As mudanças ocorridas no direito sucessório homoafetivo após o julgamento da ADIN 4277 pelo Supremo Tribunal Federal

Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar as mudanças ocorridas no direito sucessório homoafetivo após o julgamento da ADIN 4277 pelo Supremo Tribunal Federal. Será enfocado o conceito de família e entidade familiar, bem como a evolução dos direitos sucessórios, abordando os aspectos históricos da união homoafetiva. A metodologia abordada será monográfica com o uso de técnicas de pesquisa bibliográfica e documental.[1]

Palavras chaves: Família, direito sucessório, ADIN

Abstract: This study aims to analyze the changes in inheritance law homoafetivo after the trial of ADIN 4277 by the Supreme Court. Will focus on the concept of family and family entity, as well as the evolution of inheritance rights, addressing the historical aspects of the union homoafetiva. The methodology will be addressed with the use of monographic research techniques bibliographical and documentary.

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Keywords: Family, Inheritance Law, ADIN

Sumário: 1 Conceito e evolução de entidade familiar. 1.1 Conceito de Família e de Entidade Familiar. 1.2 Evolução Histórica da Entidade Familiar. 1.3 Evolução Histórica da União Homoafetiva. 2 Direito sucessório. 2.1 Conceito e Evolução do Direito Sucessório. 2.2 Direito Sucessório Homoafetivo e a ADIN 4277. 3 Mudanças no direito sucessório homoafetivo. 3.1 Direito Sucessório Homoafetivo Antes da ADIN 4277. 3.2 Direito Sucessório Homoafetivo após a ADIN 4277. Conclusão. Referências bibliográficas.

INTRODUÇÃO

O tema escolhido para ser trabalhado dará oportunidade de analisar as mudanças ocorridas no direito sucessório homoafetivo após o julgamento da ADIN 4277 pelo Supremo Tribunal Federal.

A problemática aqui apresentada ampara-se na investigação para saber quais as mudanças ocorridas no direito sucessório homoafetivo a partir do julgamento da ADIN 4277 pelo Supremo Tribunal Federal.

O referencial de análise adotado para dar sustentação ao tema da pesquisa é em primeiro lugar conceituar família e entidade familiar, descrever a evolução do direito sucessório, abordar os aspectos históricos da união homoafetiva e avaliar as mudanças ocorridas no direito sucessório homoafetivo a partir do julgamento da ADIN 4277 pelo Supremo Tribunal Federal.

O estudo proposto discorrerá sobre o conceito de família e sua evolução, bem como as mudanças ocorridas nos direitos sucessórios homoafetivos após decisão do supremo Tribunal Federal, em julgamento da ADIN 4277, que inseriu as uniões estáveis homoafetivas  como entidade familiar.

Vale ressaltar, que o método de abordagem utilizado na pesquisa é dedutivo, de procedimento monográfico, com utilização das técnicas de pesquisa indireta bibliográfica, cujas fontes são livros, artigos de revistas especializadas, textos publicados na rede mundial de computadores; e como fonte documental às leis e acórdãos de tribunais superiores sobre o tema proposto.

Este trabalho acha-se distribuído em três capítulos, onde no primeiro será apresentado o conceito e evolução de entidade familiar.

Na primeira seção conceituará família e entidade familiar.

Na segunda seção do primeiro capítulo, apresentará a evolução histórica da entidade familiar.

A terceira seção terá como estudo a evolução histórica da união homoafetiva.

Dar-se-á destaque ao conceito e evolução do vocábulo família e entidade familiar.

No segundo capítulo o enfoque será no direito sucessório, abordando na primeira seção seu conceito e evolução.

Mostrará, ainda, na segunda seção, do segundo capítulo, o direito sucessório homoafetivo e a ADIN 4277.

No terceiro capítulo mostrará as mudanças no direito sucessório homoafetivo.

Na primeira seção, o enfoque será voltado ao direito sucessório homoafetivo antes da ADIN 4277.

E, na segunda seção, avaliará o direito sucessório homoafetivo após a ADIN 4277.

1. CONCEITO E EVOLUÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR

1.1CONCEITO DE FAMÍLIA E DE ENTIDADE FAMILIAR

No processo de internacionalização dos direitos humanitários, o Brasil aderiu a inúmeros tratados, dentre os quais se destaca a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que em seu artigo XVI garante aos homens e mulheres, sem distinção de raça, nacionalidade ou religião o direito de fundar uma família.

A Constituição Federal de 1988, demonstrando nexo com a Declaração dos Direitos Humanos trouxe em seu artigo 226, caput, que a família é a base da sociedade cabendo ao Estado oferecer-lhe especial proteção.

Observa-se que no texto da Carta Magna o legislador originário não se restringiu a garantir proteção estatal às famílias, mas também efetuou releituras ao novo conceito de família com o reconhecimento da união estável.

