Proteção jurídico-constitucional das uniões homoafetivas como entidades familiares

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Resumo: A dignidade humana, a isonomia, o Direito Fundamental à Liberdade, o Amplo Acesso ao Judiciário e a vedação a qualquer tipo de discriminação ou preconceito constituem os pilares do Estado Democrático de Direito, cujo objetivo é efetivar a Cidadania mediante o exercício pleno dos Direitos Fundamentais assegurados no plano constituinte. È a partir de estudos pautados na constitucionalização dos Direitos sob a perspectiva democrática que a presente pesquisa propõe a reflexão critica acerca da proteção e reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas como entidades familiares e os Direitos delas decorrentes. Partindo-se do pressuposto de que o Estado não tem legitimidade de definir taxativamente o que é família; que o Direito enquanto ciência não pode deixar de reconhecer juridicamente relações sócio-jurídicas existentes; que a democratização das vias de acesso ao Judiciário assegura isonomicamente aos cidadãos o direito de discutir o mérito de suas pretensões e que a Autonomia Privada é um principio norteador das discussões do Direito das Famílias, inicia-se o debate jurídico acerca da problemática do reconhecimento e da proteção jurídica das Uniões Homoafetivas. Importante ressaltar que a homossexualidade é considerada culturalmente como uma condição ou orientação sexual, uma vez que se considera preconceito e discriminação compreendê-la como mera opção sexual, já que para o elemento que justifica as relações é a afetividade, razão essa que explica a utilização da expressão Homoafetividade. Assim como outras áreas do conhecimento cientifico, o Direito não pode fechar os olhos e deixar de reconhecer relações sociais e culturais que se consolidam, como é o caso das relações Homoafetivas. 

Palavras-chave: Homoafetividade; Autonomia Privada; Entidades Familiares.

Sumário: Introdução; 1. Fundamentos cientificos e históricos da homossexualidade os seus reflexos no contexto familiar; 1.1 Da Historicidade, dos aspectos científicos e religiosos da Homossexualidade; 1.2 Homossexualidade, Preconceito e Cidadania; 1.3 Fundamentos Históricos do Direito de Família sob o prisma jurídico-legal; 1.4 O pluralismo democrático no entendimento constitucionalizado sobre as entidades familiares; 1.5 Da Principiologia do Direito das Famílias; 1.6 Homossexualismo X Homoafetividade: entidade familiar?; 2. Consequencias juridicas e os direitos decorrentes das unioes homoafetivas; 2.1 O reconhecimento judicial das Uniões Homoafetivas: a problemática do acesso ao Judiciário e a possibilidade jurídica do pedido; 2.2 Relações Homoafetivas: União Estável ou Casamento?; 2.3 Partilha, Regime de Bens e Testamento Homoafetivo; 2.4 Pensão por Morte e Direito a Alimentos ; 2.5 Filiação Homoafetiva; Conclusão; Referências.

Introdução

A presente pesquisa cientifica tem o propósito desconstruir reflexões metajuridicas e de cunho dogmático-religioso sobre a sexualidade humana, especificamente sobre a Homossexualidade, visando construir reflexões de cunho jurídico-constitucionais sobre a diversidade sexual e a construção do conceito de orientação e identidade sexual a partir da racionalidade discursiva enquanto fundamento jurídico do principio da democracia. Partindo-se desse pressuposto teórico e dessa hipótese cientifica pretende-se demonstrar constitucionalmente que o conceito de família é aberto e plural, construído a partir do principio  da autonomia privada, o que assegura a cada cidadão o direito de escolher a forma mais adequada de constituir família a partir da afetividade enquanto elemento estruturante do Direito das Famílias.

Por isso inicialmente desenvolver-se-á um levantamento histórico com o propósito de demonstrar que a homossexualidade é um fato social existente ao longo da historia da humanidade e, por isso, não pode mais ser vista como uma patologia, mas sim como um fato social inerente, especificamente, à sociedade contemporânea. Nesse contexto pretende-se demonstrar que o Direito não pode ficar alheio a esse fato social e, por isso, deverá ser visto como uma ciência hábil a legitimar o exercício livre dos Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito. Ao Judiciário cabe o dever de compreender as Uniões Homoafetivas como entidades familiares decorrentes do entendimento jurídico-constitucionalizado de que a Constituição Democrática trouxe no seu bojo um conceito aberto sobre o que é entidade familiar. Nesse ínterim pretende-se demonstrar que a extinção do processo sem julgamento do mérito sob o argumento de que o pedido de reconhecimento das Uniões Homoafetivas como entidades familiares é juridicamente impossível exterioriza um pensamento positivista, dogmático, excludente e decorrente do exercício da jurisdição a partir da autoridade de seu julgador, que se utiliza, muitas vezes, de critérios metajurídicos e axiológicos na analise dessas pretensões.

Dessa forma verifica-se que não se pode admitir o entendimento de que as Uniões Homoafetivas sejam consideradas meras sociedades de fato, e não uma entidade familiar. Pensar assim é legitimar a violação do Direito Fundamental a Igualdade, configurando expressa vedação ao principio da democracia.

Ao considerar as Uniões Homoafetivas como entidades familiares certamente é imprescindível a análise dos direitos decorrentes de tais relações, o que será feito oportunamente nessa pesquisa. Além disso, demonstrar-se-á o entendimento divergente dos Tribunais brasileiros ao apreciar juridicamente tal pretensão, demonstrando-se entendimentos desde o reconhecimento jurídico e os efeitos legais das Uniões Homoafetivas enquanto entidades familiares até as decisões pautadas na concepção de que se trata de pedido juridicamente impossível ou de que se trata de uma sociedade da fato cujos pedidos não devem ser apreciados por varas de família, mas sim varas cíveis.

Quanto à metodologia utilizou-se da pesquisa teórico-bibliográfica mediante consulta a livros e artigos científicos que discutem direta ou indiretamente o tema, além da pesquisa documental efetivada mediante analises criticas das jurisprudências levantadas. A delimitação do problema teórico e o levantamento das hipóteses cientificas norteadoras do foco da presente pesquisa foi possível através do método dedutivo, que viabilizou partir de um concepção macroanalítica, qual seja, o entendimento plural e aberto do que é família, para compreender especificamente a possibilidade jurídica de reconhecimento judicial das Uniões Homoafetivas enquanto entidades familiares.

1. FUNDAMENTOS CIENTIFICOS E HISTÓRICOS DA HOMOSSEXUALIDADE OS SEUS REFLEXOS NO CONTEXTO FAMILIAR

1.1 Da Historicidade, dos aspectos científicos e religiosos da Homossexualidade.

Considerada por muitos teóricos como uma doença[1] ou um distúrbio de personalidade associada a questões genéticas[2], a homossexualidade vem sendo objeto de inúmeros debates pautados na perspectiva interdisciplinar, uma vez que se trata de um tema de inúmeras nuances cujo entendimento critico pressupõe a ruptura com inúmeros conceitos e preconceitos solidificados socialmente na cultura da humanidade. Mesmo diante dessa divergência toda é importante esclarecer que “a homossexualidade não é uma opção, mas um fato da vida, que não viola qualquer norma jurídica nem é capaz, por si só, de afetar a vida de terceiros”[3]. É importante esclarecer que o homossexualismo deixou de ser classificado como doença pela Organização Mundial de Saúde desde o ano de 1989, uma vez que o prefixo ismo designa doença, razão essa que o mais adequado cientificamente hoje é falarmos em homossexualidade.

Nesse contexto não se pode pensar a homossexualidade como mera opção sexual, até porque a sexualidade é uma construção sócio-cultural-cientifica que para ser compreendida são necessárias muitas outras variáveis. Cientificamente é mais adequado trabalharmos a homossexualidade não como opção sexual, mas sim como orientação ou identidade sexual[4]. Sabe-se que a homossexualidade é uma questão cuja explicação não pode ser dada mediante aspectos exclusivamente genéticos ou biológicos, uma vez que a pluralidade e a diversidade sexual impediria chegarmos a tal conclusão. Respostas acerca do porquê algumas pessoas são homossexuais e outras não são poderiam ser explicadas mediante a analise de inúmeros fatores, tais como o desejo e a construção de uma identidade sexual a partir de valores morais e da cultura. Talvez a única certeza que a humanidade tem hoje é que cada ser humano tem que ser integralmente respeitado e protegido no que diz respeito a construção livre e independente de sua identidade sexual. O entendimento da homossexualidade a partir de pré-conceitos não compreendidos objetivamente pela ciência e sim metacientificamente pelo conhecimento vulgar,  é o que justifica conclusões precipitadas, pressupostas e preconceituosas.

Sob o ponto de vista da psicanálise as causas e os fundamentos da homossexualidade continua sendo um desafio. Sigmund Freud não considerava a homossexualidade como uma inversão ou perversão sexual, mas associava a pratica homossexual a uma variação do desenvolvimento sexual[5]. A grande preocupação hoje dos psicanalistas é orientar a sociedade não necessariamente sobre as causas ou os fundamentos da homossexualidade mas sim oferecer conhecimentos científicos suficientes para que a sociedade aprenda a conviver com o pluralismo democrático e a diversidade sexual. Nesse sentido é oportuna a demonstração do entendimento do Conselho Federal de Psicologia e de Serviço Social:

“Para evitar que o preconceito seja alimentado ou que se use práticas terapêuticas para curar homossexuais, o Conselho Federal de Psicologia baixou a Resolução 1/1999, orientando os profissionais da área sobre como proceder. No mesmo sentido, o Conselho Federal de Serviço Social editou a Resolução 489/2006, vedando condutas discriminatórias por orientação sexual no exercício profissional do assistente social”[6].

A identidade ou a orientação sexual não pode ser imposta ao homem, uma vez que deve ser assegurado a cada ser humano o direito de livremente construir sua identidade sexual, conforme os seus desejos e anseios. Nesse sentido temos:

“A sexualidade humana é um fenômeno complexo. Entre a atração forte e exclusiva de um homem por uma mulher, de um homem por outro homem, ou de uma mulher por outra mulher, existe uma infinidade de sensações sexuais e emocionais: o desejo, a excitação ou mesmo a frieza em qualquer relacionamento humano depende dos indivíduos inseridos em determinada situação e não em quaisquer das especificações arbitrárias que poderiam ser impostas através de sociedade, tais como os rótulos que tentam definir se o individuo é heterossexual ou homossexual. Assim, um bebê do sexo masculino não deve ser rotulado como heterossexual apenas porque nasceu com esta definição sexual, mas sim estar livre para que sua orientação sexual se desenvolva sem os freios da sociedade”[7].

Dessa forma afirma-se que toda reflexão construída a partir do tema sexualidade, especificamente a homossexualidade,  deve ser vista na perspectiva sócio-cultural e interdisciplinar , e nunca exclusivamente a partir da dogmática e da moral religiosa.

Apesar do preconceito, é inegável que a homossexualidade esteja intrinsecamente ligada a história da humanidade:

Sua maior feição foi entre os gregos, que lhe atribuíam predicados como a intelectualidade, a estética corporal e a ética comportamental, sendo considerada mais nobre que a relação heterossexual, e prática recomendável por sua utilidade.

Com o cristianismo, a homossexualidade passou a ser tida como uma anomalia psicológica, um vício baixo, repugnante, já condenado em passagens bíblicas… Alguns teólogos modernos associam a concepção bíblica de homossexualidade aos conceitos judaicos que procuravam preservar o grupo étnico, e, nesta linha, toda a prática sexual entre os hebreus só se poderia admitir com a finalidade de procriação, condenando-se qualquer ato sexual que desperdiçasse o sêmen; entre as mulheres, por não haver perda seminal, a homossexualidade era reputada como mera lascívia.

Estava, todavia, freqüente na vida dos cananeus, dos gregos, dos gentios, mas repelida, até hoje, entre os povos islâmicos, que têm a homossexualidade como um delito contrário aos costumes religiosos.

A Idade Média registra o florescimento da homossexualidade em mosteiros e acampamentos militares, sabendo-se que, na Renascença, artistas como Miguel Ângelo e Francis Bacon cultivavam a homossexualidade” (Apel. Cív. n. 70001388982, 7ª Câm. Cív., rel. Des. José Carlos Teixeira Giorgis, julg. em 14.03.2001).

A historia da homossexualidade[8] coincide com a existência humana, uma vez que a compreensão da relação afetivo-sexual entre pessoas do mesmo sexo é compreendida de forma distinta nos diversos períodos da historia da humanidade. Por isso não é razoável pensar que o comportamento homossexual sempre foi repreendido pela sociedade, uma vez  que tais padrões de comportamento sexual (homossexualidade, bissexualidade, heterossexualidade) prevaleceram, foram aceitos e condenados pela sociedade de forma profundamente distinta, conforme o período da historia em que for analisado. Dessa forma é possível afirmar que a prática do homoerotismo sempre foi uma constante nas sociedades civis, porém a sua aceitabilidade e tratamento é que varia nas sociedades ao longo da historia. Dessa forma é oportuno o posicionamento de Maria Berenice Dias:

“A homossexualidade acompanha a história do homem. Não é crime nem pecado; não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso, nada justificando a dificuldade que as pessoas têm de ser amigas de homossexuais. É simplesmente uma outra forma de viver. A origem não se conhece. Aliás, nem interessa, pois, quando se buscam causas, parece que se está atrás de um remédio, de um tratamento para encontrar cura para algum mal. Mas tanto a orientação homossexual não é uma doença que, na Classificação Internacional das Doenças – CID, está inserida no capítulo Dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais. O termo ‘homossexualismo’ foi substituído por homossexualidade, pois o sufixo ‘ismo’ significa  doença, enquanto o sufixo ‘dade’ quer dizer modo de ser”[9] (DIAS, 2006, p. 174). 

No Egito Antigo, por volta do século V A.C, o Sagrado Exército de Tebas, era formado por homossexuais, mais especificamente 150 casais de amantes, cuja característica era a invencibilidade. Além disso, verificam-se registros no Egito Antigo que “Os nobres possuíam escravas e escravos para a prática sexual, além dos jovens pajens[10]”. Na Grécia Antiga, considerada o berço da filosofia,  não se pode falar especificamente em uma padrão rígido e definitivo de sexualidade. Na própria Mitologia Grega temos inúmeros registros de deuses, semi-deuses e vários seres homossexuais e bissexuais. Nesse sentido temos:

“O casal mais famoso de todos é formado por Zeus e Ganimedes. Hércules, famoso por suas habilidades e força, também amava a Filoctes, Nestor, Adônis, Jasão e outros, mas o seu amor era notório pelo sobrinho Iolau. Apolo, deus da beleza e da eterna juventude, além de seus incontáveis amores femininos, possuiu inumeráveis homens. O rapto de jovens era comum, aconteceu com Himeneu, Ciparisso, Carnus, Hipólito, entre outros. Já o Deus do vinho, Dionísio, gostava de festas e banquetes”[11].

Ainda na Grécia Antiga, é possível observar claramente a aceitabilidade da prática homossexual como elemento integrante da vida em sociedade, uma vez que a bissexualidade era sinônimo de virilidade e a prática homossexual carregava em si o intuito exclusivamente carnal. O homoerotismo era uma pratica comum entre os filósofos da época, conforme se verifica nas vidas de Platão, Sócrates e Safos, grandes exemplos da homossexualidade na Antiguidade Clássica. Observa-se que nesse período da história da humanidade embora fosse possível verificar práticas homoeróticas, o seu intuito era precipuamente a satisfação do prazer sexual e não o propósito de constituir famílias, uma vez que a idéia que se tinha de família, nessa época, ainda estava atrelada a finalidade de procriação. É por isso que a mulher era vista muito mais como um objeto voltado para garantir a procriação e a perpetuação da espécie humana e as relações homoeróticas um meio de satisfação do prazer sexual. Nesse sentido verifica-se:

“A educação dos meninos atenienses se dava através de laços de amizade e pratica homossexual com seus mentores. Um cidadão que não exercesse a adoção de jovens, e se encarregassem de sua educação, era acusado de omissão em seus deveres como cidadão. Era uma obrigação social tão importante quanto pagar impostos. Os meninos após os 12 anos de idade, nunca abaixo dessa idade, procuravam um adulto para sua educação. Com a aprovação da família e do garoto, este praticava sexo homossexual passivo até completar seus 18 anos de idade com o mentor que lhe ensinava tudo o que sabia sobre a vida. A partir de então, tornava-se ativo e deveria ser mentor de outro jovem, para posteriormente casar-se, próximo a completar 25 anos de idade. Obviamente, muitos continuavam com a prática homo: Homens para o prazer, mulheres para a procriação”[12].

A Roma Antiga é caracterizada pela liberdade sexual e pela busca do prazer da carne. É nesse sentido que podemos afirmar que praticamente todos os imperadores deixaram clara a sua orientação homo e bissexual através de vários registros históricos de verdadeiras orgias ocorridas[13].

O advento da Idade Média[14] foi marcado pelo dogmatismo religioso que solidificou a monogamia como principio norteador do casamento, considerado a única forma de constituir família e cuja finalidade era a procriação. Dessa forma a homossexualidade passou a ser repudiada em virtude da moral católica reconhecer como legitima apenas as relações existentes entre homens e mulheres com o propósito de garantir efetivamente a procriação e a perpetuação da espécie. O Direito Canônico passou a estabelecer princípios e normatizar condutas  no Direito de Família, cujas bases se encontram no dogmatismo e na moral católica, tendo em vista que a mulher era vista nas relações familiares muito mais como um objeto do que como sujeito, pois estava proibida de buscar o prazer através do sexo, uma vez que o seu dever era servir o marido e garantir-lhe a procriação. O patriarcalismo, a heterossexualidade[15], a monogamia, o dever de fidelidade, o casamento como fonte de procriação e não como busca do prazer sexual são algumas marcas características da Idade das Trevas. Nesse contexto registram-se perseguições intermináveis aos homossexuais pelos inquisidores, punindo-os de forma brutal e severa. A grande critica que se pode fazer ao período histórico da Idade Média é a supressão das liberdades individuais pela moral católica, que proibia praticas sexuais voltadas ao prazer da carne.

