Resumo: O presente artigo discute a questão da soberania e jurisdição nacional sobre o território marítimo brasileiro, o que nos permite problematizar a questão da responsabilidade civil e penal por acidentes ocorridos nas águas jurisdicionais brasileiras. Para tanto são analisadas não só as normas infraconstitucionais pertinentes ao tema, mas principalmente, as normas estabelecidas na Convenção Montego Bay, ratificada pelo Brasil em 1982 e em vigor no ordenamento jurídico brasileiro desde 1995, através do Decreto 1.530.
Palavras-chaves: Território marítimo brasileiro. Plataforma Continental. Jurisdição.
Abstract: This article discusses the issue of sovereignty and national jurisdiction over maritime territory of Brazil, which allows us to discuss the issue of civil and criminal liability for accidents in the Brazilian waters. To do sonot onlyare analyzedinfrastandardsrelevantto the topic, but mostly, the standards established in Montego Bay Convention, ratified by Brazilin 1982 and in force in the Brazilian legal system since 1995, by Decree 1530.
Keywords: Brazilian maritime territory. Continental Shelf. Jurisdiction.
Sumário: Introdução. 1. Soberania e jurisdição marítima brasileira. 1.1. Soberania e Plataforma Continental. 2. Limites da jurisdição nacional sob o território marítimo brasileiro. 3. Danos Ambientais Oceânicos. 3.1. Casuística – Derramamento de petróleo e outros acidentes nos campos de petróleo na plataforma continental brasileira. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
No pós-guerra com a criação da Organização das Nações Unidas (ONU) e outros entes jurídicos no plano transnacional, território nacional, termo de complexa feição, é um instituto de direito público internacional e não meramente de direito interno. Só faz sentido lógico ou material uma categoria de pensamento como a de território nacional, se localizada no interior das relações entre Estados soberanos quanto ao âmbito de aplicação de suas respectivas ordens jurídicas.
Nesta ordem de exposição, o mar territorial[i] é um bem da União (ente político interno e parcial) no que entende com Estados-membros e municípios brasileiros quanto a aspectos tributários, policiais e administrativos. Mas este mesmo mar territorial é um elemento do território nacional quando se pensa na ordem internacional. Desse ponto de vista, o mar territorial é um elemento consistente com a soberania nacional da República Federativa do Brasil. O mesmo se diga, imutavelmente, acerca do estatuído constitucionalmente no inciso V do art. 20, da CRFB. Ao estabelecer que os "recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva são da união” – União é aqui um ente político interno central, mas parcial, como pontificou Kelsen (2000) –.
Esta dicção constitucional é extremamente precisa e valiosa, pois, a federação brasileira é composta de estados e municípios. Ora, em sendo a federação um modelo de Estado no qual entes políticos dotados de autonomia unem-se em torno de um governo central, era de fato necessário que a Constituição, em respeito a esta autonomia, tomasse posição e repartisse os bens e competências entre estes entes(União, Estados e Municípios).
A consequência jurídica desta repartição é a definição pacificadora e pragmática de qual ente político parcial irá exercer seus poderes legislativos, policiais e jurisdicionais sobre estes ou aqueles bens do patrimônio nacional. Mas, a obviedade, no plano internacional, tem-se, por exemplo, que a plataforma continental, verbi gratia, é um bem nacional, é um bem da República Federativa do Brasil e não da república federativa de qualquer outro Estado. Idêntico raciocínio faria qualquer analista estrangeiro falando da plataforma continental de seu país. Tanto assim é verdade que a semântica constitucional e a semântica tratadista não são idênticas.
Ao constituinte nacional bastava o enfoque administrativo, policial (no sentido da palavra policy do léxico norte-americano), e patrimonial. Observe-se a redação constitucional: "são bens da união os recursos da plataforma continental (omissis)". Contraponha-se lhe a dicção da Convenção das Nações Unidas sobre Direitos do Mar de 1982 – United Nations Conventionon the Law of the Sea (UNCLOS III) –, que dispõe no Art. 87: “1. O Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.” Ora, como a matéria de sua regulação não é a plataforma continental enquanto elemento do território nacional sobre o qual o Brasil exerce jurisdição plena civil e criminal, o legislador constituinte alude a "recursos da plataforma" e não à plataforma mesma.
A distinção não é despicienda. No plano interno, importava fixar, por exemplo, que à União, dentre os demais entes políticos parciais, compete, por exemplo, conceder à particulares a exploração e explotação de hidrocarbonetos(recursos da plataforma). Não ao Estado, não ao município, mas a União, ao governo federal (CRFB, Art. 177, § 1º, I).
Isto, a toda evidência, é de feição intestina, não interessa a outro Estado soberano. A outros Estados soberanos importa mesmo é saber e conhecer, por meio de exame dos tratados internacionais dos quais sejam signatários, até onde vai seu próprio território nacional, quais são seus elementos e a extensão e feição destes, quais são seus direitos e limites quando no território de outro estado soberano.
1. Soberania e jurisdição marítima brasileira
A soberania é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Neste sentido, estatui o texto da Constituição da República Federativa do Brasil, in verbis:
"Art. 1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania."
