A proteção do consumidor no ordenamento jurídico argentino e brasileiro

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Resumo: Perceber a sólida política de proteção dos consumidores colabora para a regulamentação e o equilíbrio do mercado contribuindo para a garantia de economia mais eficiente.

1 JUSTIFICATIVA E APRESENTAÇÃO DO TEMA

É inegável que a tutela do consumidor e um direito humano fundamental, reconhecido inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU).  Atualmente os países que apresentam as legislações mais avançadas sobre as relações consumeristas são o Brasil e a Argentina.

Assim sendo, pretende-se comparar a legislação brasileira e a argentina que versam sobre os direitos do consumidor, particularmente dentro das relações de consumo.

Isto posto, para a realização desse objetivo foram abordados especificamente a tutela do consumidor enquanto direito fundamental, sob o víeis doutrinário, bem como a conceituação do direito consumerista brasileiro e argentino, analisando precipuamente os aspectos legais dos dois paises, apontando as similitudes e diferenças entre os códigos consumeristas, além da importância da defesa do consumidor entre os paises.

É inconteste que a evolução tecnológica e a era da globalização dos mercados internacionais acarretaram mudanças profundas nos padrões de produção de bens e serviços.

Essa abrupta mudança acabou provocando a intensificação da formação de blocos de integração, como o Mercosul, por exemplo, e o aumento do comércio internacional, tendo em vista que consumir bens e serviços se tornou extremamente fácil graças a grande oferta de variedade de produtos nesses mercados.

Ressalta-se que alguns doutrinadores e estudiosos do direito acreditavam que o consumidor detinha a soberania nas relações de consumo, pois ele é quem tinha o poder de decisão, ou seja, o poder de escolha entre comprar ou não determinado produto ou serviço.

Posteriormente, verificou-se que o consumidor e de fato a parte mais frágil dessa relação, visto que as empresas ou conglomerados econômicos tinham o poder de influenciar através de propaganda e promoções a resposta do público e, consequentemente, o consumo, o que, às vezes, gera abuso por parte do fornecedor que detém o poder econômico.

Devido a esse contexto, surgiu à necessidade de ampliação e aprofundamento dos mecanismos de proteção dos direitos do consumidor, pois, a desigualdade entre o consumidor e o fornecedor nas relações de consumo, principalmente, nas negociações internacionais, é agravada pela diferença de idiomas, das normas e dos costumes, além da insegurança na entrega, dificuldades de garantia, entre outros problemas decorrentes dessas relações. Portanto, o direito e a proteção do consumidor tornaram-se algo essencial nas relações de consumo.

Conforme dito alhures na atualidade às legislações mais avançadas a cerca do tema estudado, são as leis do Brasil e da Argentina. Sendo assim, o presente estudo abordará suas singularidades e características, estabelecendo uma comparação entre a lei brasileira nº. 8.078 de 11/09/1990 e a argentina nº. 24.240 de 22/09/1993, bem como alteração de alguns dispositivos através da Lei 26.361 de 03 de abril de 2008 sobre o direito consumerista.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Relações de Consumo: a tutela do consumidor enquanto direito fundamental

Ressalta-se que o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor e a necessidade do Estado tutelá-lo decorreram de uma evolução histórica. Segundo Perin Júnior (2003, p. 06):

“Um dos primeiros instrumentos de que se tem conhecimento em relação à tutela do consumidor foi o Código de Hamurabi, que, por meio das Leis 233 e 234, protegia o consumidor nos casos de serviços deficientes. Também o Código de Massú, vigente na Mesopotâmia, no Egito Antigo e  na  Índia  do século XIII  a.C., protegia os consumidores indiretamente ao tentar regular as trocas comerciais.”

