Resumo: A dragagem e aprofundamento de canais em complexos portuários são atividades complexas e que geram grande instabilidade ambiental na área. Não obstante, o despejo adequado do material oriundo da dragagem ou do aprofundamento de canais é fundamental para evitar o dano ambiental na área. A atividade é tão complexa que a atividade pode ocorrer em determinado local e a contaminação ambiental em outra área distante ocasionada pelo despejo inadequado do material oriundo da dragagem ou aprofundamento de canais. Com o intuito de evitar danos ao meio ambiente foram criadas leis e atos normativos específicos que regulamentam esta atividade.
Palavras-chave: Constituição Federal. Direito Ambiental. Dragagem. Meio Ambiente
Abstract: The dredging and deepening of channels in port complexes are complex activities that generate high environmental instability in the area. Nevertheless, the proper dump material from the dredging or deepening of channels is essential to avoid environmental damage in the area. The activity is so complex that the activity can occur in a certain location and environmental contamination in another remote area caused by inadequate disposal of material from the dredging or deepening of channels. In order to prevent damage to the environment were created specific laws and normative acts regulating this activity.
Keywords: Federal Constitution. Environmental Law. Dredging. Environment
Sumário: Introdução. 1. Agentes poluidores. 2. Responsabilidade civil objetiva. 3. Dragagem e aprofundamento de canais em complexos portuários. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
O direito ao meio ambiente, no dizer de José Afonso da Silva, “em face da Constituição vigente, não poder ser mais considerada mero interesse difuso, mas forma de direito humano fundamental, dito de terceira geração”.[1]
A esse respeito, a Constituição Federal assim preceitua:
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
A leitura do artigo transcrito revela a sua estreita vinculação com o art. 5º da Constituição Federal, uma vez que este se estabelece como garantia fundamental o direito à vida, bem maior que merece ampla proteção Estatal. Assim, se a preservação ambiental é condição “sine qua non” para a sadia qualidade de vida, conclui-se que a tutela do meio ambiente é imprescindível para o exercício da garantia fundamento mor que é a proteção da pessoa humana.
Cumpre ressaltar que a preocupação constitucional com a proteção do meio ambiente não é vislumbrada apenas no capítulo destinado ao assunto, em diversos outros regulamentos fazem referência explícita ao tema, como demonstram os seguintes artigos: art. 5º, LXXIII, art. 20, II, art. 23, art. 24, VI e VIII, art. 91, § 1º, III, art. 129, III, art. 170, VI, art. 173, § 5º, art. 174, § 3º, art. 186, II, art. 200, VIII, art. 216, V, art. 220, § 3º, II, art. 225, art. 231, dentre outras alusões implícitas à matéria.
Não são raras as agressões sofridas pelo meio ambiente, decorrentes de atividades destruidoras realizados pelo homem, como no caso de dragagem e aprofundamento de canais.
Estes processos de alteração desfavoráveis das propriedades ambientais denominados poluição afetam profundamente o solo, a água e o ar conhecido como meio ambiente, causando repercussões danosas à saúde, à segurança e ao bem-estar da população.
1. AGENTES POLUIDORES
A lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, trata do tema de forma eficiente, ditando definições básicas que devem ser observadas. Em seu art. 3º lança os conceitos de meio ambiente, degradação da qualidade ambiental e de poluição:
“Art. 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;
V – recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”.
A conceituação legal de José Afonso da Silva ressalta que:
“Agentes poluidores são todas as pessoas, entidades ou instituições que, consciente ou inconscientemente, direta ou indiretamente, provocam a presença, o lançamento ou a liberação, no meio ambiente, de poluentes.
Poluentes, assim, são toda e qualquer forma de matéria ou energia que, direta ou indiretamente, causa poluição ao meio ambiente. São aquelas substâncias sólidas, líquidas, gasosas ou em qualquer estado da matéria que geram a poluição”.[2]
Assimilando os conceitos supra expostos, não resta dúvida de que a atividade de dragagem e abertura de canais são atividades altamente poluidora, isto porque interferem na vida marinha de todo o sistema aquático. Além disso, poderá haver o deposito dos materiais oriundo da dragagem em outro local que poderá ser contaminado.