Casais que conviviam sem a celebração do instituto do casamento passaram a adquirir o status de família, que  em sentido lato sensu, abrange tanto as pessoas ligadas por vínculos de sangue quanto às unidas pela adoção ou afinidade (GONÇALVES, 2011).

A família envolve a partir desse contexto um sentido mais amplo, onde sua integração abarca não somente aqueles ligados por laços consaguíneos, mas também os indivíduos advindos pela afeição.

 Não se deve, em detrimento a isso, pensar que a família é uma criação jurídica. Ao contrário, trata-se de um fenômeno social e cultural o qual o direito protege e ao qual reconhece importantíssimos efeitos (NEVES, 2011).

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Mesmo sabendo-se que o direito ofereça proteção aos componentes da unidade familiar, deve-se ter em mente que seu surgimento remete-se a evolução social, preexistindo ao Estado.

Dessa forma, para a perfeita compreensão do seu objeto é necessária a identificação de seu conceito. Assim, pode-se entender que família é aquele grupo que descende de um tronco ancestral comum, bem como, aqueles que estão ligados por laços de afinidades (NEVES, 2011).

A família não se restringe a uma única espécie, pois além da sociedade assim não ser formada, a Carta Magna demonstrou a possibilidade de relativização em outras formas, como a matrimonial, que surge em razão do casamento, a convivencial oriunda da união estável e a monoparental consistente na presença de um ascendente com descendente. 

Tendo em vista que a sociedade está em constante evolução há a discussão quanta a taxatividade das espécies citadas pela Constituição Federal de 1988, pois o conceito de família é mais abrangente e precisa conceder a todos os direitos e garantias fundamentais.

Muitos doutrinadores tratam em suas obras acerca das espécies de entidade familiar acrescentando a família informal, homoafetiva, parental, pluriparental, paralela e eudemonista.

A matrimonial tem um cunho mais ligado à moralidade, pois surgiu em detrimento à imposição da igreja em regular as relações afetivas, juntamente com o Estado, sob a justificativa de manter a ordem social (DIAS, 2011).

Muitas famílias só eram consideradas formadas após o casamento realizado pelas igrejas, pois esta celebração era considerada como um cumprimento sacramental, ou seja, um dos procedimentos sagrados da Igreja Católica ao lado do Batismo, Catequese, Crisma, Sacerdócio, Unção dos Enfermos, Confissão.

Entretanto, baseando-se em perspectivas históricas é possível afirmar que a Igreja tolerou a união entre homem e mulher sem o matrimônio (FREIRE, 2009).

Todavia, isso feria a ordem moral para a criação de uma entidade familiar, pois a sociedade regulada por ordens da igreja não tinha um bom conceito daqueles que adquiriam famílias sem o instituto do casamento.

A união realizada entre o homem e a mulher era considerada pela Igreja Católica como um sacramento que não deveria ser dissolvido, pois tinha a função de procriação, de forma a cumprir os preceitos bíblicos de multiplicação, por isso, surgiu o débito conjugal ligado ao ato sexual (DIAS, 2011).

Verifica-se que nos dias atuais a Igreja Católica, ainda adotando preceitos culturais não aceita que seus membros adotem métodos contraceptivos, pois segundo seus dogmas o fim último do casamento é a multiplicação.

No entanto, com a difusão de informações por intermédio das novas tecnologias muitos não aceitam a ideia de procriação e tomam atitudes que levam ao surgimento de novas espécies de entidade familiar.

Grande parcela da sociedade dá outro enfoque ao conceito de a família usando-a como instrumento para o desenvolvimento de personalidades e promovendo a dignidade da pessoa humana (NEVES, 2010).

Mesmo em suas diversas modalidades a família apresenta um caráter de formação em que são desenvolvidas novas habilidades e com sua estrutura há o desenvolvimento do indivíduo, respeitando-se o fundamento do Estado Democrático de Direito, ou seja, sua dignidade.

Para a concepção que se tem hoje sobre família diversas etapas históricas se passaram.

O casamento foi considerado durante muitos anos pelo Estado como a única instituição apta a constituir família no ordenamento brasileiro, especificamente no Código Civil de 1916 o legislador adotou a família matrimonial, posto que somente pelo casamento era possível o reconhecimento da entidade familiar (DIAS, 2011).

Observa-se que quando da vigência do Código Civil de 1916 era inaceitável outra forma de constituição de família, posto que as raízes religiosas estavam arraigadas  ao estilo social da época.

Cumpre destacar, no entanto, que o artigo 363, inciso I, do Código de 1916 garantiu efeitos ao concubinato ao autorizar o direito de reivindicação do reconhecimento de filiação aos filhos oriundos dessa união (FREIRE, 2009).

Isso demonstrou um grande avanço em termos de direitos aos filhos gerados fora do instituto do casamento, pois havia muito preconceito social em torno de tais situações, talvez em detrimento ao padrão social apresentado.