No período do Renascimento a homossexualidade não deixou de ser repelida socialmente, porém pode-se afirmar que houve um maior aprimoramento das discussões no tocante a questão, fato esse observado mediante o abrandamento das penas aplicadas aos homossexuais:

“Com defensores públicos do amor entre iguais, a homossexualidade foi tornando-se causa de penas leves e raras execuções. Os mestres Leonardo da Vinci, Botticelli, Michelangelo eram homossexuais. Novos ares de liberdade inebriavam a história, mas os homossexuais ainda seriam atacados pelos protestantes, que apesar de defenderem a educação de seu povo passaram a ver os homossexuais e as prostitutas como escória social na terra e no reino divino, voltando para estes grupos os julgamentos e execuções”[16].

A Codificação da Legislação Civil na Idade Moderna e o advento do Código Civil brasileiro de 1916 retratam fielmente o dogmatismo e a moral católica no que tange ao tratamento dado ao Direito de Família. O conceito de família continuou fechado, uma vez que o casamento entre homem e mulher era considerado a única forma de constituir famílias. A legislação pátria à época excluía claramente inúmeras outras formas de constituição de família, tendo em vista o caráter patrimonialista, patriarcal e individualista da legislação civil brasileira do inicio do século XX, que excluía a autonomia privada e o Direito Fundamental a Liberdade como parâmetros jurídicos para o entendimento crítico-democrático das entidades familiares.

Na segunda metade do século XX, especificamente a partir da década de 60, iniciou-se a divulgação das diversas formas de expressão de sexualidade, conferindo maior visibilidade e legitimidade aos homossexuais. Houve a popularização de Movimentos Organizados de Proteção dos Direitos e de Repressão a qualquer tipo de discriminação ou ato de violência dos homossexuais, o que permitiu a institucionalização do Dia do Orgulho Gay. Nesse sentido temos:

“Em 28 de junho de 1969, no Greenwiche Village, na cidade de Nova Iorque, eclodiu uma rebelião de travestis nominada de Motim de Stonewall. Durante uma semana, ocorreram protestos e brigas de homossexuais com a policia, o que ensejou a institucionalização dessa data como o Dia do Orgulho Gay. O Projeto de Lei 373, de 2003, busca instituir o dia de 28 de junho como o Dia Nacional do Orgulho Gay e da Consciência Homossexual”[17].

Com o advento da Constituição de 1988 houve ampliação expressa do conceito (anteriormente fechado e restritivo) de entidade familiar, agora constituída pelo casamento, União Estável ou Monoparentalidade. Mesmo assim o legislador constituinte originário deixou clara a intenção de proteger apenas entidades familiares constituídas por um homem e uma mulher, visando excluir as entidades familiares homoafetivas.

Para os estudiosos que compreendem a Ciência do Direito sob o enfoque do positivismo legalista, certamente afirmam que a Constituição de 1988 não protege jurídico-legalmente as relações e as entidades familiares homoafetivas. Em contrapartida sabe-se que através de uma interpretação sistêmica da Constituição brasileira de 1988 e a partir do Direito Fundamental a Liberdade, do Principio da Isonomia, do Principio da Dignidade da Pessoa Humana e o Principio da Autonomia Privada é plenamente possível reconhecer jurídico-constitucionalmente as Uniões Homoafetivas como entidades familiares.

O Código Civil brasileiro de 2002 é uma legislação de caráter não patrimonialista, cujos princípios norteadores são a Eticidade, Socialidade e Operacionalidade. Não protegeu expressamente as Uniões Homoafetivas, porém, através de sua interpretação sistemático-constitucional, não exclui a proteção jurídica das Uniões Homoafetivas no Brasil.

A Ciência do Direito não fechar os olhos para a realidade social, tampouco ser um instrumento para fomentar o preconceito, a discriminação, a desigualdade e a não oportunização de exercício de Direitos Fundamentais. Partindo-se do pressuposto de que o pluralismo e a diversidade representam o substrato para justificar a democratização do exercício de direitos e que a efetivação e exercício da cidadania perpassa pela igualdade e liberdade é que se faz necessário prosseguir o debate critico acerca da relação existente entre preconceito, desigualdade, cidadania e diversidade sexual.

1.2 Homossexualidade, Preconceito e Cidadania.

Considerada constitucionalmente um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a cidadania se efetiva com a executoriedade dos Direitos Fundamentais e a construção do Estado Democrático de Direito sob o enfoque e a perspectiva discursivo-participada. Ou seja, somente é possível jurídico-constitucionalmente pensarmos uma sociedade democrática se tivermos como ponto de nossa reflexão cientifica o principio da isonomia e o Direito Fundamental a Igualdade. Por isso é imprescindível esclarecer inicialmente que mesmo que a desigualdade seja uma marca  da análise pragmática da vida em sociedade não se pode partir do pressuposto de que sob o ponto de vista jurídico exista qualquer diferença ou desigualdade entre os cidadãos. A justificativa de tal afirmação encontra-se na premissa de que a igualdade jurídica é o pressuposto fundamental para o exercício democrático da cidadania. É com fundamento nas premissas inicialmente apresentadas que se pretende demonstrar que a discriminação por orientação sexual é um fato[18] que se exterioriza socialmente mediante o entendimento de que a homossexualidade é considerada por muitos como um desvio de conduta ou um estigma caracterizador de uma identidade marginal.

O argumento da ilegalidade ou da ausencia de previsão legal é muitas vezes utilizado para mascarar o preconceito e inviabilizar o exercicio da cidadania pelos pares homoafetivos, uma vez que a sistematicidade democrática visa garantir a efetivação dos Direito Fundamentais igualmente a todos os cidadão, não havendo no Direito Pátrio qualquer argumento suficiente para justificar a exclusão de proteção juridica das relações homoafetivas como entidades familiares constituidas com base no afeto.

A discriminação e o preconceito contra os homossexuais manifestam-se de forma direta, indireta ou velada, e a consequência, na maioria das vezes, é um tratamento juridico injustificamente diferenciado para constituir a restrição ou supressão no exercício de direitos. A questão referente ao exercício da cidadania perpassa pelo entendimento de que o principio da igualdade deve ser interpretado e aplicado levando-se em conta as diversas situações fáticas e jurídicas existentes:

“[…] Isto significa que o interprete tem que compreender o conteúdo desta norma de direito fundamental situado no contexto histórico concreto, sem ignorar a realidade dos fatos e o estágio de conhecimento atinente à realidade dos fatos e o estágio de conhecimento atinente à realidade problematizada juridicamente. É preciso, para a determinação do tratamento jurídico das questões relativas à igualdade, cotejar o programa da norma (o texto da norma a ser concretizado e seu significado) e o âmbito da norma (a compreensão da realidade dos fatos da vida”[19].

O déficit legislativo não pode ser utilizado como justificativa para legitimar o preconceito e a supressão de exercicio da cidadania pela discriminação. É dever do Judiciário coibir tais discriminações mediante intrepretação sistêmico-constitucional dos Direitos Fundamentais e implementá-los pela superação de um Direito compreendido pelo dogmatismo do positivismo, utilizado como instrumento para excluir dos cidadãos os exercicio de seus direitos. Nesse sentido temos:

A lei não consegue acompanhar o desenvolvimento social, não tendo o legislador condições de prever tudo que é digno de regramento. As relações afetivas são as mais sensiveis à evolução dos valores e conceitos e, em face da aceleração com que se transforma a sociedade escapam ao direito positivado.

Compete ao Judiciário colmatar as lacunas, conscientes de que as regras legais existentes não podem servir de limites à prestação jurisdicional. Ante situações novas, a busca de subsídios em regras ditadas para outras relações juridicas tende a soluções conservadoras. Por outro lado, não reconhecer direitos sob o fundamento de inexistir previsão legal, bem como se utilizar de normas editadas em diverso contexto temporal nada mais são do que a negação de direitos. Assim, é dever da jurisprudência inovar diante do novo”[20].

Importante esclarecer que qualquer tipo de discriminação ou preconceito, expecificamente aquele contra os homossexuais, não pode ser combatido mediante meras propostas legislativas. Punir o autor de tais atos discriminatórios não coibirá a intolerância e a homofobia, uma vez que sua aceitabilidade perpassa pelo debate critico-social pautado no princípio da igualdade. Mesmo assim existe Projeto de Lei tramitando no Congresso Nacional visando criminalizar a homofobia: Projeto de Lei 122/2006, de autoria da Deputada Iara Bernardi que propõe a alteração da Lei 7.716/89 para incriminar o autor de todo e qualquer ato de preconceito e discriminação de natureza homofóbica. Da mesma forma que a Lei de Crimes Hediondos não inibiu a atuação dos criminosos certamente a aprovação de tal projeto de lei não intimidará os homofóbicos.

A realização de debates voltados para o esclarecimento da sociedade acerca da previsão constitucional que veda qualquer tipo de discriminação de origem, raça, sexo, cor e idade, bem como da tolerãncia como requisito para a implementação da Democracia em uma sociedade plural  podem ser vistos como alternativas para a efetivação da Cidadania, o pleno exercício dos Direitos Fundamentais a todos indistintamente e o reconhecimento social das uniões homoafetivas.

1.3 Fundamentos Históricos do Direito de Família sob o prisma jurídico-legal

O estudo da vida do homem em sociedade presumidamente traz em seu bojo a família como fundamento das organizações sociais e do surgimento do Estado Moderno. Muito antes de ser juridicamente reconhecida pelo Direito a Família sempre representou para o homem o local de conforto, de cuidado e educação dos filhos e, também, de exercício do poder e submissão da mulher, como se observa nas famílias paternalistas. Fruto de inúmeras concepções axiologizantes e produto, muitas vezes, do dogmatismo religioso, a família foi adotando diversos modelos ao longo da história da humanidade. Inicialmente de natureza matriarcal, a família se constituía a partir da autoridade da progenitora que exercia o papel de gestora e quem legitimamente se incumbia da procriação, da educação dos filhos e dos cuidados para com o seu marido. Tradicionalmente constituída pelo casamento a família sofreu reflexos diretos da moral religiosa, especificamente da Doutrina Católica no Ocidente, solidificando o exercício do poder pelo homem: adveio nesse contexto a família patriarcal, caracterizada pela indissolubilidade do vinculo matrimonial e pela institucionalização da mulher na condição de esposa, mãe e progenitora, proibida de buscar o prazer sexual. Os reflexos do dogmatismo católico, que marcou o período Medieval, se estenderam para a Idade Moderna, que através da Codificação da legislação Civil reconheceu o casamento como o único meio legítimo de constituição de família, pautada na autoridade do pater familiae.

O Código Civil brasileiro de 1916, de natureza patrimonialista e individualista, reconheceu todo o tratamento dogmático-castrador do Direito Canônico: a) legitimou a figura do chefe de família e conseqüentemente colocou a mulher casada na condição de objeto, utilizado como instrumento de procriação e proibida de se satisfazer sexualmente durante o casamento: o seu dever restringia-se a prestar todos os serviços possíveis para garantir a satisfação do marido e a educação dos filhos; b) a institucionalização do regime dotal é a demonstração da condição de inferioridade da mulher no casamento, que durante a primeira fase de sua vida era objeto para cumprir ordens decorrentes da autoridade do pai, que com o casamento era substituído pelo marido. A ela não era permitido sequer o exercício do Direito de Liberdade de escolha de seu cônjuge, sendo reduzida a condição subumana; c) produto de concepções dogmático-religiosas e morais o Código Civil de 1916 reconheceu o tratamento jurídico diferenciado aos filhos, estigmatizando-os como filhos adulterinos, incestuosos, ilegítimos. Reconheciam-se apenas os filhos concebidos na constância do casamento, transferindo aos demais filhos a responsabilidade pelo descumprimento de normas morais pelos seus pais; d) a indissolubilidade do vinculo matrimonial, o não reconhecimento de relações informais como meio de constituição de famílias também é uma característica marcante da legislação civil brasileira do inicio do século XX; e) legitimou-se o tratamento jurídico diferenciado entre filhos do sexo masculino e feminino: as filhas já nasciam predestinadas a autoridade e ao poder do pai e do marido, enquanto os filhos eram educados para o exercício do poder e da autoridade.

Com o advento do Estado Social, que teve como conseqüência a socialização dos direitos, as concepções dogmático-religiosas passaram a ser repensadas a partir do inicio da segunda metade do século XX, quando juridicamente as famílias passaram a ser rediscutidas sob o prisma dos Direitos Fundamentais. A primeira grande conquista legislativa foi o advento do Estatuto da Mulher casada, no ano de 1962, quando se reconheceu juridicamente o papel de sujeito capaz as mulheres casadas, que até então eram tratadas como pessoas relativamente incapazes submetidas a autoridade exclusiva dos seus respectivos cônjuges.

Outro grande momento histórico foi o Movimento Feminista, através do qual se buscou socialmente a isonomia entre os cônjuges, juridicamente reconhecida com o advento da Constituição de 1988. A aprovação da Lei 6515/77, Lei do Divórcio, representou a possibilidade de desconstituição do vinculo matrimonial e o reconhecimento jurídico da liberdade e da autonomia privada da mulher.

A promulgação da Constituição de 1988, que instituiu o Estado Democrático de Direito fundado essencialmente nos Direitos Fundamentais, viabilizou uma releitura do Código Civil de 1916: a) rompeu-se com o caráter individual e a natureza patrimonialista para proteger, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana, as liberdades individuais, a isonomia entre os cônjuges, a igualdade jurídica entre os filhos, a obrigatoriedade de processo judicial de adoção de menores, visando resguardar amplamente a proteção de seus Direitos Fundamentais; b) a dissolubilidade do vinculo matrimonial representa o reconhecimento jurídico-constitucional da isonomia do cônjuge virago e de suas liberdades individuais, que agora passou a receber tratamento jurídico como sujeito de direito, e não mais como objeto; c) o casamento deixou de ser visto como a única forma legitima de constituição de famílias, trazendo expressamente outras duas formas legitimas de constituição de família: a união estável e a monoparentalidade; d) o legislador constituinte trouxe um rol exemplificativo de famílias, permitindo juridicamente o reconhecimento livre, espontâneo, democrático e plural de outras entidades familiares, tais como as famílias homoafetivas, eudemonistas e anaparentais; e) a proteção constitucional ampla e integral dos Direitos Fundamentais de crianças e adolescentes foi o fundamento para justificar no plano infraconstitucional o advento do Estatuto de Criança e do Adolescente (Lei 8069/90); f) legitimou-se o exercício da autonomia privada, garantindo aos cônjuges e aos companheiros a liberdade no que tange a educação de seus filhos, assegurando ao Estado o direito de intervir sempre visando a proteção dos direitos dos filhos menores em caso de arbítrios e abusos praticados pelos pais; g) os princípios da afetividade, da solidariedade familiar, da liberdade, da igualdade e da dignidade humana passaram a ser os fundamentos jurídicos para a reflexão crítico-constitucional dos modelos de famílias democraticamente construídos.

O Código Civil brasileiro de 2002, cujas bases se encontram nos princípios da eticidade, da socialidade e da operacionalidade, representa a ruptura com uma legislação privada liberal e de caráter patrimonialista. Mesmo com o propósito de construir um Direito das Famílias pautado em parâmetros democrático-constitucionais, o legislador do novo Código Civil ainda manteve uma herança dogmática e de cunho moral-religioso: a) manteve-se a culpa como fundamento de discussão dos processos de divorcio e de separação; b) continuou adotando a monogamia como principio do Direito de Família, ao não reconhecer expressamente a possibilidade jurídica de constituição de entidades familiares paralelas e simultaneamente e, também, ao reconhecer a fidelidade recíproca como um dos deveres do casamento; c) não reconheceu expressamente as Uniões Homoafetivas como forma legitima de constituição de família, deixando claro que a diversidade de sexo é requisito para a constituição de famílias; d) a obrigatoriedade do regime de separação obrigatória bens para o casamento de maiores de sessenta anos viola expressamente o Direito Fundamental de Liberdade ao estabelecer uma presunção iure et iure de incapacidade dos idosos. Verifica-se, ainda, um tratamento jurídico distinto de situações semelhantes: ao mesmo tempo que o legislador estabeleceu a obrigatoriedade do regime de separação obrigatória de bens para o casamento de maiores de sessenta anos foi omisso quanto à União Estável dos maiores de sessenta anos, viabilizando o reconhecimento jurídico do regime de comunhão parcial de bens na União Estável em virtude da impossibilidade de interpretação extensiva de uma norma jurídica restritiva de direitos quanto ao casamento (artigo 1641, inciso II Código Civil brasileiro)

Em contrapartida é importante ressaltar o caráter democrático da nova legislação civil: a) o reconhecimento de que o casamento visa a comunhão plena de vida representa a ruptura com o caráter exclusivamente patrimonialista do casamento, o respeito as liberdades individuais, a autonomia privada de cada um dos cônjuges e a proteção jurídica do afeto como elemento integrante das relações familiares; b) a obrigatoriedade de processo judicial de adoção, mediante parecer do Ministério Publico, denota a existência de uma legislação amplamente protetiva aos interesses dos menores; c) a possibilidade jurídica de modificação de regime de bens na constância do casamento; o regime de participação final nos aquestos; a presunção de paternidade nas inseminações artificiais homologas e heterólogas, quando realizadas com o consentimento do marido; a possibilidade jurídica de propositura, a qualquer tempo, da ação negatória de paternidade; a possibilidade de reconhecimento da obrigação subsidiária dos avós prestarem alimentos aos netos; a decretação da separação e do divorcio independentemente da partilha de bens são consideradas inovações trazidas pelo legislador do novo Código Civil;  d) o reconhecimento infraconstitucional da União Estável através das Leis 8971/94, 9278/96 e do novo Código Civil veio apenas regulamentar a previsão constitucional de constituição de entidades familiares informalmente; e) a ruptura com o pátrio poder e a construção do poder familiar representa a isonomia dos cônjuges no que tange ao exercício legitimo do direito de criar e educar os filhos; f) o novo Código Civil reconheceu, ainda, a possibilidade do magistrado delimitar, nos processos de Interdição, as restrições a capacidade civil do interditando conforme as peculiaridades do caso concreto; g) a possibilidade jurídica de suspensão, extinção e perda do poder familiar denota uma legislação civil amplamente protetiva quanto aos interesses de filhos menores contra os abusos eventualmente praticados pelos pais.