Dita soberania, conceito que está à base da formação histórica dos estados-nacionais, implica, na perspectiva interna, incontestabilidade por parte de poderes paralelos ou facções sediciosas (CRFB, art. 5º, XVII, arts. 34, 35 e 36 e arts. 136, 137, 138, 139), e no plano internacional, a insubmissão ao ordenamento jurídico e ao poder político de qualquer outro Estado nacional (CRFB, Art. 4º, incs. I, IV , V). Do ponto de vista de sua exequibilidade, a soberania exigiu dos povos a delimitação de territórios como dimensão espacial do exercício do poder político e da imposição da ordem jurídica estatal.
Portanto, o conceito de território, para os efeitos de exercer a soberania (poder soberano), com relação a outros entes na ordem internacional, vai além da geografia pura, para se configurar como geopolítico. Neste sentido, define-se, juridicamente, território como sendo o locus da soberania de dado Estado Nacional. O território sobre o qual dado Estado exerce seu poder soberano pode ser geograficamente descontínuo, como pode ser obra de mera ficção jurídica. O importante para a definição de território é o seu reconhecimento internacional, por meio de tratados e convenções, e não o mero esteticismo inerente à concepção de país.[ii]
Neste contexto, surgiu a necessidade de demarcar territorialmente os mares e oceanos. Por tradição, o mar, enquanto espaço geográfico foi primordialmente utilizado como meio de transporte e matriz econômica, associados estes usos ao poderio naval militar e ao conhecimento das técnicas de navegação. Até determinado ponto da história, o normal era que os mares e oceanos fossem tratados como espaços livres, onde nenhum Estado[iii] exercia soberania, onde as ordens jurídicas parciais não possuíam validade – relembre-se Kelsen (2000, p. 299/314), para o qual território é precisamente o âmbito de valência de dado ordenamento jurídico.
Necessidades de defesa do território terrestre, partindo da assunção de que o meio de abordagem de um estado por outro era exatamente o mar, foi a condição necessária para que surgisse a concepção de que o território de um Estado, ou seja, a porção de terra sobre a qual ele exerce sua soberania, fosse estendida para uma faixa de água contígua a terra. Em termos técnicos, o continente foi prolongado, para efeitos de exercício de soberania, alguns quilômetros mar adentro, partindo da costa. Claro está que terra é terra e que mar é mar. Mas por ficção jurídica passou-se a considerar uma faixa de mar como se terra fosse; e a soma desta faixa de mar com o continente passou a ser vista na totalidade como território nacional ou território de dado Estado nacional.
Esta parte do mar sobre a qual dado Estado passou a exercer soberania ficou conhecida com a expressão "mar territorial". Percebe-se, com clareza, que a partir do reconhecimento internacional de que dada extensão do mar passaria a integrar o âmbito de valência de certa ordem jurídica estatal, com todas as limitações a liberdade de navegação que isto implica, o conceito de território nacional foi, por assim dizer, complicado, o que era simples (um elemento) passou a ser complexo (dois elementos).
Ora, a soberania, já se o disse compreende o poder, incontestável e incontrastável de estabelecer uma ordem jurídica e de fazer valê-la. Em seu âmbito territorial, o Estado soberano exerce livremente, sem a interferência de outros Estados, os seus poderes legislativos e jurisdicionais. Desta perspectiva, compreende erro capital, no exame do alcance da jurisdição nacional contraposta a de outras ordens estatais, deslembrarem que o Estado Brasileiro, além de sua configuração interna constitucionalmente determinada, é um ente político soberano na ordem internacional, isto é, em sua relação com outros Estados soberanos, os quais, igualmente, devem fazer valer suas jurisdições em seus respectivos territórios. Decorre daí que o Art. 20 da Constituição da República Federativa do Brasil deve ser interpretado como um comando normativo operante no plano interno.
A divisão dos bens nacionais entre a União, os Estados e os Municípios, bem como a forma como tal divisão é realizada, não pode prejudicar o Estado Brasileiro no plano da ordem internacional, no que entende com disposições e configurações dispostas em tratados internacionais dos quais sejamos signatários. Uma norma constitucional que, a pretexto de regulamentar as relações entre os entes políticos (União, Estados-membros e Municípios) e não-políticos (autárquicos, assistenciais e corporativos) no plano interno, importasse em comprometimento da soberania nacional em sua incontrastabilidade internacional seria, abertamente e sem paradoxo, materialmente inconstitucional.