Principalmente nas regiões de portos no Brasil há constantemente atividade de dragagem e aprofundamento dos canais de acesso aos portos. Há o despejo em alto mar de uma serie de resíduos, peixes, dentre outros que se localizam em água doce, causando grave mudança no ambiente aquático e grande probabilidade de poluição.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
A Constituição Federal de 1988 representa um marco na nossa legislação ambiental, e no art. 225, §3º disciplina que:
“§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Trata-se, portanto, de responsabilidade objetiva, impossibilitada de ser infirmada por mera interpretação subjetiva dos fatos que ensejaram a propositura da ação. A responsabilidade objetiva sempre deve emanar de preceito legal. Nestes termos, a idéia de objetividade da responsabilidade ao meio ambiente foi adotada na Lei 6.938/81, art. 14, § 3º bem como pela Constituição Federal de 1988 (art. 225, § 3º). Assim não se faz uma apreciação subjetiva da conduta do poluidor, mas se considera a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente por duas razões fundamentais: a) esse dano tem um caráter moral, decorrendo da própria ação lesiva ao ecossistema; b) no Direito Ambiental, há o princípio do poluidor-pagador, consagrado em nosso ordenamento jurídico (Lei Federal nº 6.938/81, art. 14, § 3º), pelo qual é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.
Convém anotar a pertinente lição de Edis Milaré:
“Se é, em princípio, lícito o uso do meio ambiente, o abuso nessa utilização ultrapassa os limites da licitude, entrando na área do antijurídico. Assim, o abuso na utilização de qualquer de seus componentes passa a qualificar-se como agressão ao meio ambiente. Fácil é perceber como essa questão é complexa, porque, não raro, a agressão resulta da ação de múltiplos agentes, cada qual, a seu turno, agindo na faixa da utilização. Quer dizer: embora cada agente esteja agindo licitamente (simples utilização), o resultado global resulta ilícito (agressão ao meio ambiente, poluição, dano ambiental). Essa peculiaridade do problema induz à adoção do princípio da responsabilidade objetiva do poluidor (Lei 6.938, art. 14, § Io), em razão de ser muitas vezes, difícil – senão impossível – enquadrar o ato de poluir no âmbito da culpa civil”.[3]
E continua o prestigiado ambientalista:
“Coube à Lei 6.938, de 31.08.1981, instituidora da Política Nacional do Meio Ambiente, dar adequado tratamento à matéria, substituindo, decididamente, o princípio da responsabilidade subjetiva, fundamentado na culpa, pelo da responsabilidade objetiva, fundamentado no risco da atividade”.[4]
Sérgio Ferraz enuncia as conseqüências desse tipo de responsabilidade:
“a) irrelevância da intenção danosa (basta um simples prejuízo);
b) irrelevância da mensuração do subjetivismo (o importante é que, no nexo de causalidade, alguém tenha participado e, tendo participado, de alguma sorte, deve ser apanhado nas tramas da responsabilidade objetiva.
c) inversão do ônus da prova;
d) irrelevância da licitudade da atividade;
e) atenuação do relevo do nexo causal: basta que, potencialmente, a atividade do agente possa acarretar prejuízo ecológico para que se inverta imediatamente o ônus da prova, para que imediatamente se produza a presunção da responsabilidade, reservando, portanto, para o eventual acionado o ônus de procurar excluir sua imputação”.[5]
Disso resulta que para que o risco integral se configure é suficiente o acontecimento do dano ambiental, e o nexo de causalidade com a atividade desenvolvida.
A propósito, colhe-se a seguinte jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MEIO AMBIENTE. INDENIZAÇÃO. ATIVIDADE LESIVA.
A realização de atividades consideradas potencialmente poluidoras ou suscetíveis de causar modificação no meio ambiente em áreas de preservação permanente, é necessária a autorização de órgão ambiental.
