Poderes instrutórios do juiz do trabalho

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Resumo. O devido processo legal encontra-se no ápice das garantias do cidadão no Judiciário, abrangendo diversas outras, entre elas a de participação na produção da norma jurídica como fundamento de legitimidade do direito judicial. Diversos são os sistemas de produção probatória conforme a natureza do direito e a qualificação do interessado envolvido na relação jurídico-processual. Em se tratando do Processo do Trabalho é preciso superar a controvérsia acerca de sua natureza jurídica para, após, partir para o exame da atividade probatória e os poderes de sua iniciativa conferidos ao juiz do trabalho.

Palavras-chave: Processo. Trabalho. Provas. 

Abstract. Due process is at the apex of the guarantees of the citizenin the judiciary, including sever al other warranties, including the participationin the production of the rule of law, which ensures the legitimacy of judicial duty. There are several production systems as probative nature of the right involvedand interested in the legal and procedural. In terms of the Labour Procedure, it is necessary to overcome the controversy over its legal status to, after, from activity to examine the evidence and the powers of the judge granted his initiative work.

Keywords: Process. Work. Investigation. 

Sumário. Introdução. 1. O direito à prova no devido processo legal. 2. Princípio do dispositivo e da livre investigação das provas. 3. Posição enciclopédica do Direito do Trabalho. 4. Instrução do processo trabalhista à luz do princípio da primazia da realidade. Conclusão. Referências.  

INTRODUÇÃO

Com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 45, que acrescentou o inciso LXXVIII à Constituição Federal, dispondo sobre a razoável duração do processo e a celeridade na tramitação, exsurgiu a imperiosa necessidade de se revisitar a atuação judicial na condução do processo.

A existência de poderes instrutórios do juiz no âmbito processual civil não apresenta dificuldades ou resistência, dada a crescente constitucionalização dos grandes temas do Direito Privado.

O Direito do Trabalho, entretanto, permanece arraigado nas linhas doutrinárias tradicionais, no limbo de sua posição enciclopédica indefinida. Afinal, qual sua natureza jurídica: Privada? Pública?

Por outro lado, as corporações têm se fortalecido às vistas de um capitalismo desenfreado.

Impõe-se revisitar o tema, atentando-se para sua consonância aos princípios constitucionais de proteção aos direitos sociais, com o objetivo de posicionar o papel do magistrado trabalhista na consecução dos objetivos protetores que regem o Direito do Trabalho.

1. O DIREITO À PROVA NO DEVIDO PROCESSO LEGAL

A garantia constitucional do devido processo legal constitui-se, ao lado do direito de acesso à justiça, pilar que ostenta a tutela constitucional do processo[1]. Desde sua origem com a outorga da Magna Carta pelos barões ao Rei John, no ano de 1215, erigiu-se como cláusula pétrea de proteção da liberdade, igualdade e patrimônio do cidadão frente à atividade cerceadora do detentor do poder estatal.

Conforme narra Othon Sidou:

“No vetusto pacto de 1215 figura como lawoftheland, e ali está no recomposto artigo 29 e no latim tardio da época: “Nullusliber homo capiaturvelimpressionaturautdisseiseturautultragetur, autexuletur […] nisi per legem judicium pariumsuorum, vel per legemterrae.” Esta a tradução: “Nenhum homem livre será detido, nem preso, nem deportado ou exilado, […], a não ser em virtude de julgamento legal de seus semelhantes e segundo as leis da terra” (SIDOU, 1997, p.164)[2].

A história demonstrou a necessidade de se impor freios à atividade governável, seja do monarca, ou de outro regime que se titule democrático. John Locke esposou, de forma pioneira, a separação entre as funções do Estado. Distinguiu-se entre a função executiva, a legislativa e a jurisdicional.

