiosa”, desonrado o indivíduo pelas circunstâncias retro. Na segunda modalidade, o elemento subjetivo encontra-se consubstanciado no ato de impedir ou perturbar realização de culto religioso, não sendo exigido, pela doutrina ou tão pouco pelo arcabouço normativo, um elemento subjetivo especial do injusto.
Finalmente, a terceira ação esgotada (vilipendiar), além do dolo presente na figura, requer a conduta o elemento subjetivo especial do injusto, qual seja: “o propósito de ofender o sentimento religioso” (BITENCOURT, 2009, pág. 790), é a específica intenção de desonrar determinada religião mediante o vilipêndio (depreciação, desprezo, menosprezo, menoscabo) a atos ou objetos do seu culto. Nucci (2009, pág. 897) frisa ainda que “o animus narrandi ou jocandi pode excluir a tipicidade”. Na primeira e na terceira figura, não existindo o elemento subjetivo especial do injusto, estará afastada a adequação típica exigida no nomen juris da conduta.
VI.5 – Consumação e Tentativa:
Consoante salienta Greco (2008, pág. 890), a consumação na primeira hipótese entalhada pelo artigo 208 da Lei Substancial Penal, dá-se no momento em que o agente delituoso escarnece, publicamente, de alguém, por motivo de crença ou função religiosa, não sendo ponto definidor o fato de ter a vítima se sentido, ou não, ridicularizada, achincalhada, troçada, zombada em virtude do comportamento perpetrado pelo sujeito passivo. Na forma escrita, segundo Bitencourt (2009, pág. 791), é admissível a tentativa.
Na modalidade seguinte, a doutrina afiança que ocorre a consumação quando o agente criminoso, de maneira efetiva, impede a realização da cerimônia ou culto religioso, quer seja evitando o seu início, ou, ainda, interrompendo-o durante a sua realização, ou mesmo, quando leva a efeito comportamento que tenha o condão (intuito, motivação, pretexto) de perturbar o normal andamento da cerimônia ou do culto religioso. “Teoricamente, é admissível a tentativa” (BITENCOURT, 2009, pág. 791). “Pratica o crime quem, voluntária e injustamente, põe em sobressalto a tranqüilidade dos fiéis ou do oficiante[12]” (TACrSP, RT 405/291).
Por fim, a terceira figura alcança sua consumação com o eficaz vilipêndio, ou seja, com o menosprezo, o ultraje, a ofensa, a afronta, o insulto de ato ou objeto de culto religioso. Conforme doutrinadores se manifestam, não se admite a tentativa na forma verbal, todavia, se o agente cometer mais de um ato, será admitida a forma tentada.
VI.6 – Modalidade Comissiva e Omissiva:
As condutas abarcadas pelo artigo 208 do Código Penal, a saber: escarnecer, impedir, perturbar e vilipendiar, pressupõem em sua estrutura um comportamento comissivo por parte do agente. Entende-se por comportamento comissivo, aquele em que a conduta típica requer um atuar positivo da parte do sujeito ativo. Assim, o tipo requer que seja o crime praticado por um comportamento ativo, são delitos perpetrados mediante uma ação, por uma atividade, um comportamento atuante.
Entretanto, como esculpi Rogério Greco (2008, pág. 890), nada impede que o delito se consubstancie mediante omissão imprópria do agente. Nesses termos, cuida expor que a denominada omissão imprópria (também chamada pelos doutrinadores de crime impropriamente omissivo ou ainda comissivo por omissão), está configurada nos crimes cuja lei faz atribuir ao omitente a responsabilidade pelo resultado advindo da sua inércia, da sua inação. Isto é, aquele que deve atuar para evitar a materialização do crime não o faz, mas sim, queda-se inerte diante da conduta criminosa, permitindo sua exteriorização. Desta feita, a lei equivale o non facere a um facere.
VI.7 – Causa de Aumento de Pena – parágrafo único do artigo 208:
Exalta o parágrafo único do artigo em tela, quando da violência empregada resultarem lesões corporais, haverá a majoração da pena em um terço (1/3) relativo ao crime previsto no artigo 108, bem como a apliacação cumulativa da sanção cominadas as decorrentes das lesões corporais
Lançando mão do que é ensinado por Bitencourt (2009, pág. 791), o parágrafo único não criou uma espécie sui generis de concurso material, no entanto, adotou tão-só o sistema de cúmulo material de aplicação da pena. “Assim, quando a violência empregada na prática do crime em exame constituir em si mesma outro crime, havendo unidade de ação e pluralidade de crime” (BITENCOURT, 2009, pág. 791), se estará diante de concurso formal. Comina-se, no caso em estudo, devido à expressa determinação do arcabouço normativo, o sistema do cúmulo material da aplicação de pena, independente da existência de desígnios autônomos. Impera trazer a tona o que dispõe o doutrinador Bitencourt (2009, pág. 791) ao argumentar acerca do assunto:
“A aplicação das penas, mesmo sem a presença de desígnios autônomos, constitui uma exceção de penas previstas para o concurso formal impróprio. Mas aquela é norma genérica, prevista na Parte Geral do Código Penal (art. 70, 2ª parte); esta, constante do dispositivo em exame (art. 208, parágrafo único) é norma específica, contida na Parte Especial do diploma legal, onde se individualizam as normas genéricas ao destiná-las a cada figura delituosa.
