Resumo: Tem-se como intento com este trabalho pontuar acerca de uma das espécies de honorários advocatícios contemplada na Lei nº 8.906/94, qual seja, por arbitramento judicial. Fazer emergir ainda condicionantes e requisitos para que o profissional dela se valha. Demonstrar que tal espécie é mais uma valiosa garantia canalizada em prol do advogado para que faça jus ao seu lídimo direito de percepção de seus honorários, proporcionalmente ao seu honrado trabalho desempenhado, ao mesmo tempo, afastando todo e qualquer repudiado enriquecimento ilícito de quem se beneficiou por tais serviços.
Palavras-chave: Honorários advocatícios. Arbitramento Judicial. Ausência ou omissão contratual. Requisitos e condicionantes.
Sumário: 1. Das espécies de honorários advocatícios. 2. Dos honorários advocatícios por arbitramento judicial. 2.1. Circunstncias em que se fazem presentes. 2.2. Dos requisitos e condicionantes. 2.3. Do pedido em si e consequências. 3. Conclusão.
INTRODUÇÃO
É recomendável, por transparência e segurança, que os honorários advocatícios sejam pactuados por escrito; e mais, que tal se dê da forma mais completa possível. Entretanto, por vários motivos, é bem possível que tal pacto ou se dê da forma verbal ou que contenha omissões sobre o pagamento dos honorários advocatícios (tornando-se impossível a execução judicial do pacto).
Nestas circunstâncias, o profissional advogado que vier a se desentender com seu cliente acerca do devido pagamento pelos serviços prestados não pode ficar desguarnecido de receber por tal trabalho; daí a importância capital da figura dos honorários advocatícios por arbitramento judicial, bem como do respeito às suas condicionantes e/ou requisitos para que o advogado não transgrida a ética profissional.
1. DAS ESPÉCIES DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
De forma originária, a palavra honorários tem como fonte o latim “honorarius”, jungido, por sua vez de “honor”[1]; ou seja, com a concepção de uma honra ou honraria. Na concepção moderna, prática e econômica designa “o prêmio ou estipêndio dado ou pago em retribuição a certos serviços.”[2] É, assim, na prática e legalmente (e quanto ao ofício aqui a ser tratado), a designação aos valores pagos ao advogado em paga ou retribuição por seus serviços prestados em prol de outrem – daí o nome honorários advocatícios.
Da leitura do “caput” do artigo 22 da Lei nº 8.906/94 (o rotulado Estatuto da Advocacia e da OAB)[3] extrai-se que existem 03 (três) espécies de honorários advocatícios, os convencionados, os de sucumbência e os fixados por arbitramento judicial.
Num primeiro momento, há que se registrar que o advogado, quanto à situação de patrocínio de demandas, faz jus a honorários pelo seu trabalho efetivamente desempenhado e independentemente do resultado da causa, visto que, em regra, seu ofício é de meio e não de resultado. Daí a lição de Leib Soibelman de que “os honorários são devidos mesmo quando o advogado perde a causa, porque a sua obrigação é de meios e não de resultados.”[4]
Os honorários advocatícios convencionados são aqueles devidos via pacto entre cliente e profissional advogado pelo serviço prestado por este e independente do resultado alcançado na causa, na conformidade da assertiva exposta adrede. Via de regra – e é até recomendável –, nesta situação o pacto de honorários advocatícios faz-se por escrito e da forma mais rica/transparente possível[5], visando segurança e/ou garantia tanto para o cliente como para o advogado[6]. Ressaltando que, uma vez elaborado o contrato de honorários de forma escrita (e sem quaisquer omissões), tal documento reveste-se de título executivo extrajudicial, na perfeita dicção dos artigos 585, VIII, do CPC c/c “caput” do artigo 24 da Lei nº 8.906/94.
Já os honorários advocatícios de sucumbência (ou sucumbenciais), são aqueles advindos em razão de uma decisão transitada em julgado em prol do advogado que representou a parte vencedora, arcados pela parte vencida (ou sucumbente)[7]. Yussef Said Cahali designa bem que “… sucumbente, na linguagem comum, é propriamente aquele que se sujeita a uma força que age sobre ele” ou ainda que o “significado processual não é substancialmente diverso deste: sucumbente é o vencido na luta judicial (qui victus est judicio superatus).”[8] A princípio, tal verba é exclusiva do advogado, que pode se valer – em causa própria – do pedido de cumprimento de sentença para seu respectivo recebimento[9].