Tratando-se de dano ambiental a lei define como sendo objetiva a responsabilidade (Lei n.º 6.938/81, art. 14, § 1º), bastando para sua comprovação a prova do nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o resultado danoso”.
Neste sentido, pacífica é a posição do Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA – ARTS. 3º, INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 – IRRETROATIVIDADE DA LEI – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 282/STF – PRESCRIÇÃO – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA 284/STF – INADMISSIBILIDADE.
1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade.
2. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ.
3. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente).
4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado.
5. Comprovado que a empresa Furnas foi responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente a ela cabe a reparação, apesar de o imóvel já ser de propriedade de outra pessoa jurídica.
6. É inadmissível discutir em recurso especial questão não decidida pelo Tribunal de origem, pela ausência de prequestionamento.
7. É deficiente a fundamentação do especial que não demonstra contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal.
8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido”. Grifei
“PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE PASSIVA: SOLIDARIEDADE.
1. A solidariedade entre empresas que se situam em área poluída, na ação que visa preservar o meio ambiente, deriva da própria natureza da ação.
2. Para correção do meio ambiente, as empresas são responsáveis solidárias e, no plano interno, entre si, responsabiliza-se cada qual pela participação na conduta danosa.
3. Recurso especial não conhecido”. Grifei
“PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE PASSIVA: SOLIDARIEDADE.
1. A solidariedade entre empresas que se situam em área poluída, na ação que visa preservar o meio ambiente, deriva da própria natureza da ação.
2. Para correção do meio ambiente, as empresas são responsáveis solidárias e, no plano interno, entre si, responsabiliza-se cada qual pela participação na conduta danosa.
3. Recurso especial não conhecido”. Grifei
Em razão da responsabilidade pelos danos causados ao meio ambiente ser objetiva, quem danificar a natureza tem o dever jurídico de repará-los, independentemente da constatação do fator culpa no evento. Assim está previsto no artigo 14, §3º da Lei n. 6.938/81, norma esta recepcionada pelo Texto Maior (artigo 225, §3º). Não tendo, portanto, como se perdoar a culpa do agente poluidor.
3. DRAGAGEM E APROFUNDAMENTO DE CANAIS EM COMPLEXOS PORTUÁRIOS
A abertura/aprofundamento de canais de navegação consiste em atividade potencialmente geradora de significativa degradação, exigindo elaboração de estudo prévio de impacto ambiental, a fim de evitar efeitos indesejáveis. Destarte, o EIA/RIMA é pressuposto essencial de efetividade do princípio da precaução. Além disso, a Constituição Federal em seu art. 225, § 1º, IV, bem como as normas infralegais do CONAMA (art. 2º, VII, da Resolução nº 01/86 e art. 3º da Resolução nº 237/97) determinam que seja realizado o estudo prévio para concessão da licença.
Da leitura da Resolução CONAMA nº 01/86, constata-se que a aludida norma traz o rol de atividades que exigem o EIA/RIMA anterior à concessão de licenciamento, dentre essas a abertura de canal para navegação:
“Artigo 2º – Dependerá de elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como: […]
VII – Obras hidráulicas para exploração de recursos hídricos, tais como: barragem para fins hidrelétricos, acima de 10MW, de saneamento ou de irrigação, abertura de canais para navegação, drenagem e irrigação, retificação de cursos d’água, abertura de barras e embocaduras, transposição de bacias, diques;[…]”. grifei
A Resolução CONAMA nº 237/97, por sua vez, revogou os artigos 3º e 7º da Resolução nº 01/86 do mesmo órgão e elencou em seu Anexo I as obras e diferentes atividades que podem causar impacto ambiental, dentre elas a construção de hidrovias e abertura de canais. Em seu artigo 3º, a concessão de licença ambiental para empreendimentos e atividades potencialmente agressoras está sujeita ao prévio estudo e relatório de impacto sobre o meio ambiente, inclusive com participação da população em audiências públicas:
“A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.
Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.