No entanto, a despeito de tudo o que acabamos de expor, nada impede que, concretamente, possa ocorrer concurso material da presente infração penal com outros crimes violentos, como acontece com quaisquer outras infrações, desde que é claro, haja “pluralidade de condutas e pluralidade de crimes“, mas aí, observe-se, já não será mais o caso de unidade de ação ou omissão, caracterizadora do concurso formal”.
Nucci (2009, pág. 868) frisa ainda que se deve interpretar que a violência perpetrada pelo agente delituoso se volta à pessoa humana, e não contra coisas e animais, ainda que a lei não seja taxativa. Afinal, como bem salienta o doutrinador, essa tem configurado o principal fito do legislador ao estruturar os tipos penais, qual seja: esculpir dispositivos que visem conferir máxima proteção ao ser humano.
VI.8 – Pena, Ação Penal e Competência para julgamento:
O preceito secundário do artigo 208 do Estatuto Penal Brasileiro comina uma pena de detenção de 01 (hum) mês a 01 (hum) ano, ou multa. Caso haja o emprego de violência (real) por parte do agente delituoso, a pena é aumentada de um terço (1/3), sem prejuízo da correspondente a violência. A ação penal será de iniciativa pública incondicionada, ou seja, não depende da representação do ofendido para que o representante do órgão do Ministério Público ofereça denúncia.
Ademais, ao vislumbrar a pena a ser aplicada, denota-se que é de competência, inicialmente, do Juizado Especial Criminal o processo, bem como o julgamento do delito em apreço. “No entanto, se houver o concurso com infração penal cuja pena máxima cominada em abstrato ultrapasse o limite de dois anos, determinado pelo mencionado artigo 2°, o Juizado Especial Criminal deixará de ser o competente” (GRECO, 2008, págs. 890/891) será possível, ainda, a confecção de proposta de suspensão condicional do processo, desde que sejam observadas as ressalvas já mencionadas, no que compete ao concurso de crimes.
VI.9 – Classificação Doutrinária:
Segundo as doutrinas vigentes, trata-se de crime comum tanto em relação ao sujeito ativo, bem com quanto ao sujeito passivo ”pois que a coletividade, de forma geral, é que sofre com a conduta praticada pelo agente, tratando-se, outrossim, de um crime vago”, conforme entalha Rogério Greco (2008, pág. 892). É um crime comissivo, exige atitude positivas por parte do agente criminoso, podendo, entretanto, ser praticado via omissão imprópria, como exalta parte da doutrina, a hipótese em que o agente goza do status garantidor. É um crime de forma livre (também conhecido por crime de local livre ou crime de ação livre), pode ser executado por qualquer forma ou meio, não estrutura a lei uma forma específica (vinculada) para o cometimento da conduta delituosa. É um crime de mera conduta, não exige a lei que seja alcançado um resultado naturalístico, bastando tão somente a ação ou omissão para o crime ocorrer, não sendo relevante o resultado.
É um crime monossubjetivo (também nomeado de unissubjetivo ou unilateral), pode ser perpetrado por um único agente delituoso, nada impedindo a participação ou a co-autoria. Trata-se de um crime unissubsistente (também denominado de monossubsistente), ou seja, basta uma conduta una e indivisível para o crime ocorrer, não admitindo nesta situação a tentativa. Todavia, nada impede que ocorra também de maneira plurissubsistente, isto é, exige vários atos que, em conjunto, darão ensejo à conduta delituosa, aceitando, neste caso, a forma tentada. Conforme a doutrina, apresenta, a rigor, é um crime transeunte, ou seja, sua perpetração não deixa vestígios. Por fim, a doutrina dominante assevera ainda que a conduta prevista no artigo 208 configura um crime instantâneo, ou seja, o resultado se dá de maneira instantânea, não se faz necessário que seus atos se protraiam no tempo para que haja a produção de resultados.
VII – Inovações ao Artigo 208 do Código Penal:
Conforme se observa, desde 2004, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei N°. 3.938 que introduz fortes e robustas alterações em um sucedâneo de artigos que constituem o Estatuto Penal Repressor Brasileiro. De plano, verifica-se que o referido projeto traz em sua estrutura a inclusão de uma causa de aumento de pena na Parte Geral, mais especificamente no artigo 61 a alínea “m”, alargando assim o rol existente, qual seja: “Art. 61. m – quando a vítima estiver assistindo a qualquer ato de culto religioso[13]”.
No que concerne a Parte Especial do Código Penal, observa-se ainda as alterações de diversos dispositivos, introduzindo em seus corpos estruturais parágrafos e incisos, aumentando, de sorte tal, as penas a serem cominadas para os respectivos delitos. Entretanto, a maior alteração a ser crescida tange ao artigo 208, adicionando causas de aumento de pena e modalidade qualificadas à redação já vigente. Latente se faz trazer à baila os dispositivos mencionados a fim de se compreender as possíveis inovações que passarão a integrar o dispositivo versado no presente estudo, transcritos in verbis:
“Art. 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa.
§ 1º – Se há emprego de violência ou grave ameaça:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, sem prejuízo da correspondente à violência.
§ 2º – Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo da correspondente à violência.
§ 3º – Se resulta a morte:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, e multa, sem prejuízo da correspondente à violência.
§ 4º – As penas são aumentadas de um terço, se o crime é cometido:
I – com emprego de arma;
II – com emprego de arma de brinquedo simulacro de arma, capaz de atemorizar outrem;
III – por duas ou mais pessoas.”
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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