Aspectos controvertidos da situação jurídica do nascituro

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Resumo: Objetiva-se neste artigo apontar os entendimentos doutrinários controvertidos sobre a situação jurídica do nascituro no ordenamento jurídico brasileiro. Destacou-se os principais temas que envolvem o nascituro, principalmente no que tange ao início da personalidade. Ao final, buscou-se propor em que medida deve ser assegurada tutela jurídica ao nascituro e, se para tanto, é necessário adquirir personalidade jurídica.

Palavras-chave: nascituro; estatuto; personalidade jurídica.

Abstract: This article aims to point out the disputed doctrinal understandings about the legal status of unborn child in the Brazilian legal system. He highlighted the main issues involving the unborn child, especially in regard to the beginning of personality. At the end, we attempted to propose that measure must be provided legal protection to the unborn child and, if to do so, you must acquire legal personality.

Keywords: unborn child; status; legal personality.

Sumário: 1- Introdução; 2- Conceito de nascituro, embrião e feto; 2.1 – Teorias do início da personalidade para o direito; 3- A curatela do nascituro; 4- Possibilidade de ser donatário; 5- Capacidade sucessória e direito de filiação; 6- Alimentos gravídicos; 7- Responsabilidade civil por dano ao nascituro; 8- Projeto de Lei 478/2007- Estatuto do nascituro; 9-Considerações finais; Referências.

1 INTRODUÇÃO

A situação jurídica do nascituro está atualmente tratada nas diversas áreas do direito. Mas é no direito civil que se tem o seu ponto de partida. Afinal, ao tratarmos do nascituro estamos nos referindo ao início da personalidade. E é justamente neste ponto de partida em que já nos deparamos com a polêmica: afinal, para o direito, a partir de qual momento é protegida a vida?

A resposta para esta pergunta e muitas outras a serem discutidas nestes estudos não será única, mas buscar-se-á trazer discussões que envolvem o nascituro.

Início da vida e da personalidade, capacidade sucessória, imputação de responsabilidade de dano ao nascituro, alimentos gravídicos e o polêmico “Estatuto do Nascituro” e outros assuntos, serão objeto de análise.

Entretanto, não será objeto deste trabalho aprofundar cada tema, pois cada qual se permite produzir verdadeiros tratados, mas trazer ao leitor o panorama atual que envolve o nascituro no direito.

Fonte do direito civil brasileiro, o direito romano não fora diferente na dificuldade de se tratar o nascituro como pessoa ou não. Sérgio Abdalla Semião informa que:

Em algumas vezes era reconhecida personalidade ao nascituro; em outras, se estabelecia uma personalidade condicional, colocando-se a salvo seus direitos, sob a condição de que nascesse viável […]. Em outras ainda, considerava-se a criança não viável como despida de personalidade e finalmente, às vezes, negava-se personalidade aos monstros ou crianças nascidas sem a forma humana.

Conclui-se, pois, que inobstante admita-se a controvérsia sobre o início da personalidade no Direito Romano, há que se ater ao fato que a maioria da doutrina romanista não considera o nascituro como pessoa, já que nem o monstrum, mesmo que nascido com vida era considerado pessoa” (SEMIÃO, 2000, p. 46/48).

A lei civil confere proteção ao nascituro, desde o instante da concepção, ainda que sob a condição dele nascer com vida. Nesse sentido, reconhece-lhe os direitos da paternidade reconhecida no útero, de ser credor de prestações alimentícias, de receber doações e legados e de recolher a título sucessório. Permite sua inserção na família, presumindo-o concebido na constância do casamento, se nascer entre os 180 dias depois de estabelecida a convivência conjugal e 300 dias subsequentes à dissolução dessa sociedade conjugal (BERTI, 2008).

Antes de se adentrar a partir de qual momento deve ser assegurado estes e outros direitos ao nascituro, faz-se necessários estabelecer-se os conceitos de nascituro, embrião e feto.

2 CONCEITO DE NASCITURO, EMBRIÃO E FETO

Esses são os três termos utilizados na linguagem do mundo científico para designar o ser concebido, ainda em vida intra-uterina, que se prepara para nascer. O direito não os define: nem embrião, nem feto, nem nascituro.