“ANEXO 1
ATIV. OU EMPREENDIMENTOS SUJEITAS AO LICENCIAMENTO AMBIENTAL (…)
Obras civis […]
– abertura de barras, embocaduras e canais
[…]”. grifei
Dessa forma, o art. 1º da Resolução CONAMA nº 01/86 está em vigor e vincula o IBAMA à prévia realização de estudo de impacto ambiental e do respectivo relatório para licenciamento da obra de abertura de canal e hidrovia, não prevalecendo, portanto, a discricionariedade prevista no parágrafo único do artigo acima transcrito.
No art. 4.º da Resolução n.º 237/1997 do CONAMA, consta que
“Compete ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, órgão executor do SISNAMA, o licenciamento ambiental a que se refere o artigo 10 da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, de empreendimentos e atividades com significativo impacto ambiental de âmbito nacional ou regional, a saber:
“I – localizadas ou desenvolvidas conjuntamente no Brasil e em país limítrofe; no mar territorial; na plataforma continental; na zona econômica exclusiva; em terras indígenas ou em unidades de conservação do domínio da União. […]”.
No caso de dragagem e aprofundamento de canais em áreas portuárias, é evidente o caráter regional do possível impacto ambiental decorrente do empreendimento que foi realizado com o objetivo de fomentar a navegação e a capacidade de carga do complexo portuário.
Com efeito, quando se tratar de obras de engenharia, em razão da vasta área de influência ambiental do mar territorial brasileiro e da possibilidade de ocorrer significativo impacto ambiental de caráter regional, revela-se imprescindível, à luz do princípio da precaução, que a análise do Licenciamento Ambiental seja realizada pelo IBAMA depois da apresentação, pelo respectivo empreendedor, do competente EIA/RIMA, o que no presente caso não ocorreu.
A propósito, sobre o tema, confira-se o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL. 1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento. 2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações. 3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos. 4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região. 5. Recursos especiais improvidos.
No que pertine à relevância do princípio da precaução no Direito Ambiental, traz-se à colação trecho da recente decisão do Ministro Ari Pargendler na Suspensão de Liminar e de Sentença nº 1.279/PR:
“(…) Em termos de meio ambiente, deve prevalecer o princípio da precaução, máxime quando está em causa um aquífero subterrâneo. Nada é preciso dizer acerca do valor da água, que já vem se tornando escassa. Defiro, por isso, o pedido de suspensão dos efeitos da decisão proferida pelo Desembargador Federal Fernando Quadros da Silva no Agravo de Instrumento nº 0006441-96.2010.404.0000/PR”. (…) Comunique-se, com urgência. Intimem-se. Brasília, 16 de setembro de 2010. Ministro Ari Pargendler Presidente”.
Não obstante, a atividade de dragagem devem observar as normas de segurança náuticas disciplinadas pela NORMAN n.º 11/DC. Estar normas são elaboradas pela Marinha do Brasil e prevêem a adoção de medidas para preservar e a segurança das pessoas e embarcações que transitam na área a ser dragada. Senão vejamos:
“0204 – procedimentos relativos à autorização da atividade de dragagem
A autorização para dragagem será concedida pelo Capitão dos Portos, após o cumprimento dos seguintes procedimentos:
a) Pedido Preliminar de Dragagem
Antes de iniciar o processo junto ao órgão ambiental competente para a obtenção da licença ambiental, o interessado solicitará, por requerimento ao Capitão dos Portos, via DL ou AG quando for o caso, da área de jurisdição onde será realizada a atividade de dragagem um “pedido preliminar de dragagem”, para verificar se, a princípio, haverá comprometimento da segurança da navegação ou do ordenamento do espaço aquaviário, anexando ao requerimento as seguintes informações:
1) Traçado da área a ser dragada e da área de despejo em carta náutica de maior escala editada pela Diretoria de Hidrografia e Navegação (DHN) ou, na inexistência de carta náutica, em carta de praticagem, croquis de navegação ou mapa, editados por órgão público […].