Como predito, o Art. 20 da CRFB, com e ao apresentar um rol dos bens pertencentes aos entes políticos parciais que integram a Federação Brasileira, não fê-lo, em uma interpretação conforme ao núcleo constitucional consistente com a autonomia, soberania, autodeterminação e soberania nacionais (CRFB, arts. 1º, inc. I e art.4º, incs. I, II, III, IV, V, X), de forma a diminuir o território nacional qual estabelecido em instrumentos internacionais dos quais o Brasil signatários, inclusive colocando-se em franca posição de desvantagem com relação aos demais integrantes das Nações Unidas. Se assim fosse, estar-se-ia diante de uma espécie de constitucionalismo suicida e autofágico. Inaceitável! Deste modo, quando está disto na Constituição Pátria que:
"Art. 20.São bens da União:(…)
V – os recursos naturais daplataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI – o mar territorial;(…)
§ 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.” (grifo nosso)
Não se pode interpretar, de modo algum, para nenhum efeito, que o artigo, pelo modo como dispôs as palavras, tenha, em aberto confronto com a convenção dos direitos sobre o mar, diminuído o território nacional para de ele excluir a plataforma continental. O que se sustenta é que este artigo da CRFB opera no plano interno, ou seja, regulamenta constitucional, e, pois, incontestavelmente, a relação entre os entes federativos quanto à administração e proteção de certos bens e recursos. Ao se estatuir que os bens são da União retira-se-lhes da esfera administrativa e dispositiva dos Estados-membros e Municípios. Obviamente, isto é assim, não exclusivamente, mas obviamente também por razões estratégicas. Entretanto, o que ser quer dizer é que mesmo que a Constituição Brasileira não tivesse realizado tal divisão entre os entes internos, o quantum destes bens que entendem com a soberania e a jurisdição nacionais – tais o Mar Territorial, a ZEE e a Plataforma continental – seriam assim mesmo de propriedade, administração e jurisdição do Estado Brasileiro por força de sua soberania e dos tratados internacionais, os quais foram, pelo Brasil, assinados, ratificados e depositados, retirando-os, assim, da jurisdição e administração de outros Estados soberanos.
Oportuno destacar que, conceitos antitéticos aos de soberania e jurisdição é o de alto-mar. Do ponto de vista do DIP, por definição, alto-mar (mare liberum) é a parte dos oceanos e mares (águas externas) que não está submetida à soberania de nenhum Estado. Destarte, se é alto-mar não há falar em soberania, jurisdição de qualquer ordem ou território nacional, conforme já previa o art. 2º, da Convenção de Genebra de 1958, in verbis:
“Art. 2º – O alto-mar estando aberto a todas as nações, nenhum Estado pode legitimamente pretender submeter uma parte qualquer à sua soberania (…)”.
1.1. Soberania e Plataforma Continental
Ao que tudo indica, a leitura restritiva da soberania do Estado costeiro sobre a Plataforma Continental, decorre de antigo vezo hermenêutico de apegar-se o interprete ao sentido isolado das palavras, e o que é mais grave, descurarem dos princípios subjacentes a atividade normativa, bem como do caráter sistêmico de um diploma legal, como é o caso da UNCLOS III. O artigo 77, 1 da UNCLOS, por exemplo, usa a expressão “para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais” para referir-se a direitos do estado Costeiro sob a Plataforma Continental. Mas o que se pretendeu com atenção posta no conceito mesmo de soberania como poder incontestável e incontrastável, foi estabelecer o objeto sobre o qual o Estado costeiro exercerá sua soberania (exploração e aproveitamento de recursos naturais). De modo algum, buscou-se limitá-la, o que, de resto, seria absurdo.
Neste contexto, cumpre destacar o disposto no art. 77, da UNCLOS II, in verbis:
“Artigo 77.º
Direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental
1 – O Estado costeiro exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.
2 – Os direitos a que se refere o n.º 1 são exclusivos, no sentido de que, se o Estado costeiro não explora a plataforma continental ou não aproveita os recursos naturais da mesma, ninguém pode empreender estas atividades sem o expresso consentimento desse Estado.
3 – Os direitos do Estado costeiro sobre a plataforma continental são independentes da sua ocupação, real ou fictícia, ou de qualquer declaração expressa.”
Com efeito, a soberania, que compreende sempre e em todo caso não expressamente excepcionado convencionalmente, o exercício pleno da jurisdição, pode recair sobre a defesa do território nacional contra belicismos, pode recair sobre a proteção comercial do espaço aéreo, pode recair sobre a proteção de dignatários no exterior e, pode recair sobre a proteção de bens e recursos localizados em terra ou águas jurisdicionais. O que não se compreende é que a jurisdição, um dos modos de exercícios da soberania, seja limitada interpretativamente. Aliás, mal se compreende, ainda, como os recursos naturais e o meio ambiente serão protegidos plenamente sem o manejo da legislação penal ambiental. Sem a possibilidade de usar os meios jurisdicionais cíveis e penais de prevenção e repressão, qual é o conteúdo desta “soberania para fins econômicos”? A que serve? Se um Estado costeiro, qualquer um, tem seus recursos naturais explorados e usurpados por outro Estado ou por particulares seus ou de outro Estado, a que lhe serve o arremedo de soberania chamado estranhamente soberania econômica, uma vez que esta não inclua poderes jurisdicionais plenos cíveis e criminais?