De sorte que, nesse aspecto, é possível ao advogado receber tanto os honorários advocatícios convencionados (sendo estes inarredáveis na seara de seu direito, visto que independentes do resultado da demanda) – neste caso, recebidos diretamente de seu cliente -, quanto os honorários advocatícios sucumbenciais (estes, logicamente, dependentes do sucesso da demanda em que atuou como patrono o advogado) – a serem arcados pela parte sucumbente.
A terceira espécie existente de honorários, tratada mais de perto neste artigo, e que tem ligação com os honorários advocatícios convencionados (e que, portanto, independem do resultado da demanda), são os honorários por arbitramento judicial, que, como o próprio nome diz, advém de uma mensuração judicial e, por lógico, através de uma decisão provocada pela parte interessada. Quanto às situações onde tal espécie é possível, bem como requisitos e/ou condicionantes éticas impostas ao advogado para fazer uso da mesma, serão tratadas adiante.
2. DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS POR ARBITRAMENTO JUDICIAL
2.1. CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE SE FAZEM PRESENTES
A previsão mais detida de tal espécie de honorários está contida no § 2º do artigo 22 da Lei nº 8.906/94[10].
Em tal dispositivo é possível concluir que serão os honorários arbitrados judicialmente ou quando não haja estipulação ou quando não haja acordo quanto à retribuição pecuniária à efetiva prestação de serviço advocatício. Ou seja, aqui contempla-se a hipótese em que, por qualquer motivo, não fora elaborado contrato escrito de honorários entre cliente e advogado, ficando o pacto na natureza verbal, bem como a hipótese em que, embora existente um contrato escrito, não se vislumbrou e/ou expressou, de forma rica e transparente, o valor exato e/ou preciso desta verba retributiva ao real serviço prestado pelo profissional; e ainda, nestas circunstâncias, houvesse desentendimento invencível entre as partes quanto ao valor a ser pago pelo trabalho advocatício, quer tal serviço tenha sido concluído, quer o tenha sido parcialmente (e aqui havendo novos advogados em substituição ao prejudicado pelo recebimento dos honorários, com o concomitante rompimento do original mandato).
De maneira que, nestas hipóteses, encontrar-se-ia desguarnecido o advogado de executar qualquer contrato de honorários, e assim, fazer valer o justo recebimento por seus serviços prestados.
Para que o advogado não se veja impossibilitado de receber pelos seus lídimos serviços efetivos e proporcionais prestados, parelho ao afastamento do execrável enriquecimento ilícito de quem se beneficiou de tais serviços (e até mesmo para que o cliente, em sua garantia, pague o justo e lícito em contrapartida à eventual imoderada cobrança do profissional), é que se afigura viável e previsto na legislação o pedido de arbitramento judicial de honorários advocatícios (podendo ser feito tanto pelo advogado como pelo cliente); onde a maior prova do direito do profissional é o seu próprio serviço estampado ou num ato extrajudicial ou numa demanda judicial.
Vem a calhar assim a lição de Marco Antônio Silva de Macedo Júnior e Celso Coccaro[11]:
“Há inúmeras circunstâncias que podem ensejar discórdia sobre o valor dos honorários e a necessidade de seu arbitramento judicial.
A ausência de contrato escrito é a mais comum. Pode gerar dúvidas e impasses.
A substituição de advogados também, especialmente quando não há instrumento contratual ou, quando existente, omite disposição a respeito.
Em tais hipóteses, o serviço foi prestado, e deve ser remunerado; o que não há é definição sobre o valor, que deve ser definido judicialmente, em ação dita de arbitramento de honorários, normalmente cumulada com a cobrança da importância fixada, dirigida ao cliente ou mesmo a outro advogado.”
Dessa forma, cabe ao juiz, atendidos certos requisitos e/ou condicionantes, com supedâneo naquilo que foi efetiva e proporcionalmente trabalhado pelo advogado, inspirado ainda nos ditames éticos e legais da advocacia e com auxílio de um perito (este também advogado), externar o valor devido ao profissional a título de honorários – para, nesta circunstância, em havendo o não cumprimento voluntário do decidido, a parte interessada ingressar com o respectivo pedido de cumprimento de sentença.