Além de uno, o poder é indiviso, contudo, é possível identificar por aquele que o detém a atuação em diferentes frentes e com distintas finalidades. Por isso diz-se que o poder é um prisma, que se reflete na função de inovar na ordem jurídica, com a edição de regras abstratas de comportamento (leis); depois ruma para a estruturação de forma a tornar factível pela administração o cumprimento legal; por fim, seja para ratificar o comando normativo, ou para criar a norma diante da lacuna, desencadeia-se a atividade jurisdicional para, colocando fim à controvérsia, restabelecer a paz social.

Ressalta Celso Ribeiro Bastos que o “poder: uno e indivisível, um atributo do Estado que emana do povo; função: a função constitui, pois, um modo particular e caracterizado de o Estado manifestar a sua vontade” (BASTOS, 1997, p.340)[3].

Pregou-se desde o constitucionalismo inglês e francês, que os Estados deveriam estabelecer o pacto de convivência e preservação das liberdades em um texto normativo superior que se impunha perpétuo e precedente, verdadeira Constituição do Estado.

Através da Constituição se delimitam os poderes estatais e se estabelecem as mínimas garantias de liberdade do cidadão, na linha da glosa de Lênio Luiz Streck,

“O constitucionalismo, pelas suas características contratualistas, vai se firmar como uma teoria que tem a Constituição como lei fundamental apta a limitar o poder, mas, mais do que isto, limitar o poder em benefício de direitos, os quais, conforme evolução histórica, vão se construindo no engate das lutas políticas [direitos de primeira, segunda e terceira dimensões, que demonstram as diversas fases pelas quais passou o Estado de Direito a partir da revolução francesa até os dias atuais]” (STRECK, 2004, p.289)[4].

Enquanto manifestação de vontade de um povo independente, a lei há de refletir e proteger os interesses da comunidade em determinado espaço e tempo. A participação dos cidadãos no processo político encontrou ápice na tradicional democracia ateniense, em que se reuniam em público para deliberação em comunidade.

A lei, abstrata e genérica, carrega em si o gérmen do regulamento intersubjetivo, não expressa em si um comando passível de exigibilidade e complemento. Em outras palavras, a lei por si é insuficiente, sendo imprescindível a extração da norma que contém. Tal tarefa, desde a sistematização do pensamento positivista, incumbiu-se ao autêntico intérprete: o juiz.

A participação democrática na criação das regras de regulação da convivência prossegue sob o âmbito judicial.

Aquele que pretende ver satisfeita uma pretensão ou protegido seu interesse, busca a tutela do Poder Judiciário, utilizando o instrumento da ação, para provocar o desencadeamento do aparelho jurisdicional.

Direito público, subjetivo e abstrato, com a ação submete-se a solução do conflito de interesses ao Estado-juiz, que se vale de um procedimento pré-estabelecido para impor fim ao conflito.

No antigo direito formulário romano, pela regra da litiscontestatio proibia-se às partes, uma vez submetido o conflito de interesses ao Pretor, a desobediência do que por sua autoridade fosse decidido.

O modelo atual de processo, sob os auspícios de um Estado Democrático de Direito, vale-se de mecanismo diverso para estabelecer a ordenação: a legitimidade do direito produzido.

O Estado-juiz pura e simplesmente não impõe ao povo suas normas interpretadas, para que sejam respeitadas, mas adquire sua obrigatoriedade a partir do momento em que as pessoas envolvidas participam do processo de sua criação.

Significa dizer, para que sejam respeitadas, o processo de surgimento das normas é conduzido sob o pálio democrático, com ampla participação das partes nesse processo.

Aquele processo democrático que se iniciou na edição da lei (abstrata e genérica) prossegue e se estabelece de forma especifica na criação da norma particular (concreta e individual) que é a sentença.

Sob a participação do juiz na complementação do papel criativo da norma jurídica, ressalta ChaimPerelman:

“O fato de o juiz submeter-se à lei ressalta a primazia concedida ao poder legislativo na elaboração das regras de direito. Mas disso, não resulta, de modo algum, um monopólio do legislativo na formação do direito. O juiz possui, a este respeito, um poder complementar indispensável que lhe permitirá adaptar a lei aos casos específicos” (PERELMAN, 2000, p.203)[5].