Importante ressaltar também  surgimento de algumas legislações extravagantes visando regulamentar outros temas, tais como, os Alimentos Gravídicos e a Guarda Compartilhada, objeto de muito debate critico pela comunidade cientifica.

Uma vez demonstrado o estudo histórico-legislativo sobre o Direito de Família no Brasil, oportuna é a discussão do entendimento constitucionalizado e democrático das entidades familiares constituídas formal e informalmente em uma sociedade plural caracterizada pelas diversidades de todos os gêneros.

1.4 O pluralismo democrático no entendimento constitucionalizado sobre as entidades familiares

O direito Civil vem passando por inúmeras transformações decorrentes da historia da humanidade e da revisitação de valores e conceitos socialmente estabelecidos. Nesse contexto verifica-se a necessidade da compreensão democrática, plural, inclusiva e não discriminatória das novas e variadas formas de constituição de famílias pautadas no afeto, especialmente as Uniões Homoafetivas. O dinamismo da sociedade moderna, o pluralismo democrático, a ruptura com a tradicional concepção de família paternalista constituída exclusivamente pelo casamento, a relativização da monogamia como principio norteador do Direito de Família e a afetividade como elemento estruturante da constituição das entidades familiares são alguns traços característicos da pós-modernidade que precisam ser pensados criticamente pelos estudiosos e pela sociedade. Nesse sentido Luiz Edson Fachin afirma que “a crise do sistema antigo do Direito Civil suscita, antes de mais nada, questões concernentes à sua historicidade, à análise da inter-relação entre Direito e Sociedade, e ao principio de dinamismo que confere ao Direito seu eterno diálogo com o meio social, seu tempo e seu espaço[21]”.

Importante ressaltar a construção de um novo modelo de racionalidade norteador das estruturas familiares na pós-modernidade, cujo fundamento não mais se encontra na axiologia e na religião, mas sim no afeto. Nesse ínterim verifica-se que o Direito das Famílias passa a ter como foco de preocupação não mais uma definição legislativa e taxativa sobre o que é família, mas sim o reconhecimento jurídico das modalidades estáveis de constituição de entidades familiares democráticas e plurais pautados na afetividade. Pelo principio da autonomia privada ao Estado não cabe definir o que é família, porque dessa forma violará o principio da autonomia privada e o Direito Fundamental de Liberdade. Ao Judiciário cabe o dever de reconhecer as modalidades estáveis de constituição de entidades familiares que não foram previamente previstas pelo legislador infraconstitucional.

O animus de constituição de família, a existência de vinculo de afetividade entre duas ou mais pessoas e a estabilidade da relação são considerados os elementos essenciais para a configuração e o reconhecimento jurídico das entidades familiares no Direito pátrio. Verifica-se que a diversidade de sexo e a monogamia não podem  ser consideradas requisito para o reconhecimento das entidades familiares, uma vez que pensar dessa assim é o mesmo que legitimar o preconceito e a discriminação como formas de não reconhecimento das Uniões Homoafetivas.

É inegável que o modelo de família sofreu inúmeras transformações ao longo da historia, fato esse que pode ser verificado na obra de Elizabeth Roudinesco:

“A evolução da família ocidental pode ser dividida em três importantes fases. No primeiro período, constitui-se a família tradicional, pautada na preocupação com a transmissão de um dado patrimônio, dentro das exigências do sistema capitalista. Em um segundo momento, a família passa a ser concebida como o fruto do amor romântico. Em momento ulterior, a família pós moderna passa a fundamentar-se na busca da afetividade pelos seus membros”[22].

A socioafetividade passa a ser vista como o parâmetro jurídico-democrático balizador para o entendimento critico-constitucionalizado para o entendimento pós-moderno sobre as entidades familiares. Tal entendimento foi recepcionado pelo legislador do Código Civil brasileiro vigente, ao contemplar no artigo 1593 o parentesco natural e civil decorrente da consangüinidade ou de outra origem. Alem disso é possível verificar que o principio da afetividade encontra-se implicitamente previsto na Constituição brasileira de 1988 ao estabelecer: a) a isonomia entre filhos (artigo 226, §6º); b) a adoção como instrumento de construção participada do vinculo de paternidade e maternidade pautados na escolha afetiva de pais e filhos (artigo 227, §§ 5º e 6º); c) a família monoparental construída essencialmente a partir do vinculo de afetividade (artigo 226, §4º); d)o direito de convivência familiar assegurado indistintamente a todas as crianças e adolescentes (artigo 227). Assim, verifica-se que o dever dos pais prestarem toda a assistência material, moral, educacional e religiosa aos seus filhos indiscriminadamente é corolário do principio da afetividade enquanto norteador das relações familiares. Tal dever também encontra-se presente nas relações entre cônjuges e companheiros, até porque um dos requisitos indispensáveis à construção de uma entidade familiar é a existência de afeto entre os seus pares.

  Nesse contexto a afetividade passa a ser vista como elemento nuclear da analise efetiva das relações familiares nos dias atuais. Nesse sentido é oportuno o posicionamento de Maria Celina Bodin de Moraes:

“A doutrina jurídica brasileira tem vislumbrado aplicação do principio da afetividade em variadas situações do direito de família, nas dimensões: a) da solidariedade e da cooperação; b) da concepção eudemonista; c) da funcionalização da família para o desenvolvimento da personalidade de seus membros; d) do redirecionamento dos papéis masculino e feminino e da relação entre legalidade e subjetividade; e) dos efeitos jurídicos da reprodução humana medicamente assistida; f) da colisão de Direitos Fundamentais; g) da primazia do estado de filiação, independentemente da origem biológica ou não biológica”[23].

A laicização do Direito de Família e a sua reconstrução com fundamento no afeto desencadearam a revisitação do Direito de Filiação e do conceito de paternidade. Considera-se juridicamente pai não apenas aquele que possui vinculo de consangüinidade, mas, acima de tudo, quem possui vinculo de socioafetividade. Normalmente quem possui vinculo genético é quem coincidentemente tem vinculo afetivo com o filho. Porém, é perfeitamente possível verificar a existência de vinculo de consangüinidade desprovido de afetividade, o que inviabilizará juridicamente o reconhecimento jurídico do vinculo de paternidade. Na adoção é perfeitamente possível observar a paternidade constituída exclusivamente com base nos laços de afetividade, haja vista a ausência de qualquer vinculo biológico entre pai e filho adotivo. “Fazer coincidir a filiação com a origem genética é transformar aquela, de fato cultural e social, em determinismo biológico, o que não contempla suas dimensões existenciais, podendo ser a solução pior[24]”.

A prevalência da sociofetividade amparada na dignidade da pessoa humana e na solidariedade familiar são modernos princípios do Direito das Família hábeis a demonstrar a relativização dos laços parentais de natureza biológica. “A paternidade ou maternidade mais importante nasce dos vínculos do tempo e do amor incondicional, e não de uma sentença que declare ser genitor uma pessoa já falecida[25]”. A paternidade socioafetiva consubstancia-se em um ato voluntário e espontâneo, decorrente de um querer ser pai e um querer ser filho. É nesse sentido que se posiciona o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“Quem, sabendo não ser o pai biológico, registra como seu filho de companheira durante a vigência de união estável, estabelece uma filiação socioafetiva que produz os mesmos efeitos que a adoção, ato irrevogável. Ação negatória de paternidade e ação anulatória de registro de nascimento. O pai registral não pode interpor ação negatória de paternidade e não tem legitimidade para buscar a anulação do registro de nascimento, pois inexiste vício material ou formal a ensejar sua desconstituição” (TJRS, 4º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Dês. Maria Berenice Dias. Bem. Inf. 599277365, j. 10-09-99)[26].

A democratização do Direito das Famílias é produto do multiculturalismo e da multiplicação de diversas concepções informais de constituição de entidades familiares que obrigatoriamente devem ser reconhecidas pelo Direito na pós-modernidade. A previsão constitucional, no artigo 226, da família constituída pelo casamento, pela união estável e pela monoparentalidade materializam um rol exemplificativo de constituição de entidades familiares, uma vez que o Direito Fundamental de Liberdade e o principio da Autonomia Privada viabilizam a reflexão cientifica acerca da possibilidade de constituição livre de modelos familiares que, embora não previstos taxativamente em nosso ordenamento jurídico, não devem ser repudiados e não reconhecidos pelo nosso Direito Democrático. Nesse ínterim afirma-se que  “a família deixou de ser um instituto formal e absolutizado, que atraía a tutela jurídica de per si, para se transmudar em um núcleo social funcionalizado ao desenvolvimento da personalidade e da dignidade de seus membros[27]”. Surge, nesse contexto fático-jurídico a construção teórica coerente para explicar as famílias recompostas e que denotam um novo modelo das relações familiares na atualidade:

“As famílias reconstituídas podem ter várias configurações, tais como: a) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, sem prole comum; b) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, com prole comum; c) os genitores de famílias originárias distintas e seus respectivos filhos, inexistindo prole comum; d) os genitores de famílias originárias distintas e seus respectivos filhos, com prole comum”[28].

É nesse contexto que é possível afirmar o conceito de família aberto, plural e democrático, que deve ser juridicamente construído a partir da afetividade e levando-se em consideração as transformações sociais da pós-modernidade. O Judiciário não pode se abster do reconhecimento jurídico das entidades familiares culturalmente surgidas na sociedade, uma vez que se assim agir certamente utilizará o Direito como um instrumento ilegítimo para o reconhecimento de discriminações e a institucionalização do preconceito.

1.5 Da Principiologia do Direito das Famílias

O pressuposto para a reflexão crítica do Direito das Famílias frente ao pluralismo democrático na pós-modernidade é a sua compreensão sistêmico-principiológica-jurídico-legal. Ou seja, é imprescindível que fique claro que a constante existência de um déficit legislativo no Brasil inviabiliza o entendimento do Direito apenas a partir do que se encontra na literalidade do texto de lei. Além disso, é importante esclarecer que a Lei é apenas uma das inúmeras fontes jurídico-objetivas de entendimento critico da Ciência do Direito. Pensar as entidades familiares apenas sob a ótica exclusiva do legislador pátrio certamente é admitir e legitimar a exclusão, a desigualdade, o não reconhecimento da diversidade sexual e de inúmeras formas de constituição de entidades familiares não previstas expressamente em nossa legislação. É nesse contexto que se justifica a analise jurídico-constitucional dos princípios considerados necessários ao entendimento democrático do Direito das Famílias. A finalidade dos princípios, enquanto norma jurídica, é garantir a compreensão sistemática do ordenamento jurídico:

“Tem função normogenética, compreendida como informadora ou de fundamentação do ordenamento jurídico em toda a sua extensão, estando na base e constituindo razão de todo o sistema jurídico, proporcionando-lhe fundamentação de direito, caracterizando-se como diretrizes gerais induzidas e indutoras do direito, porque, inferidas de um sistema jurídico, reportam-se a ele para informa-lo, como se fossem os alicerces da sua estrutura”[29].

A despatrimolização do Direito de Família, a isonomia entre os cônjuges, a igualdade entre os filhos, a proteção integral dos menores, o reconhecimento da União Estável e da Monoparentalidade como formas legitimas de constituição de entidades familiares são algumas conquistas que ocorreram com o advento da Constituição brasileira de 1988, ao instituir o Estado Democrático de Direito. Acresce a tudo isso o advento do Código Civil de 2002, cuja base se encontra na Eticidade, Socialidade e Operacionalidade. Diante disso sabe-se que a efetividade do Direito de Família se legitima a partir da Constituição brasileira de 1988:

“grande parte do Direito Civil está na Constituição, que acabou enlaçando os temas sociais juridicamente relevantes para garantir-lhes efetividade. A intervenção do Estado nas relações de direito civil e, diante do novo texto constitucional, forçoso ao intérprete redesenhar o tecido do Direito Civil à luz da nova Constituição”[30].

A dignidade da pessoa humana é considerada um princípio utilizado para a compreensão sistemática do Direito de Família, razão essa que justifica o entendimento de alguns autores ao denominá-lo como principio máximo, superprincipio, macroprincípio ou principio dos princípios. O fundamento mais utilizado para justificar a despatrimonialização do Direito Civil é o principio da dignidade da pessoa humana[31]. Cientificamente não existe uma definição ou entendimento cientifico pacifico[32] sobre o que representa tal princípio para o Direito de Família, uma vez que o mesmo tem sido interpretado casuisticamente. O grande problema que se verifica na ausência de parâmetros científicos mínimos e limite jurídico de entendimento do respectivo principia é  que muitas vezes é aplicado de forma juridicamente equivocada. O adequado é saber que esse princípio não pode ser utilizado como instrumento para tentar justificar tratamento jurídico discriminatório, excludente, uma vez que o seu propósito é justamente o contrário: viabilizar a cidadania mediante o exercício amplo e efetivo dos Direitos Fundamentais de forma isonômica a todos indistintamente. O que tem sido verificado nas decisões proferidas pelo Judiciário brasileiro é a utilização do principio da Dignidade da Pessoa Humana como fundamento para garantir o exercício de Direitos Fundamentais e, por conseguinte, viabilizar a efetivação do Direito a Igualdade e do principio da Isonomia. Ressaltam-se os seguintes exemplos: a) a utilização do principio da dignidade da pessoa humana para dar status de entidade familiar para a pessoa que vive sozinha e que embora não possa ser considerada entidade familiar faz jus a proteção jurídica do seu bem de família[33]. Foi levada em consideração a finalidade do bem de família, que é o mesmo para a pessoa solitária e para as entidades familiares. Dessa forma sabe-se que o propósito do legislador ao instituir a Lei 8009/90 foi proteger o cidadão de uma forma geral, e não apenas as entidades familiares; b) o principio da Dignidade da Pessoa humana foi utilizado com fundamento para justificar a condenação do pai a indenizar o filho por Danos Morais decorrente do abandono paterno-filial[34].  Nesse contexto é importante ressaltar:

“A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas”[35].

A implementação do principio da dignidade da pessoa humana no âmbito das entidades familiares ocorre através do principio da afetividade. Considerando que constitucionalmente as entidades familiares decorrem de uma construção democrática e plural, que o legislador constituinte não definiu de forma fechada e taxativa o que é família e que o julgador não pode utilizar sua subjetividade como parâmetro para o reconhecimento jurídico de entidades familiares, faz-se necessário esclarecer quais são os critérios fático-jurídicos para identificar e reconhecer juridicamente o que é família: a) o primeiro requisito para a existência de uma família é a presença de duas ou mais pessoas que mantêm entre si uma relação estável, pautada na afetividade e com o animus de constituir família. Importante ressaltar que uma pessoa sozinha não pode constituir família em decorrência da ausência de reciprocidade na construção de laços de afetividade, embora verifica-se a proteção jurídica da pessoa que vive solitária no que tange ao seu bem de família, tendo em vista a teleologia da Lei 8009/90; b) a diversidade de sexo não é requisito para a definição do que é família, o que justificaria nesse contexto a possibilidade jurídica de reconhecimento das Uniões Homoafetivas no direito pátrio; c)  a monoparentalidade, o casamento e a União Estável representa um rol exemplificativo de formas de constituir família, uma vez que o Estado não tem legitimidade para definir, de forma fechada, o que é família, mas sim tem o dever de reconhecer juridicamente as modalidades estáveis de constituição de entidades familiares; d) a Hermenêutica Constitucional dos Direitos Fundamentais no Estado Democrático de Direito deve ser o parâmetro de interpretação sistemática do ordenamento jurídico e de reconhecimento das Uniões Homoafetivas no direito pátrio. A argumentação metajurídica e de cunho moral-religioso não pode ser o fundamento utilizado pela subjetividade do julgador na apreciação dos pedidos de reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas.

A afetividade enquanto principio do direito de família é o fundamento da parentalidade socioafetiva pautada na posse de estado de filho. Esse é o parâmetro para a argumentação jurídica suficiente para diferenciar vinculo genético de vinculo socioafetivo e esclarecer que o conceito de paternidade não pode mais ser restrito ao biologismo, uma vez que o estado de pai depende muito mais da demonstração de existência de uma relação sócioafetiva entre filho e pai. È por isso que se pode afirmar que a família atual não é mais de natureza exclusivamente biológica, uma vez que a certeza da origem genética não é suficiente para a definição pragmática da filiação e o que é necessário nesse contexto é a distinção entre vínculo biológico e direito de filiação (normalmente quem tem o vinculo genético é também quem constrói vinculo de afetividade com o filho). Em muitos casos encontramos pessoas que tem vinculo biológico mas não podem ser considerados pais em virtude  da ausência de vinculo de afetividade. Foi a ausência de afetividade dos cognominados “pais biológicos” que fundamentou o pedido de dano moral decorrente do abandono paterno-filial, cujo propósito central dessa ação era proteger a dignidade humana do filho que sofreu conseqüências psíquicas em decorrência da inércia de seu “pai biológico”. Pelo principio da afetividade não é possível excluir a paternidade de pessoas que não possuem vinculo genético, uma vez que o conceito democrático de filiação não se restringe a concepção genética).

