Dos crimes de responsabilidade praticados por prefeitos à luz do Decreto-Lei nº 201/1967


Resumo: O DL nº 201/1967 enumera quais são os crimes de responsabilidade passíveis de cometimento pelos Prefeitos. Este artigo traz um breve estudo acerca do assunto, tratando dos crimes de responsabilidade, bem como sua apuração pelo órgão competente e as consequências jurídicas que carreiam.


O Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967 define uma série de condutas que tipificam os crimes de responsabilidade passíveis de serem praticados por Prefeitos e Vereadores e suas respectivas sanções.


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A Constituição Estadual de Minas Gerais determina que o Tribunal de Justiça é o órgão competente para processar e julgar originariamente os crimes de responsabilidade praticados pelos chefes do Poder Executivo Municipal:


“Art. 106 – Compete ao Tribunal de Justiça, além das atribuições previstas nesta Constituição:


I – processar e julgar originariamente, ressalvada a competência das justiças especializadas: (…)


b) o Secretário de Estado, ressalvado o disposto no § 2º do art. 93, os Juízes do Tribunal de Justiça Militar, os Juízes de Direito, os membros do Ministério Público, o Comandante-Geral da Polícia Militar e o do Corpo de Bombeiros Militar, o Chefe da Polícia Civil e os Prefeitos Municipais, nos crimes comuns e nos de responsabilidade; (…) (grifos nossos)


As condutas que constituem crime de responsabilidade estão elencadas no referido dispositivo legal, senão vejamos:


– apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio;


– utilizar-se, indevidamente, em proveito próprio ou alheio, de bens, rendas ou serviços públicos;


– desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;


– empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;


– ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-las em desacordo com as normas financeiras pertinentes;


– deixar de prestar contas anuais da administração financeira do Município à Câmara de Vereadores, ou ao órgão que a Constituição do Estado indicar, nos prazos e condições estabelecidos;


– Deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo;


– Contrair empréstimo, emitir apólices, ou obrigar o Município por títulos de crédito, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;


– Conceder empréstimos, auxílios ou subvenções sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;


– Alienar ou onerar bens imóveis, ou rendas municipais, sem autorização da Câmara, ou em desacordo com a lei;


– Adquirir bens, ou realizar serviços e obras, sem concorrência ou coleta de preços, nos casos exigidos em lei;


– Antecipar ou inverter a ordem de pagamento a credores do Município, sem vantagem para o erário;


– Nomear, admitir ou designar servidor, contra expressa disposição de lei;


– Negar execução a lei federal, estadual ou municipal, ou deixar de cumprir ordem judicial, sem dar o motivo da recusa ou da impossibilidade, por escrito, à autoridade competente;


– Deixar de fornecer certidões de atos ou contratos municipais, dentro do prazo estabelecido em lei.


– deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal;


– ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal;


– deixar de promover ou de ordenar, na forma da lei, o cancelamento, a amortização ou a constituição de reserva para anular os efeitos de operação de crédito realizada com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei;


– deixar de promover ou de ordenar a liquidação integral de operação de crédito por antecipação de receita orçamentária, inclusive os respectivos juros e demais encargos, até o encerramento do exercício financeiro;


– ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação, refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;


– captar recursos a título de antecipação de receita de tributo ou contribuição cujo fato gerador ainda não tenha ocorrido;


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– ordenar ou autorizar a destinação de recursos provenientes da emissão de títulos para finalidade diversa da prevista na lei que a autorizou;


– realizar ou receber transferência voluntária em desacordo com limite ou condição estabelecida em lei.


Tais crimes são apurados através de ação penal pública, sendo promovidas pelo Ministério Público Eleitoral. Saliente-se que sua apreciação pelo Poder Judiciário independe de pronunciamento da Câmara Legislativa, o que torna o procedimento mais independente e menos político.


Os crimes tem como pena a reclusão de 02 (dois) a 12 (doze) anos ou a detenção de 03 (três) meses a 03 (três) anos, a depender da gravidade da conduta.


As sanções para estes crimes possuem ainda efeito secundário ou acessório, que são a  perda do cargo e a inabilitação, por 05 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, sem prejuízo da reparação civil do dano causado ao patrimônio público ou particular.


“CRIMINAL. RESP. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PREFEITO MUNICIPAL. PENA ACESSÓRIA DE INABILITAÇÃO TEMPORÁRIA PARA O EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. DECORRÊNCIA DA CONDENAÇÃO. RECURSO PROVIDO.I. A imposição de pena acessória de inabilitação temporária para o exercício de cargo ou função pública, efetivo ou de nomeação, é decorrência da própria condenação. Precedentes…” (Recurso Especial nº 239187 – SP, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, j. 04/12/2001, D.J.U. de 04/02/2002, p. 455). (grifos nossos)


A condenação por crime de responsabilidade automaticamente faz nascer tal efeito secundário.