Assim, desde a antiguidade já se percebia a importância de se proteger o consumidor. Com o advento da globalização, essa necessidade de proteção ficou mais evidente. Sobre o assunto, Marques (1999) assevera que os países viram à necessidade de unir-se em blocos, a fim de reduzir barreiras tarifárias e incrementar o comércio internacional para competir no mundo globalizado. Assim os consumidores passaram a contar com a facilidade de poder adquirir os mais variados produtos e serviços originários de qualquer parte do mundo. Entretanto, esta facilidade também veio acompanhada de uma série de dificuldades que demonstram a fragilidade do consumidor nas relações de consumo.

Nesse sentido, Arrighi (1992) explica que somente após o crescimento dos grupos de defesa do consumidor e um longo período de mobilização da opinião pública no sentido de chamar a atenção dos legisladores para adoção de medidas protetivas é que o papel do consumidor foi levado em consideração. O Sherman Antitrust Act de 1890 foi à primeira manifestação moderna da necessidade de proteção do consumidor. O autor explica que a mensagem do Presidente Kennedy ao Congresso dos EUA, conhecida como “Declaração dos Direitos Essenciais do Consumidor”, pela qual se alistavam os quatro direitos básicos, é que se consolidou a idéia de sua tutela.

De acordo com Faria (2008), em 1985, a Assembléia Geral da ONU editou a resolução nº. 39/248 de 10/04/1985 sobre a proteção ao consumidor, positivando o princípio da vulnerabilidade no plano internacional. As diretrizes constituíam um modelo abrangente, descrevendo oito áreas de atuação para os Estados, a fim de prover proteção ao consumidor. Entre elas: a) proteção dos consumidores diante dos riscos para sua saúde e segurança, b) promoção e proteção dos interesses econômicos dos consumidores, c) acesso dos consumidores à informação adequada, d) educação do consumidor, e) possibilidade de compensação em caso de danos, f) liberdade de formar grupos e outras organizações de consumidores e a oportunidade de apresentar suas visões nos processos decisórios que as afetem. Estas diretrizes forneceram importante conjunto de objetivos internacionalmente reconhecidos, destinados aos países em desenvolvimento, a fim de ajudá-los a estruturar e fortalecer suas políticas de proteção ao consumidor.

Nesse sentido, e importante ressaltar o entendimento de Ferreira Filho (1996, p. 14):

“Os direitos do homem foram conformados no século XVII, expandindo-se no século seguinte, ao tornar-se elemento básico da reformulação das instituições políticas. Atualmente, não se denominam mais direitos do homem, mas, sim, direitos humanos, terminologia politicamente correta.”

Corroborando esse entendimento Canotilho (1998, p. 369) afirma que “[…] direitos humanos fundamentais ou direitos fundamentais têm o mesmo significado”. Para Bonavides (2000) os direitos fundamentais são os do homem que as Constituições positivaram, recebendo nível mais elevado de garantias ou segurança. Portanto, cada Estado, tem seus direitos fundamentais específicos. Entretanto, o autor acrescenta que os direitos fundamentais estão vinculados aos valores de liberdade e dignidade humana, bem como ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana.

“[…] a doutrina atualmente classifica os direitos humanos fundamentais em direitos de primeira, segunda, terceira e quarta dimensões cujos conteúdos ensejariam os princípios: liberdade, igualdade e fraternidade. Sendo que os direitos de primeira dimensão ou de liberdade seriam os direitos e as garantias individuais e políticos clássicos, as chamadas liberdades públicas. Visam inibir a interferência indevida do Estado na vida do cidadão. Os direitos de segunda dimensão ou de igualdade referem-se aos direitos sociais, econômicos e culturais, surgidos no início do século XX. Eram os direitos de caráter social. Neste caso, a interferência do Estado era desejada para garantir a igualdade material dos indivíduos”. (BONAVIDES, 2000, p. 515)

Ainda, segundo Bonavides (2000), à proteção ao consumidor está dentro dos direitos de terceira dimensão ou de solidariedade ou fraternidade, que são os direitos da coletividade, de titularidade coletiva ou difusa. Além do direito a proteção do consumidor estariam também o direito à paz, ao meio ambiente equilibrado, à comunicação.