Do ponto de vista do direito internacional, não faz sentido algum uma expressão como soberania econômica, se com ela busca-se criar um tipo específico de soberania contraposto ao conceito clássico. O único modo de ler esta expressão compatibilizando-a com os cânones do direito internacional e com a ratio essendi da UNCLOS III é entender-se o adjetivo “econômica” aposto ao substantivo “soberania” como um indicador do objeto sobre o qual a soberania será exercida. Deste modo, soberania econômica seria a soberania aplicada aos recursos naturais de dado Estado costeiro na Plataforma Continental e implicaria, como não poderia deixar de ser, em jurisdição plena cível e criminal.
Conforme já demonstrado, o conceito de território nacional evoluiu com a sociedade. Na medida em que os avanços científicos e tecnológicos produziram mais conhecimento sobre pontos remotos do globo terrestre como os árticos e o mar profundo, sem mencionar o incremento do poderio bélico, grassou o interesse jurídico e econômico (indissociáveis neste aspecto) dos Estados costeiros, sobretudo, embora não exclusivamente. Com isto, e após debates no plano da organização das Nações Unidas, as águas territoriais, e logo os territórios nacionais, foram redimensionadas com a criação das zonas contíguas e da ZEE.[iv]
Do ponto de vista do direito internacional, há parcela opinativa, que sustenta uma suposta soberania econômica contraposta ao conceito de soberania plena. Ora, se um Estado Costeiro recebeu, por meio de uma convenção internacional, o direito de explorar determinada área com exclusão dos demais Estados, como se imaginar, seriamente, que se lhe tenha sido negado o direito de usar das medidas necessárias à proteção deste direito.
A julgar-se por esta estranha opinião, o direito de propriedade no plano internacional dos Estados soberanos seria uma capitis diminutio em relação ao direito de propriedade no plano interno das relações particulares. O ius reivindicatio e o ius persequendi in iudicio (penal ou civil) ínsitos ao segundo, não acompanhariam os primeiros. As coisas não se passam deste modo, entretanto e felizmente!
Não se compreende uma expressão como “soberania econômica” se com seu uso pretende-se diminuir, por assim dizer, os poderes e instrumentos jurídicos próprios do poder soberano. Ao contrário, a inserção de bens econômicos, como os recursos naturais das águas territoriais, no domínio dos Estados Costeiros, por exigir mais atenção e proteção por parte destes em relação a possíveis usurpações, exige ipso facto a aplicação plena do conceito de soberania. Não há soberania parcial assim como não há uma soberania política, uma soberania jurídica, e soberania econômica, uma soberania social ou uma soberania ambiental. Tudo isto é, quando muito, modos diversos de falar da mesma coisa. A soberania é uma só. Una, indivisível e inalienável. O que existe na ordem jurídica internacional é soberania limitada. Todavia, a limitação da soberania não implica sua negação, muito pelo contrário postula sua existência. A soberania exercida no mar territorial sempre foi limitada, mas sempre foi soberania. Com efeito, o direito de passagem inocente é uma limitação da soberania de dado Estado, que nem por isto deixa de ter soberania plena sobre o mar territorial. Explica-se: a soberania de um Estado só pode ser limitada por este mesmo Estado e é exatamente isto o que se faz em tratados e convenções internacionais.
É exatamente isto que se fez na Convenção de Montego Bay em relação a Plataforma Continental. Nesta, por força de sua adesão ao pacto internacional, os Estados tiveram sua soberania limitada, mas nem por isto deixaram de ser plenamente soberanos, já que a limitação é, juridicamente, um autolimitação convencional. Tanto o é, que nos termos do art. 81, da UNCLOS III, o direito de autorizar e regulamentar as perfurações na Plataforma Continental, sejam para que fins forem, é exclusivo do Estado Costeiro. Cita-se ainda, por exemplo, que na Plataforma de dado Estado, os demais Estados podem sobrevoar o espaço aéreo sobrejacente, ao contrário do que ocorre no mar territorial. Mas isto é apenas, como dito, uma autolimitação que reafirma a soberania em vez de diminuí-la.
2. Limites da jurisdição nacional sobre o território marítimo brasileiro
O ponto nodal do quanto tratado neste artigo pode assim ser sumariado: o território nacional do Brasil, enquanto Estado Costeiro, é limitado, do ponto de vista marítimo, ao assim chamado mar territorial? Posta em questão em outros termos, a jurisdição nacional sobre o mar, a superfície e o subsolo marítimos, alcança apenas as doze milhas convencionadas como mar territorial, sendo, pois este o limites de aplicação de nossos poderes Legislativos e Judiciários?
A resposta, em acordo com a parte do Direito Internacional Público (DIP) regente na espécie só pode ser negativa. Para efeitos de facilitar a compreensão, a questão é colocada em perspectiva histórica. A noção de a jurisdição do Estado se estender ao mar, ou seja, do mar territorial (territorial sea) restou consagrada no final da Idade Média (MELLO, 2001, p. 4). Com esta expressão “mar territorial” designa-se em direito internacional uma ficção jurídica. Com efeito, considera-se uma parte do mar, a partir da chamada linha base (base line) como se território do Estado Costeiro fosse. Mesmo porque, diga-se apenas para ilustrar, a expressão mar territorial só faz mesmo sentido neste contexto jurídico.