Embrião, feto, nascituro são expressões próximas, bem ligadas entre si, quanto ao sentido que se lhes dá em linguagem científica (BERTI, 2008, p.70).

Explica Silma Mendes Berti (2008) que “a expressão nascituro, preferida pela linguagem jurídica brasileira, para indicar apenas o ser concebido, durante o tempo em se encontra no seio materno, que o acolhe e o protege. Melhor dizendo, e para ser fiel ao sentido que se lhe dá a língua latina, para indicar aquele que vai nascer, embora se lhe aplique também o sentido do ser concebido que ainda se encontra no ventre materno”.

Diferente do nascituro é o concepturo, aquele que ainda não foi concebido.

É o caso da chamada prole eventual, isto é, aquele que será gerado, concebido, a quem se permite deixar benefício em testamento, dês que venha a ser concebido nos dois anos subsequentes à morte do testador, conforme art. 1.800, §4º do CC/02. Enquanto, o nascituro é o filho que alguém já concebeu, mas ainda não nasceu, o concepturo é o filho que alguém ainda vais conceber (FARIAS; ROSENVALD, 2009).

Já o embrião é considerado na área médica o germe fecundado nos primeiros meses de vida intra-uterina; é o que se encontra no começo da vida e que ainda não tem forma definida (BERTI, 2008).

Entretanto, não se pode utilizar referido conceito de forma genérica, considerando a existência dos embriões não implantados na reprodução assistida, que são concebidos, como no caso da fertilização in vitro, fora do útero.

Conforme Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald (2009), os embriões laboratoriais (embriões in vitro) são aqueles remanescentes de fertilização na proveta (embriões excedentários) ou que foram preparados para serem implantados em uma mulher, mas ainda não o foram (embriões pré-implantatórios).

Por outro lado, o feto representa a fase do desenvolvimento intra-uterino que segue à embrionária até o nascimento, e que acontece após o segundo ou terceiro mês de fecundação.

O feto apresenta uma morfologia reconhecível: seus órgãos já estão formados, ele já começa a apresentar caracteres distintivos da espécie humana. A transição entre o estágio embrionário e o estágio fetal opera-se por volta da 8ª semana após a fecundação, ou da 7ª após a implantação (BERTI, 2008).

Cabe asseverar que tais definições não são fechadas, sendo, inclusive, muitas vezes confundidas no meio jurídico, o que leva a interpretações diversas, como se verá mais adiante.

Todavia, é a partir destes termos que se pode compreender a teorias desenvolvidas acerca do início da personalidade e por conseguinte, de proteção jurídica ao nascituro, as quais serão tratadas a seguir.

2.1 TEORIAS DO INÍCIO DA PERSONALIDADE PARA O DIREITO

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De acordo com o art. 2º do CC/02 “A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Com base neste artigo é possível afirmar que o nascituro possui personalidade? Como assegurar direitos a um ser que ainda não nasceu? E, afinal, o que é nascimento com vida?

Para podermos esclarecer estas perguntas, iniciemos com as teorias do início da personalidade para o direito:

a) teoria natalista: defende que a personalidade civil do homem tem início com o nascimento, com vida. Quanto ao ente por nascer, não o considera uma pessoa; entretanto, defende os adeptos dessa teoria que, como o nascituro possui expectativa de vir a ser uma pessoa, os direitos que lhe reconhecem encontram-se em estado potencial. São adeptos dessa teoria Silvio Rodrigues, Eduardo Espínola, Pontes de Miranda, Orlando Gomes.

b) teoria da personalidade condicionada: sustenta que a personalidade começa a partir da concepção, mediante a condição suspensiva do nascimento com vida, que vindo a se concretizar, os efeitos da personalidade retroagem à data de sua concepção. Teoria adota por Serpa Lopes, Washington de Barros, Arnoldo Wald.

c) teoria concepcionista: afirma que, desde o momento da concepção, tem-se a personalidade do homem. Entre os defensores dessa teoria têm-se Teixeira de Freitas, Silmara Chinelato e Francisco Amaral (BORGES, 2009, p.99-100).