Portanto, o direito do consumidor, bem como sua tutela são direitos fundamentais tanto em âmbito internacional, quanto para a doutrina brasileira.

2.2 O Direito do Consumidor Brasileiro e Argentino: aspectos conceituais à luz da legislação e da doutrina

É consensual que a importância do sistema de direito do consumidor e a sua evolução vem modificando significativamente as relações entre os consumidores e os fornecedores de produtos e ou serviços.

A legislação brasileira (Lei nº. 8.078/1990 – Código de Defesa do Consumidor) conceitua, em seu art. 2º, que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Assim, a proteção e a defesa do consumidor são consideradas, na Carta Magna brasileira, como direitos e garantias fundamentais dos direitos e deveres individuais e coletivos a todos os cidadãos brasileiros, conforme está disposto nos art. 5º, inciso XXXII, 170, inciso, V da Constituição Federal e art. 48 de seus Atos de Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) a garantia de uma legislação especifica sobre o tema que viesse com o intuito de proteger o consumidor.

Em regra, essas relações de consumo se definem no CDC entre o consumidor e o fornecedor, os direitos básicos do consumidor, a responsabilidade pelo fato do produto e serviço, responsabilidade por vício, decadência e prescrição, dentre outros temas.

Pode-se dizer que a legislação consumerista se adequou a uma realidade social e apresenta um novo perfil processual. Para Rizzatto Nunes (2000), “a Lei n. 8.078 é uma norma de ordem pública e de interesse social, geral e principiológica, o que significa dizer que é prevalente sobre todas as demais normas específicas anteriores que com ela colidirem”.

Por sua vez, na legislação argentina (Lei nº. 24.240/1993 – Código de Defesa do Consumidor Argentino que teve suas disposições alteradas pela Lei 26.361/2008) o conceito de consumidor encontra-se em seu art. 1º, onde se consideram consumidores ou usuários as pessoas físicas ou jurídicas que contratam a título oneroso para seu consumo final ou benefício próprio ou de seu grupo familiar ou social. Entendendo como qualquer pessoa singular ou coletiva, também considerando consumidor a quem, sem ser parte de uma relação de consumo, ou no momento, porque adquire ou utiliza produtos ou serviços como um fim, para o benefício de seu próprio grupo, família ou social, e para quem qualquer, assim é exposto a uma relação de consumo.

A primeira diferença que se nota e que a lei argentina estabelece a distinção entre consumidor e usuário, onde o consumidor é de fato que consome bens e/ou serviços e o usuários é o que possui alguma coisa por direito proveniente do uso. 

Segundo Marques (1996) na lei brasileira o entendimento é estendido para a destinação final do produto a ser consumido, não importando que este seja um objeto (bem) ou serviço, por ser a relação de consumo uma obrigação formal ou tácita. De acordo com Stiglitz (1994), para a lei argentina esse entendimento é restrito, colocando a relação de consumo como obrigação formal entre as partes, pois fala em título oneroso. Ainda segundo o mesmo autor o direito do consumidor é um sistema global de normas, princípios, instituições e instrumentos de implementação, consagrados pelo ordenamento jurídico em favor do consumidor, para garantir, no mercado, uma posição de equilíbrio em suas relações com os empresários.

Portanto, com a proteção estatal nessas relações, sentiu-se o consumidor fortalecido, podendo, inclusive, influenciar nos processos de melhoria da qualidade dos produtos e serviços decorrentes dessas relações.

2.3 Código do Consumidor Brasileiro e Argentino: diferenças e similitudes entre as legislações

A proteção do interesse do consumidor, conforme exposto, anteriormente, é uma finalidade social do Estado. Pode-se dizer que é um interesse coletivo, como também individual. Para tanto, caberá ao Estado criar, dentro do sistema legal, ou seja, ações que possam solucionar as controvérsias existentes e demandas futuras decorrentes das relações de consumo.

Por exemplo, no Brasil, existe a garantia legal de acesso à justiça aos consumidores que se sentirem lesados, podendo ser representados por órgãos especializados, tais como o Ministério Público, Defensoria Pública, Associações, etc.

Ressalta-se ainda que após a criação dos Juizados Especiais Cíveis, onde as ações da matéria de direito do consumidor são ajuizadas, a solução se tornou mais célere, facilitando o atendimento das demandas de forma mais eficaz, permitindo, inclusive, o recebimento de indenizações para minimizar os danos causados pelo não-cumprimento de uma obrigação ou serviço, ou pelos defeitos de um produto.

Paes (2009, p. 04) faz saber que:

“Quando estiver em questão o interesse coletivo, esses órgãos promovem medidas judiciais; pode-se, entre elas, citar a ação civil pública que está elencada no art. 5º da Constituição Federal, ou seja, consolidada como um direito fundamental. A ação civil pública que se destina à defesa dos bens coletivos, indivisivelmente considerados, especificamente na matéria de responsabilidade de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor e a qualquer outro interesse coletivo ou difuso, sem permitir a reparação dos danos individualmente sofridos.  Essa matéria está regulada no Título III Da Defesa do Consumidor em Juízo, do artigo 81 ao 104 do CDC brasileiro.”

No tocante ao Código argentino também há um sistema de proteção do Estado. Segundo Stiglitz (1995) esse sistema estabelece nítida evolução em matéria de ações coletivas, consagrando, pela primeira vez no direito positivo argentino, um sistema de legitimação coletiva das associações de consumidores, do Ministério Público e a autoridade de aplicação, para fazer em representação do interesse supra-individual dos consumidores (arts. 52 a 55).

Consoante Jacyntho (2001), apesar de positivado, na norma argentina, o sistema de ação coletiva que atenda às necessidades dos consumidores, esse sistema ficou prejudicado pelo veto presidencial, através do art. 9º do Decreto 2.089/93, ao art. 54, que tratava dos efeitos da sentença. Estabelecia efeitos subjetivos expansivos da coisa julgada, que é uma consequência inescindível da legitimação grupal. Contudo, segundo o mesmo autor, há perspectivas para evolução desse sistema, porque a reforma (1994) da Constituição Nacional, que incorporou um verdadeiro sistema de ações coletivas, reconhece expressamente o direito.

No que se refere aos órgãos de controle das relações consumerista é importante salientar que o Capítulo XI da lei argentina trata da autoridade de aplicação da Lei de Defesa do Consumidor, reconhecendo a Secretaria de Indústria e Comércio como a autoridade nacional de aplicação e os governos provinciais (estaduais) e a Municipalidade da Cidade de Buenos Aires como as autoridades locais de aplicação, conforme artigo 41 da referida lei, ou seja, a esse órgão cabe, em regra, o controle da aplicação da Lei de Defesa do Consumidor.

Segundo Benjamín (2001) a lei argentina ressalva que os governos provinciais (estaduais) poderão delegar suas atribuições a órgãos de sua dependência ou a governos municipais, conforme dispõe a última parte do art. 41 da citada lei. E que a Secretaria de Indústria e Comércio, sem prejuízo das funções que se recomendam às autoridades locais de aplicação conforme art. 41 poderá atuar concorrentemente na vigilância, controle (fiscalização) e julgamentos das mesmas, ainda que as presentes infrações ocorram exclusivamente no âmbito das províncias (estados) ou da municipalidade da Cidade de Buenos Aires, conforme disposto no art. 42 da lei argentina.

Nesse sentido, a lei argentina não menciona a criação de juizados específicos para esse tema. Fala de órgãos dependentes, ligados aos governos provinciais (estaduais), não esclarecendo se esses órgãos são especializados na defesa do consumidor.

Já no Código de Defesa do Consumidor brasileiro, em seu Capítulo II, trata da Política Nacional de Relações de Consumo, bem como da execução dela, em seus artigos 4º e 5º, respectivamente. Assim, no artigo 4º, inciso II, fala da ação governamental no sentido de proteger o consumidor, que se estende entre os Governos Federal, Estadual, do Distrito Federal e Municipal.

No artigo 5º, inciso IV, uma das garantias para a execução completa da Política Nacional de Relações de Consumo é a criação de Juizados Especiais de Pequenas Causas, conhecidos atualmente como Juizados Especiais Cíveis e Varas Especializadas para a solução de litígios na área de defesa dos direitos do consumidor. Nesse sentido, O Título IV do Código de Defesa do Consumidor trata do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, dispõe dos organismos integrantes e indica qual deles coordena a política desse sistema.

Nesse contexto, os órgãos federais, estaduais, municipais e os do Distrito Federal e as entidades privadas de defesa do consumidor são os organismos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, conforme art. 105 do CDC. E que conforme o artigo 106 do CDC caberá ao Departamento Nacional de Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional de Direito Econômico do Ministério da Justiça, ou órgão federal que venha substituí-lo coordenar a política do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, ou seja, o Governo federal e responsável pela coordenação política dos direitos e garantias da defesa do consumidor brasileiro.

Salienta-se que ambas as leis dispõem sobre órgãos reguladores da aplicação da lei de Defesa do Consumidor, cada qual com suas características, com o objetivo de proteger as relações de consumo e manter a harmonia e equidade nas relações contratuais consumeristas.

Assim, para a melhor compreensão do tema quanto às similitudes e diferenças a cerca do direito consumerista dos dois paises abordar-se-á alguns dos assuntos mais significativos sobre o direito do consumidor.

Responsabilidade nas Relações de Consumo

No sistema de proteção estatal argentino, a matéria sobre a responsabilidade nas relações de direito do consumidor era tratada no art. 40 da Lei 24.240. Mas segundo Stiglitz (1994) esse artigo foi vetado pelo Decreto nº 2.089/93, por não ser eficaz a sua aplicação, considerando que o sistema é mais amplo que os vigentes em países mais avançados na produção de bens e serviços. Ainda segundo o mesmo autor, no ordenamento argentino essa matéria, sobre responsabilidade está garantida pelo art. 1113 do Código Civil, porquanto se trata de danos derivados dos riscos ou vício das coisas, sendo uma atribuição objetiva de caráter extracontratual, bem como contratual, conforme art. 1198 do Código Civil argentino.

No sistema brasileiro, além do art. 6º do CDC brasileiro, principalmente em seu inciso VI que fala expressamente da reparação de danos, encontra-se, principalmente, do artigo 12 ao 17, a regulamentação sobre a responsabilidade civil por fato do produto e do serviço de forma objetiva, sendo definida no art. 12. Já a responsabilidade pelo vício do produto e serviço encontra-se regulada do artigo 18 ao 27 do CDC e definida no próprio art. 18 do CDC.

Conforme Lisboa (2002) a responsabilidade civil por vício do produto ou serviço com se percebem tem sua origem nos vícios redibitórios do Código Civil, entretanto, submete-se às regras constantes do Código de Defesa do Consumidor. Mas, segundo Benjamin (2005), a responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, é normalmente a que desperta maior interesse, visto estar sempre ligada aos acidentes de consumo, e a segurança do consumidor.

Responsabilidade dos Serviços Prestados por Profissionais Liberais

Sob este tema há uma diferença considerável entre os dois sistemas, a legislação argentina excepciona das relações de consumo a prestação de serviços por profissionais liberais, independentemente se há provas que atestem as suas responsabilidades sobre os danos causados aos consumidores, conforme disposto no art. 2º da Lei 24.240/93 e na alteração, conforme a Lei 26.361/2008.

Já na legislação brasileira o CDC estabeleceu que a responsabilidade dos profissionais liberais é subjetiva, conforme art. 14, § 4º, havendo a necessidade de provar a conduta realizada pelo agente (imprudência, imperícia ou negligência). Ou seja, no Brasil existe a possibilidade de responsabilização, ainda que subjetiva do profissional liberal pelo consumidor enquanto na Argentina esse serviço é regulado apenas pelo direito civil.

Excludentes de Responsabilidade

Sobre esse assunto, percebe-se ao analisar as legislações que tanto na legislação brasileira quanto na legislação argentina a cerca do Direito do Consumidor essa matéria será sempre objetiva, bastando, apenas, ao consumidor demonstrar o dano e o nexo causal, para objetivar o ressarcimento, exceto os casos que envolvam os profissionais liberais como demonstrado anteriormente.

No Brasil essa exclusão de responsabilidade está tipificada no art. 12, § 3º do CDC, que enumera quais são os casos previstos, desonerando, dessa forma, o dever de indenização por parte do fornecedor ao consumidor, in verbis:

Art. 12 […] § 3º. O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I – que não colocou o produto no mercado;

II – que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro”.

Nota-se que a ocorrência de qualquer dessas hipóteses não defini que será alterada a natureza da responsabilidade civil, mas, tão-somente, será excluído o dever de indenizar.

No que se refere à legislação argentina, não há um artigo específico na Ley de Defensa Del Consumidor sobre essa matéria. Segundo Stiglitz (1994) os casos de responsabilidade civil dos contratos não-cumpridos por parte dos fornecedores de produtos e ou serviços são tratados pelo Código Civil Argentino.

Inversão do Ônus da Prova

Para o direito consumerista, de maneira geral, a inversão do ônus da prova constitui um dos meios de defesa, pelos qual o consumidor pode buscar a justiça, procurando o equilíbrio nas relações jurídicas comerciais entre as partes.

No Brasil, a inversão do ônus da prova serve como uma modalidade facilitadora da defesa do consumidor, devendo ser admitida apenas quando um dos seus requisitos for satisfeitos respectivamente a verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do consumidor. No tocante ao assunto Dias (1999, p. 211) leciona que:

“Por verossimilhança entende-se algo semelhante à verdade. De acordo com esse princípio, no processo civil o juiz deverá se contentar, ante as provas produzidas, em descobrir a verdade aparente. […] é indispensável que do processo resulte efetiva aparência de verdade material, sob pena de não ser acolhida a pretensão por insuficiência de prova – o que equivale à ausência ou insuficiência de verossimilhança.”

Nesse contexto, outro critério que deve ser levado em consideração pelo magistrado para que se possa inverter o ônus da prova é o da hipossuficiência do consumidor. Conforme Manzilli (2000) a hipossuficiência do consumidor é característica integrante da vulnerabilidade deste. Em regra, é demonstrada pela diminuição de capacidade do consumidor frente ao empresário.

Já na legislação argentina, essa matéria era regulada pelo art. 31 da Lei 24.240/93, mas este artigo foi vetado pelo Decreto 2089/93, que segundo Stiglitz (1994) deixou o consumidor argentino em uma situação de desproteção e vulnerabilidade com relação ao equilíbrio nas relações comerciais com os fornecedores, pois segundo o autor não existe uma relação bilateral, mas a prevalência da vontade da parte mais forte sobre a mais fraca, que é o consumidor.

Cláusulas Abusivas

Sobre a possibilidade de clausulas abusivas ambas as legislações trazem regulamentação sobre o tema. No tocante ao assunto, Atílio Aníbal Alterini (1995), doutrinador argentino, coloca que o fornecedor deve atuar sempre com boa-fé, citando inclusive a lei argentina (artigos 37, § 6º e 1198 do Código Civil Argentino). Ele comenta ainda o artigo 51 do CDC brasileiro, que declara as cláusulas que fulminam com a declaração de nulidade de pleno direito quando se trata de cláusulas contratuais abusivas e lesivas aos interesses do consumidor.

Portanto, tanto na legislação argentina quanto na brasileira, percebe-se que se constatado que houve abuso por parte do fornecedor ocasionando qualquer tipo de dano ao consumidor, ele será sanado com a declaração de nulidade dessa cláusula, ou do contrato, dependendo do caso concreto retroagindo ao início da relação, conforme determina a lei.

Decadência e Prescrição

No Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, são reservados dois artigos que falam sobre decadência e prescrição que correspondem aos artigos 26 e 27, respectivamente.

O direito do consumidor de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação decai em: 30 dias (art. 26, inc. I), tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis; e em 90 dias (art. 26, inc. II) tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis. Sendo que a contagem do prazo decadencial inicia-se a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços conforme art. 26, § 1º do CDC.

Sobre a prescrição no CDC, a mesma é de 5 anos (art. 27) prescrevendo a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II do Capítulo Da Responsabilidade pelo Fato do Produto e do Serviço, sendo iniciada a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Nesse contexto, ao contrário do CDC brasileiro a Argentina não reservou, em sua organização, uma parte específica que trate dos temas sobre decadência e prescrição. Assim, interpreta-se, por analogia, que as questões relativas aos prazos devam ser remetidas às regras do Código Civil argentino (STIGLITZ, 1994).

Desistência do Contrato

Sobre a possibilidade de desistência do contrato, o CDC brasileiro preceitua no Art. 49, in verbis:

“[…] O consumidor pode desistir do contrato no prazo de 7 dias a contar da assinatura ou do ato de recebimento do produto ou do serviço, sempre que este tipo de contratação for feita fora do estabelecimento, especialmente por telefone ou a domicílio, os valores pagos, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos de imediato, monetariamente atualizados.”

Já no direito consumerista argentino o prazo para essa desistência é de 5 dias, conforme Art. 34. “[…] nos casos de venda a domicílio por correspondência e outra, o consumidor tem o direito de revogar a aceitação, durante o prazo de 5 dias corridos contatos a partir da data em que se entregue a coisa ou se celebre o contrato, e nesse último caso, sem responsabilidade alguma”. Sempre se excetuando a questão dos serviços prestados por profissionais liberais.

Diante do exposto, percebe-se, em detida análise, quanto à legislação e a doutrina, que a legislação brasileira é mais completa e abrangente, que a legislação argentina. Isso não quer dizer em nenhum momento que a mesma não é rígida, pelo contrário, até pelo fato de sua concisão a lei argentina não traz conceitos e procedimentos tão bem detalhados e abrangentes como faz o Código de Defesa do Consumidor brasileiro.

Assim, a presente comparação, entre o direito consumerista brasileiro e argentino, buscou não apenas mostrar qual a legislação mais completa e abrangente na concessão de garantias legais para a proteção dos direitos dos consumidores, mas também como são tratadas as matérias de direito do consumidor em ambos os países.

Portanto, o que se ressalta como mais importante para este estudo é a preocupação do legislador de ambos os países para a efetiva proteção dos interesses dos consumidores, em suas legislações minimizando as desigualdades e equilibrando as relações consumeristas.

3. PROBLEMATIZAÇÃO

Nota-se que a tutela do consumidor é imprescindível para as relações de consumo. Por este motivo, é preciso que o direito do consumidor se desenvolva de acordo com princípios de garantias básicas e fundamentais já positivados internacionalmente e internamente, no direito de cada país.

Percebe-se que uma sólida política de proteção dos consumidores colabora para a regulamentação e o equilíbrio do mercado, contribuindo para a garantia de economia mais eficiente.

Nesse contexto, apesar de muitos considerarem que esta tutela pode constituir barreira ao comércio e limitação nas relações de consumo é inegável que a maior concorrência fez com que os consumidores do mundo tivessem maiores acessos a produtos de menor preço e maior qualidade.

Verifica-se então que a fim de minimizar esta diferença entre as partes produtoras e fornecedoras de bens e serviços e consumidores, cujos interesses são individuais e difusos, tem havido a tendência à adoção de padrões internacionais para regulamentação das relações de consumo, sendo a lei brasileira e argentina as mais avançadas, segundo a doutrina especializada.

Diante do exposto levanta-se como problema da pesquisa: qual a similaridade do ordenamento do Código de Defesa do Consumidor (Brasil) e a Ley de Defensa Del Consumidor (Argentina), para resolver conflitos existentes nos anseios das relações de consumo aos bens e serviços à disposição da sociedade civil?

4 OBJETIVOS

4.1 Objetivo Geral

Analisar através do direito comparado os códigos consumeristas do Brasil e da Argentina.

4.2 Objetivos Específicos

Entender de que forma a tutela do consumidor se caracteriza como direito fundamental;

Conceituar o direito do consumidor brasileiro e argentino à luz da legislação e da doutrina;

Analisar as similitudes e diferenças entre os códigos consumeristas do Brasil e da Argentina.

5 HIPÓTESES

A partir da globalização ficou mais evidente a disparidade entre o consumidor e o fornecedor de bens e serviços nas relações de consumo.

Para resolver os problemas e os conflitos gerados entre empresas, indústrias e consumidores, o Código de Defesa do Consumidor e a Ley de Defensa Del Consumidor, ambas têm como objetivo organizar os direitos e deveres na relação de consumo entre Consumidor e Fornecedor.

O direito consumerista brasileiro e mais protetivo que o direito consumerista argentino.

A lei brasileira e a lei argentina contemplam os principais temas referentes às relações entre consumidor e fornecedor nas relações de consumo.

6. METODOLOGIA

Este estudo está respaldado em idéias e concepções de autores, na legislação e na doutrina, brasileira e argentina que tratam do direito consumerista de ambos os países, tendo com norte o enfoque qualitativo, que visa à coleta de dados e informações sem medição numérica para desvelar e/ou aperfeiçoar questões de pesquisa. Nesse sentido, Sampieri, Collado e Lucio (2006, p. 5) dizem que “o propósito desse método consiste em “reconstruir” a realidade, tal como é observada pelos atores de um sistema social predefinido”.      

Nesse contexto, o enfoque qualitativo será o mais adequado para a pesquisa a ser desenvolvida, visto que esta estará apoiada em uma pesquisa bibliografia e documental sem mensuração e manipulação de dados.

A pesquisa bibliográfica será realizada através de análises na legislação e doutrina dos dois países e será desenvolvida ao longo do estudo, que servirá de sustentação para as afirmações e considerações tecidas a respeito da direito consumerista de Brasil e Argentina.    

Para Cervo e Bervian (2002), as pesquisas bibliográficas e documentais explicam um problema a partir de referências teóricas publicadas em diversos documentos. […] busca conhecer e analisar as contribuições cientificas e culturais do passado existentes sobre um determinado assunto. Nesse sentido, o pesquisador toma conhecimento dos inúmeros trabalhos publicados sobre o tema objeto de sua pesquisa.

As ações desenvolvidas na referida pesquisa serão a localização das fontes bibliográficas e documentais (legislação, doutrina e jurisprudências), seleção e leitura interpretativa das mesmas, fichamentos para a elaboração da tessitura da tese. Essas ações possibilitarão ao pesquisador fazer inferências balizadas sobre o assunto.  

 

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Informações Sobre o Autor

Sylvia Amélia Cantanhede de Oliveira

Assesora no Tribunal de Contas do Estado de Roraima. Pos-graduada em Processo Civil e Doutorando em Ciencias Juridicas na Argentina.


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