6) tipo de sinalização náutica a ser utilizado durante os serviços; e
No caso de dragagem em áreas situadas em local de tráfego de navios ou tráfego intenso de outras embarcações, deverá ser procedida a delimitação da área a ser dragada por bóias luminosas, de acordo com o previsto nas Normas da Autoridade Marítima para a Sinalização Náutica – NORMAN-17/DHN”.
E ainda, ao término das atividades de dragagem a NORMAN-11/DPC estabelece que:
“0205 – providências durante e após a dragagem
Deverão ser observadas as seguintes providências pelo interessado, durante e ao término das atividades de dragagem:
a) Em vias/áreas navegáveis e hidrografadas:
1) encaminhamento, à CP, DL ou AG, de Relatório Parcial de acompanhamento dos serviços realizados, quando o período previsto de duração da dragagem for igual ou superior a sessenta dias; […]
2) realização, após a conclusão da dragagem, de um Levantamento Hidrográfico (LH) de “fim de dragagem” da área degradada e, quando couber, da área de despejo. Este levantamento deverá atender aos requisitos de LH da Categoria “A”, conforme as instruções vigentes estabelecidas pela Marinha do Brasil;
3) até 30 (trinta) dias após a conclusão da dragagem, encaminhamento à Capitania, Delegacia ou Agência de uma cópia da Folha de Sondagem da área degradada (e área de despejo, se for o caso), informando o volume efetivamente dragado; […]”.
O processo de autorização para dragagem e aprofundamento de canais é complexo, exigindo o envolvimento de diversas autoridades, uma vez que, não havendo certeza sobre os transtornos aos qual o meio ambiente pode estar sujeito, devem ser adotadas medidas de precaução. Logo, a ausência de estudos detalhados e aprofundados para concessão da licença ambiental pode colocar em risco a integridade da área a ser afetada pela obra.
CONCLUSÃO
A atividade de dragagem e aprofundamento de canais exige uma série de licenças e estudos ambientes que deverão ser emitidos pelos órgãos competentes. Quando se tratar de risco ambienta em caráter municipal todas as licenças e estudos poderão ser realizados pelo órgão ambiental estadual.
Entretanto, quando se tratar de obra com significativo impacto ambiental e de caráter regional ou nacional todas as licenças e estudos de viabilidade e conseqüenciais ao meio ambiente deverão ser realizados pelo IBAMA. Em alguns casos, esta competência não é observada, sendo delegada indevidamente para o órgão estadual. Nestes casos, todo o processo de dragagem deve ser suspenso e deverá ser decretado a nulidade de todas as licenças ambientais e estudos realizados pela órgão estatal diante da sua incompetência absoluta.
A tutela da qualidade do meio ambiente é instrumento, não só para a defesa do direito à vida, mas sim, para a defesa de um valor maior, que é a qualidade da vida humana e todos os seres vivos.
Frente a isso, pode-se aferir a existência de princípios norteadores e fundamentais na tutela do meio ambiente, como o Princípio da Natureza Pública da Proteção Ambiental – tornando o interesse na tutela ambiental indisponível -, Princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório de políticas de desenvolvimento – buscando um desenvolvimento sustentável -, bem como o Princípio da Prevenção – ensejador do Estudo do Impacto Ambiental -, entre muitos outros.
Entre os princípios referidos, destaca-se o da Prevenção, uma vez que considero a função do Direito Ambiental muito mais preventiva do que reparadora, mesmo porque esta, na maioria da vezes, é de possibilidade incerta.
Os interesses privados possuem relevância no ordenamento jurídico e devem ser tutelados. Entretanto, eles não se encontram acima de interesses e direitos transindividuais, como é um meio ambiente ecologicamente equilibrado, garantido constitucionalmente a todos.
Informações Sobre o Autor
Felipe Clement
Advogado. Bacharel em direito pela Universidade do Vale do Itajaí –UNIVALI/SC. Pós-graduado em direito previdenciários pela Faculdade INESP – INFOC/SP. Pós-graduado em direito e processo do trabalho pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus/SP