Deste modo, o Estado Costeiro, para efeitos de aplicação de sua jurisdição, tem seu território estendido até certo ponto do oceano. A concepção subjacente a tal construção jurídica, no contexto do Direito Internacional Público, é a de que o Estado costeiro teria mais facilidades de defesa de sua soberania a medida que outros Estados e navios de outras bandeiras tivessem limitados seus direitos nas proximidades da costa.
O princípio de que o mar é um espaço tão apropriável quanto o território strictu sensu e, que, pois poderia ser objeto de conquista e domínio por parte das nações, deve ser compreendido contra o pano de fundo das grandes navegações e do intenso comércio marítimo na Europa do século XV. Não por outra razão, o jurista holandês Hugo Grotius publica, em 1609, em defesa do uso livre do mar, a obra de maré liberum. No que foi devidamente contrastado pelos corifeus da doutrina do mare clausum (v.g., Jonh Selden, 1635). No início, mesmo após ter sido consagrado que o Estado exercia jurisdição sobre uma faixa do mar, essa largura do mar territorial era variável, no século XV era limitada à capacidade da artilharia do Estado Costeiro. Para tanto, era considerado o alcance das armas, à época tiro de canhão, fixando-se a largura do mar territorial em 3 milhas marítimas (MELLO, 2001, p. 4).
No fim da segunda mundial, o presidente norte-americano Harry S. Truman (1945-1953) fez um pronunciamento que iria mudar o modelo jurídico regente dos mares, na medida em que seu forte teor bélico, consistente com a conhecida Doutrina Truman, alerta para a necessidade imediata de criar regras internacionais bem claras sobre o uso dos mares, como forma de evitar ou mitigar conflitos entre nações, mormente no contexto da bipolarização EUA/URSS. Segundo o Presidente Truman, in verbis:
“In view of the pressing need for conservation and protection of fishery resources, the Government of the United States regards it as proper to establish conservation zones in those areas of the high seas contiguous to the coasts of the United States wherein fishing activities have been or in the future may be developed and maintained on a substantial scale. Where such activities have been or shall hereafter be developed and maintained by its nationals alone the United States regards it as proper to establish explicitly bounded conservation zones in which fishing activities shall be subject to the regulation and control of the United States. Where such activities have been or shall hereafter be legitimately developed and maintained jointly by nationals of the United States and nationals of other States, explicitly bounded conservation zones may be established under agreements between the United States and such other States; and all fishing activities in such zones shall be subject to regulation and control as provided in such agreements. The right of any State to establish conservation zones off its shores in accordance with the above principles is conceded, provided that corresponding recognition is given to any fishing interests of nationals of the United States which may exist in such areas. The character as high seas of the areas in which such conservation zones are established and the right to their free and unimpeded navigation are in no way thus affected”.(grifos nossos)”
Assim, ao afirmar que exerceria jurisdição para além do mar territorial, Truman provocou um debate que redundaria em 1958, na chamada Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS I).
Logo em seguida, em 1960, foi realizada a UNCLOSII, e, atualmente, está vigente, com a ratificação de 156 países( entre os quais não figuram os EUA)[v], a UNCLOS III ou Convenção de Montego Bay. Para os efeitos da questão posta neste artigo, importa reter, pois, que desde o Truman´s statement passando pela entrada em vigor da UNCLOS III, o conceito jurídico internacional de "águas territoriais” ou “águas jurisdicionais", de modo algum, assimila-se ao conceito tradicional de "mar territorial”.
Hodiernamente, o DIP em sua evolução na solução e evitação de conflitos internacionais, impõe a noção de que o mar territorial é apenas um elemento, ou se assim se preferir, apenas uma parte das águas territoriais de um Estado Costeiro.
A soma de todas estas áreas marítimas é, do ponto de vista jurídico, o que se contrapõe a concepção de mar aberto, mar livre ou, na dicção inglesa high sea. Se não bastassem ao interprete do direito interno estes argumentos extraídos de convenção da qual somos signatários, é preciso reconhecer que a configuração atual da exploração offshore só se justifica, na perspectiva jurídica, a partir do instante em que se reconheça que o Brasil exerce soberania nacional nas áreas conhecidas Plataforma Continental. Uma vez que, no plano interno, é da União o monopólio sobre a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo, podendo esta contratar empresas públicas ou privadas, para realizarem a exploração, mediante licitação e contrato de concessão (CRFB, Art. 177, I e §1º).
Mas, o Estado Brasileiro, considerado no plano internacional, é o proprietário das jazidas de petróleo situadas no subsolo marinho compreendido dentro dos 370 km – 200 milhas náuticas – contados da linha base do litoral brasileiro. Na condição jurídica de proprietário das jazidas de petróleo, é que o Estado Brasileiro possui o inarredável e inalienável direito de tomar todas as medidas jurídicas, judiciais, jurisdicionais e legislativas no escopo de proteger não só os bens objeto da predita propriedade como o próprio exercício deste direito.