Esse o signo de legitimidade do direito normativo produzido pelo Estado.

E como se garante a justa participação das partes nesse processo?

A compreensão da resposta implica que estabeleça a distinção entre processo e procedimento.

O primeiro se traduz de forma abstrata no instrumento de que se vale o Estado para prestar a tutela jurisdicional, é seu mecanismo de produção normativa. O processo surge da relação triangular formada entre autor, réu e o juiz.

Pacificou-se o entendimento de que a relação processual se distingue da relação de direito material que contém, desde suas partes, objeto, até suas finalidades.

O conjunto de atos e fatos que exsurgem dessa relação processual compõem o procedimento, entendido como sucessão coordenada de atos, que são praticados por todos os protagonistas dessa relação (autor, juiz e réu) e seus auxiliares (serventuários da justiça).

De acordo com a doutrina:

“O procedimento é, nesse quadro, apenas o meio extrínseco pelo qual se instaura, desenvolve-se e termina o processo; é a manifestação extrínseca deste, a sua realidade fenomenológica perceptível. A noção de procedimento é puramente formal, não passando da coordenação de atos que se sucedem” (DINAMARCO, GRINOVER, CINTRA,2006, p. 295)[6].

A lei que estabelece o procedimento fixa, à luz das particularidades do direito material, a menos ou maior gama de atos a serem praticados por cada parte, observando-se, sempre, a natureza da tutela jurisdicional prometida pelo Estado (Constituição Federal, art.5, inciso XXXV).

É nesse contexto, do direito ao processo, que nasce a capacidade das partes de influir no julgamento do juiz, produzindo suas provas.

De rigor que se afaste de uma vez a utópica pretensão de que o réu deva contribuir com a instrução e rápida extinção do processo.

A finalidade do autor é promover o convencimento do juiz pela existência do direito afirmado, por outro lado, o que requer o réu são a extinção e improcedência da ação. Esse o dogma do direito de ação e de exceção.

O devido processo legal se manifesta enquanto direito a um procedimento que permita a ampla produção probatória e diálogo com o juiz (um dia na corte). É um super princípio de largo campo que abrange, especialmente, o contraditório e a ampla defesa.

Se democrático, o procedimento deve ser conduzido sob o contraditório, pois do embate entre síntese e antítese nasce a solução da controvérsia. As provas devem ser produzidas sob o crivo do Poder Judiciário, cuja imparcialidade proíbe o surgimento de provas obtidas por meio ilícitos.

Já sob o enfoque da ampla defesa, reserva-se ao réu a utilização de todos os meios legais e moralmente legítimos a seu favor, podendo valer-se de perícias e outros artifícios.

Logo, quando se fala em garantia do devido processo legal, encontra-se em seu bojo o direito à prova, significa dizer, o direito de ser condenado ou absolvido por provas obtidas licitamente sob o contraditório.

A respeito assevera Eduardo Cambi:

“Não deve imperar os modelos (standards) probatórios comumente utilizados: o da prevalência das provas, no processo civil; e a prova além da dúvida razoável, no processo penal. […] Tais provas, ainda que não estejam legalmente regulamentadas no ordenamento jurídico brasileiro, são admissíveis, devendo ser consideradas provas atípicas, por força do art.332 do CPC. A sua admissibilidade também decorre do direito fundamental à tutela jurisdicional adequada e efetiva (art.5º, XXXV, da CF/1988), do qual decorre a necessidade da construção de técnicas processuais capazes de proteger os direitos materiais violados” (CAMBI, 2011, p.348)[7].

Para o jurista paranaense, não se vislumbra óbice à produção de provas atípicas, justificando-se a ampla oportunização probatória sob a égide do direito constitucional a tutela efetiva e adequada.