Embora existam estas e outras teorias, a adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro é a natalista, ou seja, a personalidade só tem início com o nascimento com vida.

Sendo assim, como considera a doutrina majoritária, o nascituro possui alguns direitos, assegurados para permitir o seu livre desenvolvimento, porém, só terá personalidade se nascer com vida. Mas o que é nascer com vida?

A esta pergunta o direito não responde. Entretanto, define o fato morte para fins de transplante e doação de órgãos.

Conforme o artigo 3º da Lei n.9434, de 4 de fevereiro de 1997, a Lei  dos Transplantes, “é considerada para fins de término da vida humana a morte encefálica”.

Assim, pode-se entender que o nascer com vida seria a presença de atividade cerebral e a respiração.

3 A CURATELA DO NASCITURO

A lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro, que deverão ser entendidos como expectativas de direito. Em defesa dessas expectativas de direito do nascituro, que enquanto expectativas são postas a salvo, é que o Código Civil manda que se lhe dê um curador, se o pai falecer, estando a mulher grávida, e não tendo o pátrio poder. É o que se denomina na doutrina “curador ao ventre” (SEMIÃO, 2000).

Conforme o Código Civil de 2002:

“Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.

Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.”

Com o nascimento com vida termina a curatela, e assim, não tendo a mãe o pátrio poder, deverá ser nomeado ao nascido um tutor.

A curatela ao nascituro não deve ser entendida como representação, já que este não possui personalidade, e não figura como pessoa absolutamente incapaz.

Segundo Sérgio Abdalla Semião:

Não tendo o nosso diploma civil declinado o nascituro como pessoa absolutamente incapaz ou relativamente incapaz, chega-se à óbvia dedução de que a curatela a ele conferida não é no sentido de representação, mas, sim, de vigiar, de cuidar e de pôr a salvo suas expectativas de direito, para o caso de vir a nascer com vida, resguardando assim os interesses do ser humano por nascer, que, juridicamente, ainda não é pessoa, mas mera expectativa de pessoa.

A defesa que porventura o curador tenha que fazer das expectativas de direito do nascituro será enquanto vigilante e protetor dessas expectativas, e não representando o nascituro

Destarte, cabe ao curador ou mesmo aos pais que geraram o nascituro praticar apenas atos provisórios em prol de uma pessoa prestes a constituir-se e que a lógica deduz como futuro sujeito de direitos, no sentido jurídico do termo” (SEMIÃO, 2000, p.90).

Coaduna Maria Helena Diniz:

“O nascituro tem capacidade de direito, mas não de exercício, devendo seus pais ou, na incapacidade ou impossibilidade deles, o curador ao ventre ou ao nascituro zelar pelos seus interesses, tomando medidas processuais ao seu favor, administrando em seu nome a posse, resguardando sua parte na herança, aceitando doações ou pondo a salvo suas expectativas de direito. Com o nascimento com vida, seus pais assumem o poder familiar; se havia curador ao ventre, cessar-se-ão suas funções, terminando a curatela, nomeando-se um tutor ao nascido” (DINIZ, 2011, p.229-230).

Assim, não há como representar uma pessoa que ainda não existe.

4 POSSÍBILIDADE DE SER DONATÁRIO

O art. 542 do CC/02[1] atribuiu ao nascituro o direito de ser donatário, desde que liberalidade seja aceita pelos pais.

No contrato de doação, a capacidade exigida varia, conforme a posição da parte. Por ser benéfico o contrato, do donatário não se exige capacidade de fato para aceitar a liberalidade. Há de se fazer necessário, entretanto, o consentimento de seu representante legal (BEVILÁQUA apud BERTI, 2008).

Todavia, ainda que tenha o direito de ser donatário, a doação somente surtirá seus efeitos após o nascimento com vida do nascituro, seja para bem imóveis ou móveis.

De acordo com Sérgio Abdalla Semião (2000), o entendimento é muito lógico: se a expectativa de pessoa não nasce com vida, a conseqüência óbvia é que a doação será considerada como se nunca tivesse sido conferida, já que o nascituro que não nasce com vida, não pode ser sucedido hereditariamente, e, assim, o bem em vez de transferir-se para seus herdeiros, voltará para o patrimônio do doador, operando os mesmos efeitos, como se fora uma verdadeira cláusula resolutiva expressa, tudo por pura lógica jurídica.