O afeto não tem previsão expressa na Constituição brasileira de 1988, porém o legislador constituinte certamente reconheceu a afetividade como fundamento das relações familiares no momento em que admitiu expressamente que a União Estável é uma modalidade informal de constituir família através dos laços do afeto. Dessa forma pode-se afirmar que sistematicamente é possível verificar que houve, com o advento da Constituição de 1988, a constitucionalização do afeto como fundamento das relações familiares pautados no Direito a Igualdade. O legislador do Código Civil de 2002 foi tímido quanto ao tema, porém é possível demonstrar que o afeto é elemento fundamental da guarda de filhos em caso de separação do casal e que há possibilidade de reconhecimento jurídico da filiação sócio-afetiva. A realidade é que hoje o principio da afetividade pode ser visto como o fundamento para a revisitação do conceito tradicional de entidade familiar matrimonializada e paternalista, uma vez que a finalidade do homem quanto a constituição de famílias é, acima de tudo, realizar seus interesses afetivos. Nesse sentido temos

Com a consagração do afeto a direito fundamental, resta enfraquecida a resistência dos juristas que não admitem a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva. O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito a seus direitos fundamentais. o sentimento de solidariedade recíproca não pode ser perturbado pela preponderância de interesses patrimoniais. É o salto à frente da pessoa humana nas relações familiares, como dis Paulo Lobo, que identifica na Constituição quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade: a) igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF 227 6º); b) a adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos (CF 227§§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (CF 226 §4º); e d) o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (CF 227)”[36].

[…] Como diz João Baptista Villela, as relações de família, formais ou informais, indígenas ou exóticas, ontem como hoje, por mais complexas que se apresentem, nutrem-se, todas elas, de substâncias triviais e ilimitadamente disponíveis a quem delas queira tomar afeto, perdão, solidariedade, paciência, devotamento, transigências, enfim, tudo aquilo que, de um modo ou de outro, possa ser reconduzido à arte e à virtude do viver em comum. A teoria e a prática das instituições de família dependem, em última análise, de nossa competência em dar e receber amor”[37].

Outro principio relevante a ser mencionado no presente contexto é a autonomia privada que se exterioriza através do Direito Fundamental a Liberdade. Ao Estado não cabe definir, de forma taxativa e fechada, o que é família, uma vez que é direito do cidadão e dever do Estado reconhecer as modalidades estáveis de constituição de entidades familiares pautadas na afetividade existente entre seus membros. A diversidade ou não de sexo deve ser uma escolha livremente exercida pelos pares quando da constituição de uma entidade familiar, cabendo ao Estado proteger isonomicamente as escolhas feitas pelos cidadãos. Em nosso Direito é possível verificar alguns exemplos do Direito Fundamental a Liberdade: a) possibilidade jurídica dos cônjuges modificarem o regime de bens durante o casamento, desde que observados os requisitos legais (art. 1639, §2º CCB); b) o direito adotando, a partir dos 12 anos de idade, concordar ou não com a adoção (art. 45, §2º Lei 8069/90; c) a possibilidade de dissolução da sociedade conjugal com a conseqüente extinção do vínculo matrimonial condicionado a liberdade dos cônjuges ou companheiros.

O Código Civil brasileiro protege o exercício legitimo da autonomia privada de possíveis intervenções arbitrárias do Estado, porém o respectivo princípio não pode ser interpretado de forma absoluta. Ou seja, a partir do momento em que as partes exercem ilegitimamente sua autonomia privada o Estado se legitima no Direito de intervir nas entidades familiares; exemplo: os pais tem o direito de educar os seus filhos, mas no momento em que ultrapassam essa liberdade no ato de educar e passa a castigar imoderadamente os filhos menores o Estado poderá intervir na relação familiar e, se possível, requerer, através do Ministério Publico, a suspensão ou a perda do poder familiar.

Outra vertente do principio da autonomia privada encontra-se no entendimento adotado pelo legislador brasileiro de que a monogamia é principio norteador das entidades familiares. Ou seja, no momento em que o Estado brasileiro criminaliza a bigamia certamente limita ou suprime a liberdade de escolha dos cidadãos pela bigamia ou poligamia. Verifica-se que justificativa mais coerente para explicar tal postura do Estado brasileiro certamente se encontra em fundamentos metajurídicos e de cunho moral-religioso. Qual a justificativa para não reconhecer juridicamente uma entidade familiar constituída, por exemplo, por um homem e duas mulheres, que livremente resolvem constituir família pelo vinculo de afetividade e lealdade? A obrigatoriedade da monogamia no presente caso ocasionará a violação do Direito Fundamental a liberdade e a autonomia privada e tem como conseqüência expressa violação do principio da igualdade, no momento em que estabelece um tratamento jurídico diferenciado para a mulher que formalizou sua relação através do casamento e muitas vezes exclui direitos da outra parte que não teve a possibilidade de formalizar sua relação por impedimento legal. É nesse contexto que se propõe uma reflexão critica acerca da obrigatoriedade da monogamia como principio norteador do Direito de Família:

“Pretender elevar a monogamia ao status de principio constitucional autoriza que se chegue a resultados desastrosos. Por exemplo, quando há simultaneidade de relações, simplesmente deixar de emprestar efeitos jurídicos a um ou, pior, a ambos os relacionamentos, sob o fundamento de que foi ferido o dogma da monogamia, acaba permitindo o enriquecimento ilícito exatamente do parceiro infiel. Resta ele com a totalidade do patrimônio e sem qualquer responsabilidade para com o outro. Essa solução que vem sendo apontada pela doutrina e aceita pela jurisprudência afasta-se do dogma maior de respeito à dignidade da pessoa humana, além de chegar a um resultado de absoluta afronta à ética”[38].

O principio do pluralismo das entidades familiares é o reconhecimento jurídico-constitucional de que no Brasil convivemos com um conceito aberto de família, que viabiliza legitimamente a constituição de famílias a partir do principio da autonomia privada. É nesse sentido que se posiciona Maria Berenice Dias:

“[…] PRINCIPIO DO PLURALISMO DAS ENTIDADES FAMILIARES – Desde a Constituição Federal as estruturas familiares adquiriram novos contornos. Nas codificações anteriores, somente o casamento merecia reconhecimento e proteção. Os demais vínculos familiares eram condenados à invisibilidade. A partir do momento em que as uniões matrimonializadas deixaram de ser reconhecidas como a única base da sociedade, aumentou o espectro da família. O principio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento, pelo Estado, da existência de várias possibilidades de arranjos familiares. Como as uniões extra matrimoniais não eram consideradas de natureza familiar, encontravam abrigo somente no direito obrigacional sendo tratadas como sociedade de fato. Mesmo que não indicadas de forma expressa, outras entidades familiares, como as uniões homossexuais, agora chamadas de uniões homoafetivas, e as uniões estáveis paralelas, preconceituosamente denominadas de concubinato adulterino, são unidades afetivas que merecem ser abrigadas sob o manto do direito da família. Excluir do âmbito da juridicidade entidades familiares que se compõem a partir de um elo de afetividade que gera comprometimento mutuo e envolvimento pessoal e patrimonial, é simplesmente chancelar o enriquecimento injustificado, é ser conivente com a injustiça”[39].

O principio da solidariedade é um corolário do principio da afetividade e tem previsão expressa no preâmbulo da Constituição brasileira de 1988, ao assegurar a todos os cidadãos no Estado Democrático de Direito uma sociedade justa e fraterna. A solidariedade familiar viabiliza o exercício efetivo da cidadania mediante a efetivação dos Direitos Fundamentais previstos no plano constituinte e se constitui no dever que todos os integrantes da entidade familiar tem de amparar uns aos outros, no direito-dever que cada qual tem de prestar alimentos e construir laços de afetividade, garantindo o conforto, a tranqüilidade e o equilíbrio das relações familiares. O descumprimento de tal dever, aparentemente moral, mas de cunho jurídico, enseja o direito do ofendido exigir judicialmente o seu exercício, tal como ocorre nas execuções de alimentos e mais recentemente nas ação de indenização por dano moral decorrente do abandono paterno-filial.

1.6 Homossexualismo X Homoafetividade: entidade familiar?

A ausência de previsão legal não pode ser usada como fundamento para justificar o não reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas como entidades familiares, uma vez que o legislador constituinte, no artigo 226, trouxe um rol meramente exemplificativo das entidades familiares (casamento, união estável e monoparentalidade), viabilizando, assim, o exercício da liberdade e da autonomia privada como parâmetros hábeis a justificar outras formas de constituição de família, tais como as homoafetivas, eudemonistas e anaparentais.

Partindo-se desse pressuposto verifica-se que o argumento da ausência de previsão legal e da diversidade de sexo ser requisito para a constituição de família são verdadeiros escudos utilizados pelos magistrados e pelo Ministério Publico   para mascarar o preconceito, a homofobia e a perpetuação do dogma religioso de meios legítimos de constituição de famílias. A fundamentação jurídico-constitucional suficiente para o reconhecimento das Uniões Homoafetivas como entidades familiares encontra-se no exercício da cidadania, na dignidade da pessoa humana, no principio da afetividade, na autonomia privada, na pluraridade das famílias, na proibição constitucional de quaisquer discriminações, especificamente as referentes a orientação sexual, no Direito Fundamental a Liberdade e na proteção jurídica da intimidade.

O fato da sociedade brasileira se considerar e estigmatizada como heterossexual, não existem justificativas jurídicas suficientemente plausíveis para a exclusão das uniões homoafetivas como entidades familiares. “Em 1991, a Anistia Internacional considerou violação dos direitos humanos a proibição da homossexualidade, classificada como direito fundamental que se encontra sob a proteção do Estado Democrático de Direito[40].

A ciência do Direito não pode ignorar a realidade social, uma vez que pensar assim é admitir o Direito como um instrumento de legitimação das diferenças,  do preconceito, da discriminação.O reconhecimento jurídico de uma realidade social não deve partir apenas do legislador, que muitas vezes é intencionalmente omisso. Ao Judiciário cabe o dever de interpretar juridicamente o contexto social não apenas sob a ótica do legislador, mas, acima de tudo, a partir de entendimento crítico-constitucional-princiológico na pós-modernidade[41], assegurando a todos, indistintamente, a igualdade, a não exclusão, o exercício de direitos e o repudio a todo tipo de preconceito e discriminação. Pensar a Ciência do Direito sob a ótica exclusivamente positivista é legitimar o tratamento jurídico desigual com o propósito discriminatório, haja vista que o déficit legislativo é algo comum a nossa cultura jurídica. Além disso, é importante ressaltar que a Lei é apenas uma fonte do Direito, que deve ser pensada na perspectiva principiológica e constitucionalizada. Não pode o Judiciário, com base em argumentos exclusivamente legalistas e decorrentes da interpretação literal da lei, negar direitos legítimos aos cidadãos, pois admitir isso é institucionalizar a exclusão e o preconceito. A dogmatização da diversidade de sexos como requisito intrínseco à constituição de família representa concepção teórica de natureza medieval, pautada no Direito Canônico, desconsiderando o afeto como o principal elemento estrutural para refletirmos a constituição de entidades familiares num contexto plural e democrático. É nesse contexto que não se justifica o posicionamento equivocado do Judiciário de reconhecer a Uniões Homoafetivas como sociedades de fatos protegidas juridicamente pelo Direito das Obrigações[42].

A Jurisdição enquanto Poder-Autoridade, pautada na subjetividade do julgador e decorrente de argumentos metajurídicos, não pode ser reconhecida como meio legitimo e democrático de resolução de conflitos de interesses. Pelo contrário, a Jurisdição Constitucional deve ser vista como um Direito Fundamental potencializador do exercício efetivo da cidadania no Estado Democrático de Direito. Ou seja, os argumentos utilizados para a reflexão critico-constitucionalizada na proteção das Uniões Homoafetivas pelo Direito das Famílias não podem decorrer do arbítrio, da subjetividade e da concepção axiologizante do julgador. Pensar assim é admitir o processo e a jurisdição como instrumentos de relativização das instituições democráticas e comprometimento de qualquer previsibilidade dos julgamentos (segurança jurídica). Além disso, é importante esclarecer que assegurar o amplo Acesso ao Judiciário, a todos os cidadãos indistintamente, é viabilizar a construção discursiva e participada do mérito da pretensão com fundamento em argumentação de natureza jurídico-constitucional. Diante do exposto fica claro que todas as pretensões, especificamente o reconhecimento judicial das Uniões Homoafetivas como entidades familiares, devem ser apreciadas pelo Judiciário mediante uma análise sistêmica de todo ordenamento jurídico brasileiro para, assim, garantir a implementação dos princípios da fundamentação das decisões judiciais (artigo 93, IX CF/88) e da imparcialidade do juízo. Dessa forma fica claro que o processo constitucional e a jurisdição enquanto Direito Fundamental do cidadão devem ser os fundamentos jurídicos da construção participada do mérito no âmbito da discursividade democrática. O Judiciário não pode simplesmente ignorar os argumentos fático-jurídico-probatórios das partes e legitimar julgamentos solitários, de natureza subjetiva e pautados na sapiência nata de nossos julgadores, pois assim teremos claramente a violação dos princípios constitucionais do processo, quais sejam, contraditório, isonomia processual, ampla defesa, devido processo legal.

Assim resta-nos claro que o debate do reconhecimento judicial das Uniões Homoafetivas como entidades familiares deixa de ser uma problemática pontual do Direito Material para passar a ser pensado a partir do processo constitucional democrático. Enquanto instituição constitucionalizada garantidora da efetivação dos Direitos Fundamentais e da construção isonomicamente participada do provimento jurisdicional, o processo democrático passa a ser visto como garantia constitucional de julgamentos proferidos em bases jurídico-principiológico-legais. Ou seja, o processo constitucional democrático é a garantia assegurada a todo jurisdicionado que será julgado não com fundamento na sapiência e inteligência nata do julgador mas, acima de tudo, com fundamento na interpretação sistêmica dos Direitos Fundamentais e dos princípios constitucionais no Estado Democrático de Direito. Dessa forma a figura do juiz-autoridade, do juiz-entidade, do juiz-sacerdote, cujos julgamentos são pautados nas suas crenças e valores, é substituída pelo julgador que construirá discursivamente os seus provimentos através da participação isonômica, em contraditório e em ampla defesa pelos destinatários do provimento jurisdicional. Rompe-se, assim, com os julgamentos a priori, decorrentes da sapiência nata do julgador, para garantir a todos os jurisdicionais uma análise jurídico-constitucionalizada de suas pretensões. Nesse contexto verifica-se que não existem argumentos jurídicos suficientes para justificar o não reconhecimento das Uniões Homoafetivas como entidades familiares no Estado Democrático de Direito. Importante ressaltar o pioneirismo do Rio Grande do Sul no que tange à proteção da entidade familiar homoafetiva:

A Corregedoria-Geral da Justiça, por meio do Provimento nº 006/2004, de 17/02/2004, acrescentou um parágrafo ao art. 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral, nos seguintes termos:

As pessoas plenamente capazes, independentemente da identidade ou posição de sexo, que vivam uma relação de fato duradoura, em comunhão afetiva, com ou sem compromisso patrimonial, poderão registrar documentos que digam respeito a tal relação. As pessoas que pretendam constituir uma relação afetiva na forma anteriormente referida também poderão registrar os documentos que a isso digam respeito[43].  

Diante o exposto, não restam duvidas acerca da juridicidade das Uniões Homoafetivas como entidades familiares, uma vez que pela principiologia constitucional e sistemática dos Direitos Fundamentais não existem justificativas jurídicas suficientes para negar tal proteção jurídica. A única justificativa suficiente para explicar o não reconhecimento das Uniões Homoafetivas como entidades familiares é aquela decorrente de argumentações de cunho metajurídico e de natureza dogmático-religiosa de uma interpretação literal do Direito pátrio no sentido de excluir tal proteção jurídica. Considerando que o Direito não pode fechar os olhos para a realidade social, que a Constituição brasileira de 1988 instituiu o Estado Democrático de Direito, que o processo constitucional democrático é a garantia assegurada aos cidadãos para o exercício pleno dos Direitos Fundamentais, que as normas constitucionais vedam qualquer tipo de discriminação (especificamente a decorrente de orientação sexual) e que há, em nosso ordenamento jurídico, a previsão de exercício do Direito Fundamental a Liberdade e a Igualdade, ficam evidentes os fundamentos jurídicos para o reconhecimento das Uniões Homoafetivas como entidades familiares.

Uma vez esclarecida a viabilidade jurídica do debate critico do tema em questão, em seguida serão analisadas as conseqüências jurídicas do reconhecimento das Uniões Homoafetivas enquanto entidades familiares.

 2.CONSEQUENCIAS JURIDICAS E OS DIREITOS DECORRENTES DAS UNIOES HOMOAFETIVAS

2.1 O reconhecimento judicial das Uniões Homoafetivas: a problemática do acesso ao Judiciário e a possibilidade jurídica do pedido

O Direito de Acesso amplo ao Judiciário encontra-se expressamente previsto na Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 5º, inciso XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Verifica-se, nesse contexto, que o objetivo do legislador constituinte foi democratizar as vias de acesso ao Judiciário, viabilizando indistintamente aos cidadãos o direito de discutir o mérito de suas pretensões. Os reflexos da democratização e ampliação do acesso ao Judiciário no plano infraconstitucional podem ser observados com o advento do jus postulandi, a lei dos Juizados Especiais e a ampliação de intervenção de terceiros nas relações processuais quando demonstrado claramente o seu interesse jurídico na pretensão. A implementação do principio da inafastabilidade do controle jurisdicional, previsto no artigo 5º inciso XXXV da Constituição brasileira de 1988, viabilizou a compreensão da ação como um Direito Fundamental incondicionado, ou seja, as condições da ação (Legitimidade Ad Causam, Interesse de Agir e Possibilidade Jurídica do Pedido) deixam de ser vistas como requisitos formais a serem demonstrados previamente a análise do mérito da pretensão para se tornarem parte integrante do próprio mérito. Por isso sabe-se que constitucionalmente o exercício do Direito de Ação não mais admite a extinção do processo sem julgamento do mérito, conforme preceitua o artigo 267 do Código de Processo Civil brasileiro, uma vez que enquanto Direito Fundamental a ação assegura aos cidadãos o Direito de discutir o mérito da pretensão mediante o exaurimento do debate da matéria fática e jurídica e implementação dos princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal, isonomia processual e indispensabilidade do advogado. “ A ação, principalmente nos modelos constitucionais que asseguram o livre acesso à Justiça, não deve ter condicionantes, mas sim evoluir para um sistema que estabeleça responsabilidades decorrentes dos atos abusivos e ilícitos oriundos dos excessos no uso do direito de ação[44]”.