2. PRINCÍPIO DISPOSITIVO E DA LIVRE INVESTIGAÇÃO DAS PROVAS

Embora cingidos aos princípios constitucionais de acesso à justiça e devido processo legal, classifica-se a natureza processual de acordo com objeto da ação que tutela.

Por meio da ação penal tutela-se a liberdade e direitos distintamente fundamentais à sobrevivência do pacto social, cuja violação implica na extinção da própria existência humana.

Com efeito, “a ação penal, portanto, não difere da ação quanto à sua natureza, mas somente quanto ao seu conteúdo: é o direito público subjetivo a um provimento do órgão jurisdicional sobre a pretensão punitiva” (DINAMARCO, GRINOVER, CINTRA, 2006, p.273).

Já na ação civil busca-se a tutela (em regra) de direitos privados, de interesse dos particulares.

A ação prossegue circunscrita no poder público, subjetivo e incondicional de provocação da tutela jurisdicional, na área cível para tutela do direito privado, na área penal para exercício do ius puniendi Estatal, na figura do Ministério Público.

A diversidade de natureza do objeto das ações implica num restabelecimento diverso de métodos de convencimento do magistrado.

Se no processo civil impera o interesse privado calcado na quantificação econômica do dano, no processo penal pune-se o agente com privação de sua liberdade, e sendo esta um direito fundamental, exsurge o dever jurisdicional de investigar e colher provas da real existência do fato imputado.

Impera no âmbito processual penal a busca pela verdade real. Aceitamos, por ora, a compreensão de que nesse caso cumpre ao juiz tomar postura ativa na colheita das provas, com ampla iniciativa investigativa. Não pode contentar-se com as provas que lhe são oferecidas, pois, em caso de sua deficiência, a consequência será a improcedência da ação penal diante da ausência de provas (Código de Processo Penal Brasileiro, art.386, inciso VII).

Ao final, “no processo penal sempre predominou o sistema da livre investigação de provas. A natureza pública do interesse repressivo exclui limites artificiais que se baseiem em atos ou omissões das partes” (DINAMARCO, GRINOVER, CINTRA, 2006, p.71).

No processo civil as posturas se invertem: apenas excepcionalmente o magistrado recusa a verdade que lhe é apresentada (p.ex., interesse de incapazes), no geral “pode satisfazer-se com a verdade formal, limitando-se a acolher o que as partes levam ao processo e eventualmente rejeitando a demanda ou a defesa por falta de elementos probatórios (DINAMARCO, GRINOVER, CINTRA, 2006, p.71).

Diante do sistema probatório o processo cumpre a tarefa de reconstituir o fato tal como ocorrido de forma a possibilitar o convencimento do juiz. Cada uma das partes narra a história da forma que conduza à instrução favorável à sua alegação.

Nos dizeres de Calmon de Passos,

“Trabalha o jurista com a certeza processualmente verificada e certificada e somente com ela pode operar, corresponda ou não àquela verdade real já mencionada. Dessas considerações, pode-se concluir, com acerto, ser o relevante, para o direito, em última análise, a conseqüência que o sistema institucionalizado vincula a determinado suposto por ele também qualificado” (PASSOS, 2009, p.26)[8].

Sob tal ótica, a busca incessante pela verdade, qualquer que seja seu grau, é um risco para a adequada e célere prestação jurisdicional, não podendo ser objetivo único do juiz, sob pena de se tornar uma utopia, um grau inalcançável e altamente subjetivo.

A dúvida que repousa é quanto à prova no âmbito processual do trabalho, cuja celeuma é pouco difundida nos Cursos e Manuais, sem enfrentamento de temas polêmicos à luz da consagração constitucional da natureza social dos direitos do trabalhador.

3. POSIÇÃO ENCICLOPÉDICA DO DIREITO DO TRABALHO

Quando se pretende entender um determinado ramo jurídico, parte-se inicialmente de sua posição dentro da natureza do mundo dos fatos juridicizados.