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Pactua Maria Helena Diniz:

“O nascituro poderá receber bens por doação ou por herança, mas o direito de propriedade somente incorporará em seu patrimônio se nascer com vida, mesmo que faleça logo em seguida, hipótese em que os bens, recebidos por liberalidade, transmitir-se-ão aos seus sucessores. Se nascer morto, caduca estará a doação ou a sucessão legítima ou, ainda, a testamentária. Enquanto estiver na vida intrauterina seus pais ou o curador ao ventre serão meros guardiães ou depositários desses bens doados ou herdados, bem como se seus frutos e produtos. Logo, não são usufrutuários; deverão guardá-los sem deles gozar” (2011,p.230).

Basta um instante de vida após o nascimento para que a doação produza seus efeitos.

5 CAPACIDADE SUCESSÓRIA E DIREITO DE FILIAÇÃO

Defere-se a sucessão ao nascituro, desde que já concebido no momento da abertura da sucessão. Como ainda falta-lhe personalidade, nomeia-se curador. Irá adquirir de imediato a posse da herança como se já fosse nato desde o momento da abertura da sucessão.

Entretanto, se nascer morto, deve ser considerado como se nunca tivesse existido, pois a sucessão somente surtiria efeito caso nascesse vivo.

De acordo com o CC/02:

Art. 1.798. Legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão.

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder:

I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;

Art. 1.800. No caso do inciso I do artigo antecedente, os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz.

§ 3o Nascendo com vida o herdeiro esperado, ser-lhe-á deferida a sucessão, com os frutos e rendimentos relativos à deixa, a partir da morte do testador.

§ 4o Se, decorridos dois anos após a abertura da sucessão, não for concebido o herdeiro esperado, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos.”

Caso especial é o da morte da mãe no trabalho de parto, ou quando o filho é retirado das entranhas da genitora falecida em conseqüência de acidente ou colapso. Não se nega ao filho legitimação para suceder, embora não haja coexistido com a mãe (PEREIRA, 2010).

È válida a disposição testamentária contemplando a prole eventual de determinada pessoa. Neste caso, a transmissão hereditária é condicional, subordinando-se a aquisição da herança a evento futuro e incerto. O prazo é de dois anos, contados da abertura da sucessão. Assim, se a qualquer tempo dentro do biênio nascer com vida o herdeiro esperado, considera como se estivesse vivo ao tempo da morte do testador; se, no mesmo prazo, ocorrer ao menos a concepção, deve-se aguardar o nascimento do sucessor e o implemento da condição; se, porém escoar-se o prazo sem que ocorra a concepção, os bens reservados, salvo disposição em contrário do testador, caberão aos herdeiros legítimos, tornando-se sem efeito a disposição testamentária (PEREIRA, 2010).

Enquanto não encerrado o prazo ou até que nasça, com vida, o herdeiro esperado, (se tal nascimento se der antes do termo final do biênio), os bens da herança serão confiados, após a liquidação ou partilha, a curador nomeado pelo juiz, cujos poderes, deveres e responsabilidades regem-se no que couber, pelas disposições concernentes à curatela dos incapazes, e cuja identidade há de ser definida no próprio testamento, recaindo o encargo, na falta de nomeação, na pessoa cujo filho testador esperava ter por herdeiro (PEREIRA, 2010).

Situação bastante discutida é a sucessão e reprodução humana assistida. O Código Civil dispõe que se presumem concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. Segundo Caio Mário da Silva Pereira:

Em realidade, ocorrendo a concepção por processo artificial, depois da morte do pai, não há que presumir sua contemporaneidade com um casamento sabidamente dissolvido por aquele óbito anterior: a hipótese é, claramente, de ficção jurídica, e não de verdadeira presunção.