Nesse ínterim verifica-se que o entendimento critico-constitucional da ação como um Direito Fundamental garante ao jurisdicionado o direito de não ser surpreendido com a extinção do processo sem julgamento do mérito. É exatamente isso que vem ocorrendo nas pretensões de reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas como entidades familiares: a extinção do processo sem julgamento do mérito por impossibilidade jurídica do pedido. O argumento utilizado pelos magistrados é que o respectivo pedido é juridicamente impossível em virtude da ausência de previsão legal, o que constitui verdadeiro absurdo jurídico. A compreensão da possibilidade jurídica do pedido enquanto condição da ação e requisito formal de analise do mérito da pretensão deduzida pressupõe as seguintes afirmações: 1) considera-se pedido juridicamente impossível aquele que encontra vedação expressa no texto legal; 2) a impossibilidade jurídica do pedido decorre, também, da impossibilidade fática e lógica da pretensão deduzida em juízo. Não é o que se verifica no caso das Uniões Homoafetivas: não existe dispositivo legal proibindo expressamente o reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas como entidades familiares, argumento a priori que por si só desconstitui a idéia de extinção do processo sem julgamento do mérito por impossibilidade jurídica do pedido. Além disso, a autonomia privada como corolário do Direito Fundamental de Liberdade, a vedação de discriminação, o Direito Fundamental a Igualdade, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da isonomia processual, do devido processo legal, da fundamentação das decisões judiciais, da imparcialidade do juízo, bem como o principio constitucional da dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito são fundamentos claramente jurídicos suficientes para garantir ao jurisdicionado o direito de discutir o mérito da pretensão deduzida em juízo.

A única explicação plausível para justificar o posicionamento de alguns julgadores é a utilização de argumentos morais e religiosos, de cunho metajurídico e suficiente para sustentar o decisionismo pautado na homofobia. Visando explicitar o posicionamento homofóbico de alguns julgadores torna-se imprescindível mencionar trechos da sentença do caso Richarlysson, jogador de futebol no Estado de São Paulo que propôs uma queixa crime contra um dirigente de futebol que supostamente tenha afirmado em veículos de comunicação que o mesmo era homossexual. Senão vejamos:

“[…] se fosse homossexual, poderia admiti-lo, ou até omitir, ou silenciar a respeito. Nesta hipótese, porém, melhor seria que abandonasse os gramados…

Já que foi colocado, como lastro, este juízo responde: FUTEBOL É JOGO VIRIL, VARONIL, NÃO HOMOSSEXUAL. Há hinos que consagram essa condição: OLHOS ONDE SURGE O AMANHÃ, RADIOSO DE LUZ, VARONIL, SEGUE SUA SENDA DE VITÓRIAS. Esta situação, incomum, do mundo moderno, precisa ser rebatida.

Quem se recorda da COPA DO MUNDO DE 1970, quem viu o escrete de ouro jogando (FÉLIX, CARLOS ALBERTO, BRITO, EVERALDO, PIAZA; CLODOALDO E GÉRSON; JAIRZINHO, PELÉ, TOSTÃO E RIVELINO), jamais conceberia um ídolo seu homossexual.

Quem presenciou grandes orquestras futebolísticas formadas: SEJAS, CLODOALDO, PELÉ E EDU, no Peixe: MANGA, FIGUEIROA, FALCÃO E CAÇAPAVA, no Colorado: CARLOS, OSCAR, VANDERLEI. MARCO AURÉLIO E DICA, na Macaca, dentre inúmeros craques, não poderia vivenciar um homossexual jogando futebol.

Não que um homossexual não possa jogar bola. Pois que jogue querendo. Mas, forme o seu time e inicie uma Federação. Agende jogos com quem prefira pelejar contra si.

O que não se pode entender é que a Associação de Gays da Bahia e alguns colunistas (se é que realmente se pronunciaram nesse sentido) teimem em projetar para os gramados, atletas homossexuais.

Ora, bolas, se a moda pega, logo teremos o SISTEMA DE COTAS, forçando o acesso de tantos por agremiação…

E não se diga que essa abertura será de idêntica proporção ao que se deu quando os negros passaram a compor as equipes. Nada menos exato. Também o negro, se homossexual, deve evitar fazer parte de equipes futebolísticas de héteros.

O que não se mostra razoável é a aceitação de homossexuais no futebol brasileiro, porque prejudicariam a uniformidade de pensamento da equipe, o entrosamento, o equilíbrio, o ideal…

Para não se falar no desconforto do torcedor, que pretende ir ao estádio, por vezes com seu filho, avistar o time do coração se projetando na competição, ao invés de perder-se em análises do comportamento deste, ou daquele atleta, COM EVIDENTE PROBLEMA DE PERSONALIDADE, OU EXISTENCIAL, desconforto também dos colegas de equipe, do treinador, da comissão técnica e da direção do clube.

Precisa, a propósito, estrofe popular que consagra: CADA UM NA SUA ÁREA, CADA MACACO EM SEU GALHO, CADA GALO EM SEU TERREIRO, CADA REI EM SEU BARALHO.

É assim QUE EU PENSO,… E PORQUE PENSO ASSIM NA CONDICAO DE MAGISTRADO DIGO! […]”[45]

Trata-se de uma sentença proferida pelo magistrado Manoel Maximiano Junqueira Filho, no dia 05 de julho de 2007, então titular da 9ª Vara Criminal da Capital de São Paulo. É a demonstração evidente de um pensamento medieval, pautado no preconceito exteriorizado claramente através do repúdio aos homossexuais como se fossem dotados de uma patologia de cunho fisiológico e mental, o que impossibilitaria o convívio social e o exercício livre de seus Direitos Fundamentais. Tal decisão é o retrato fiel de uma concepção de processo pautada na magnanimidade, na sapiência nata, na autoridade e no autoritarismo do magistrado, que, falsamente, acredita ser dotado de um poder suficiente para julgar e condenar pessoas pela sua orientação sexual, utilizando-se o processo como instrumento para a discriminação, o preconceito (de todas as ordens) e a supressão de direitos. O mínimo que podemos pensar dessa estapafúrdia decisão é a exteriorização do pensamento homofóbico no Judiciário brasileiro. Em virtude disso é oportuno questionar o próprio discernimento do julgador em não conseguir respeitar livremente o exercício dos Direitos Fundamentais em uma sociedade democrática, plural e marcada por inúmeras diversidades entre os cidadãos. Não se pretende demonstrar aqui que os homossexuais são diferentes e, por isso, mereceriam tratamento jurídico diferenciado. O que se busca com o presente trabalho acadêmico é tão somente instigar a reflexão cientifica com o propósito de demonstrar que o verdadeiro estudioso do Direito Democrático na pós-modernidade tem que pautar suas argumentações em critérios objetivos, constitucionais e jurídicos. Qualquer cidadão quando bate as portas do Judiciário não pretende ser sumariamente julgado e condenado com fundamento na subjetividade homofóbica de um magistrado que usa de sua autoridade para perpetuar o preconceito. Tal decisão retrata, infelizmente, o entendimento de alguns magistrados no Brasil, o que deixa cada vez mais evidente que é preciso fomentar a reflexão critico-científica para viabilizar um entendimento democrático-constitucionalizado de um direito inclusivo (não de exclusão), pautado na liberdade de escolha, na igualdade jurídica e no Direito Fundamental de argumentação fático-jurídica do mérito das pretensões. É somente dessa forma que podemos pensar o Direito de Ação na perspectiva constitucionalizada.

O combate e o repudio à homofobia, tanto na sociedade civil quanto no Judiciário, no Ministério Público, no Executivo, no Legislativo e nas instituições publicas e privadas em geral, proporciou condições para a apresentação do Projeto de Lei nº 5003-b[46], que tem como objetivo criminalizar a homofobia e, conseqüentemente estabelecer sanções a pessoas físicas e jurídicas que injustificamente praticar atos de discriminação em virtude da orientação sexual. Sem sombra de duvidas trata-se de um Projeto de Lei que retrata o interesse da sociedade civil lutar contra o preconceito decorrente de orientação sexual, porém, a simples existência de uma Lei não será suficiente para assegurar o respeito dos homossexuais, lésbicas, transexuais e transgêneros na sociedade civil. Tal Projeto de Lei deve ser visto como um instrumento suficiente para levar a sociedade civil a refletir e debater a diversidade sexual e, assim, iniciarmos efetivamente um novo período da historia da humanidade em que a igualdade, o repudio ao preconceito e a liberdade passa a ser prioridade.

Ante o exposto é indiscutível a existência do Direito de Ação, com amparo constitucional, de discussão do mérito da pretensão. Ou seja, pensar o processo no modelo constitucional adotado pelo Estado Democrático de Direito, é reconhecer o direito de discussão fático-jurídica da pretensão deduzida e não admitir a extinção do processo sem julgamento de mérito por impossibilidade jurídica do pedido quando o objeto for o debate do reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas como entidades familiares. Mesmo diante de todo esse debate ainda existem divergências acerca do reconhecimento ou não das Uniões Homoafetivas como entidades familiares, o que tem levado muitos magistrados a afirmarem que as Uniões Homoafetivas não devem ser compreendidas como entidades familiares, mas sim como meras sociedades de fato protegidas pelo direito obrigacional. Senão vejamos:

“UNIÃO ESTÁVEL – Reconhecimento em união homossexual – Sentença de improcedência corretamente decretada – Possibilidade de divisão de haveres apenas se demonstrada a existência de verdadeira sociedade de fato, com união de esforços para a aquisição do acervo patrimonial, qual se tratasse de uma sociedade mercantil comum – Descabimento de seu reconhecimento como se tratasse de entidade familiar, com base apenas na coabitação e vínculo afetivo – Apelo improvido.” (TJSP)[47]

“União de pessoas do mesmo sexo – Ação declaratona de união estável – Competência de uma das Varas Cíveis – Inconformismo – Desacolhimento – Ausência de semelhança com o arí 226. § 39, da CF – Objeto da ação relacionado com o direito obrigacional – Precedente apreciado pela C Câmara Especial deste E Tnbunal – Decisão mantida – Recurso desprovido (TJSP)”[48]

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE CÂMARAS DO TRIBUNAL – AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO C/C DIVISÃO DE PATRIMÔNIO – RELAÇÃO HOMOSSEXUAL – QUESTÃO ESTRANHA AO DIREITO DE FAMÍLIA – MATÉRIA AFETA AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES – COMPETÊNCIA RECURSAL DA UNIDADE FRANCISCO SALES – INTELIGÊNCIA DO ART. 108, II, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS, COM A REDAÇÃO ANTERIOR À CONFERIDA PELA EC Nº 63/2004 – RESOLUÇÃO Nº 463/2005, ART. 2º, § 2º. (TJMG, Relator: Orlando Carvalho, Data do Julgamento: 04/12/2005, Numero do Processo: 1.0000.05.426848-7/000(1)”[49]

“AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE SOCIEDADE DE FATO, CUMULADA COM DIVISÃO DE PATRIMÔNIO. RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. INEXISTÊNCIA DE DISCUSSÃO ACERCA DE DIREITOS ORIUNDOS DO DIREITO DE FAMÍLIA. COMPETÊNCIA DA VARA CÍVEL. VOTO VENCIDO. A competência é da Vara Cível, em ação de dissolução de sociedade de fato, cumulada com divisão de patrimônio de união homossexual. Preliminar acolhida, sentença anulada e competência declinada. Vv.: Se o Tribunal competente, no caso, a Unidade Goiás, não anulou a sentença de primeiro grau, não cabe a este Tribunal fazê-lo, sob pena de extrapolar os limites da sua seara, delimitada pelo art. 106, inciso II, letra ""c"", da Constituição Estadual (com redação anterior à EC 63/2004) e o art. 2º, §2º, da Resolução nº 463/2005, da Corte Superior deste Tribunal de Justiça. (Des. Roberto Borges de Oliveira) (TJMG, Relator: Pereira da Silva; Data do Julgamento: 20/03/2007; Numero do Processo: 2.0000.00.465188-5/000(1)”[50]

Mesmo diante do Direito de Ação com previsão constitucional ressaltam-se posicionamentos jurisprudenciais acerca da impossibilidade jurídica de reconhecimento judicial das Uniões Homoafetivas como entidades familiares, em virtude de um entendimento restritivo-dogmático (não sistêmico constitucionalizado no âmbito democrático) do que o direito entende por família:

“ENTIDADE FAMILIAR. UNIÃO ESTÁVEL. PESSOAS DO MESMO SEXO. RECONHECIMENTO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL. DEPENDÊNCIA PREVIDENCIÁRIA. PENSÃO POR MORTE. IMPOSSIBILIDADE. – A Constituição da República não considera como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo, sendo casuísticas as respectivas definições do art.226. – A consagração do companheirismo como forma de dependência previdenciária atende os princípios da entidade familiar, revelada por união estável, não se admitindo pensão para pessoa do mesmo sexo, em consideração de união homossexual.” (TJMG, Relator: Ernane Fidélis, Data do Julgamento: 08/04/2008; Numero do Processo: 1.0702.04.182123-0/001)[51]

“APELAÇÃO CÍVEL. CONSTITUCIONAL E FAMÍLIA. UNIÃO HOMOAFETIVA. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. A diversidade de sexo continua a ser requisito fundamental tanto para a celebração do casamento, quanto para o reconhecimento da união estável, razão pela qual não se pode conceber a mesma natureza jurídica desses institutos às relações homoafetivas. 2. Recurso não provido.” (TJMG, Relator: Célio César Paduani, Data do Julgamento: 04/12/2008; Numero do Processo: 1.0024.07.764088-6/001(1))[52]

“Agravo de instrumento. Ação declaratória. União estável entre pessoas do mesmo sexo. Manifesta impossibilidade jurídica do pedido. Recurso provido. 1. A impossibilidade jurídica do pedido ocorre quando a ordem jurídica não permite a tutela jurisdicional pretendida. 2. Diante da norma expressa, contida no art. 226, § 3º, da Constituição da República, somente entidade familiar por constituir união estável o relacionamento afetivo entre homem e mulher. 3. Revela-se manifestamente impossível a pretensão declaratória de existência de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo. 4. Agravo de instrumento conhecido e provido.”(TJMG, Relator: Caetano Levi, Data do Julgamento: 22/03/2005; Numero do Processo: 1.0702.03.094371-7/001(1)[53]

“Apelação Cível. Ação declaratória. União homoafetiva. Impossibilidade jurídica do pedido. Carência de ação. Sentença mantida. A impossibilidade jurídica do pedido ocorre quando a ordem jurídica não permite a tutela jurisdicional pretendida; Na esteira da jurisprudência deste Tribunal de Justiça, diante da norma expressa, contida no art. 226, § 3º, da Constituição da República, somente entidade familiar pode constituir união estável, através de relacionamento afetivo entre homem e mulher; Revela-se manifestamente impossível a pretensão declaratória de existência de união estável entre duas pessoas do mesmo sexo.” (TJMG, Relator: Domingos Coelho, Data do Julgamento: 24/05/2006; Numero do Processo: 1.0024.04.537121-8/002(1)[54]

Mesmo diante de inúmeros posicionamentos jurisprudenciais não reconhecendo juridicamente as Uniões Homoafetivas como entidades familiares verificam-se entendimentos no sentido contrário. O juiz da 4ª Vara da Fazenda Publica e Autarquias de Belo Horizonte, de forma bastante inovadora no Judiciário Mineiro, considerado tradicional no que tange ao reconhecimento das Uniões Homoafetivas, determinou que o IPSEMG pague pensão por morte a uma enfermeira aposentada que mantinha com uma servidora publica estadual união estável há aproximadamente 25 anos. Em contestação o IPSEMG alegou a ausência de previsão legal suficiente para o reconhecimento e os efeitos jurídicos decorrentes da União Homoafetiva, o que não foi acatado pelo juiz Saulo Versiani Pena, que esclareceu que a Constituição brasileira de 1988 veda qualquer tipo de discriminação e preconceito, o que por si só não justificaria o tratamento jurídico desigual às Uniões Homoafetivas. “Para o juiz, todos os projetos pessoais e coletivos de vida, desde que plausíveis, são dignos de igual respeito e consideração, merecedores de idêntico reconhecimento. Assim, para ele, a orientação sexual não perturba a ordem pátria e, assim, merece atenção e regulação jurídica”. Informou o juiz que embora o legislador constituinte tenha mencionado expressamente a União Estável entre homem e mulher, não proibiu expressamente o reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas, que pelos princípios da igualdade, dignidade humana, vedação a qualquer tipo de preconceito e discriminação o Direito Fundamental a Liberdade não podem deixar de ser reconhecidas pelo Judiciário brasileiro[55].