A natureza é o conjunto das coisas que compõem o universo, com todos os seres e elementos; transportado para a Ciência Jurídica, natureza significará a propriedade de um instituto dentro de um ou outro conjunto normativo.

Quando se pensa em um determinado direito, a questão que exsurge por detrás é: a qual ramo (conjunto normativo) este direito pertence?

A distinção longe de possuir cunho meramente acadêmico, é fundamental para que o intérprete e aplicador do direito situem-se a partir do sistema principiológico do ramo que pretende operar.

É necessário saber de onde está partindo para onde se pretende chegar, observando e respeitando dos princípios, conceitos, regras e finalidades de cada especialidade do ordenamento.

A principal e pioneira classificação da natureza jurídica remonta ao Direito Romano. Atribui-se a Upiano a distinção entre direito privado e público. Conforme lembra Dimitri, “Ulpiano distinguia entre o ius publicum, que regulava os assuntos de interesse público da sociedade romana, e o ius privatum, que se referia ao interesse dos particulares” (DIMOULIS, 2010, p.245) [9]

Para cada um desses hemisférios do mundo jurídico o legislador constituinte e ordinário traça um regramento distinto, observando ao interesse envolvido e aos sujeitos que compõem a relação.

Para visualizar essa cisão ontológica, reflitamos no exemplo dado pela doutrina:

“Basta pensar na diferença entre um empréstimo concedido por um banco a uma pessoa física para financiar a compra de um automóvel e um empréstimo público concedido ao governo federal por bancos estrangeiros. Em ambos os casos temos um empréstimo livremente contraído, mas o tratamento jurídico deve ser diferenciado” (DIMOULIS, 2010, p.246)[10].

No primeiro caso, o interesse respeita aos particulares, e eventual prejuízo não ultrapassará uma esfera intersubjetiva. Por outro lado, quando o Governo contrai empréstimo, compromete todo o erário, colocando em xeque o bem-estar da população.

Em um primeiro momento, utiliza-se da natureza do interesse protegido para definir-se o domínio.

Quando o interesse se restringe ao individual, fala-se em natureza privada, porém, em se tratando de interesse geral, adentra-se o campo do domínio público. A doutrina, nesse ínterim, não se satisfaz com a solução alcançada através desse elemento diferenciador. Dimitri exemplifica citando a inviolabilidade de domicílio, que resguarda o direito particular do domínio da propriedade, mas se encontra no rol dos direitos fundamentais (Constituição Federal Brasileira, art.5º, XI, da Constituição Federal) (DIMOULIS, 2010, p.247) [11].

Outro elemento com frequência utilizado repousa na qualidade do sujeito que integra a relação jurídica. Seriam de natureza pública os direitos que envolvam a figura do Estado em um dos polos. A distinção resolve diversas situações práticas, mas, por outro lado, padece de significação quando depara com hipóteses de pessoas de Direito Público envolvidas em regime de Direito Privado, tais como as empresas públicas e sociedade de economia mista que são submetidas ao regime de direito privado, por força de disposição constitucional (art.173, § 1º da Constituição Federal).

O operador do direito pode valer-se, ainda, do caráter imperativo ou facultativo da norma para classificar a natureza da relação discutida.

De acordo com a doutrina,

“São de direito público as normas que apresentam caráter imperativo, ou seja, são obrigatórias (ius cogens – direito coercitivo ou impositivo). O direito privado tem, ao contrário, feição de ius dispositivum, sendo um direito flexível, que se aplica se os interessados não decidirem de forma diferente” (DIMOULIS, 2010, p.249) [12].

Logo, são do direito público as normas disciplinadoras da proteção dos interesses dos incapazes (Código de Processo Civil, art.82), do patrimônio público (Código Civil, art.135), transplantes de órgãos etc.

Embora nenhum elemento seja de aceitação unânime, a aplicação de uma ou outra classificação deve observar a sua utilidade.

Muitos direitos e normas causam instabilidade, diante da mescla de normas de ordem pública (cogentes) e normas dispositivas.