Resta saber como semelhante presunção se harmoniza com a regra do art. 1.798, que apenas reconhece legitimação sucessória às pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão. Se o filho havido artificialmente, após a morte do pai, reputa-se concebido na constância do casamento, estaria aparentemente preenchido o requisito para sua legitimação sucessória: seria ele, para os efeitos legais, um nascituro, plenamente equiparado ao que, já concebido por processo natural, apenas não houvesse ainda nascido quando da abertura da sucessão” (PEREIRA, 2010, p.27).

Nesta ordem de ideias, o Código Civil de 2002 dispõe que:

Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

I – nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal;

II – nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento;

III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido;

IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga;

V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

Considerações de ordem puramente prática têm sido, por vezes, invocadas para justificar a falta de legitimação sucessória de filhos artificialmente concebidos post mortem, pois a partilha que se fizesse hoje estaria indefinidamente sujeita a ser alterada (ASCENSÃO apud PEREIRA, 2010).

Debate-se a igualdade entre os filhos, conforme o art. 226, §3º da Constituição de 1988[2].

Taisa Maria Macena de Lima e Bruno Torquato de Oliveiras Naves, acerca do referido dispositivo constitucional, pontuam que:

“A capacidade de gozo diferenciada entre pessoas nascidas e pessoas por nascer não influi na personificação destas. A gama de direitos albergada pela capacidade de gozo é variável ainda entre as pessoas nascidas, em virtude da situação específica de cada uma delas. A questão não é ter maior ou menor número de direitos, mas titularizar aqueles imprescindíveis à dignidade do ente nascido ou por nascer” (LIMA; NAVES, 2010, p.21).

Se, na sucessão legítima são iguais os direitos sucessórios dos filhos, e se o CC/02 trata os filhos resultantes de fecundação artificial homóloga, posterior ao falecimento do pai como se houvessem sido concebidos na constância do casamento, como justificar, a exclusão de seus direitos sucessórios?

Caio Mário da Silva Pereira (2010) informa que a doutrina divide-se em duas correntes:

a) para uns, não têm legitimidade sucessória (Jussara Maria Leal de Meirelles e Eduardo de Oliveira Leite).

b) para outros autores, tais filhos têm legitimação sucessória, cabendo-lhes reivindicar sua parte na sucessão por meio de ação de petição de herança, como já efetivada a partilha ao tempo de seu nascimento (Guilherme Calmon Nogueira da Gama e Débora Gozzo).

Ainda, Caio Mário defende que no caso de embriões excedentários, deve prevalecer o entendimento que têm legitimação para suceder, em virtude de já estarem efetivamente concebidas ao tempo do óbito do de cujos.

6 ALIMENTOS GRAVÍDICOS

O direito a alimentos ao nascituro, chamados de alimentos gravídicos são regulados pela lei n. 11.804/2008, que na verdade disciplina o direito a alimentos da mulher gestante.

Referida lei prevê que:

Art. 2o  Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. 

Parágrafo único.  Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.”

Tais alimentos em sentido abrangente visam a garantir a formação e desenvolvimento do nascituro, na proporção dos recursos dos pais, conforme o art. 6º da Lei de Alimentos Gravídicos[3].

Nota-se que o nascituro nascendo com vida, os alimentos serão convertidos em pensão alimentícia.

Serão admissíveis quaisquer provas admitidas em direito para comprovar os indícios da paternidade. Não é mais exigível o exame pericial, art. 8º vetado, pois além de colocar a perícia como condição para a procedência da demanda coloca em risco a vida do nascituro. “Há consenso médico que o exame de DNA em líquido amniótico pode comprometer a gestação” (RIZZARDO, 2009).

7 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AO NASCITURO

Para os defensores da teoria concepcionista é cabível indenização por dano ao nascituro.

Conforme Maria Helena Diniz (2011), o embrião, ou o nascituro, tem resguardados, normativamente, desde a concepção, os seus direitos, porque a partir dela passa a ter existência e vida orgânica e biológica própria, independente da de sua mãe. Se as normas o protegem é porque tem personalidade jurídica. Na vida intrauterina, ou mesmo in vitro, tem personalidade jurídica formal, relativamente aos direitos de personalidade, consagrados constitucionalmente, adquirindo personalidade jurídica material apenas se nascer com vida, ocasião que será titular dos direitos patrimoniais, que se encontravam em estado potencial, e do direito às indenizações por dano moral e patrimonial por ele sofrido.