Revela-se uma esquizofrenia jurídica imaginar que um Estado Nacional seja, reconhecidamente, proprietário de um bem situado num ponto do globo terrestre e que não tenha ipso iuris o direito de exercer aí neste local sua plena jurisdição civil e criminal. Aliás, neste ponto é preciso dizer que o Estado Brasileiro, e de resto qualquer Estado soberano, não exerce soberania por que é proprietário, mas é proprietário dada a soberania.
No plano do direito internacional, não é possível imaginar que um Estado nacional, enquanto tal, seja proprietário de um recurso natural situado fora de seu território e dentro do território de outrem. Destarte, se o Estado Brasileiro é proprietário das jazidas de hidrocarbonetos incrustradas em rochas reservatórios situadas na Plataforma Continental, a qual faz parte do território nacional tecnicamente chamado águas territoriais.
Em reforço à assertiva, com ares de truísmo, de que as águas territoriais pátrias ultrapassam a noção histórica de mar territorial, vale destacar a questão envolvendo o território marítimo brasileiro, no conflito que ficou conhecido como “A Guerra da Lagosta”. Em 1963, a França enviou navios pesqueiros para a costa brasileira e, mesmo depois da proibição do governo brasileiro, continuou a pesca de lagostas no litoral nordestino, justificando que a atividade pesqueira era realizada na plataforma continental, fora do território marítimo pertencente ao Brasil. Ao final, a questão foi encerrada a favor do Brasil.
No que respeita a UNCLOS III, cumpre ressaltar que o Brasil assinou a Convenção em 1988 e, posteriormente, enquadrando a legislação interna aos limites preconizados pela UNCLOS III, tratou das águas jurisdicionais brasileiras na Lei 8.617/93, revogando inclusive as normas que lhes fossem contrárias.
Neste contexto, vale registrar que os EUA, apesar de ter assinado o tratado, este ainda não foi ratificado pelo Senado. O Senador americano, Richard Lugar, em artigo publicado em 2004, afirmou:
“a Convenção reconhece os direitos soberanos da nação costeira sobre a plataforma continental tanto dentro como além da ZEE, ao longo da margem geológica. Vale a pena lembrar que nosso país já investiu muito nesse acordo e, embora não o tenha ratificado, adotou a maioria de seus conceitos em nossas políticas sobre navegação, comércio e meio ambiente. Os Estados Unidos desempenharam um papel proeminente nas reuniões de negociação que culminaram na Convenção de 1982, implementada em 1994 após ser ratificada por 60 nações.
(…) participaram ativamente das conversações que culminaram com a Convenção de 1982, mas recusaram-se a ratificá-la porque fizeram objeção às disposições relativas à mineração em fundos oceânicos.”[vi]
Ainda, sobre a questão das águas jurisdicionais brasileiras, vale destacar a Resolução 344/2004 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, na qual se estabelece procedimentos a serem realizados nas águas jurisdicionais brasileiras, in verbis:
“Art. 1º Estabelecer as diretrizes gerais e procedimentos mínimos para a avaliação do material aser dragado visando ao gerenciamento de sua disposição em águas jurisdicionais brasileiras.
Art. 2º Para efeito desta Resolução são adotadas as seguintes definições:
b) águas marítimas:
1. águas abrangidas por uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linhade base reta e da linha de baixamar, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, queconstituem o mar territorial;
2. águas abrangidas por uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas,contadas a partir das linhas de base que servem para medir o mar territorial, que constituem a zona econômica exclusiva; e
3. águas sobrejacentes à plataforma continental, quando esta ultrapassar os limites da zonaeconômica exclusiva.” (grifo nosso)
Oportuno destacar a questão da extensão do território marítimo sob jurisdição brasileira, vale mencionar que o Brasil, em 2004, apresentou à ONU proposta para aumentar a extensão da sua Plataforma Continental, a qual somada ao mar territorial e a ZEE, tem sido denominada de “Amazônia Azul” (MARTINS). Com isso, o que se pretende é demonstrar que não há como considerar que a Plataforma Continental esteja fora do território marítimo brasileiro.Esta é, outrossim, a visão de nossas forças armadas, pois a própria Marinha brasileira considera que a Plataforma Continental pertence às Águas Jurisdicionais Brasileiras.[vii]
De mais a mais, essa proposta de aumento do território marítimo pelo Brasil, só corrobora a afirmação do renomado doutrinador de direito internacional Celso de Mello, de que o “alto-mar é um espaço cada vez menor” (2001, p. 249), tendo em vista que atualmente a tendência dos Estados é de se apoderarem dos espaços marítimos. Razão pela qual o referido autor assinala o fato de que “não se pode conceituar o alto-mar pelo que ele é e sim pelo que ele não é” (2001, p. 6).