Não raras vezes, o operador do direito depara-se com dúvidas exemplificativamente, no casamento que, a despeito de dizer respeito aos particulares, possui uma gama de normas cogentes que disciplinam sua existência. Igualmente o que se observa na adoção, tutela, curatela, etc.

Eminentemente privado, mas o Direito Civil é permeado por regras cogentes.

Voltando os olhos agora para nosso objeto de pesquisa, o Direito do Trabalho possui vasto tratamento constitucional, que de forma minuciosa estabeleceu proteção mínima ao trabalhador, durante muito tempo entregue ao detentor do poder econômico.

Depreende-se claramente pela leitura do art.7º da Constituição Federal, que o legislador chamou para si a disciplina imperativa de um rol mínimo de direitos dos trabalhadores, vedando ao legislador ordinário e ao empregador estabelecer aquém daquelas regras.

Os direitos dos trabalhadores integram a 2ª Dimensão de Direitos Fundamentais, calcada nos ideais promovidos pela Revolução Industrial. “Em decorrência das péssimas situações e condições de trabalho, eclodem movimentos como o cartista – Inglaterra e a Comuna de Paris (1848), na busca de reivindicações trabalhistas e normas de assistência social” (LENZA, 2012, p.959) [13].

O aprofundado tratamento constitucional do direito do trabalho conduziu alguns pensadores a classificá-lo em um tertium genius ao lado do Direito Privado e Público.

Buscou-se atribuir ao Direito do Trabalho uma natureza social. Obtempera Sérgio Martins que,

“A denominação Direito Social origina-se da ideia da própria questão social. Cesarino Jr. foi o defensor dessa teoria no Brasil, dizendo que o Direito Social se destinaria à proteção dos hipossuficientes, abrangendo não só questões de Direito do Trabalho, mas também de Direito coletivo, assistencial e previdenciário” (MARTINS, 200, p.43)[14].

Afinal, o direito do trabalho interessa a toda a sociedade, haja vista que o trabalho é a fonte de sobrevivência de grande massa da população. Questões de relevância pública como saúde, educação, violência e lazer tem relação direta com o Direito do Trabalho, cuja missão é possibilitar a todos a conquista de seus meios de sobrevivência, sem sucumbir-se aos interesses das corporações.

A constante ampliação do catálogo de direitos humanos publicizou direitos anteriormente não tutelados, deslocando a proteção para o âmbito estatal.

Diante dessa postura política,

“Parte da doutrina vislumbrou a formação de um terceiro setor ao lado do direito publico e do direito privado. Se um conjunto de normas for marcado pela coexistência de características de direito público e privado, devemos concluir que estamos no setor do direito misto. Fariam parte desse setor o direito do trabalho, o direito de família, o direito do consumidor e o direto agrário, que se separaram do direito civil para tutelar, simultaneamente, direitos dos particulares e interesses gerais” (DIMOULIS, 2010, p.259) [15].

A doutrina especializada repudia, contudo, a classificação social do Direito do Trabalho, de acordo com a glosa de Sérgio Pinto Martins,

“Não negamos a existência de normas de Direito público e privado no âmbito do Direito do Trabalho, mas elas não chegam a constituir-se num tertium genus, nem há a criação de um Direito unitário ou misto. O que ocorre é que há preponderância da maioria das regras de Direito privado, como se verifica no contrato de trabalho, diante das regras de Direito público, o que também se observa no Direito Civil e no Direito Comercial, que nem por isso deixam de ser parte do ramo do Direito privado” (MARTINS, 2000, p.54) [16].

Com efeito, todo o ordenamento jurídico é um produto da cultura jurídica, da sociedade enfim. Mas isso não afasta a observância de que o regramento de cada hemisfério jurídico contrasta com esse poder criacionista.

Todo o direito é sim social, afinal de há muito tempo fixou-se o brocardo segundo o qual não existe sociedade sem direito (ubi societas ibi jus).