Se o nascituro não pode exercer seu direito de viver, em razão de sua morte ter sido, por exemplo, provocada por negligência médica, atropelamento ou acidente de trânsito sofrido por sua mãe, terá ela direito de ser indenizada não só por isso, mas também por lesão a sua própria integridade física. Indenizável é, por dano moral, a morte prematura do nascituro pelo sofrimento que provoca pela perda de uma possibilidade a que seus pais tinham legítimo interesse, qual seja, a de que ele um dia pudesse prestar-lhes auxílio pessoal ou econômico (DINIZ, 2011).

A autora enumera uma séria de situações em que o nascituro e os embriões obtidos da fertilização in vitro teriam seus direitos resguardados, como: a) manipulação genéticas que somente serão lícitas para corrigir alguma anomalia genética; b) experiência científicas que envolvam sexagem, retirada de órgãos, testes de cura, clonagem, eugenia, aproveitamento de células e tecidos; c) uso de espermatogone ou espermátide; d) reprogramação celular; e) congelamento dos embriões excedentes na RA, não implantados; f) comercialização de embriões excedentes para fins ilícitos; g) defeitos apresentados nos materiais fertilizantes doados, devido ao mau funcionamento dos aparelhos da clínica; h) distorção dos fins e erro médico nos exames de prénatal; g) erro na técnica de utilização de tecido fetal; h) falhas em cirurgias intrauterinas; i) eritroblastose fetal; j) ausência de vacinação; k) transfusão de sangue contaminado no feto;  l) transmissão de doenças infectocontagiosas; m) omissões em terapias gênicas; n) medicação inadequada ministrada à gestante;o) radiações; p) fumo; q) tóxicos consumidos pelos pais; r) alcoolismo; s) uso errôneo de hormônios; t) recusa da gestante de tomar medicamentos ou se submeter a tratamentos médicos para preservar a vida e saúde do nascituro; u) inocuidade de pílula anticocepcional; v) problema ocorrido no parto por falha médica; x) uso de abortivos; z) ocorrência de acidentes (DINIZ, 2011).

O nascituro deve ter asseguarado o direito à indenização por morte de seu pai como compensação pelo fato de nunca tê-lo conhecido. A perda do genitor, argumenta Adail Moreira, ainda que não sentida no ato de sua ocorrência pelo nascituro, afeta-lhe, contudo, posteriormente, quando nascido com vida, o psiquismo pelo sentimento de frustração ante a ausência da figura paterna, sendo que a reparação por dano moral poderá, a título de compensação, minorar a “dor” da orfandade (DINIZ, 2011).

Consagrado está o direito à imagem do nascituro, pois poderá ser ela captada por ultrassonografia, câmeras fotográficas miniturizadas ou radiografias. Assim, se captada, utilizada ou publicada sem autorização de seus pais ou do curador ao ventre, causando-lhe dano, poderá pleitear uma indenização (DINIZ, 2011).

Segue esta assertiva Silma Mendes Berti:

“Não é difícil, pois, imaginar e admitir o nascituro como titular do direito à imagem. Existindo a possibilidade de uma mulher grávida ter, como todo indivíduo, direito ao respeito à sua imagem, pode-se facilmente conceber a idéia de que seu direito à imagem estende-se ao do filho que ela traz no ventre, até mesmo se tratar de filho natimorto. Colocando em pauta, especificamente, o direito à imagem de um filho simplesmente concebido, é possível admitir que possa ter lugar, durante a vida pré-natal, um atentado ao seu direito de imagem, distinto ao direito à imagem de sua mãe. Fotos do embrião no ventre materno para campanhas contra o aborto, fotos revelando experimentos médico-científicos em andamento, ou já realizados com sucesso, são divulgadas, frequentemente, em revistas científicas, em congressos, nos vários meios de comunicação visual.

É, portanto, absolutamente necessário o consentimento da mulher, na qualidade de representante, para a divulgação da imagem do filho que concebeu, o que evidencia e até fortalece a afirmação de ser o nascituro titular do direito à imagem” (BERTI, 2008, p.88).