2.2. DOS REQUISITOS E CONDICIONANTES
A primeira situação necessária a existir para dar azo ao pedido de arbitramento judicial de honorários deve ser – uma vez inexistente um contrato escrito detalhado e transparente – um invencível desentendimento entre cliente e advogado quanto ao valor a ser pago pelo serviço advocatício prestado parcial ou total.
E nesta hipótese, claro fica que a confiança, um dos elementos éticos essenciais numa relação entre cliente e advogado, rompe-se definitivamente[12]. Como corolário, e uma vez ainda não findo o respectivo mandato outorgado, deve o advogado renunciar ao patrocínio da causa. Não se olvidando que sempre haverá do advogado a conduta de manter-se com a postura ética do comedimento, por mais traumática que possa ter sido o rompimento do mandato, não alardeando o acontecido, focando-se, com sobriedade, na busca de seu direito em juízo.
Mais ainda, visando primar pelo distanciamento e/ou sigilo profissional, bem como demais regramentos éticos e morais da profissão (notadamente tendo em vista a condição da parte adversa ser seu recente ex-cliente), deve o advogado pretendente ao pedido de arbitramento judicial de honorários fazer-se representar por um outro colega advogado (ou seja, o comando ético imprime o óbice a que o advogado ingresse com o pedido de arbitramento em causa própria).
Tais condicionantes vêm emergidas no artigo 43 do Código de Ética e Disciplina da OAB[13].
2.3. DO PEDIDO EM SI E CONSEQUÊNCIAS
De se acrescentar que o pedido de arbitramento judicial dos honorários advocatícios deve obedecer aos ditames de uma petição inicial, tal qual estampado no artigo 282 do CPC; bem como ser distribuído por dependência aos autos principais, para facilitação do contato direto do Magistrado com as provas do real serviço prestado pelo advogado – ressaltando que tal pleito é autônomo, visto que composto de outro objeto, e portanto, comportando decisão independente da demanda principal.
Serão subsídios do aludido pedido, além do todo constante na demanda principal (v.g.: petição inicial, contestação, petições intermediárias, termos de audiência, petições recursais e demais manifestações) como real e proporcional prova do que o profissional prestou de serviço advocatício[14], também o comprovante da comunicação da renúncia ao mandato (ou revogação, conforme o caso) – no caso do serviço prestado não ter se exaurido naturalmente, e isso como registro ético profissional – e cópia da vigente tabela de honorários advocatícios da Seccional da OAB onde o serviço foi prestado (pelo menos na parte que fixa o mínimo devido para a demanda em que atuou o advogado).
Via imediata, pela lógica processual, dever-se-á respeitar o contraditório e a ampla defesa, intimando-se (ou citando-se, conforme alguns) a parte contrária a se manifestar sobre o pedido.
Deve o Magistrado, após a marcha procedimental normal, nomear um perito (certamente recaindo na pessoa de um advogado idôneo e imparcial), já que lhe falta o amplo conhecimento técnico sobre a questão (mesmo tendo dantes exercido a advocacia); observando-se o procedimento inserto nos artigos 421 e s/s do CPC, não ficando adstrito simplesmente ao teor do laudo técnico[15].
Na aquilatação, além dos parâmetros estampados no § 2º do artigo 22 da Lei nº 8.906/94 – o trabalho e o valor econômico da questão, e a não inferioridade ao estabelecido na tabela de honorários do conselho seccional da OAB competente -, devem o perito e o Juiz sentenciante se nortear pelo disposto no artigo 36 do Código de Ética e Disciplina da OAB (que, atento à moderação, elenca oito incisos com elementos vários orientadores da fixação) – sem se olvidarem da proporcionalidade erigida no § 3º do artigo 22 da Lei nº 8.906/94[16].
Nesse aspecto, válida é a lição de Arthur Rollo[17]:
“Essa valoração, entretanto, nunca poderá ser inferior à tabela de honorários da OAB. Para isso caberá ao julgador levar em consideração, no caso concreto, inúmeros fatores como: o grau de zelo, o renome e a qualificação do profissional; o local da prestação e o tempo necessário para a execução dos serviços; o valor econômico e o interesse jurídico envolvendo a causa, assim como a praxe do foro para casos análogos. Esses elementos, dentre outros elementos definidos pelo Código de Ética que convém ao juiz levar em conta, trazem critérios mais objetivos a serem seguidos para evitar a estipulação de valores irrisórios, que afrontam toda a advocacia. Deverão ser considerados não só no arbitramento dos honorários nas ações de cobrança, como também na estipulação dos honorários sucumbenciais.