Destarte, nem todo o direito interessa à sociedade. Em outras palavras, a sociedade por seus representantes produz toda a malha de normas jurídicas, contudo, nem tudo o que ocorre nesse tecido normativo é de interesse geral e público.

Particularmente, apresenta-se viável a adoção da característica social do Direito do Trabalho, diante do evidente interesse da sociedade no estabelecimento de suas regras e proteção dos trabalhadores, somado às necessidades imperiosas de sobrevivência ligadas ao trabalho, sem olvidar ao passado de péssimas condições humanas nas grandes corporações.

Caso se entenda pela natureza privada do Direito do Trabalho, impossível se apresentar negar a cogência de inúmeras de suas normas protetivas.

O Estado pode conceder o poder regulamentar aos particulares, mas permanece na vigília pela supressão de abusos do poder econômico e da exploração da mão-de-obra.

4. INSTRUÇÃO DO PROCESSO TRABALHISTA À LUZ DO PRINCIPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE

Considere-se a natureza ôntica do Direito do Trabalho em permanecendo ao hemisfério privado ou misto (social), tal distinção não altera o caráter altamente protetivo que lhe é conferido a nível constitucional e legal.

A Constituição Federal de forma clara prescreve a supremacia da proteção do trabalhador em detrimento da atividade, conforme se extrai da redação conferida ao caput do art.7º.

Mas o tratamento protetor não se restringe às normas materiais que regulam as relações trabalhistas. A proteção é estendida para dentro da relação jurídico-processual de natureza laborativa.

 A Consolidação das Leis do Trabalho é expressa ao conferir ao juiz trabalhista ampla liberdade na atuação em prol da solução do litígio, senão vejamos:Art.765. Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.

No âmbito processual civil consagrou-se de há muito tempo a ideia da existência dos poderes instrutórios do juiz. Afinal, o atual quadrante constitucional de celeridade e razoabilidade da duração do processo não mais permite que o juiz se afigure como espectador de um sem-fim combate que delonga a relação processual e coloca em xeque a eficácia e eficiência do Poder Jurisdicional.

É chegado o momento de esse conceito irradiar para dentro do Processo do Trabalho, sendo imprescindível aferir-se o porquê da existência desses poderes e qual a sua finalidade.

Pelo dispositivo legal acima transcrito, parece não haver óbice a conclusão de que ao juiz do trabalho se conferem competências na instrução do processo, seja para determinar a realização de determinada prova, seja para indeferir a produção de provas inúteis ou impertinentes ao deslinde da ação.

Mas a finalidade desse poder vai além.

Conforme dissemos, a compreensão da natureza das coisas exige que primeiro se estude os princípios que regulam a ciência.

Um princípio em especial do Direito do Trabalho faz com que o juiz torne-se descobridor da realidade dos fatos e das obrigações envolvidas: o princípio da primazia da realidade.

De acordo com Américo Plá Rodriguez, “o princípio da primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos” (RODRIGUEZ, 2002, p. 339)[17].

Logo, diante da colisão entre uma realidade objetiva e outra fática, o juiz do trabalho deverá preferir pela existência desta última.

 E prossegue corroborando,

A existência de uma relação de trabalho depende, em consequência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado, porque, como diz Scelle, a aplicação do direito do trabalho depende cada vez menos de uma relação jurídica do que de uma situação objetiva, cuja existência é independente do ato que condiciona seu nascimento (RODRIGUEZ, 2002, p.341)[18].

No âmbito da atividade probatória do processo do trabalho, o juiz se atentará e fará a investigação em busca das reais condições de trabalho. Não haverá preferência da prova documental, contratual sob a prova da realidade fática.

Com acuidade, Carlos Alberto Reis de Paula distingue dois momentos da produção probatória: “a) o da fixação dos fatos a provar; b) o da produção das provas” (PAULA, 2001, p.95) [19].

Com relação ao primeiro momento, competirá às partes fixarem o que será objeto das provas. Em outras palavras, será na atividade postulatória a delimitação do thema probatorium.