O nascituro também tem direito à honra e poderá pleitear indenização se sofrer imputação de bastardia, por exemplo, conforme defende as autoras.

8 PROJETO DE LEI 478/2007 – ESTATUTO DO NASCITURO

Ao dispor sobre o Estatuto do Nascituro, o projeto de lei em questão trata de seus direitos fundamentais, tais como direito a tratamento médico, a diagnóstico pré-natal, a pensão alimentícia ao nascituro concebido em decorrência de ato de violência sexual, a indenização por danos morais e materiais, além de tipificar como crime atos como dar causa, de forma culposa, a morte de nascituro; anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar o aborto; congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação; fazer a apologia de aborto, dentre outros.

Como justificativa, seus autores sustentam pretender tornar integral a proteção ao nascituro, realçando-se, assim “o direito à vida, à saúde, à honra, à integridade física, à alimentação, à convivência familiar” e a proibição de “qualquer forma de discriminação que venha a privá-lo de algum direito em razão do sexo, da idade, da etnia, da aparência, da origem, da deficiência física ou mental, da expectativa de sobrevida ou de delitos cometidos por seus genitores” (SENADO, 2010).

À proposição principal, foram apensados os seguintes projetos:

PL 489/07, de idêntico teor, também dispõe sobre o Estatuto do Nascituro;

PL 1.763/07, que dispõe sobre a assistência à mãe e ao filho gerado em decorrência de estupro;

PL 3.748/08, que autoriza o Poder Executivo a conceder pensão à mãe que mantenha criança nascida de gravidez decorrente de estupro.

Referido projeto dispõe que o nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido, incluindo os embriões in vitro, antes de serem implantados no útero.

São reconhecidos alguns direitos como dignidade, vida, saúde, integridade física e os demais direitos da personalidade previstos nos arts. 11 a 21 do Código Civil de 2002. Os direitos patrimoniais ficam sujeitos à condição resolutiva, pois caso o nascituro não nasça com vida, seus efeitos serão extintos.

Defende Zélia Maria Cardoso Montal que o nascituro é sujeito de direito, pelos simples fato de estar na condição de ser humano, devido ao princípio da igualdade material ou substancial. A autora é a favor do Estatuto do Nascituro, pois a realidade demonstra a vulnerabilidade deste ser e o seu reconhecimento como específico sujeito de direito, portanto, se faz exigível proteção específica, com legislação própria (MONTAL, 2009).

Favorável ao estatuto, Silma Mendes Berti pontua que:

“Admitir ser o embrião uma potencialidade de pessoa é aceitar que, entre o que é hoje e o homem e que ele será, no futuro, há uma distância a ser percorrida. O ser concebido deve ser visto, isto sim, como uma pessoa humana in fieri, ou pessoa humana com um potencial. Assim ele próprio sinalizará o reconhecimento de sua dignidade e a proteção de sua pessoa. O direito do embrião deve harmonizar-se com outros direitos, talvez menos fundamentais que a dignidade. Além do mais, é preciso ressaltar a impropriedade do postulado, para pensar que o caráter contínuo do desenvolvimento do fenômeno vital torna improvável o corte da vida, desde a concepção à morte, em categorias submetidas, cada uma delas, a um direito diferente. Assim, dotar um embrião de um estatuto, como se propõe, será sempre uma louvável ideia” (BERTI, 2008, P.90-91).

Jussara Meirelles (2000) mostra-se favorável à criação de legislação especifica para proteger os embriões in vitro, ao afirmar que “considerados em si mesmos portadores de vida, afastada resulta sua caracterização como bens suscetíveis de subordinação a interesses econômicos. Forçoso, por conseguinte, afirmar a indubitável necessidade de sua proteção jurídica específica, impondo-se para tanto, distanciá-los da categorização estabelecida tradicionalmente, bem como, sob o enfoque do amparo, equipará-los aos demais seres humanos”.