“AÇÃO ORDINÁRIA – UNIÃO HOMOAFETIVA – ANALOGIA COM A UNIÃO ESTÁVEL PROTEGIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – PRINCÍPIO DA IGUALDADE (NÃO-DISCRIMINAÇÃO) E DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE DEPENDÊNCIA DE UM PARCEIRO EM RELAÇÃO AO OUTRO, PARA TODOS OS FINS DE DIREITO – REQUISITOS PREENCHIDOS – PEDIDO PROCEDENTE. – À união homoafetiva, que preenche os requisitos da união estável entre casais heterossexuais, deve ser conferido o caráter de entidade familiar, impondo-se reconhecer os direitos decorrentes desse vínculo, sob pena de ofensa aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. – O art. 226, da Constituição Federal não pode ser analisado isoladamente, restritivamente, devendo observar-se os princípios constitucionais da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Referido dispositivo, ao declarar a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, não pretendeu excluir dessa proteção a união homoafetiva, até porque, à época em que entrou em vigor a atual Carta Política, há quase 20 anos, não teve o legislador essa preocupação, o que cede espaço para a aplicação analógica da norma a situações atuais, antes não pensadas. – A lacuna existente na legislação não pode servir como obstáculo para o reconhecimento de um direito”. (TJMG, Relatora: Heloísa Combat, Data do Julgamento: 22/05/2007, Numero do Processo: 1.0024.06.930324-6/001(1))[56]

“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL- APELAÇÃO- AÇÃO DECLARATÓRIA – IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – NÃO OCORRÊNCIA- UNIÃO CIVIL DE PESSOAS DO MESMO SEXO – CONTRATO- NÃO EXIGÊNCIA- CONCORRÊNCIA DE ESFORÇOS E RECURSOS PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO – SOCIEDADE DE FATO RECONHECIDA – PARTILHA DE BENS – MEAÇÃO DEFERIDA – COMPENSAÇÃO DE VALOR DEVIDO AO ESPÓLIO- RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não existe impossibilidade jurídica do pedido quando a pretensão deduzida em juízo não está regulada em lei. Comprovada a formação de uma sociedade homoafetiva e demonstrada a união de esforços para a formação de um patrimônio, deve ser deferida a meação dos bens. Não há que se falar em comprovação contratual de sociedade de fato, homoafetiva, a teor do disposto no art. 981 do CC, por esta não se tratar de uma sociedade empreendedora. Na meação a ser paga à apelada, o apelante faz jus a compensação de crédito que possui em relação ao preço do imóvel a ser partilhado. Recurso conhecido e parcialmente provido”. (TJMG, Relatora: Márcia de Paoli Balbino; Data do Julgamento: 23/08/2007; Numero do Processo: 1.0480.03.043518-8/001(1)[57]

Importante ressaltar, ainda, a discussão acerca da competência para o processamento e julgamento dos pedidos de reconhecimento judicial das Uniões Homoafetivas, que no entendimento daqueles que entendem se tratar de entidade familiar se posicionam no sentido de reconhecer a competência das Varas de Famílias, enquanto aqueles que ainda insistem não reconhecer como entidade familiar afirmam se tratar de competência das Varas Cíveis. Nesse sentido verificam-se as divergências jurisprudenciais:

“AÇÃO DECLARATÓRIA – RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO HOMOAFETIVA – INDEFERIMENTO DA INICIAL – CASSAÇÃO – POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO – NECESSIDADE DE CONFERIR REGULAR PROCESSAMENTO AO FEITO. 1 – É da vara de família a competência para processar e julgar ação declaratória de união homoafetiva por meio da qual as autoras pretendem assegurar-se direitos patrimoniais como entidade familiar. 2 – A possibilidade jurídica do pedido, como uma das condições da ação, consiste na averiguação abstrata a respeito da viabilidade da pretensão deduzida frente ao ordenamento vigente. 3 – Afastados os argumentos, nos quais se pautou o Juiz 'a quo' para indeferir a inicial, e uma vez evidenciada a possibilidade jurídica do pedido, cassa-se a sentença, determinando o regular processamento do feito, para que seja aferido o mérito da questão litigiosa. V.V.P.” (TJMG, Relator: Silas Vieira, Data de Julgamento: 25/01/2007; Numero do Processo: 1.0024.05.817915-1/001(1)[58]

“CONFLITO DE COMPETÊNCIA – AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO – UNIÃO HOMOAFETIVA – AUSÊNCIA DE PEDIDO DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO JURÍDICO TÍPICO DO DIREITO DE FAMÍLIA – QUESTÃO DE CUNHO PATRIMONIAL – COMPETÊMCIA DA VARA CÍVEL – PRECEDENTE DA CORTE. – Se a questão debatida nos autos relaciona-se essencialmente à questão patrimonial, com pedido de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, resultante de união homoafetiva, não tendo sido, ainda, requerido pelo autor da ação a atribuição de efeitos jurídicos típicos do direito de família à relação, a competência para processar e julgar o feito é da Vara Cível. Precedente da Corte deste Tribunal (CC nº 1.0000.05.426848-7/000).” (TJMG, Relator: Eduardo Andrade, Data do Julgamento: 11/11/2008; Numero do Processo: 1.0000.08.482836-7/000(1)[59]

Verifica-se, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, profunda divergência quanto ao reconhecimento ou não da União Homoafetiva como entidade familiar, porém observa-se a prevalência de um entendimento no sentido de compreender restritivamente a dimensão constitucional sobre as entidades familiares prevista no artigo 226 da Constituição Federal de 1988. Em sentido contrario temos o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que de forma pioneira, através dos inúmeros trabalhos de pesquisa da professora Maria Berenice Dias, hoje desembargadora aposentada, vem manifestando reiteradamente o entendimento de que o legislador constituinte trouxe o conceito aberto, plural e democrático de entidades familiares, pautado nos princípios da autonomia privada e da dignidade humana, excluindo a diversidade de sexos como requisito para a constituição de família. Nesse sentido temos:

“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo.” (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70012836755, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 21/12/2005)[60]

“AÇÃO DECLARATÓRIA. RECONHECIMENTO. UNIÃO ESTÁVEL. CASAL HOMOSSEXUAL. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. CABIMENTO. A ação declaratória é o instrumento jurídico adequado para reconhecimento da existência de união estável entre parceria homoerótica, desde que afirmados e provados os pressupostos próprios daquela entidade familiar. A sociedade moderna, mercê da evolução dos costumes e apanágio das decisões judiciais, sintoniza com a intenção dos casais homoafetivos em abandonar os nichos da segregação e repúdio, em busca da normalização de seu estado e igualdade às parelhas matrimoniadas. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA.” (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Embargos Infringentes Nº 70011120573, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 10/06/2005)[61]

“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre dois homens de forma pública e ininterrupta pelo período de nove anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetuou através dos séculos, não podendo o judiciário se olvidar de prestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de gêneros. E, antes disso, é o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações mantidas entre pessoas do mesmo sexo constitui forma de privação do direito à vida, bem como viola os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO. UTILIZAÇÃO DE ANALOGIA E DOS PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO. A ausência de lei específica sobre o tema não implica ausência de direito, pois existem mecanismos para suprir as lacunas legais, aplicando-se aos casos concretos a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito, em consonância com os preceitos constitucionais (art. 4º da LICC). Negado provimento ao apelo, vencido o Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves.” (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70009550070, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 17/11/2004[62]

“UNIÃO HOMOAFETIVA. POSSIBILIDADE JURÍDICA. Observância dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Pela dissolução da união havida, caberá a cada convivente a meação dos bens onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo a companheira sem deixar ascendentes ou descendentes caberá à sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das leis nº 8.871/94 e 9.278/96. POR MAIORIA, NEGARAM PROVIMENTO, VENCIDO O REVISOR.” (Apelação Cível Nº 70006844153, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Catarina Rita Krieger Martins, Julgado em 18/12/2003[63].

2.2 Relações Homoafetivas: União Estável ou Casamento?

Inúmeras são as conseqüências jurídicas decorrentes do reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas enquanto entidades familiares no Estado Democrático de Direito: a) possibilidade jurídica do companheiro (a) sobrevivente reivindicar pensão por morte junto ao INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) ou qualquer outro órgão de previdência pública ou privada. Certamente essa é a oportunidade que os pares homoafetivos terão de sair da clandestinidade e da marginalidade social para serem efetivamente reconhecidos pelo Direito pátrio; b) possibilidade jurídica de Filiação ou Adoção Homoafetiva, reconhecendo ao casal o direito de exercício legitimo da paternidade ou da maternidade independentemente da orientação sexual ou de quaisquer outros preconceitos materializados mediante posturas discriminatórias e perniciosas; c) inclusão do companheiro (a) como dependente em plano de saúde, para fins de Declaração de Imposto de Renda ou em outras situações que exigem a condição formal de dependente para fins de exercício de Direitos; d) possibilidade do sobrevivente exercer a guarda de filho menor do de cujus, como ocorreu quando da morte da cantora Cássia Eller, em que seu filho ficou sob a guarda de sua companheira; e) o reconhecimento do dever de mutua assistência entre os (a) companheiros (a), viabilizando o direito-dever de prestar e exigir alimentos; f) a constituição de guarda e o reconhecimento jurídico da guarda de filhos menores ou incapazes do casal; g) proteção jurídica do bem de família dos pares homoafetivos, proibindo a penhorabilidade nos termos do disposto na Lei 8009/90;  h) o direito legitimo do sobrevivente participar do processo sucessório, protegendo o seu direito de meação e o seu quinhão.

Em 03 de abril de 2008 terminou empatado o julgamento de Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça  que tinha como objeto o reconhecimento da União Estável entre pessoas do mesmo sexo:

“O recurso discute o caso de um casal formado por um brasileiro e um canadense que propuseram ação declaratória de união estável na 4ª Vara de Família de São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Eles alegam que vivem juntos desde 1988. O casal quer, com o reconhecimento da união, pedir visto permanente para que o estrangeiro possa viver no Brasil. Esta é a primeira vez que o STJ analisa o caso sob o ponto de vista do Direito de Família. Até então, a união homossexual vem sendo reconhecida pelo Tribunal como sociedade de fato apenas sob o ponto de vista patrimonial”[64].

Considerando que orientação ou identidade sexual é uma construção social e não predeterminada por questões de cunho genético, sabe-se que negar o reconhecimento de tais relações como entidades familiares é considerar que o afeto não é o fundamento das relações familiares e que a diversidade de sexo, a procriação e o patriarcalismo continuam sendo a finalidade base do casamento. É retroceder, em termos de reflexões cientificas, uma vez que a construção constitucionalizada do direito democrático perpassa pelo respeito às liberdades individuais e à igualdade como corolários da dignidade da pessoa humana.

Nesse contexto pretende-se discutir a problemática do casamento gay na contemporaneidade. O primeiro questionamento que se faz é acerca de sua possibilidade jurídica, considerada por muitos profissionais do direito algo inviável, em virtude da ausência de previsão legal. A justificativa para esse posicionamento novamente é o positivismo jurídico e o legalismo arraigado na cultura jurídica, que serve como escudo e justificativa para excluir o exercício de direitos. Em um juízo a priori entende-se que o casamento gay no Brasil representaria uma afronta a moral, aos bons costumes e, principalmente ao direito, em virtude da ausência de previsão legal. Porém, no momento em que pensamos o Direito Democrático a partir dos Direitos Fundamentais e dos Princípios Constitucionais, especificamente a Liberdade, Autonomia Privada, Igualdade e Dignidade Humana, verifica-se ser juridicamente possível o casamento gay no Brasil em virtude da vedação legal em sentido contrario. Mesmo que houvesse vedação legal quanto ao contrato de casamento de pessoas do mesmo sexo tal norma não poderia ser aplicada em virtude de sua evidente inconstitucionalidade, uma vez que viola expressamente os Direitos Fundamentais a Igualdade e a Liberdade. Qual a justificativa jurídica para autorizar o casamento de um homem e uma mulher e proibir o casamento de pessoas do mesmo sexo? Certamente o argumento utilizado não é de natureza jurídico-constitucional-democrática, mas sim de cunho religioso, moral e metajurídico.

Na realidade dos fatos o casamento gay seria uma forma de retirar da clandestinidade relacionamentos estáveis e com o intuito de constituir família constituídos socialmente por pessoas do mesmo sexo. O contrato de casamento, enquanto instrumento formal de reconhecimento da família, certamente seria uma alternativa para rompermos com essa argumentação dogmática que resiste em reconhecer como família os pares homoafetivos. Ao admitir o casamento gay o Estado legitimará, de forma definitiva, a constituição de famílias homoafetivas e sepultará todas as discussões morais e religiosas utilizadas como parâmetro para o não reconhecimento de direitos aos pares homoafetivos. A institucionalização do casamento gay é algo plenamente possível no Brasil, tendo em vista tratar-se de um Estado Laico e cujos parâmetros para o reconhecimento de direitos dos cidadãos não pode ser a religião.

Ao analisar o Direito Comparado verifica-se que paises como a Espanha, Alemanha e o Reino Unido já regulamentaram o casamento gay e demonstraram, de forma inequívoca, que aos Estados caberão o dever de viabilizar o exercício legítimo da Autonomia Privada e das Liberdades Individuais de seus cidadãos. Não é legitimo que os Estados definam, de forma taxativa, o que é família, mas reconheçam juridicamente as formas que a sociedade elege de constituição de entidades familiares. O Brasil ainda encontra-se preso a valores morais e religiosos como parâmetro para pensar o Direito Democrático, o que representa um verdadeiro retrocesso, em termos jurídicos, no que tange ao entendimento critico do principio da autonomia privada. Verifica-se, portanto, que todo o debate proposto funda-se em discussões de natureza jurídico-constitucional. A construção de uma sociedade democrática, livre e igual perpassa pela ruptura com a castração religiosa, com o dogmatismo moral, com o preconceito e a discriminação. O que precisamos é fomentar o debate sobre o tema diversidade sexual para proporcionar condições de entendimento e aceitação pela sociedade civil quanto a homossexualidade, bissexualidade, transexualismo e outras formas de manifestação social da sexualidade. O Direito não pode ficar alheio a esse debate e, por isso, deve ser visto como instrumento para legitimar os Direitos Fundamentais e combater o preconceito e a exclusão. O Judiciário deve atuar no sentido de reprimir, punir e combater toda conduta que venha a violar o exercício livre de direitos.

2.3 Partilha, Regime de Bens e Testamento Homoafetivo

A problemática jurídica acerca da sucessão de pares homoafetivos decorre da necessidade de proteção do companheiro (a) sobrevivente com o propósito de evitar que a família do de cujus se posicione no sentido de desamparar o sobrevivente pela simples alegação de ausência de previsão legal no sentido de reconhecimento das Uniões Homoafetivas no Brasil. Imediatamente poderíamos resolver a situação mediante o Testamento, através do qual cada qual faria um testamento beneficiando o sobrevivente. Porém, duas questões relevantes surgem nesse contexto: a proibição expressa de realização de testamentos conjuntivos recíprocos, prevista no artigo 1863 do Código Civil brasileiro e a impossibilidade de contemplar a totalidade dos bens adquiridos pelo casal na constância da união.

Em caso de concordância dos herdeiros legítimos do de cujus em concordar que o sobrevivente participe normalmente do processo sucessório, qual seria o procedimento adotado em caso de sucessão de pares homoafetivos? A saída mais adequada para o caso seria a lavratura de uma Escritura Publica reconhecendo e dissolvendo a União Homoafetiva para, assim, comprovar a condição de herdeiro (a) do (a) sobrevivente. Mas e em caso dos herdeiros do de cujus  não concordarem com a participação do (a) companheiro (a) no processo sucessório, qual a solução jurídica a ser adotada no presente caso? Algumas questões precisam ser ponderadas nesse contexto: a) visando evitar que o sobrevivente fique desamparado e não venha a participar do processo sucessório a primeira alternativa seria o Testamento Homoafetivo, através do qual o sobrevivente resguardaria pelo menos 50% dos bens deixados pelo de cujus; b) outra saída seria buscar judicialmente o reconhecimento e a dissolução da União Homoafetiva com a conseqüente partilha de bens. Nesse caso, uma vez reconhecida judicialmente a União Homoafetiva, existindo herdeiros necessários, o sobrevivente teria resguardado o seu direito de meação e concorreria com os demais herdeiros necessários nos termos do disposto no artigo 1790, incisos I e II do Código Civil brasileiro vigente. Não havendo herdeiros necessários o sobrevivente herdaria a integralidade da herança e, assim, aplicaríamos analogicamente o disposto no artigo 1829, inciso III do Código Civil brasileiro, pautado no principio da igualdade entre cônjuges e companheiros. Esse é o posicionamento que vem sendo adotado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e outros Tribunais, que vem se manifestando sobre o tema Uniões Homoafetivas fundados juridicamente na vedação de discriminação, no principio da dignidade da pessoa humana e no Direito Fundamental de Igualdade, considerados os pilares do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido temos:

“União homoafetiva. Possibilidade jurídica. Observância dos princípios da igualdade e dignidade da pessoa humana. Pela dissolução da união havida, caberá a cada convivente a meação dos bens onerosamente amealhados durante a convivência. Falecendo a companheira sem deixar ascendentes ou descendentes caberá à sobrevivente a totalidade da herança. Aplicação analógica das Leis n.º 8.871/94 e 9.278/96. Por maioria, negaram provimento, vencido o revisor”[65]

Verifica-se, no presente julgado, a ruptura com o preconceito e a discriminação, uma vez que independentemente do contexto social não pode os julgadores e o Direito Democrático fechar os olhos e simplesmente ignorar a existência de relações afetivas em que as partes constroem patrimônio e buscam os seus direitos sucessórios legitimamente. A homoafetividade é considerada hoje um fato social[66] com repercussões jurídicas que precisam ser pensadas criticamente pelos profissionais do Direito a partir da constitucionalidade dos Direitos Fundamentais democraticamente construídos pelo exercício da cidadania. Abaixo temos outros entendimentos jurisprudenciais:

“UNIÃO HOMOAFETIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. Existindo divergência quanto ao termo final do relacionamento, deve ser mantida a indisponibilidade dos bens em nome de um dos companheiros até o julgamento final da ação de reconhecimento de união estável. Agravo desprovido à unanimidade, rejeitada a preliminar, por maioria.” (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70013929302, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 29/03/2006)[67]