“RECURSO ESPECIAL. PENAL. PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. PERDA DO CARGO E INABILITAÇÃO PARA EXERCÍCIO DE CARGO OU FUNÇÃO PÚBLICA. PENAS AUTÔNOMAS EM RELAÇÃO À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. PRAZOS PRESCRICIONAIS DISTINTOS. RECURSO PROVIDO. 1. As penas de perda do cargo e de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública, previstas no art. 1.º, § 2.º, do Decreto-Lei n.º 201/67, são autonômas em relação à pena privativa de liberdade, sendo distintos os prazos prescricionais. Precedentes. 2. Quanto à necessidade de fundamentar a imposição dessa pena, esta Corte entende que a aplicação é automática, decorrente da própria condenação”. 3. Recurso provido. Processo REsp 945828 / PR RECURSO ESPECIAL 2007/0092363-5 Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120) Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA Data do Julgamento 28/09/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 18/10/2010 (grifos nossos)


O trâmite processual para apuração dos crimes de responsabilidade segue o rito comum do Código de Processo Penal, com alguns pormenores, que veremos a seguir.


O Juiz, antes de receber a denúncia, mandará que se notifique o acusado, para que este apresente defesa prévia, dentro de 05 (cinco) dias. Se o acusado não for encontrado para receber a notificação, o Juiz nomeará defensor, para que este apresente a defesa prévia no mesmo prazo.


Por ocasião do recebimento da denúncia, o Juiz deverá se manifestar, de forma obrigatória e fundamentada, sobre a possibilidade de prisão preventiva do acusado, para as condutas apenadas com reclusão. Manifestar-se-á, também, acerca do afastamento do Prefeito, no tocante ao exercício do cargo, durante a instrução criminal, em todas as hipóteses.


“CRIMINAL. CRIMES DE RESPONSABILIDADE COMETIDO POR PREFEITO. DECRETO-LEI N. 201, DE 27.2.67, ART. 1, INCISOS V, IV E V, COMBINADOS COM ARTIGOS 298 E 299 C/C ARTS. 25 E 51, DO CÓDIGO PENAL. AFASTAMENTO DO CARGO. RECEBIDA A DENUNCIA, O DESPACHO QUE DECRETAR A PRISÃO PREVENTIVA DO PREFEITO, OU SEU AFASTAMENTO DO CARGO DURANTE A INSTRUÇÃO CRIMINAL, HÁ DE SER MOTIVADO, ISTO E, JUSTIFICADA E APOIADA EM ELEMENTOS OBJETIVOS QUE CONVENCAM DA SUA UTILIDADE PARA O NORMAL ANDAMENTO DO PROCESSO E APLICAÇÃO DA PENA. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.” RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. RE 113997 / PR – PARANÁ Relator(a): Min. CARLOS MADEIRA Julgamento: 07/06/1988 (grifos nossos)


Do despacho que concede ou denega a prisão preventiva ou o afastamento do cargo do acusado, cabe recurso em sentido estrito, com efeito suspensivo, para o Tribunal competente, no prazo de 05 (cinco) dias, em autos apartados.


O Decreto confere aos órgãos federais, estaduais ou municipais, que tiverem interesse na apuração da responsabilidade do Prefeito, a possibilidade de requerer a abertura de Inquérito Policial ou a instauração da Ação Penal pelo Ministério Público, bem como a de intervir, em qualquer fase do processo, como assistente da acusação.


Caso as providências para abertura do Inquérito Policial ou instauração da Ação Penal não sejam atendidas pela autoridade policial ou pelo Ministério Público, poderão ser requeridas ao Procurador-Geral da República.


Interessa notar que o dispositivo legal em apreço confere as mesmas responsabilidades e sujeita às mesmas penas o Vice-Prefeito ou quem substituir o Prefeito, mesmo que finda a substituição.


Como acontece nos crimes de responsabilidade, os fatos serão apreciados e julgados pelo Tribunal de Justiça enquanto o acusado ocupar o cargo de Prefeito. Se, no curso do procedimento, o acusado deixar do ocupá-lo, os autos serão remetidos à 1ª Instância.


“EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – PRELIMINARES – NULIDADE – INÉPCIA DA DENÚNCIA – SUPOSTO VÍCIO – PROMOTOR NATURAL – INOCORRÊNCIA – ALEGAÇÃO DE DESCABIMENTO DA INSTRUÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO – INOCORRÊNCIA – MÉRITO – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – ADULTERAÇÃO DE SINAL DE IDENTIFICAÇÃO DE VEÍCULO – UTILIZAÇÃO DE BEM PÚBLICO PARA BENEFÍCIO PRÓPRIO, CONSISTENTE NA SUA AUTOPROMOÇÃO – ART. 311 DO CP E ART. 1º, INCISO II, DO DECRETO-LEI N. 201/67 – REJEITAR AS PRELIMINARES E NEGAR PROVIMENTO. (…)O procedimento iniciou-se no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, uma vez que à época o denunciado era Prefeito Municipal, e em virtude de ter cessado a competência originária nesta instância, foi determinado o retorno dos autos ao MM. Juiz de primeiro grau que, após recebimento da peça acusatória, acompanhada da documentação, passou à fase instrutória dos autos, por fim, proferindo a r. sentença, pontificando a condenação do denunciado.” Processo 1.0348.06.500006-2/001(1). Numeração única 5000062-34.2006.8.13.0348. Data do julgamento 26/06/2007. Relator Des. Sérgio Braga. Publicado 05/07/2007 (grifos nossos).


Note que a primeira conduta a ser tipificada no art. 1º do Decreto em pauta – apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio – amolda-se no que prescreve o art. 311 do Código Penal – peculato. Entretanto, não há que se pensar em bis in idem, posto que tais condutas tipificam ilícitos de natureza diversa: o primeiro considerado crime de responsabilidade, e o outro considerado crime contra a fé pública.


“ADMINISTRATIVO.  PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VEREADOR. CRIME DE RESPONSABILIDADE. RECLAMAÇÃO 2.138/DF. EFEITOS INTER PARTES. INEXISTÊNCIA DE BIS IN IDEM. LEGITIMIDADE PASSIVA. RECURSO PROVIDO. 1. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, “as razões de decidir assentadas na Reclamação nº 2.138 não têm o condão de vincular os demais órgãos do Poder Judiciário, porquanto estabelecidas em processo subjetivo, cujos efeitos não transcendem os limites inter partes” (Rcl 2.197/DF). 2. “Não há qualquer antinomia entre o Decreto-Lei 201/1967 e a Lei 8.429/1992, pois a primeira impõe ao prefeito e vereadores um julgamento político, enquanto a segunda submete-os ao julgamento pela via judicial, pela prática do mesmo fato” (REsp 1.034.511/CE). 3. Não há falar em ocorrência de bis in idem e, por consequência, em ilegitimidade passiva do ex-vereador para responder pela prática de atos de improbidade administrativa, de forma a estear a extinção do processo sem julgamento do mérito. 4. Recurso especial provido para restaurar a sentença condenatória. REsp 1196581 / RJ RECURSO ESPECIAL 2010/0099005-7 Relator(a) Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA (1128) Órgão Julgador T1 – PRIMEIRA TURMA Data do Julgamento 16/12/2010 Data da Publicação/Fonte DJe 02/02/2011      (grifos nossos)


Outro ponto interessante é o fato de o Princípio da Bagatela não se aplicar aos crimes de responsabilidade, ante à natureza pública que norteia a atividade do administrador Público. Assim já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:


“Quinta Turma PRINCÍPIO. INSIGNIFICÂNCIA. PREFEITO. O tribunal a quo condenou o paciente à pena de reclusão de cinco anos, em regime semiaberto, pela prática da conduta prevista no art. 1º, I, do DL n. 201/1967, porque, no exercício do cargo de prefeito, concordou com a emissão de documento fiscal apto a justificar despesa que, atualmente, seria cerca de R$ 600, referente a uma festa oferecida a convidados especiais. A Turma, entre outras questões, entendeu ser inaplicável o princípio da insignificância aos crimes praticados por prefeito, em razão de sua responsabilidade na condução dos interesses da coletividade. A conduta esperada de um chefe da Administração municipal é a obediência aos mandamentos legais, com a obrigatoriedade de agir sempre pautado em valores éticos e morais, respeitando os compromissos funcionais firmados quando da aceitação do cargo. Quanto à questão da dosimetria da pena, a Turma verificou que o decreto condenatório carece de motivação apta a justificar a fixação da pena-base no patamar aplicado e, tendo sido reconhecida a inexistência de qualquer característica judicial desfavorável, reformou a sanção-base aplicando o mínimo legal, qual seja, dois anos de reclusão. Não havendo circunstâncias atenuante e agravante ou causas de diminuição e aumento de pena, fixou a pena definitiva naquele patamar. O teor do art. 33, § 2º, c, e § 3º, do CP fixou o regime aberto para início do cumprimento da sanção reclusiva. Contudo, concedeu habeas corpus de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal, na modalidade retroativa, nos termos dos arts. 107, IV, e 109, V, do CP. HC 145.114-GO, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/8/2010” .(grifos nossos).


Pretendemos, neste breve estudo, esboçar o que nos dita o Decreto-Lei nº 201/1967 acerca dos crimes de responsabilidade praticados por Prefeitos, objeto de ação penal a ser apurada pelo Tribunal de Justiça Estadual.



Informações Sobre o Autor

Fabiana Ananias de Assis Oliveira

Servidora Pública Federal, pós-graduada em Direito Público


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