Criticáveis são os arts. 7º e 9º do estatuto ao disporem:

Art. 7º O nascituro deve ser destinatário de políticas sociais que permitam seu desenvolvimento sadio e harmonioso e o seu nascimento, em condições dignas de existência.

Art. 9º É vedado ao Estado e aos particulares discriminar o nascituro, privando-o de qualquer direito, em razão do sexo, da idade, da etnia, da origem, de deficiência física ou mental.”

Políticas sociais que permitam seu desenvolvimento sadio e harmonioso são um tanto difíceis de concretizarem. É forçoso imaginar que este ser possa ser destinatário de políticas sociais, seja estando no útero ou no laboratório criopreservado.

Ademais, como imaginar discriminação em razão de sexo, etnia e deficiência física e mental? Até então, a medicina não evoluiu ao ponto de na fase embrionária diagnosticar o sexo, cor de pele e possível deficiência do embrião, salvo na hipótese de ser oriundo de técnica de reprodução assistida, que ainda assim tem restrições éticas, dispostas na Resolução 1.957 do CFM e no Código de Ética Médica.

O PL 478/2007 está atualmente para análise pela Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, desde 09/04/2012.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após exaustiva pesquisa e exposição de diversos temas que comportam a situação jurídica do nascituro concluo que o tema como antes afirmado é polêmico e bastante debatido.

Acerca do início da vida e da teoria a ser adotada não se coaduna nestes estudos a nenhuma, posto que será o caso concreto que determinará o direito ou não a ser aplicável, posto que as relações jurídicas não são estáticas, ao contrário, são complexas e dinâmicas.

Não se pode entender que mesmo em determinadas situações o nascituro possua personalidade, pois esta, como já referendada no código civil, somente ocorre com o nascimento com vida. Haverá situações em que o nascituro possa ser titular ou não de direitos, e isto não implica em personalidade, pois a própria lei já põe a salvo seus direitos.

 

Referências
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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n.1.805/2006. Brasília: CFM, 2006. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2006/1805_2006.htm>. Acesso em: 15 Mai. 2012.
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n.1.931/2009.  Brasília: CFM, 2009. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009.htm>. Acesso em: 22 Mai. 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: volume 7 : responsabilidade civil. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 8. ed. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
MEIRELLES, Jussara. A vida humana embrionária e sua proteção jurídica. Rio de Janeiro: Editora Biblioteca, 2000.
MONTAL, Zélia Maria Cardoso. Vida humana: Abordagem sob o ponto de vista dos avanços científicos e da necessidade de adequação dos conceitos jurídico tradicionais. In: GARCIA, Maria; GAMBA, Juliane Caravieri Martins; MONTAL, Zélia Cardoso (Coord.). Biodireito constitucional: questões atuais. Rio de Janeiro: Elsevier, Campus, 2009. p.39-58.
NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; LIMA, Taisa Maria Macena de. Direito à reparação civil do nascituro por morte do genitor em acidente de trabalho: dano moral e personalidade do nascituro. In: Revista do Tribunal Regional da 3ª Região. Belo Horizonte, v.51, n.81, p.113-136. Jan/jun/2010. Acesso em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_81/bruno_torquato_e_taisa_maria_macena.pdf> Acesso em 07 Mai. 2012.
PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Livia (Org.). Vade mecum Saraiva 2008/ obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Livia Céspedes. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: volume 6 : direito das sucessões. 17. ed. rev. e atual. / por Carlos Roberto Barbo Rio de Janeiro: Forense, 2010.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de família. 7. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
SÁ, Maria de Fátima Freire de. Biodireito e Direito ao próprio corpo: doação de órgãos,
incluindo o estudo da lei n. 9.434/97. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
SEMIÃO, Sérgio Abdalla. Os direitos do nascituro: aspectos cíveis, criminais e do biodireito. 2. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
 
Notas:
 
[1] Art. 542. A doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelo seu representante legal. 

[2] Art. 227.§ 6º – Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

[3] Art. 6o  Convencido da existência de indícios da paternidade, o juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.  Parágrafo único.  Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão.  


Informações Sobre o Autor

Tiago Vieira Bomtempo

Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo IEC PUC Minas. Advogado e membro da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG. Biotécnico. Professor universitário.


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