Figura[viii]
3. Danos Ambientais Oceânicos
Nos termos do inciso V, do Art. 48, da CRFB, cabe ao Congresso Nacional dispor sobre os limites do espaço marítimo brasileiro. E, neste contexto, destaca-se o estudo realizado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, no qual consta a seguinte conclusão:
“No que diz respeito à proteção ambiental, uma das preocupação da Convenção daONU sobre Direitos do Mar, essa limitação ao poder soberano do Estado é mais restrita, havendo a possibilidade do Estado brasileiro agir, dentro da zona econômica exclusiva, isto é,além do seu mar territorial, para fazer cumprir sua legislação ambiental, uma vez que acidentes nestas águas têm reflexos em sua atividade pesqueira e no seus recursos naturais, na área costeira e do mar territorial.”[ix]
Neste contexto, importante se faz destacar o disposto nos seguintes dispositivos daUNCLOS III:
“ARTIGO 192 – Os Estados tem a obrigação de proteger e preservar o meio marinho.
ARTIGO 193 – Os Estados têm o direito de soberania para aproveitar os seus recursos naturais de acordo com a sua política em matéria de meio ambiente e de conformidade com o seu dever de proteger e preservar o meio marinho.
ARTIGO 194 – 1. Os Estados devem tomar, individual ou conjuntamente, como apropriado, todas as medidas compatíveis com a presente Convenção que sejam necessáriaspara prevenir, reduzir e controlar a poluição do meio marinho, qualquer que seja a sua fonte, utilizando para este fim os meios mais viáveis de que disponham e de conformidade com as suas possibilidades, e devem esforçar-se por harmonizar as suas políticas a esse respeito.
2. Os Estados dever tomar todas as medidas necessárias para garantir que as atividades sob sua jurisdição ou controle se efetuem de modo a não causar prejuízos por poluição a outros Estados e ao seu meio ambiente, e que a poluição causada por incidentes ou atividades sob sua jurisdição ou controle não se estenda além das áreas onde exerçam direitos de soberania, de conformidade com a presente Convenção.”
Com efeito, dos dispositivos acima se extrai que ao Estado Costeiro, cabe tomar todas as medidas necessárias para garantir que as atividades sob sua jurisdição não causem danos ao meio ambiente. Isto porque, atualmente o meio ambiente é visto como direito fundamental, com base em princípios internacionais (Declaração de Estocolmo – Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente), bem como garantia constitucional (CRFB, Art. 225).
Sobre o tema, merece destaque a lição do constitucionalista Canotilho (2007, p. 73):
"(…) recentes modelos constitucionais elevam a tutela ambiental ao nível não de um direito qualquer, mas de um direito fundamental, em pé de igualdade (ou mesmo, para alguns doutrinadores, em patamar superior) com outros também previstos no quadro da Constituição."
3.1. Casuística – Derramamento de petróleo e outros acidentes nos campos de petróleo na plataforma continental brasileira
Dada a relevância do tema em questão, dadas as suas implicações com a segurança e o desenvolvimento nacionais, aponta-se os vazamentos de petróleo ocorridos nos campos de petróleo na plataforma continental brasileira como eventos que desafiam o Estado a adotar medidas rápidas e calcadas no conceito de território nacional qual emergiu do novo desenho internacional sobre os direitos do mar dado pelo UNCLO III. Tudo o que diz respeito as nossas matrizes energéticas e ao mercado que as explora, produz e comercializa deve merecer atenção sistêmica e visão periférica das autoridades, da sociedade e do governo brasileiro. A plataforma continental brasileira é um dos maiores mananciais de hidrocarboneto de que se tem notícia, o que faz dela um ponto de alta sensibilidade na formação e condução de relações exteriores e na tratativa de questões e casos jurídicos internos aparentemente isolados.
Neste contexto, cumpre ressaltar ainda que o sistema geológico de um campo de petróleo é composto pelas rochas reservatório, pelas rochas geradoras e pelas rochas selantes. Fala-se em sistema porque se não houver sincronismo geológico na formação destes três tipos de rochas o local não será um optimum para a produção de hidrocarbonetos.
O petróleo não ocorre na natureza em forma de rios ou correntes. Ele é formado pela deposição, em tempo geológico, de matéria orgânica em rochas, que por isto mesmo são chamadas de rochas geradoras. O petróleo fica incrustrado nos desvãos das rochas geradoras. Pela conjunção de fatores naturais, o petróleo (hidrocarboneto) migra das rochas geradoras para as rochas reservatórios, onde fica retido pelo que se conhece no jargão petrolífero por trapas. Entre as rochas reservatório e o leito oceânico existe a rocha selante, pois do contrário, dada a alta e necessária porosidade das rochas reservatório, o hidrocarboneto vazaria naturalmente para o leito do oceano, atingindo a lamina d’água correspondente. Este conjunto de rochas, situado no subsolo marinho, é um local, um lugar, um espaço geográfico.
O poço de petróleo é, se para efeitos de entendimento abandonarmos a técnica, um buraco realizado por uma broca diamantada na rocha selante. O objetivo deste furo realizado na rocha selante é alcançar a rocha reservatório. Alcançada a rocha reservatório, por diferença de pressão, intenta-se retirar o óleo que está incrustrado em seus milhares de desvãos. Tecnicamente, o petróleo é produzido no exato instante em que é controladamente retirado da rocha reservatório e lançado para dentro do poço. O conceito de produção é extremamente importante, pois o petróleo ainda não produzido (incrustrado na rocha) é, precisamente, o que forma o patrimônio nacional sob propriedade e administração da União Federal ex vi constitutiones. O petróleo no poço ou dentro dos tanques de armazenamento no navio sonda ou em navios auxiliares é de propriedade da concessionária ex vi contractus. Mas, o petróleo na rocha, inexplorado, é de propriedade, quando a campo está localizado dentro da zona exclusiva sob jurisdição nacional, do estado brasileiro (UNCLOS III).
Extraem-se desta explanação duas importantes ordens de consequências jurídicas. A primeira, no sentido inicial desta argumentação, é a de que um acidente que tenha como lócus a rocha reservatório, ou se assim se preferir, o conjunto geológico de rochas formadoras dos Campos de petróleo na plataforma continental brasileira, terá acontecido em território nacional. Em se tratando, por exemplo, do crime de poluição, tipificado no caput do artigo 54 da lei de crimes ambientais, a consumação se dará com a poluição do corpo hídrico, nos termos do artigo 14, inc. I, do Código Penal Brasileiro. A poluição, em acordo com o artigo 3º, inciso III, “e”, da Lei 6938/91, seja em razão de atividades diretas ou indiretas, ocorre com a degradação da qualidade do meio ambiente, em razão do lançamento de matérias contrariando os padrões ambientais estabelecidos. Nas hipóteses de poluição ambiental do corpo oceânico, esta ocorre no instante do vazamento, pois neste instante há a lançamento no meio marinho de um elemento física e quimicamente estranho, qual o óleo vazado da rocha reservatório. A infração se consuma na rocha reservatório e nas águas que lhe são imediatas.
Cumpre ressaltar, que uma infração desta natureza se consumará nas rochas, no subsolo oceânico. No mesmo sentido, ao pensar utilizando a categoria bem jurídico e os princípios penais que o protegem, é preciso levar em consideração que o resultado lesivo, além de alcançar o meio ambiente marinho tout court, alcança, o bem jurídico ‘reserva de petróleo’, dado que o óleo a ser vazado não foi produzido (retirado tecnicamente da rocha reservatório). Ora, se óleo, se o petróleo vazar, sem que tenha sido produzido, isto implica reconhecer, sem mais, que grande parte do óleo vazado pertence ao Estado Brasileiro. O bem jurídico ‘hidrocarbonetos incrustrados na rocha reservatório’ será duramente lesado por quaisquer vazamentos, situações que acarretaram diminuição do patrimônio nacional, uma vez que ocorreram em território marítimo do Brasil.
O local do acidente é um poço de petróleo (dentro da rocha reservatório) localizado na PLATAFORMA CONTINENTAL BRASILEIRA. As rochas geradoras, reservatório e selante que compõe o sistema petrolífero do Campo do Frade são bens da União (art. 20, V, da CRFB), cuja exploração para fins de exploração de hidrocarbonetos foi transferida, via contrato de concessão, pelo Estado Brasileiro, à empresa particular, constituída sob as leis brasileiras, tal qual imposto pela Constituição da Republica Federativa do Brasil. Isto também ninguém controverte, pois trata-se de fato notório. A controvérsia gerada, no caso mencionado, é se a ZEE e a Plataforma Continental brasileiras são elementos geográficos integrantes do território nacional.
Considerações Finais
Tudo isto foi dito para contribuir com os interpretes autorizados de nossa ordem jurídica no que concerne com os fins práticos de determinação do alcance da soberania nacional e estabelecimento do respectivo território nacional brasileiro. Neste sentido, os instrumentos normativos adequados à função hermenêutica de chave interpretativa são as convenções e tratados internacionais, servindo a Constituição interna de importante elemento norteador em tal grave hermenêutica. De lege lata, portanto, o território nacional brasileiro é constituído pelos seguintes elementos: parte continental, parte marítima, sendo que esta última, também conhecida por águas territoriais ou águas jurisdicionais, abrange: i) Mar Territorial, ii) Zona Econômica Exclusiva e iii) Plataforma Continental.
Com efeito, no início do debate sobre os usos do mar e soberania estatal, quando ficou estabelecido que os respectivos territórios nacionais avançassem, por ficção jurídica, mar adentro até 12 milhas náuticas (equivalente à 22,7 Km), o conceito de águas territoriais coincidia com o de mar territorial. Vale dizer, o território, dito marítimo de um Estado, era restrito ás 12 milhas conhecidas por mar territorial. Todavia, o conceito de mar territorial, bem como a noção de território marítimo ou águas territoriais tem que ser percebido à luz da moderna legislação internacional sobre os mares (UNCLOS III).
Por fim, é necessário estabelecer claramente as questões acerca da soberania e jurisdição relativas ao espaço marítimo brasileiro, o que é imprescindível à segurança nacional ante a exploração dos recursos existentes nas águas jurisdicionais brasileiras.
Informações Sobre o Autor
Eduardo Santos de Oliveira
Procurador da República em Campos dos Goytacazes/RJ, mestre em Direito Público pela UFMG e Professor Universitário