Já no segundo momento, o da iniciativa das provas, segue salientando Reis de Paula, “outro o enfoque se se trata da averiguação ou produção das provas. O juiz não está adstrito à vontade dos litigantes, tendo legitimidade para intervir no processo em sua fase instrutória” (PAULA, 2001, p.95) [20].

Diante disso, o magistrado trabalhista assume fundamental papel na descoberta da realidade e deslinde célere e razoável da relação processual, competindo-lhe chamar para si a responsabilidade pela existência (ou não) do direito alegado, em atenção ao principio constitucional protetor.

CONCLUSÃO

A resistência da alocação do Direito do Trabalho a uma terceira natureza jurídica social não encontra fundamentação convincente. Todo o ordenamento jurídico é fruto de produção da cultura humana, mas nem todo resultado produzido interessa diretamente à coletividade. Mas a permanência cômoda nas tradicionais classificações é mais agradável do que o enfrentamento do debate.

De outra banda, o princípio protetor constitucional, aliado ao princípio da primazia da realidade conduz à defesa da tese dos poderes instrutórios do juiz do trabalho.

Não se trata de conferir-lhe capacidade para determinar ou indeferir diligência, mais, ainda, de postura ativa na apreciação do conjunto probatório em busca da realidade dos fatos.

 

Referências
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 3. ed, São Paulo: Saraiva, 2010.
GRINOVER, Ada Pellegrine. DINAMARCO, Cândido Rangel. CINTRA, Antônio Carlos Araujo de. Teoria Geral do Processo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.86.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.
OTHON SIDOU, J.M. Processo Civil Comparado. Histórico e Contemporâneo. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997
PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo: LTR, 2001
PASSOS, Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicadas às nulidades processuais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
PERELMAN, Chaim. Tratado da Argumentação: a nova retórica. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTR, 2002.
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito.  2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
 
Notas:
[1] “Mas a tutela constitucional do processo é matéria atinente à teoria geral do processo, pelo que passamos a examiná-la em sua dúplice configuração: a) direito de acesso à justiça (ou direito de ação e de defesa); b) direito ao processo (ou garantias do devido processo legal)” (GRINOVER, Ada Pellegrine. DINAMARCO, Cândido Rangel. CINTRA, Antônio Carlos Araujode. Teoria Geral do Processo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p.86.

[2] OTHON SIDOU, J.M. Processo Civil Comparado. Histórico e Contemporâneo. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997

[3] Curso de Direito Constitucional. 8. ed.São Paulo: Saraiva, 1997.

[4] STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. Uma Nova Crítica do Direito.  2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004

[5] PERELMAN, Chaim. Tratado da Argumentação: a nova retórica. 1. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

[6] DINAMARCO, CINTRA, GRINOVER. Ob. cit. p.295.

[7]CAMBI. Eduardo Augusto Salomão Cambi. Neoconstitucionalismo e Neoprocessualismo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

[8] PASSOS, Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicadas às nulidades processuais. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

[9] DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 3. ed, São Paulo: Saraiva, 2010.

[10]Dimitri, Dimoulis. Ob. cit. p. 246.

[11] DIMOULIS, Dimitri. Ob. cit., p.247.

[12] DIMOULIS, Dimitri. Ob. cit. p. 249.

[13] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

[14] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2000.

[15] DIMOULIS, 2010. Ob. cit., p.259.

[16] MARTINS, Sérgio Pinto. Ob. cit. p. 54.

[17] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTR, 2002.

[18] RODRIGUEZ, Américo Plá. Ob. cit.

[19] PAULA, Carlos Alberto Reis de. A especificidade do ônus da prova no processo do trabalho. São Paulo: LTR, 2001.

[20] PAULA, Carlos Alberto Reis de. Ob. cit.


Informações Sobre o Autor

Cristiano Aparecido Quinaia

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Toledo de Ensino. Advogado Consultivo do Escritório Mandaliti Advogados


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