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INVENTÁRIO. SUBSTITUIÇÃO DE INVENTARIANTE. UNIÃO HOMOAFETIVA. A alegada união homoafetiva mantida entre o agravante e o falecido, em sede de cognição sumária, mostra-se controvertida, sendo que está em tramitação a ação para o seu reconhecimento. Assim, deve ser mantida a genitora do de cujus no encargo de inventariante, tendo em vista que foi determinada a reserva de bens no inventário em favor do sedizente companheiro. Recurso desprovido”. (Agravo de Instrumento Nº 70023997547, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 02/06/2008)[68]

“SUCESSÕES. INVENTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. UNIÃO HOMOAFETIVA. NOMEAÇÃO DO SEDIZENTE COMPANHEIRO COMO INVENTARIANTE. POSSIBILIDADE NO CASO CONCRETO. Ainda que a alegada união homoafetiva mantida entre o recorrente e o de cujus dependa do reconhecimento na via própria, ante a discordância da herdeira ascendente, o sedizente companheiro pode ser nomeado inventariante por se encontrar na posse e administração consentida dos bens inventariados, além de gozar de boa reputação e confiança entre os diretamente interessados na sucessão. Deve-se ter presente que inventariante é a pessoa física a quem é atribuído o múnus de representar o Espólio, zelar pelos bens que o compõem, administrá-lo e praticar todos os atos processuais necessários para que o inventário se ultime, em atenção também ao interesse público. Tarefa que, pelos indícios colhidos, será mais eficientemente exercida pelo recorrente. Consagrado o entendimento segundo o qual a ordem legal de nomeação do inventariante (art. 990, CPC) pode ser relativizada quando assim o exigir o caso concreto. Ausência de risco de dilapidação do patrimônio inventariado.” RECURSO PROVIDO (ART. 557, §1º-A, CPC). (Agravo de Instrumento Nº 70022651475, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 19/12/2007)[69]

2.4 Pensão por Morte e Direito a Alimentos

O direito de pedir alimentos decorre do reconhecimento jurídico da existência de vínculo jurídico, o que não pode ser diferente no caso das Uniões Homoafetivas. Nesse contexto verifica-se que somente para aqueles que reconhecem as Uniões Homoafetivas como entidades familiares que admitem a possibilidade de concessão de alimentos, pautado sempre no binômio necessidade e possibilidade. Nesse sentido temos:

“CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. UNIÃO HOMOAFETIVA. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. Tanto a norma do art. 226, §3º, da Constituição Federal, quanto a do art. 1º, da Lei nº. 9.278/96, que a regulamentou, estabelecem como premissa básica para a configuração do instituto da união estável, que ele se dê entre homem e mulher. A Administração Pública rege-se pelo princípio da legalidade e, inexistindo dispositivo legal autorizando o pagamento de pensão previdenciária em hipótese de união homoafetiva, descabe a instituição de tal benefício.” (TJMG, Relator: Antonio Sérvulo; Data de Julgamento: 30/09/2008; Numero do Processo: 1.0702.04.182123-3/002(1)

“UNIÃO HOMOAFETIVA – PENSÃO PARA O SOBREVIVENTE – POSSIBILIDADE LIMITADA À VERIFICAÇÃO DA DEPENDÊNCIA E DA MÚTUA COOPERAÇÃO EQUIPARAÇÃO À FAMÍLIA E À UNIÃO ESTÁVEL – IMPOSSIBILIDADE. Em tese, é possível o pedido de pensão pelo companheiro sobrevivente, no plano de pensão e previdência privada de que era titular o falecido, em razão da união de fato homoafetiva, cabendo a prova da dependência e demais requisitos. A união homoafetiva não se equipara aos conceitos de família e de união estável, contidos no art. 226, § 3º da CF e na Lei nº 9.287/96. V.v.: Pode a parte sobrevivente postular pensão e demais direitos correlativos, em razão de falecimento do companheiro de união homoafetiva, ao influxo do princípio constitucional da não-discriminação e por aplicação analógica do art. 226, §3º, da CF, bem como do art. 1º da lei 9.278/96, atribuindo-se a tal união a mesma cidadania de relação familiar, o que não significa caracterizá-la como entidade familiar, mas, tão-só, dar-lhe um conteúdo de similaridade com o qual possa assegurar plenos direitos patrimoniais aos parceiros.” (TJMG, Relator: Luciano Pinto; Data do Julgamento: 02/06/2005; Numero do Processo: 2.0000.00.503767-2/000(1))[70]

“APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS E ALIMENTOS. COMPETÊNCIA DAS VARAS DE FAMÍLIA. INICIAL NOMINADA ERRONEAMENTE DE SOCIEDADE DE FATO. NULIDADE INOCORRENTE. PRELIMINAR REJEITADA. Não é nulo o processo e a sentença quando se constata ter havido apenas mero equívoco terminológico no nome dado à ação, sendo clara a intenção do autor de buscar o reconhecimento de uma `união estável, e não mera `sociedade de fato. Versando a controvérsia sobre direito de família, a competência funcional é das Varas de Famílias. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. A união homoafetiva é fato social que se perpetua no tempo, não se podendo admitir a exclusão do abrigamento legal, impondo prevalecer a relação de afeto exteriorizada ao efeito de efetiva constituição de família, sob pena de afronta ao direito pessoal individual à vida, com violação dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Diante da prova contida nos autos, mantém-se o reconhecimento proferido na sentença da união estável entre as partes, já que entre os litigantes existiu por mais de dez anos forte relação de afeto com sentimentos e envolvimentos emocionais, numa convivência more uxoria, pública e notória, com comunhão de vida e mútua assistência econômica, sendo a partilha dos bens mera conseqüência. ALIMENTOS. DESCABIMENTO. Revelando-se o requerente pessoa jovem e sem qualquer impedimento ao trabalho, é de se indeferir o pensionamento, impondo-se a efetiva reinserção no mercado de trabalho, como, aliás, indicado nos autos. Preliminar rejeitada e recurso do requerido provido em parte, por maioria, e recurso do autor não conhecido, á unanimidade.” (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70021908587, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 05/12/2007)[71]

Novamente é importante ressaltar o vanguardismo da jurisprudência do Rio Grande do Sul no que tange a concessão de pensão por morte a sobrevivente de uma União Homoafetiva. Nesse sentido temos:

“O juiz da 2ª Vara Federal Previdenciária de Porto Alegre concedeu liminar determinando que o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) conceda pensão por morte a companheira de uma falecida, que era beneficiaria de aposentadoria por idade.

Ao ingressar com o pedido, a autora alegou que sua companheira faleceu em 22-05-03 e que, embora tivesse acostado inúmeros documentos comprobatórios da união estável de longa data com a mesma, o INSS não havia considerado dependente da falecida, negando-lhe o beneficio pleiteado sob a alegação de não comprovação de tal qualidade, sobretudo por se tratar de união entre pessoas do mesmo sexo.

Em sua decisão, o magistrado  entendeu que as provas apresentadas foram suficientemente fortes para embasar a concessão liminar. Há documentos comprovando que ambas conviviam maritalmente, publicamente, com comunhão de vida e de interesses e mútuo auxílio há mais de 40 anos. Vislumbre-se que, além das testemunhas ouvidas em juízo na ação de justificação (fls. 68-71) existem nos autos diversos comprovantes de identidade de endereço entre a falecida e a autora e, mais ainda, várias contas correntes bancárias conjuntas-solidárias[72].

A 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Rio de Janeiro recentemente reconheceu a União Estável Homoafetiva ao conceder o beneficio de pensão por morte à companheira de servidora publica federal já falecida. Para fundamentar a decisão o juízo de 1º grau entendeu que “se não reconhecermos a relação homoafetiva como espécie do gênero união estável, estaremos literalmente desconsiderando todos os ensinamentos hauridos na doutrina e jurisprudência em relação ao principio da dignidade humana (art. 1º, III CF/88), proibição de discriminação entre sexos, ou melhor, opção sexual (art. 3º, IV, CF/99) e autodeterminação”. Já em segunda instância o relator, Dr. Cássio Murilo Monteiro Granzinoli, assim se manifestou: “a preferência sexual do individuo não deve ser fator de discriminação, sob pena de malferir preceito vigente na Constituição Federal que contempla, dentre outros princípios fundamentais da República Federativa do Brasil, o objetivo de promover o bem estar de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação[73]

2.5 Filiação Homoafetiva

A Filiação, enquanto Direito Fundamental, na pós-modernidade não é constituída apenas pelo vinculo de consangüinidade, uma vez que o afeto passou a ser o parâmetro para o entendimento das novas entidades familiares reconhecidas pela Constituição brasileira de 1988. Com o advento do Estado Democrático de Direito inaugurou-se um novo ramo da ciência jurídica, qual seja, o Direito das Famílias. O afeto passou a ser o fundamento para a constituição das relações de parentesco, especificamente para o reconhecimento da relação existente entre pais e filhos. A demonstração desse entendimento em nossa legislação encontra-se na adoção[74], que por meio de um processo judicial, reconhece-se a constituição de vinculo jurídico entre pais e filhos adotivos a partir do afeto.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como o Código Civil brasileiro de 2002, são dois exemplos de legislação que protege amplamente os interesses dos menores, reconhecendo juridicamente todas as relações que são de interesse dos menores e que sejam, acima de tudo, construídas pelo afeto. Nesse ínterim verifica-se que o reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas como entidades familiares assegura aos companheiros (a) o direito de adotar conjuntamente um menor e com ele constituir vinculo de paternidade/maternidade com base no afeto. Argumentos a priori e de cunho moral, tais como, a impossibilidade de dupla maternidade ou dupla paternidade, não são suficientes para excluir juridicamente a possibilidade de Filiação Homoparental, até porque pelo principio constitucional da não discriminação é imprescindível que o Direito e o Judiciário reconheça iguais direitos aos pares homoafetivos quanto à adoção.

O critério a ser averiguado para a adoção de menores não pode ser a inserção do menor em família substituta constituída exclusivamente por um homem e uma mulher. A própria legislação pátria reconhece o direito de pessoas solteiras adotarem, desde que preencham os requisitos legais. O fato de dois homens ou duas mulheres viverem uma relação homoafetiva não pode ensejar impedimento para a adoção, uma vez que se assim fosse certamente o direito legitimaria a discriminação e o preconceito. O que precisa ser averiguado em cada caso concreto é o interesse do menor em ser adotado por pares homoafetivos e também a demonstração de vinculo de afetividade suficiente para a constituição do Direito de Filiação. É nesse sentido que decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

“TJRS – Apelação Cível n° 70013801592, 7ª. Câmara Cível, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos, julgamento em 05.04.2005: “Apelação Cível. Adoção. Casal formado por duas pessoas do mesmo sexo. Possibilidade. Reconhecida como entidade familiar, merecedora da proteção estatal, a união formada por pessoas do mesmo sexo, com características de duração, publicidade, continuidade e intenção de constituir família, decorrência inafastável é a possibilidade de que seus componentes possam adotar. Os estudos especializados não apontam qualquer inconveniente em que crianças sejam adotadas por casais homossexuais, mais importando a qualidade do vínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que serão inseridas e que as liga aos seus cuidadores. É hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes (art. 227 da Constituição Federal). Caso em que o laudo especializado comprova o saudável vínculo existente entre as crianças e as adotantes.”

“FILIAÇÃO HOMOPARENTAL. DIREITO DE VISITAS. Incontroverso que as partes viveram em união homoafetiva por mais de 12 anos. Embora conste no registro de nascimento do infante apenas o nome da mãe biológica, a filiação foi planejada por ambas, tendo a agravada acompanhado o filho desde o nascimento, desempenhando ela todas as funções de maternagem. Ninguém mais questiona que a afetividade é uma realidade digna de tutela, não podendo o Poder Judiciário afastar-se da realidade dos fatos. Sendo notório o estado de filiação existente entre a recorrida e o infante, imperioso que seja assegurado o direito de visitação, que é mais um direito do filho do que da própria mãe. Assim, é de ser mantida a decisão liminar que fixou as visitas. Agravo desprovido.” (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Agravo de Instrumento Nº 70018249631, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 11/04/2007).

Nesse contexto verifica-se que o Judiciário brasileiro ainda pode ser considerado tradicional e resistente quanto à concessão de guarda e da adoção de menores a pares homoafetivos, o que tem levado alguns a adotarem como se solteiros fossem. No momento em que o Judiciário não autoriza a Adoção ou a Filiação Homoafetiva e autoriza a adoção por pessoa solteira certamente causará violação de Direitos Fundamentais do menor, tal como se verifica: 1) em caso de morte do pai ou da mãe adotiva o companheiro (a) sobrevivente não terá o direito automático de guarda do menor, devendo acionar o Judiciário para requerer (e muitas vezes não obter êxito) a guarda do menor; 2) em caso de morte do companheiro (a) que não foi permitido adotar o menor conjuntamente com o (a) sobrevivente, o menor será definitivamente excluído do processo de sucessão legitima por não configurar na condição de herdeiro necessário.

Ante o exposto pretende-se demonstrar que a Adoção ou a Filiação Homoafetiva é algo muito mais protetivo aos interesses do menor do que propriamente dos pais adotivos, conforme exposto acima.

Conclusão

O principio da democracia compreendido a partir da racionalidade discursiva é o fundamento garantidor do reconhecimento jurídico-constitucional das entidades familiares construídas socialmente e que merecem proteção jurídica no Direito pátrio. Dessa forma verifica-se que os princípios da vedação de discriminação, dignidade da pessoa humana, autonomia privada e o Direito Fundamental a Liberdade são considerados os fundamentos de natureza constitucional para o reconhecimento das Uniões Homoafetivas como entidades familiares no Estado Democrático de Direito, até porque o legislador constituinte, no artigo 266, propôs um conceito aberto e plural de entidades familiares a partir do pressuposto de que ao Estado não cabe legislar taxativamente sobre o que é família, mas sim garantir o reconhecimento jurídico das modalidades estáveis de constituição de famílias construídos socialmente.

Não é possível admitir, sob o ponto de vista constitucional e democrático, a utilização de critérios metajurídicos, de cunho homofóbico e discriminatório para excluir as Uniões Homoafetivas enquanto entidades familiares. Não pretendeu o legislador constituinte estabelecer a diversidade de sexos como requisito indispensável à constituição de família, até porque a vedação constitucional de discriminação e o Direito Fundamental a Igualdade representam o parâmetro jurídico suficiente para excluir tal entendimento.

Processualmente o legislador constituinte assegurou a todos os cidadãos, indistintamente em seu artigo 5, inciso XXXV, a democratização das vias de acesso ao Judiciário enquanto o direito de discussão do mérito da pretensão deduzida em juízo, o que, por si só, exclui o entendimento teratológico, adotado por alguns Tribunais brasileiros, de que é juridicamente impossível o pedido de reconhecimento judicial das Uniões Homoafetivas como entidades familiares. Trata-se de um entendimento de natureza positivista que compreende o Direito como um sistema de legitimação do preconceito e da discriminação, algo inadmissível no Estado Democrático de Direito. O Direito-de-Ação enquanto um direito de discussão do mérito da pretensão pressupõe a efetivação dos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da isonomia processual, da fundamentação das decisões judiciais, da imparcialidade do juízo e da indispensabilidade do advogado como estrutura hábil à efetivação da racionalidade discursiva e da análise e julgamento da pretensão a partir de fundamentos jurídicos de ordem constitucional.

O casamento gay, uma vez reconhecido pelo Direito pátrio, certamente garantirá a formalidade exigida por alguns juristas e julgadores e, por isso, deve ser visto como um instrumento para assegurar aos pares homoafetivos ruptura com um processo histórico de marginalidade social, exclusão e discriminação. Pensar o Direito de Família nos moldes paternalistas, visualizar o casamento a partir do principio da monogamia, entender que a procriação é dever absoluto do casamento são alguns dos entendimentos suficientemente utilizados para demonstrar a violação do principio da autonomia privada. Compreender as Uniões Homoafetivas como sociedade de fato é negar aos pares homoafetivos o exercício dos seus Direitos Fundamentais a partir de um entendimento dogmático-religioso.

A partir dessas considerações é inegável que o reconhecimento jurídico das Uniões Homoafetivas como entidades familiares tenham como conseqüência o exercício de direitos, tais como, pleitear pensão por morte, de filiação homoafetiva, alimentos, sucessão e partilha de bens. Adotar entendimento jurídico contrário é legitimar a exclusão, o preconceito, a discriminação por orientação sexual e confirmar a violação do principio da autonomia privada. O exercício das liberdades individuais e a proteção jurídica do direito de construir entidades familiares a partir do principio da afetividade representam a ruptura como o dogmatismo sócio-religioso utilizado como parâmetro ao entendimento do Direito de Família e tem como conseqüência a democratização do Direito das Famílias compreendido a partir da Hermenêutica Constitucional dos Direitos Fundamentais.
 

 

Referências Bibliográficas
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WELTER, Belmiro Pedro. Família Homoafetiva: Limites Constitucionais. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Fev.-Mar. 2008, ano IX, nº 2
 
Notas:
 
[1] Conforme Nestor Eduardo Teson a homossexualidade acompanha a humanidade desde o gênesis e passou por varias linguagens culturais. De estética a doença, muitas foram as teses qie tentaram classificar a orientação sexual sem, contudo, uma definição aceita. Existem vários estudos sobre as causas da homossexualidade, porém não existem estudos conclusivos. Só se pode afirmar, com certeza, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) não classifica a homossexualidade como doença. TESON, Nestor Eduardo. Fenomenologia da Homossexualidade masculina. Disponível: http://homossexualidade.sites.uol.com. Data de Acesso: 28 de julho de 2009.