Reconhecer o valor do advogado é dar valor à própria Justiça, porque, além de insatisfeito, o advogado mal remunerado não terá condições financeiras sequer de se qualificar, adquirindo livros e participando de cursos jurídicos, que têm custo elevado. Uma das formas que um juiz tem de demonstrar respeito pelo advogado é valorando corretamente seus serviços, no arbitramento dos honorários. Juiz que avilta o advogado, mediante a fixação de valores irrisórios, avilta e presta um desserviço à própria Justiça”.
Por derradeiro, há que se registrar que da sentença que arbitra os honorários advocatícios caberá recurso de apelação, notadamente pela já mencionada circunstância de que os respectivos pedido e processo são autônomos à demanda principal.
3. CONCLUSÃO
Como qualquer trabalhador, o advogado há que ser remunerado pelo seu digno serviço prestado; isso se dando através dos honorários advocatícios, que comportam 03 (três) espécies: os convencionados (fruto do simples labor do advogado e independentemente de resultado numa demanda, calcado num pacto geralmente escrito), os sucumbenciais (estes dependentes da existência de uma parte sucumbente que arca com os mesmos, e assim, condicionados ao resultado da demanda) e os por arbitramento judicial (jungidos aos convencionados e quando o advogado não possui pacto escrito ou quando o mesmo existe, mas é omisso ou lacunoso quanto à verba honorária pelo real serviço prestado, e houver ainda divergência invencível quanto ao pagamento).
Os honorários advocatícios por arbitramento judicial – em face a ausência ou lacuna contratual – surgem como uma ferramenta que dá garantias e suporte tanto para o advogado que se vê a princípio lesado ao intentar receber por seu real serviço prestado, como também para o cliente que deseja pagar o justo e legal por tal serviço
Para fazer uso desta ferramenta, e assim fazer valer o seu direito, entretanto, deve o advogado atentar para requisitos e/ou condicionantes éticas. O primeiro deles é, com comedimento e ponderação, providenciar a renúncia do mandato acerca da causa que até então patrocinava (isso se o rompimento não partir do próprio cliente ou se a causa já não estiver terminada), já que o elemento ético confiança definitivamente rompeu-se entre advogado e cliente.
Além disso, inspirado por princípios éticos gerais e profissionais (bem como até pela moral), deve o advogado pretendente ao arbitramento judicial de seus honorários fazer-se representar por outro advogado – não podendo, consequentemente, postular em causa própria neste aspecto.
A petição deve respeitar os requisitos do artigo 282 do CPC e ser distribuída por dependência aos autos principais para melhor contato das provas pelo magistrado; ressaltando ser este pleito independente da demanda dita como principal (por envolver objetos distintos).
A prova do direito aos honorários do advogado será tudo o que constar na demanda em que atuou (visto ser a demonstração que, e até quando, prestou serviço), devendo a peça ser aparelhada também com cópia da tabela de honorários do conselho seccional da OAB competente.
A realização de perícia (por meio de advogado imparcial e idôneo) torna-se essencial no presente caso, mesmo podendo ter conhecimento técnico o magistrado sentenciante; o que, entretanto, não vincula a decisão deste.
Para o correto arbitramento da verba honorária advocatícia, perito e magistrado, além das provas aqui mencionadas (notadamente tabela da OAB), terão como norte o disposto no Código de Ética e Disciplina da OAB e na Lei nº 8.906/94 (o Estatuto da Advocacia e da OAB); de sorte a fazer emergir um valor que remunere condignamente a honrada profissão do advogado, em proporção e moderação àquilo que foi efetivamente laborado.
Assim, com a sentença transitada em julgado arbitrando os honorários, e caso não haja o seu cumprimento voluntário, poderá o advogado se valer do pedido de cumprimento de sentença previsto na legislação processual civil.
Informações Sobre o Autor
Fabrizio Rodrigues Ferreira
Advogado. Docente da Universidade do Estado de Minas Gerais. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho