A hermenêutica jurídica de Hans Kelsen em cotejo com a hermenêutica de Karl Larenz: a busca pela resposta correta

Resumo: Este ensaio busca cotejar a concepção de hermenêutica de dois autores que fincaram marcos teóricos nas suas respectivas épocas: Hans Kelsen e Karl Larenz. Sempre tendo em mira o fundamento teórico-filosófico de cada um, foram analisadas as distinções e semelhanças entre o pensamento dos autores, na incansável busca pela interpretação correta do Direito. Demonstrou-se a relevância da jurisdição enquanto instrumento de conformação entre a realidade e a norma, bem como o papel fundamental do princípio da inafastabilidade da jurisdição na evolução da hermenêutica jurídica. Neste cenário surge a relevância de determinar qual o escopo de interpretação mais adequado, se a busca pelo sentido normativo do texto ou a vontade do legislador, já que a margem de livre apreciação da norma decorre tanto da pluralidade de significados das palavras como da discordância entre a vontade do legislador e a expressão verbal da norma. A importância do estudo resta demonstrada quando conclui que ao comparar posicionamentos teóricos que desafiaram as mesmas questões, sob ponto de vista divergente, sugerem soluções distintas. Em resumo, tornou-se possível enxergar que o caminho traçado até então pela hermenêutica jurídica na busca da resposta correta, bem como a evolução na interpretação do Direito contou com a contribuição destes dois autores.

Palavras-chave: jurisdição; hermenêutica jurídica; resposta correta; evolução.

Abstract: This paper put in cross reference the design of hermeneutics of two authors that interfaith theorists marks in their respective times: Hans Kelsen and Karl Larenz. Always taking up the theoretical-philosophical of each one first, it was analyzed distinctions and similarities between the thought of them over the tireless quest for correct interpretation of the law. The relevance of jurisdiction as an instrument of conformation between reality and laws is shown, just like the fundamental role of principle of non-obviation of jurisdiction in the evolution of legal hermeneutics. In this scenario is the relevance to determine which is the most appropriate scope for interpretation: if the normative sense of the law or the will of the legislator, since the margin of discretion follows both from the plurality of meanings of the words as the discrepancy between the will of the legislator and the verbal expression of the laws. The importance of the study is demonstrated when concludes that when comparing theoretical positions that have defied the same questions, under diverging viewpoint, suggest different solutions. In summary, it became possible to see that the path stroke until then by legal Hermeneutics in search of the correct answer, as well as the evolution in the interpretation of the law was possible with the contribution of these two authors.

Keywords: jurisdiction; legal hermeneutics; correct answer; evolution.

Sumário: 1. Introdução – 2. Hermenêutica jurídica e a jurisdição – 3. A hermenêutica de Hans Kelsen – 4. A hermenêutica de Karl Larenz – 5. A busca pela resposta “correta” – 6. Conclusão

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca comparar os estudos teóricos de dois autores alemães acerca da hermenêutica jurídica e sua incansável busca pela resposta correta, como forma de concretizar o principio da segurança jurídica.

Neste contexto, a jurisdição se revela como um poderoso instrumento conformador do objeto cultural (que é o Direito) à realidade. É por meio do exercício da jurisdição que se pode alcançar, além da manutenção da integridade e coerência do sistema jurídico, uma fórmula capaz de apontar o caminho da resposta correta.

Uma breve exposição da noção de jurisdição servirá para demonstrar que o princípio da inafastabilidade da jurisdição tem papel fundamental na evolução da hermenêutica jurídica.

Dessa forma, o estudo gira em torno da análise das concepções de hermenêutica jurídica de Hans Kelsen e Karl Larenz, do fundamento e das bases teóricas de cada filósofo, a fim de destacar as principais semelhanças e distinções.

É neste cenário que surge a relevância de determinar qual o escopo de interpretação mais adequado, se a busca pelo sentido normativo do texto ou a vontade do legislador.

Fato é que a margem de livre apreciação da norma admitida pelos dois autores pode decorrer tanto da pluralidade de significados das palavras contidas no texto como da discordância entre a vontade do legislador e a expressão verbal da norma.

A existência de critérios interpretativos se mostra essencial para controlar a movimentação do intérprete dentro desta margem de discricionariedade, pena de sufragar o arbítrio interpretativo, como o decisionismo judicial.

De todo modo, o cotejo entre as concepções hermenêuticas dos autores tem parada obrigatória pelo fundamento teórico de cada um. Justamente por terem vivido em épocas diferentes, a interpretação do Direito dos dois também se demonstra bem diversa, como não poderia deixar de ser.

O pensamento de Karl Larenz é metodológico compreensivo e está orientado a valores, enquanto que a escola formalista de Hans Kelsen fundamenta-se num pensamento abstrato, lastreada na disjunção entre ser e dever-ser.

A importância do estudo desvela-se na comparação de posicionamentos teóricos que desafiaram as mesmas questões, mas sob pontos de vista divergentes, sugerindo soluções ainda mais distintas.

Isso quer dizer que a comparação entre o aspecto hermenêutico destes dois autores viabiliza enxergar o caminho que foi traçado até então pelo Direito na busca pela resposta correta, bem como a evolução na interpretação do Direito ao longo do tempo.

2 HERMENÊUTICA JURÍDICA E A JURISDIÇÃO

A etimologia da palavra “interpretação” vem do latim interpretatio e do verbo interpretare.  Pode-se dizer que no Direito, a tarefa de interpretação se vale de objetos e interlocutores específicos e bem delineados.

A interpretação das normas jurídicas diante do caso concreto tem como interpres os operadores do direito, dentre os quais estão os advogados doutrinadores e juízes. Contudo, cabe a estes últimos o papel mais destacado, uma vez que concretizam o exercício da jurisdição.

Jurisdição, por sua vez, é a função de “dizer o direito”, pois iuris = direito e  dictio = dizer. Dessa forma, pode-se afirmar que a jurisdição é um meio de traduzir a norma aos interlocutores (jurisdicionados) diante dos fatos concretos. É aqui que a interpretação jurídica ocorre com maior relevância, como dito, no âmbito da jurisprudência.

Essa importância da interpretação jurisdicional decorre do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Trata-se de regra cogente direcionada ao Poder Judiciário, na busca por uma solução a todas as demandas, mesmo aquelas não regulamentadas pelo legislador. Daí porque, diz-se que a jurisdição, além de “dizer o direito”, “cria o direito”, tudo para não fugir do seu dever legal de sempre dar uma resposta às demandas e solucionando o caso concreto.

À guisa de exemplo, tem-se as relações jurídicas entre homoafetivos no Brasil.

A ausência de normas que regulamentem os direitos e deveres dos casais homossexuais, demandou do Judiciário, quando provocado, a se manifestar sobre o tema, interpretando o Direito e aplicando os métodos jurídicos disponíveis. É a jurisprudência brasileira quem hoje regulamenta as situações jurídicas dessas pessoas, de modo que as regulamentações sobre os direitos dos homossexuais decorrem do chamado “direito judicial”.

Assim sendo, se por um lado, é vedado ao Judiciário deixar sem resposta o caso concreto, por outro, onde não houver regulamentação legal, é dado aos juízes o poder de criar a regra jurídica para o caso concreto. Trata-se de um paradoxo, sem dúvidas. Mas tudo é resolvido por meio da hermenêutica jurídica.

Niklas Luhmann reflete sobre essa aparente contradição:

“Por essa razão, podemos compreender essa norma fundamental da atividade dos tribunais (Gerichtsbarkeit) como o paradoxo da transformação da coerção em liberdade. Quem se vê coagido à decisão e, adicionalmente, à fundamentação de decisões, deve reivindicar para tal fim uma liberdade imprescindível de construção do Direito. Somente por isso não existem “lacunas no Direito”. Somente por isso a função interpretativa não pode ser separada da função judicativa. E somente por isso o sistema jurídico pode reivindicar a competência universal para todos os problemas formulados”[1].

Assim sendo, leciona Fredie Didier:

“Em linhas gerais, pode-se dizer que a jurisdição é a realização do direito, por meio de terceiro imparcial, de modo autoritativo e em última instância (caráter inevitável da jurisdição) […] É manifestação do poder estatal, conceituado como capacidade de decidir imperativamente e impor decisões. Expressa, ainda, a função que tem os órgãos estatais de promover a pacificação de conflitos interindividuais, mediante a realização do direito justo e através do processo”[2].

Os tribunais criam além das normas individuais, como acima explicado, normas gerais quando as decisões do caso concreto tenham força vinculante. Neste sentido, a atividade se assemelha a atividade legiferante do Poder Legislativo e reforça o princípio da segurança jurídica. Hans Kelsen compartilha dessa idéia:

“A função criadora de Direito dos tribunais, que existe em todas as circunstâncias, surge com particular evidência quando um tribunal recebe competência para produzir também normas gerais através de decisões com força de precedentes”[3].

Assim sendo, o papel da jurisdição ao interpretar o Direito é mais relevante que o papel dos outros intérpretes justamente porque é capaz de preencher os “espaços vazios” deixados pelo legislador. Como será demonstrado abaixo, o papel dos outros intérpretes é fundamental para auxiliar a jurisdição a solucionar os casos concretos.

3. A HERMENÊUTICA DE HANS KELSEN

Inicialmente, cumpre delimitar as bases da filosofia jurídica do autor tcheco, o qual, sem dúvida alguma, inaugurou e estabeleceu um grande marco teórico de fundamental importância para a Ciência do Direito, ao lançar a obra Teoria Pura do Direito, objeto de análise.

Nesta obra, o autor, falecido em 24/01/1993 e representante da Escola Positivista do Direito, busca elaborar um conceito para o Direito que fosse universalmente válido e aplicável em diversas conjunturas sociais, sem ressalvas.

A Teoria Pura do Direito, parte do pressuposto de que o direito puro é aquele positivado e isento de qualquer influência externa, seja política ou de outra natureza. A teoria não busca saber como deveria ser o direito, mas apenas saber como ele se define.

Para tanto, Kelsen distingue Direito de Justica, porque esta, sempre estará invariavelmente relacionada a valores externos que muito flexíveis, a depender da conjuntura local daqueles que a invocam. Não cabe, portanto, por conta da imprecisão e fluidez do conceito de Justiça entre as diversas sociedades, admitir este tipo de valoração no âmbito de uma teoria que se quer pura.

Partindo dessas premissas, Kelsen entender ser necessário separar sua teoria da jurisprudência, a qual se revolve de muitos valores estranhos ao Direito, tal como ocorre com outras ciências, como a psicologia, a sociologia, a ética e a teoria política.

“De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política. Esta confusão pode porventura explicar-se pelo fato de estas ciências se referirem a objetos que indubitavelmente têm uma estreita conexão com o Direito. Quando a Teoria Pura empreende delimitar o conhecimento do Direito em face destas disciplinas, fá-lo não por ignorar ou, muito menos, por negar essa conexão, mas porque intenta evitar um sincretismo metodológico que obscurece a essência da ciência jurídica e dilui os limites que lhe são impostos pela natureza do seu objeto”[4].

Neste contexto, o autor entende que a separação da Teoria Pura do Direito dos ideais de Direito ideal ou Direito justo, dão àquela um profundo viés anti-ideológico e amplamente positivado, pois está assentada de maneira isenta de qualquer valoração para as normas jurídicas. Da mesma forma, sua teoria se distancia dos ideais da moral e da ética.

Outra característica importante é que segundo sua teoria, o significado jurídico de um ato decorre da norma que se refere a ele. A norma acaba funcionando como meio para interpretação dos atos e não o inverso. Trata-se do sentido objetivo do ato cujo significado jurídico sempre é indicado pela norma jurídica[5].

Em outras palavras, o ponto de partida para saber se o ato tem ou não qualquer significação jurídica é a norma e não o ato de vontade em si mesmo:

“Por outras palavras: o juízo em que se enuncia que um ato de conduta humana constitui um ato jurídico (ou antijurídico) é o resultado de uma interpretação específica, a saber, de uma interpretação normativa. Mas também na visualização que o apresenta como um acontecer natural apenas se exprime uma determinada interpretação, diferente da interpretação normativa: a interpretação causal”[6].

Daí porque, conclui o autor:

“A Teoria Pura do Direito, como específica ciência do Direito, concentra – como já se mostrou – a sua visualização sobre as normas jurídicas e não sobre os fatos da ordem do ser, quer dizer: não a dirige para o querer ou para o representar das normas jurídicas, mas para as normas jurídicas como conteúdo de sentido – querido ou representado”[7].

Com estas idéias em mente, a hermenêutica jurídica é conceituada pelo autor da seguinte maneira:

“Quando o Direito é aplicado por um órgão jurídico, este necessita de fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar estas normas. A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior. Na hipótese em que geralmente se pensa quando se fala de interpretação, na hipótese da interpretação da lei, deve responder-se à questão de saber qual o conteúdo que se há de dar à norma individual de uma sentença judicial ou de uma resolução administrativa, norma essa a deduzir da norma geral da lei na sua aplicação a um caso concreto”[8].

Além desta definição inicial, Kelsen entende que há interpretação quando se confrontam o texto constitucional e as leis de escalão inferior, como se depreende desta passagem:

“Mas há também uma interpretação da Constituição, na medida em que de igual modo se trate de aplicar esta – no processo legislativo, ao editar decretos ou outros atos constitucionalmente imediatos – a um escalão inferior; e uma interpretação dos tratados internacionais ou das normas do Direito internacional geral consuetudinário, quando estas e aqueles têm de ser aplicados, num caso concreto, por um governo ou por um tribunal ou órgão administrativo, internacional ou nacional”[9].

Pode-se concluir que na visão do autor, o intérprete, ao aplicar o direito, conta com graus distintos de liberdade, esteja a norma a ser interpretada em maior ou menor grau hierárquico. Quanto mais próximo do seu fundamento de validade, menor será o grau de liberdade do hermeneuta ao confrontar leis hierarquicamente distintas.

O importante para manter a integridade do ordenamento é obedecer à forma (e não ao conteúdo) no processo de criação da norma inferior. Se esta segue o processo definido na norma superior, ela será valida. Em outras palavras, uma norma (dever-ser), na concepção interpretativa de Kelsen, retira seu fundamento de validade da norma superior (outro dever-ser).

O que está claro nos conceitos de interpretação do jurista de Praga, é que o verbo aplicar sempre é utilizado, o que implica dizer que a interpretação do direito para ele sempre está correlacionada a própria aplicação do direito.

Kelsen então conclui que são três os tipos de interpretação: aquela levada adiante pelo órgão aplicador do Direito, uma outra realizada pelo individuo que não queria ser sancionado e uma última que cabe à ciência jurídica quando descreve uma direito positivo[10].

A hermenêutica do juiz, ao aplicar a norma, seria um tipo de interpretação autêntica[11], pois ele atua como criador do Direito. As outras duas formas são tipos de interpretação não-autêntica, pois não são capazes de criar normas. Como dito no item acima, a relevância da interpretação do Poder Judiciário reside justamente nesta atribuição que a lei lhe outorga de preencher os “vazios” deixados pelo legislador, o que corrobora a relevância, dentro da Teoria Pura de Kelsen do princípio da inafastabilidade da jurisdição

Assim, quando um órgão aplicador pronuncia-se sobre o sentido da norma, ele está produzindo um enunciado normativo vinculante que deve ser obedecido e cumprido. Trata-se do caráter vinculante presente tanto nas leis como nas decisões.

Dentro desta concepção de interpretação de Kelsen é preciso dizer que sua hermenêutica não é um processo fechado ou que não tem qualquer margem de discricionariedade, como muitos são levados a pensar por conta da roupagem positivista da sua teoria.

O autor admite que no quadro conformador da norma superior, ou seja, dentro dos limites para se produzir a norma inferior, sempre existirá uma margem de livre apreciação afeta ao órgão que produz ou executa a norma:

“Tem sempre de ficar uma margem, ora maior ora menor, de livre apreciação, de tal forma que a norma do escalão superior tem sempre, em relação ao ato de produção normativa ou de execução que a aplica, o caráter de um quadro ou moldura a preencher por este ato. Mesmo uma ordem o mais pormenorizada possível tem de deixar àquele que a cumpre ou executa uma pluralidade de determinações a fazer. Se o órgão A emite um comando para que o órgão B prenda o súdito C, o órgão B tem de decidir, segundo o seu próprio critério, quando, onde e como realizará a ordem de prisão, decisões essas que dependem de circunstâncias externas que o órgão emissor do comando não previu e, em grande parte, nem sequer podia prever”[12].

Ocorre que essa margem de livre apreciação pode decorrer tanto da pluralidade de significados das palavras como da discordância entre a vontade do legislador e a expressão verbal da norma. Esta discricionariedade semântica provocada pelo texto legislativo é chamada de indeterminação não intencional[13].

De outro lado, é possível que a margem de livre apreciação tenha sido intencionalmente delineada pelo legislador, como ocorre quando a lei fixa limites máximos e mínimos para aplicação de penas. Neste caso, chama-se indeterminação intencional[14].

Diante destas afirmações questiona-se o seguinte acerca da interpretação jurídica kelseniana: o objetivo da interpretação é revelar a vontade do legislador ou o sentido normativo da lei? Algum desses dois deve prevalecer sobre o outro?

Nos casos da indeterminação intencional, resta claro que se busca o sentido normativo da lei já que o legislador propositadamente outorgou a margem de livre apreciação ao intérprete, que não poderá ir além ou aquém destes limites. Mas e quando a indeterminação for do tipo não intencional?

Para Kelsen, a indeterminação, seja do sentido verbal da norma, seja relacionada à vontade do legislador, encontrará a resposta para prosseguir com a interpretação, desde que se mantenha sempre dentro dos limites da moldura jurídica de possibilidades de aplicação:

“Em todos estes casos de indeterminação, intencional ou não, do escalão inferior, oferecem-se várias possibilidades à aplicação jurídica. O ato jurídico que efetiva ou executa a norma pode ser conformado por maneira a corresponder a uma ou outra das várias significações verbais da mesma norma, por maneira a corresponder à vontade do legislador – a determinar por qualquer forma que seja – ou, então, à expressão por ele escolhida, por forma a corresponder a uma ou a outra das duas normas que se contradizem ou por forma a decidir como se as duas normas em contradição se anulassem mutuamente. O Direito a aplicar forma, em todas estas hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível. O Direito a aplicar forma, em todas estas hipóteses, uma moldura dentro da qual existem várias possibilidades de aplicação, pelo que é conforme ao Direito todo ato que se mantenha dentro deste quadro ou moldura, que preencha esta moldura em qualquer sentido possível”[15].

A Teoria Pura do Direito de Kelsen não admite, como já se disse, a confluência de valores ou normas de outros tipos (morais, religiosas etc) para dentro do processo interpretativo. Levando em conta esta afirmação, pode-se dizer que na interpretação kelseniana prevalece o sentido normativo da lei diante da vontade do legislador.

É que para se chegar ao sentido daquele que produziu a norma, necessariamente o intérprete tem de relevar considerações sociais e o contexto histórico em que a mesma foi produzida. E isso implica em adicionar elementos valorativos que não são admitidos dentro da Teoria Pura de Kelsen. Seria absolutamente contraditório admitir uma interpretação valorativa dentro dum sistema teórico puro que desconsidera estes elementos.

Dessa maneira, a teoria objetivista, aquela que privilegia a exploração do sentido inerente à própria lei, se aproxima muito, como era de se esperar, da Teoria Pura do Direito de Kelsen. Realmente, a interpretação kelseniana sempre está vinculada e limitada pelo texto normativo, ao passo que desconsidera a existência de outros elementos que possam influenciar tal processo.

Para Kelsen, o que importa é que a interpretação se mantenha dentro da moldura de possibilidades de aplicação delineada pelo texto normativo sem que se socorra a elementos extra jurídicos.

Por outro lado, deve-se registrar a relevância que a denominada interpretação não-autêntica tem dentro da teoria estudada: o papel auxiliar de fixar tais limites da moldura de significação da norma[16].

Esta interpretação jurídico-cientifica, portanto, deve se prestar a analisar o Direito positivo e suas possibilidades normativas, divorciada do ponto de vista político, ainda que sua resposta seja mais desejável.

O papel daquela interpretação é justamente informar ao legislador (este sim, responsável pelas escolhas políticas), as falhas da lei que não viabilizam critérios objetivos seguros para escolha da solução dentro da moldura de possibilidades de aplicação.

Como já salientado, a sentido do ato é desvelado a partir da interpretação da norma e não inverso. Assim, por pautar-se na Teoria Pura do Direito, Kelsen entende que a conduta e as relações entre humanos só é objeto da ciência jurídica quando houver previsão deste conteúdo nas normas jurídicas. Mesmo porque, aquilo que não está proibido, entende-se como permitido[17].

Ocorre que esta relação entre conduta e norma não é apenas estática[18], mas dinâmica, segundo o autor. A teoria dinâmica do Direito “tem por objeto o processo jurídico em que o Direito é produzido e aplicado, o Direito no seu movimento[19]”. É partindo desta concepção do Direito que o autor reconhece a impossibilidade lógica da existência de lacunas no ordenamento[20].

Dessa maneira, seguindo a concepção dinâmica do direito, a decisão judicial para Kelsen tem caráter constitutivo e não meramente declaratório:

“Do ponto de vista de uma consideração centrada sobre a dinâmica do Direito, o estabelecimento da norma individual pelo tribunal representa um estádio intermediário do processo que começa com a elaboração da Constituição e segue, através da legislação e do costume, até a decisão judicial e desta até a execução da sanção. Este processo, no qual o Direito como que se recria em cada momento, parte do geral (ou abstrato) para o individual (ou concreto). E um processo de individualização ou concretização sempre crescente. […] Uma decisão judicial não tem, como por vezes se supõe, um simples caráter declaratório. O juiz não tem simplesmente de descobrir e declarar um direito já de antemão firme e acabado, cuja produção já foi concluída. A função do tribunal não é simples “descoberta” do Direito ou juris-“dição” (“declaração” do Direito) neste sentido declaratório. A descoberta do Direito consiste apenas na determinação da norma geral a aplicar ao caso concreto. E mesmo esta determinação não tem um caráter simplesmente declarativo, mas um caráter constitutivo”[21].

Esta concepção admitida por Kelsen revela (mais uma vez) a importância da jurisdição enquanto função de ir além de “dizer o direito”, mas também “criar o direito”, de forma a concretizar o princípio da inafastabilidade da jurisdição. A despeito de admitir essa concepção e a impossibilidade de existirem lacunas, a teoria de Kelsen não previa a evolução do Direito além da lei, como fez Karl Larenz. Passa-se agora, a concepção hermenêutica deste autor alemão.

4. A HERMENÊUTICA DE KARL LARENZ

Karl Larenz foi um importante filósofo alemão, nascido em 23/04/1903 e falecido em 24/01/1993, que desenvolveu uma teoria cuja hermenêutica jurídica critica o pensamento formalista-abstrato e privilegia o pensamento compreensivo orientado a valores.

A hermenêutica de Karl Larenz tem como premissa a necessidade de esclarecer o sentido de um texto que se torna problemático por conta da pluralidade de significados dos seus termos:

“«Interpretar» é, como tínhamos dito (cap. I, em3a), «uma actividade de mediação, pela qual o intérprete traz à compreensão o sentido de um texto que se lhe torna problemático». O texto da norma torna-se problemático para quem a aplica atendendo à aplicabilidade da norma precisamente a uma situação de facto dessa espécie. Que o significado preciso de um texto legislativo seja constantemente problemático depende, em primeira linha, do facto de a linguagem corrente, de que a lei se serve em grande medida, não utilizar, ao contrário de uma lógica axiomatizada e da linguagem das ciências, conceitos cujo âmbito esteja rigorosamente fixado, mas termos mais ou menos flexíveis, cujo significado possível oscila dentro de uma larga faixa e que pode ser diferente segundo as circunstâncias, a relação objectiva e o contexto do discurso, a colocação da frase e a entoação de uma palavra”[22].

O autor afirma ainda que:

“«Interpretação» (Auslegung) é, se nos ativermos ao sentido das palavras, «desentranhamento» (Auseinanderlegung), difusão e exposição do sentido disposto no texto, mas, de certo modo, ainda oculto. Mediante a interpretação «faz-se falar» este sentido, quer dizer, ele é enunciado com outras palavras, expressado de modo mais claro e preciso, e tornado comunicável”[23].

Nota-se que o conceito de Larenz tem como ponto de partida a indeterminação não intencional (pluralidade de significados das palavras) da norma prevista também na concepção interpretativa de Kelsen.

E se aproxima ainda mais dele ao admitir a interpretação normativa, como viável, quando houver colisão entre duas normas:

“A necessidade da interpretação pode ainda resultar de que duas proposições jurídicas prescrevem para a mesma situação de facto duas consequências jurídicas que reciprocamente se excluem. Mesmo quando as consequências jurídicas se não excluem, surge a questão de se devem ter lugar uma a par com a outra, ou se uma norma «repele» a outra (questão do concurso de normas supra, cap. II, 4). Missão da interpretação da lei é evitar a contradição entre normas (3), responder a questões sobre concurso de normas e concurso de regulações e delimitar, uma face às outras, as esferas de regulação, sempre que tal seja exigível”[24].

Em remate, o papel do intérprete é retirar do texto legal o significado da norma, dentre os vários possíveis, de forma que cabe a ele “fazer falar o texto, sem acrescentar ou omitir o que quer que seja[25]”.

Larenz reconhece que na interpretação, tanto jurisprudência quanto a ciência do Direito tem papeis fundamentais, pois esta facilita o trabalho daquela “ao mostrar os problemas da interpretação e as vias para a sua solução[26]”.

Mais uma vez, se aproximam as teorias de hermenêutica jurídica em cotejo, pois Kelsen também entende que o papel da ciência jurídica é auxiliar a jurisprudência, fixando os limites da moldura jurídica de possibilidades de aplicação da norma.

Ocorre que diferentemente de Hans Kelsen, Karl Larenz admite expressamente, como escopo da interpretação da lei, a busca pela outra forma de indeterminação não intencional, qual seja, a intenção do legislador histórico, assim como fazem os defensores da teoria subjetivista ou teoria da vontade:

“A interpretação não deve descurar a intenção reguladora cognoscível e as decisões valorativas do legislador histórico subjacentes à regulação legal, a não ser que estejam em contradição com as idéias rectoras da Constituição actual ou com os seus princípios jurídicos reconhecidos. Se assim fizesse, deixaria de se poder falar de «interpretação», mas apenas de «mistificação». […] O escopo da interpretação só pode ser, nestes termos, o sentido normativo do que é agora juridicamente determinante, quer dizer, o sentido normativo da lei. Mas o sentido da lei que há-de ser considerado juridicamente determinante tem de ser estabelecido atendendo à intenções de regulação e às idéias normativas concretas do legislador histórico, e, de modo nenhum, independentemente delas”[27].

Por conseguinte, pode-se dizer que para este jurista, tanto a teoria objetivista – que privilegia a exploração do sentido inerente à própria lei – quanto a teoria subjetivista, são necessárias para uma interpretação adequada, pois a hermenêutica não pode ser completa se não considerar estes dois escopos interpretativos.

A fim de que o processo de interpretação ocorra de forma segura e comprovável, Larenz ressalta os critérios de interpretação de Savigny que podem servir como guia do intérprete:

“Já SAVIGNY distinguia os elementos «gramatical», «lógico», «histórico» e «sistemático» da interpretação. E assinalava já também que estes distintos elementos não podiam ser isolados, mas deviam sempre actuar conjuntamente. Nos critérios de interpretação, que vão ser discutidos em seguida e que só parcialmente coincidem com os elementos salientados por SAVIGNY, não se trata de diferentes métodos de interpretação, como permanentemente se tem pensado, mas de pontos de vistas metódicos que devem ser todos tomados em consideração para que o resultado da interpretação deva poder impor a pretensão de correcção (no sentido de um enunciado adequado)”[28].

Por tais razões, Larenz vai afirmar que tal metodologia jurídica é muito importante para não deixar a interpretação ao livre arbítrio do intérprete. Neste sentido, os critérios hermenêuticos passam a atuar como freio do intérprete e servem tanto para os que buscam o sentido normativo do texto legal quanto para aqueles orientados à busca da vontade do legislador[29].

No tocante a interpretação da Constituição alemã, Larenz entende que tais critérios também podem ser aplicados[30], mas ressalta que na hermenêutica constitucional há uma importante peculiaridade:

“Permanecem todavia dúvidas sobre se a posição que a Lei Fundamental atribui ao Tribunal Constitucional Federal obriga este a resoluções que já não podem ser fundamentadas apenas com ponderações jurídicas, mas só «politicamente», a saber, atendendo ao bem comum e, particularmente, à capacidade funcional do Estado de Direito Social. Tais dúvidas resultam de que a Constituição, sobretudo na sua parte relativa a direitos fundamentais, serve-se frequentemente de conceitos carecidos de preenchimento, bem como de padrões éticos, como o da «dignidade da pessoa humana», que traça a delimitação de um direito fundamental”[31].

Registre-se que Larenz concorda com a possibilidade da hermenêutica constitucional se valer de razões políticas para fundamentar as decisões que envolvam direitos fundamentais, justamente por conta da textura aberta destes direitos. Neste aspecto, há uma distinção que salta aos olhos em relação à concepção de interpretação jurídica de Hans Kelsen, que não pode deixar de ser apontada.

É que a Teoria Pura do Direito nega a interferência de valores extra jurídicos (tais como as razões políticas), na hermenêutica jurídica, como já dito e repisado no item acima, enquanto que Karl Larenz se alinha em discordar dessa postura.

Não obstante, cumpre ressaltar que a concepção de Larenz não avaliza que a interpretação constitucional se realize segundo as convicções políticas de cada juiz. Muito pelo contrário. O autor faz uma alerta sobre a necessidade deles se afastarem “da sua orientação política subjectiva, de simpatia para com determinados grupos políticos, ou de antipatia para com outros, e procure uma resolução despreconceituada, «racional»”[32].

Além disso, ressalta que cabe ao intérprete constitucional avaliar as conseqüências previsíveis da sua decisão, buscando sempre o bem comum e o aperfeiçoamento do Estado do Direito[33].

A denominada interpretação para um desenvolvimento judicial do Direito superador da lei é o ponto da teoria de Larenz que mais chama atenção. E que, com boa dose de certeza, se contrapõe, dentre todos os já estudados, em maior medida à concepção de hermenêutica de Hans Kelsen.

Confira-se:

“Mesmo se, em regra, ainda pudessem achar-se na lei certos pontos de apoio para um tal «desenvolvimento do Direito superador da lei», ele transcende, na verdade, o âmbito de uma mera integração de lacunas. Tal desenvolvimento já não se orienta somente à ratio legis, à própria teleologia imanente à lei, mas, além disso, a uma ideia jurídica que lhe é transcendente. Compreende-se que também um tal desenvolvimento do Direito tem que permanecer em consonância com os princípios gerais da ordem jurídica e com a «ordem de valores» conforme à Constituição; mais, só pode ser justificado mediante essa consonância. Trata-se, portanto, de um desenvolvimento do Direito certamente extra legem, à margem da regulação legal, mas intra jus, dentro do quadro da ordem jurídica global e dos princípios jurídicos que lhe servem de base”[34].

Na tentativa de concretizar o princípio da inafastabilidade da jurisdição, este método de interpretação jurídica se vale de critérios transcendentais, como princípios e ordem de valores conforme a Constituição. São todos parâmetros extra legem de hermenêutica integrativa. Tal acepção não é possível de se adequar no modelo teórico hermético e positivista concebido por Hans Kelsen.

De fato, percebe-se que a despeito de partir inicialmente das mesmas questões e problemas, a concepção hermenêutica de Karl Larenz se distancia (e muito) da hermenêutica kelseniana, seja pela conotação subjetivista, seja pela presença de valores e princípios.

Tal se dá precipuamente por conta das distintas bases filosóficas dos dois autores. E isso deve sempre ser lembrado na presente análise.

Larenz se distancia da disjunção entre ser e dever-ser de base neo-Kantista, para se aproximar da tendência (mais moderna) de substancialização do formalismo jurídico seguindo idéias neo-hegelianas.

De outro lado, Kelsen se baseia em um modelo teórico estritamente positivista, conformado pela lógica em que prepondera o raciocínio formal, isolado de valores políticos ou de valores de outras ciências.

5.  A BUSCA PELA RESPOSTA “CORRETA”

Um tema enfrentado pelos dois autores que merece item destacado diz respeito a inexistência da resposta “correta” na interpretação da norma aplicada ao caso concreto.

Os dois filósofos concordam que o Direito é incapaz de oferecer uma resposta única (correta) para os problemas apresentados pela vida.

Apesar de Larenz adotar critérios metodológicos para abreviar a margem de liberdade do hermeneuta e de Kelsen construir a moldura de possibilidades jurídicas de aplicação, ambos admitem que o Direito, é incapaz de objetivar a interpretação como se fosse uma fórmula matemática que apontasse sempre a uma única resposta correta.

Kelsen admite que “a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta[35]”, entendendo-se solução correta, no sentido de solução justa do Direito positivo.

Larenz, por sua vez, entende ser impossível chegar a uma interpretação absolutamente “correta”, enquanto válida para todas as épocas:

“Se bem que toda e qualquer interpretação, devida a um tribunal ou à ciência do Direito, encerre necessariamente a pretensão de ser uma interpretação «correcta», no sentido de conhecimento adequado, apoiado em razões compreensíveis, não existe, no entanto, uma interpretação «absolutamente correcta», no sentido de que seja tanto definitiva, como válida para todas as épocas”[36].

Para Larenz, é impossível chegar a tal resposta correta, pois ela “Nunca é definitiva, porque a variedade inabarcável e a permanente mutação das relações da vida colocam aquele que aplica a norma constantemente perante novas questões[37].”

Apesar de concordarem que não há uma fórmula no Direito capaz de fornecer uma interpretação única ou “correta”, os caminhos de cada autor para se chegar a tal conclusão são diversos.

E não poderia ser diferente, pois como dito, suas premissas filosóficas os tornam mais adversários intelectuais do que partidários teóricos.

Hans Kelsen refuta a existência de um método jurídico capaz de indicar a almejada resposta “correta”, da seguinte forma: o problema acerca da existência desta resposta “correta”, não diz respeito ao Direito positivo, pois se trata de um problema de política do Direito[38].

No mesmo sentido, na interpretação autêntica, aquela em se cria o direito, o problema da resposta “correta” é um problema de política do Direito e não um problema da teoria geral do Direito positivo.

Desta afirmação decorre a idéia do autor de que os outros intérpretes das leis (advogados, doutrinadores, administradores etc) não elaboram interpretação jurídico-científica[39], mas jurídico-política, pois indicam dentre as várias soluções possíveis, aquela que consideram “correta”:

“Um advogado que, no interesse do seu constituinte, propõe ao tribunal apenas uma das várias interpretações possíveis da norma jurídica a aplicar a certo caso, e um escritor que, num comentário, elege uma interpretação determinada, de entre as várias interpretações possíveis, como a única “acertada”, não realizam uma função jurídico-científica mas uma função jurídico-política (de política jurídica). Eles procuram exercer influência sobre a criação do Direito. Isto não lhes pode, evidentemente, ser proibido. Mas não o podem fazer em nome da ciência jurídica, como freqüentemente fazem”[40].

De outro lado, Larenz salienta que é possível encontrar a solução justa (ou correta) desde que se respeite as leis vigentes, aplicando-se os princípios jurídicos e as regras de interpretação conjugados com o desenvolvimento jurisprudencial do Direito:

A justiça da resolução do caso é portanto, certamente, uma meta desejável da actividade judicial, mas não um critério de interpretação de par com os outros. Este desiderato deve realizar-se apenas nos quadros das leis vigentes e dos princípios jurídicos reconhecidos e portanto também apenas com o auxílio das regras de interpretação mencionadas ou no decurso de um desenvolvimento jurisprudencial do Direito que seja admissível[41].

Ao menos nesse ponto, apesar de razões distintas, os autores parecem concordar que o Direito ainda não é capaz de apontar uma fórmula adequada e racional o suficiente para concretizar o princípio da segurança jurídica solucionando o caso concreto com uma única resposta “correta”.

6. CONCLUSÃO

Enquanto ciência social destinada a regular relações humanas e solucionar conflitos, a inexistência da hermenêutica adequada a esse objeto, gera enorme insegurança jurídica, já que implica em decisões inadequadas muitas vezes.

No tocante a teoria de Kelsen, deve-se reconhecer que tem pouca aplicação prática, principalmente no mundo atual. Os aspectos humanos, bem como os valores sociais, não podem ser deixados à margem da interpretação jurídica.

De todo modo, deve-se fazer justiça ao ilustre filósofo de Viena, uma vez que o corte epistemológico da sua teoria foi estudar o Direito como um conjunto de normas emprestando dignidade cientifica ao mesmo, apesar de não resumi-lo somente a essa perspectiva. Ele buscou estabelecer um sistema lógico de diretrizes aplicáveis em qualquer sistema jurídico, e neste sentido, obteve sucesso.

Ocorre que ao descartar a interpretação valorativa, Kelsen está admitindo que uma norma válida que legitima o direito em que está inserida, possa implicar em fazer injustiça com as pessoas. Isso porque para ser válida, só importa a obediência ao formalismo na produção da norma.

A ideologia implícita nesta teoria é perigosa e poderia tornar legais Governos discriminatórios, bastando que o regime se organize segundo a estrutura pirâmide da Teoria Pura.

Num Estado Democrático de Direito, a moldura de possibilidades de aplicação deve sim relevar o seu conteúdo. Aquele conteúdo que reflita os anseios de toda a sociedade e direcione as ações estatais a concretização dos direitos fundamentais.

Somente por meio de uma hermenêutica valorativa, orientada a valores, como a de Karl Larenz pode-se chegar perto deste objetivo, pois o papel da hermenêutica jurídica é viabilizar que o Direito alcance o maior gênero e grau possível de concretização da Justiça.

A busca pela solução “correta” na interpretação da norma ainda carece de uma teoria jurídica com clareza metodológica suficiente para evitar decisionismos e malabarismos retóricos.

No contexto das teorias estudadas, verifica-se que há opções de caminhos distintos para trilhar. Mais que isso, os autores estudados indicam que este longo e tortuoso caminho da Ciência Jurídica ainda não chegou ao fim.

 

Notas:
[1] LUHMANN, Niklas. A posição dos tribunais no sistema jurídico. Porto Alegre: AJURIS, 1990, p.163

[2] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2006, p. 81

[3] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito.(trad. João Baptista Machado). São Paulo: Martins Fontes, 1998. 6.ed. p. 175

[4] KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 01.

[5] KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 03.

[6] KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 03.

[7] KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 72.

[8] KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 245.

[9] KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 245.

[10] KELSEN, Hans. Op. Cit. p. 245.

[11] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 249.

[12] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 246.

[13] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 246.

[14] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 246.

[15] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 247.

[16] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 250.

[17] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 50.

[18] A teoria estática do Direito o concebia como um sistema de normas em vigor, dirigido aos jurisdicionados e era defendida pelo positivismo tradicionalista.

[19] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 50.

[20] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 172.

[21] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 165-166.

[22] LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. (trad. José Lamego). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,1997. 3.ed. p. 439.

[23] LARENZ, Karl. Op. Cit. p. 441.

[24] LARENZ, Karl. Op. Cit. p. 441.

[25] LARENZ, Karl. Op. Cit. p. 441.

[26] LARENZ, Karl. Op. Cit. p. 442.

[27] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 448.

[28] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 450.

[29] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 450.

[30] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 514.

[31] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 515.

[32] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 517.

[33] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 514.

[34] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 588.

[35] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 247.

[36] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 443.

[37] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 443.

[38] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 249.

[39] O autor também critica a tentativa fictícia da jurisprudência tradicional na busca da resposta correta: “A interpretação jurídico-científica tem de evitar, com o máximo cuidado, a ficção de que uma norma jurídica apenas permite, sempre e em todos os casos, uma só interpretação: a interpretação “correta”. Isto é uma ficção de que se serve a jurisprudência tradicional para consolidar o ideal da segurança jurídica. Em vista da plurissignificação da maioria das normas jurídicas, este ideal somente é realizável aproximativamente”. (p. 251).

[40] KELSEN, Hans. Op. Cit.  p. 251.

[41] LARENZ, Karl. Op. Cit.  p. 493.


Informações Sobre o Autor

Roberto Mizuki Dias dos Santos

É graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador (2005.2), Especialista em Direito do Estado pela Unyahna/BA (2007) e Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (linha de pesquisa: Constituição, Estado e direitos fundamentais). Advogado. Procurador do Estado do Piauí.


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