[2] “A neurocientista Simon Lê-Vay identificou que o hipotálamo (região do cérebro que controla certos impulsos sexuais) dos homossexuais masculinos tem a metade do tamanho do hipotálamo dos heterossexuais, mais especificamente de dimensão semelhante ao das mulheres […] Gradativamente vem prevalecendo a tese de que a homossexualidade provém de um estado da natureza, com origens biológicas, e não culturais, sem que se possa dizer que este é o papel mais importante, conforme destaca Sandra Witelson, psiquiatra canadense que analisou o cérebro de 10 heterossexuais e de 11 homossexuais […] Américo Luiz Martins da Silva traz um estudo da Universidade de Ontário (Canadá), revelando que os homossexuais masculinos tem impressões digitais com um padrão característico mais aproximado das microestrias femininas do que das estrias dos heterossexuais, acabando por concluir que tudo leva a crer que a homossexualidade integraria a própria estrutura biológica do ser humano {…} Recente pesquisa sueca, realizada com mais de 90 pessoas, demonstrou que o cérebro dos gays é fisicamente parecido com o de mulheres heterossexuais, enquanto o de lésbicas se assemelha ao de homens heterossexuais. O estudo sugere que fatores biológicos são capazes de influenciar na orientação sexual, como a exposição à  testosterona no útero, que pode moldar a anatomia cerebral”. DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O preconceito e a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 54/55.

[3] BARROSO, Luiz Roberto. Diferentes, mas iguais: o reconhecimento jurídico das relações homoafetivas no Brasil. Disponível em: http://www.lrbarroso.com.br/pt/noticias/diferentesmasiguais.pdf. Data de Acesso: 21 de junho de 2009.

[4] “ […] A sexualidade integra a própria condição humana. É um direito humano Fundamental que acompanha o ser humano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do individuo, é um direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano, se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdade sexual como a liberdade de livre orientação sexual. O direito a tratamento igualitário independe da tendência sexual. A sexualidade integra a própria natureza humana e abrange a dignidade humana. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. Sem liberdade sexual, o individuo não se realiza, tal como ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou Direitos Fundamentais”. DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e o Direito a Diferença. Disponível: www.mbdias.com.br. Data de Acesso: 30 de julho de 2009.

[5] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O preconceito e a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 55

[6] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O preconceito e a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 57.

[7] TESON, Nestor Eduardo. Fenomenologia da Homossexualidade masculina. Disponível: http://homossexualidade.sites.uol.com. Data de Acesso: 28 de julho de 2009.

[8] “Nas duas grandes civilizações antigas – cujo pensamento definiu a cultura ocidental – a homossexualidade era amplamente aceita. Representava estagio de evolução da sexualidade, das funções definidas para os gêneros e para as classes. Fazia parte do tecido social da Grécia antiga e era importante também no Império Romano. Com o nome de pederastia, a homossexualidade ocupava um lugar na estrutura social como ritual sagrado. Apesar de os povos antigos aceitarem o amor entre homens, era valorizado apenas o pólo ativo da relação. Isso se explica porque o machismo, já naquela época, identificava o ato sexual ativo como postura masculina, sendo o ato sexual passivo tido como postura feminina. Na Grécia, o livre exercício da sexualidade fazia parte do cotidiano dos deuses, reis e herói. O mais famoso casal masculino da mitologia grega era formado por Zeus e Ganimede. Lendas falam do amos de Aquiles por Pátroclo e dos constantes raptos de jovens por Apolo. […] Na cidade-Estado de Esparta, cuja sociedade dava mais ênfase ao desenvolvimento militar do que ao cultural, o amor entre homens tinha enfoque um pouco diferenciado. Era estimulado dentro do exército, para torna-lo ainda mais eficiente. Isso se explica por um simples fato: quando o soldado ia para a guerra, não estaria lutando apenas por sua cidade-Estado; lutava também para proteger a vida de seu amado, aumentando, obviamente, o grau de dedicação e empenho do combatente. […] Em Roma, a prática homossexual, com o nome de sodomia, não se ocultava. Era vista como de procedência natural, ou seja, no mesmo nível das relações entre casais, entre amantes ou de senhor e escravo. O preconceito da sociedade romana existia somente contra quem assumia a condição de passividade. Era feita associação com impotência política. A censura recaia sobre quem desempenhava a posição passiva da relação, na medida em que implicava debilidade de caráter. Como quem assumia o papel passivo eram os rapazes, mulheres e escravos – todos excluídos da estrutura do poder -, clara a relação entre masculinidade-poder-politico e passividade-feminilidade-carência de poder. Havia uma diferença fundamental entre gregos e romanos: os homens gregos cortejavam os meninos de seu interesse, com agrados que visavam persuadi-los a reconhecer sua honra e suas boas intenções; entre os romanos, o amor por meninos livres era proibido, uma vez que a sexualidade desse povo estava intimamente ligada à dominação. Assim, era-lhes permitido apenas o amor por jovens escravos”. DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O preconceito e a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 35-37.

[9] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 174.

[11]  Disponível: http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&moe=84&id=1061. Data de Acesso: 15 de agosto de 2009.

[12]  Disponível: http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&moe=84&id=1061. Data de Acesso: 15 de agosto de 2009.

[13] Nenhum outro império foi tão poderoso, extenso e glorioso quanto o romano. Dos últimos 15 imperadores, apenas um (Cláudio) não deixou referências quanto a sua homo ou bissexualidade. Julio César, Tibério, Calígula, Nero, Adriano, Heliogábalo, Galba, Caracala, entre outros, foram adeptos do amor proibido. A luxúria proporcionada pela ostentação, e riqueza, era grande. Nos palácios ocorriam verdadeiras orgias. Vestir-se de mulher era uma brincadeira comum, como acontece em nosso carnaval. Até Constantino (312 D.C), a homossexualidade não seria encarada como um problema por nenhuma sociedade. Embora algumas religiões citem o episódio de Sodoma e o velho testamento, tradutores garantem que houve um erro de tradução, no primeiro caso, e uma grotesca alteração, no caso do segundo, durante a Idade Média. Disponível: http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&moe=84&id=1061. Data de Acesso: 15 de agosto de 2009.

[14] “ Na Idade Média, a homossexualidade estava mais presente nos mosteiros e nos acampamentos militares. Mesmo assim, curiosamente, era a Igreja, por meio da Santa Inquisição, a maior perseguidora dos homossexuais. Esta foi a época da mais severa penalização à pratica homossexual. Havia um sentimento crescente, na Igraja, de que a sodomia era o maior dos crimes, pior até mesmo do que o incesto entre mãe e filho. O III Concílio de Latrão, de 1179, tornou a homossexualidade crime. O primeiro código ocidental prescreveu pena de morte à sua prática. As legislações dos séculos XII e XIII penalizavam a sodomia, sendo que inexistia o termo homossexualismo”. DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O preconceito e a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 38.

[15] “ A sacralização da união heterossexual aconteceu na Idade Média. O casamento – sem nada perder de seu viés patrimonial – foi transformado em sacramento. Somente as uniões devidamente abençoadas pela Igreja eram válidas, firmes e indissolúveis. O ato sexual foi reduzido à fonte de pecado. Deveria ser evitado, exceto no matrimonio, única hipótese em que poderia ser praticado – assim mesmo em condições de máximo recato – para cumprir o ditame crescei e multiplicai-vos. A virgindiade era cultuada como um estado mais abençoado do que o próprio casamento, e o sexo ligado ao prazer estava associado à noção de impureza, transgressão, conduta pecaminosa, mesmo dentro do casamento. A Igreja rejeitou qualquer prazer ou sensualidade que pudessem ser atribuídos ao sexo marital. Adotou a idéia de que o sexo estava estritamente ligado ao divino e ao sagrado”. DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O preconceito e a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p.39.

[16] Disponível: http://www.revistaladoa.com.br/website/artigo.asp?cod=1592&idi=1&moe=84&id=1061. Data de Acesso: 15 de agosto de 2009. 

[17] DIAS, Maria Berenice. União Homoafetiva – O preconceito e a justiça. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 42-43.

[18] Segundo a pesquisa “Juventude e Realidade”, realizada em 2004, pela UNESCO em escolas de 14 capitais do Brasil, mostrou que o preconceito nas salas de aula ainda incomoda, já que 25% dos alunos não gostariam de ter um homossexual entre seus colegas de classe. Essa intolerância é enfrentada todos os dias por milhares de alunos e alunas homossexuais da rede de ensino, resultando em violência escolar. “Levava socos, chutes, cotoveladas, joelhadas e empurrões”, o grupo de meninos que me importunava, não satisfeito com as agressões físicas e verbais, espalhavam pelos computadores da escola imagens me caracterizando como travesti e com as unhas pintadas de rosa, desabafa Augusto Kobayashi, aluno do ensino médio e assumidamente homossexual.
Diante do preconceito no cotidiano escolar envolvendo alguns alunos, nos deparamos com a falta de preparo da escola, e principalmente por parte dos professores em discutir sobre o homossexualismo. De acordo com a pesquisa da UNESCO sobre o perfil dos professores brasileiros, que gerou um livro, a maioria (59,5 %) dos professores entrevistados admitiu não ter informações suficientes para lidar com a questão da homossexualidade. Nas entrevistas individuais feitas, muitos disseram que prefeririam não tratar da questão em sala, ignorando qualquer tipo de diferença entre os alunos.
É preciso preparar o professor para debater a homofobia na escola. O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em maio desse ano, lançou no Palácio do Planalto, o programa Gênero e Diversidade na Escola. O objetivo é capacitar inicialmente 1.2 mil professores de escolas públicas de 5ª a 8ª séries para lidar, em sala de aula, com atitudes e comportamentos preconceituosos em relação a preferências sexuais, gênero (masculino, feminino) e raça. A iniciativa visa evitar atitudes preconceituosas em relação às mulheres, negros, índios, portadores de deficiência física, homossexuais e bissexuais. Disponível: www.catedra.ucb.br/sites/100/122/00000558.doc. Data de Acesso: 05 de setembro de 2009.

[19] RIOS, Roger Raupp. A homossexualidade no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 65.

[20] DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 24

[21] FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 26.

[22] RODINESCO, Elizabeth. A família em desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 15.

[23] MORAES, Maria Celina Bodin de. O direito personalíssimo à filiação e a recusa do exame de DNA: uma hipóteses de colisão de Direitos Fundamentais. Organização: Eduardo de Oliveira Leite. Grandes temas da atualidade: DNA como meio de prova de filiação. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 224.

[24] LOBO, Paulo Luiz Netto. Socioafetividade no Direito de Família: a persistente trajetória de um conceito fundamental. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. ago. – set. 2008, ano X, nº 5.

[25] MADALENO, Rolf. Filiação Sucessória.Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister, v. 1, p. 29-30.

[26] MADALENO, Rolf. Filiação Sucessória: Parentalidade Socioafetiva e Biológica. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. out.-nov. 2008, ano X, nº 6, Porto Alegre: Magister, v. 1, p. 115-116.
 

[27] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. Mutiparentalidade como efeito da socioafetividade nas famílias recompostas. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister, jun.-jul 2009, ano XI, nº 10, p. 35.

[28] TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Renata de Lima. Mutiparentalidade como efeito da socioafetividade nas famílias recompostas. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister, jun.-jul 2009, ano XI, nº 10, p. 37.
 

[29] DIAS, Ronaldo Bretãs de Carvalho. Responsabilidade do Estado pela Função Jurisdicional. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 119 e 122.

[30] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 33.

[31] FACHIN, Luiz Edson. Estatuto jurídico do patrimônio mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 45-87.

[32] Mesmo assim Ingo Wolfgang Sarlet conceitua o principio da dignidade da pessoa humana como “o reduto intangível de cada individuo e, neste sentido, a última fronteira contra quaisquer ingerências externas. Tal não significa, contudo, a impossibilidade de que se estabeleçam restrições aos direitos e garantias fundamentais, mas que as restrições efetivadas não ultrapassem o limite intangível imposto pela dignidade da pessoa humana”. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 124.

[33] PROCESSUAL. EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE. IMÓVEL. RESIDÊNCIA. DEVEDOR SOLTEIRO E SOLITÁRIO. LEI 8009/90. A interpretação teleológica do artigo 1º da Lei 8009/90  revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um Direito Fundamentalda pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido protegem quem vive em grupo e abandonar o individuo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. É impenhorável, por efeito do preceito contido não art. 1º da Lei 8009/90, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário”. STJ, Embargos de Divergênciano Recurso Especial 182223, Relator Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira. Data de Julgamento: 06 de fevereiro de 2002

[34] “INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. RELAÇÃO PATERNO-FILIAL. PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. PRINCIPIO DA AFETIVIDADE. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana”. TAMG, Apelação Cível nº 408.555-5, 7ª Câmara Cível. Relator Unias Silva. Data de Julgamento: 01  de abril de 2004.

[35] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Das relações de parentesco. Direito de Família e o Novo Código Civil. Coordenação: Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira apud DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 60.

[36] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 67.

[37] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 68/69.

[38] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 59.

[39] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 64.

[40] WELTER, Belmiro Pedro. Família Homoafetiva: Limites Constitucionais. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Fev.-Mar. 2008, ano IX, nº 2, p. 70.

[41] “A pós modernidade do discurso filosófico-constitucional se faz pela apreensão da democracia como teoria processual de resolução do impasse da modernidade ainda radicalizado na recusa em preencher o vazio da linguagem deixado ao longo de século de dominação legal pelo autoritarismo da razão prescritiva,embora já acentuadamente laicizada (desencantada) em seus juízos de validação,não é apta a encaminhar o convívio em sociedades pluralisticas e transculturais da atualidade. É preciso destruir o fetiche do Estado de Justiça que esta a emperrar a transição para a pós modernidade, que reclama o exercício jurídico de bases discursivas ao assentamento de uma comunidade jurídica a se instituir por si mesma por uma auto-inclusão processual no sistema democrático já constitucionalizado como ocupante legitimada desse espaço jurídico ainda apropriado por gestores arcaizados que se louvam numa razão instrumental de uma jurisdição (dicção de um direito culturalizado) salvadora da realidade hostil à realização dos direitos fundamentais”. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica. São Paulo: Landy, 2002, p. 30.

[42] WELTER, Belmiro Pedro. Família Homoafetiva: Limites Constitucionais. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Fev.-Mar. 2008, ano IX, nº 2, p. 72.

[43] DIAS, Maria Berenice. Conversando sobre homoafetividade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 17.

[44] MACIEL JUNIOR, Vicente de Paula. Estrutura e Interpretação do Direito Processual Civil brasileiro a partir da Constituição Federal de 1988. Constituição e Processo – A contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Coordenação: Felipe Daniel Amorim Machado e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 301.

[45] Disponível: http://www1.folha.uol.com.br/folha/esporte/20070803-caso_richarlysson.pdf. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[46][46] Projeto de lei nº 5.003-b, de 2001: Altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, dá nova redação ao § 3º do art. 140 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e ao art. 5° da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e dá outras providências. O CONGRESSO NACIONAL decreta: Art. 1º Esta Lei altera a Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, definindo os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade Relator. Disponível: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9306. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009. 

[47] Disponível: http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/confereCodigo.do. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[48] Disponível: http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=1062872. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[55] Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. abr. – mai. 2008, ano X, nº 3, p.141-142

[60] Disponível: http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[61] Disponível: http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[62] Disponível: http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[63] Disponível: http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[64] Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. abr. – mai. 2008, ano X, nº 3, p. 139.

[65] TJRS, Apelação Cível 70006844153, 8ª Câmara Cível, Rel. Catarina Martins, j. 18/12/2003.

[66] Tomada essa concepção, é conseqüência inevitável e inafastável a constatação de que a relação que se estabelece entre duas pessoas do mesmo sexo – e que ocorre com algumas dezenas de milhões de casais ao redor do mundo – é um fato social, uma realidade cuja existência é inequívoca, que pode ser encontrado em pessoas de todas as idades, integrantes de todas as classes sócio-culturais e sócio-econômicas, em todos os Estados da Federação, nas grandes e pequenas cidades, nos bairros nobres, no centro e na periferia, sem distinção e independentemente de que cada um de nós concorde com isso ou não. Disponível: http://www.ibdfam.org.br/?noticias&noticia=3026. Data de Acesso: 11 de setembro de 2009.

[67] Disponível: http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[68] Disponível: http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[69] Disponível: http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[71] Disponível: http://www.tjrs.jus.br/site_php/jprud2/ementa.php. Data de Acesso: 20 de setembro de 2009.

[72] Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. jun.- jul. 2008, ano X, nº 4, p. 130-131

[73] Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. jun.-jul 2009, ano XI, nº 10, p. 131.

[74] Em termos jurídicos, a paternidade encontra-se compreendida no âmbito do parentesco,  traduzindo o vínculo entre pai e filho, o que confere a esse último o estado de filho gerador de direitos pessoais e patrimoniais. Cabe ao Direito ditar o parentesco, estabelecendo quem é o pai, o filho e sua extensão, em outras palavras, quem é ou não parente. (…) O parentesco não mantém necessariamente correspondência com o vínculo sangüíneo, pois, como antes aludido, há possibilidade de constituição de vínculo meramente jurídico, por presunção ou por “atribuição” legal, de que é exemplo significativo a adoção, que dava origem ao denominado “parentesco civil. BARBOZA, Heloisa Helena Gomes. Reprodução assistida e o novo Código Civil. In: SÁ, Maria de Fátima Freire de.; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira (Coods.). Bioética, biodireito e o Código Civil de 2002, Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 232.


Informações Sobre o Autor

Fabrício Veiga Costa

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia. Advogado militante em Belo Horizonte. Professor da graduação em Direito da Faculdade de Pará de Minas, Fundação Pedro Leopoldo e Faculdade Pitágoras Unidade Divinópolis. Professor da pós-graduação em Direito do Instituto de Educação Continuada da Pucminas. Professor convidado dos cursos de pós-graduação em Direito da Universidade de Montes Claros e da Universidade de Araxá. Membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais. Membro da Comissão de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil Subseção Belo Horizonte. Especialista em Direito Processual e Direito de Família pela Pucminas. Mestre e Doutorando em Direito Processual pela Pucminas.


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