 A sociedade conjugal era patriarcal, onde o homem tinha a função de zelar pela entidade familiar, promovendo o sustento e recebendo obediência da esposa e dos filhos, por isso, o casamento deveria ser heterossexual (DIAS, 2011).

Outro intuito do casamento era conservar o patrimônio adquirido com a ajuda dos filhos gerados que davam sua força em prol da conservação da herança ao longo das gerações, sendo em razão disso, a família considerada de caráter patrimonialista.

Eram reconhecidos direitos às uniões matrimoniais e às famílias legítimas. O concubinato tinha um termo pejorativo e imoral (FREIRE, 2009).

Além da falta de reconhecimento às uniões não advindas do casamento, não havia no ordenamento jurídico brasileiro o divórcio tal como apresentado atualmente.

Durante a vigência do Código Civil de 1916 a família concebida pelo casamento não podia ser dissolvida, posto que se tinha a idéia de a união do homem e da mulher pelo casamento ser um sacramento indissolúvel, no entanto, poderia ser submetido à anulação em face de erros sobre o cônjuge, no tocante a sua personalidade ou identidade (DIAS, 2011).

Essa anulação ainda pode ser efetuada nos dias atuais, pois o Código Civil de 2002 trouxe tal disposição em seu artigo 1.550 ampliando, inclusive, suas hipóteses, que são distribuídas em seis incisos, quais sejam: de quem não atingiu a idade mínima; do menor em idade núbil, quando não autorizado por seu representante lega; por vício de vontade e do incapaz de consentir ou manifestar, de modo inequívoco, o consentimento.

Assim, antes do Código Civil de 2002, além da anulação o casamento só podia ser dissolvido com a morte ou pelo desquite, em que os cônjuges eram impedidos de contraírem novas núpcias.

Quando surgiu o desquite ele não encerrava o casamento entre os cônjuges, mas tão somente os deveres matrimoniais, posto que não eram mais considerados casados (DIAS, 2011).

Significa dizer, que havia somente a separação dos corpos, mas o instituto do casamento ainda vigorava para que a qualquer tempo fosse possível o retorno à vida a dois.

O desquite por mútuo consentimento ou litigioso era amplamente utilizado enquanto não tinha sido criado pela lei em 1977 o divórcio. “A referida lei substituiu a  primeira expressão por "Separação Consensual" e a segunda por "Separação Litigiosa". Assim, o antigo Desquite é a atual Separação, e não Divórcio”( Schwartz, 2012, p. 1).

A separação judicial por mais de três anos passou a garantir o divórcio, surgido em 1977, não sendo admitida a ação sem observância a esse lapso temporal.

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Antes da lei do divórcio e mesmo após sua vigência, para aqueles que não alcançavam o tempo previsto de separação judicial era difícil não constituir um novo núcleo de convivência.

Por essa razão foram surgindo novas famílias, com o relacionamento de pessoas que obtinham o titulo de desquitadas, originando a família informal,  sem reconhecimento jurídico, já que somente pelo casamento era possível a constituição de família. (DIAS, 2011).

Essas famílias não formais foram ganhando grandes proporções, em virtude do crescimento natural da população. Tornaram-se presente as figuras da companheira e da concubina, sendo consideradas como expressões sinônimas.

Todavia, foi na jurisprudência que se estabeleceu a diferença entre elas, sendo considerada concubina “aquela mulher com quem o cônjuge adúltero tinha encontros periódicos fora do lar. Companheira era a mulher com quem o homem separado de fato ou de direito mantinha convivência more uxória” (FREIRE, 2009, p. 30).

A Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de entidade familiar, de forma a conceder direitos a relações entre companheiros, cuja denominação ficou conhecida como união estável, com geração de direitos e deveres.

Assim, são três os fenômenos que são suficientes para o surgimento de uma entidade familiar, quais sejam: casamento, união estável e filiação (NEVES, 2011).

O instituto do casamento vigora nos dias atuais podendo ser realizado pelas diversas religiões com efeito civil para que haja a difusão de direitos.

Pode, inclusive, ser realizado por procuração com poderes especiais, por instrumento público, de forma a permitir que os nubentes assumam a condição de companheiros e consortes.

A filiação é considerada como entidade familiar porque com um filho apenas, quer seja natural ou advindo de adoção já se concebe a ideia de família, pois o planejamento familiar é livre.

A família monoparental, que é aquela constituída por um dos genitores e seus filhos, ou seja, há somente a presença de um dos pais, é expressamente aceita pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, §4º, sendo tratada como um dos tipos de entidade familiar (DIAS, 2011).

Apesar do reconhecimento das uniões estáveis como entidades familiares, estas ficavam atreladas a convivência entre homem e mulher, pois o legislador não tratou das relações homossexuais na Constituição Federal de 1988 e nem no Código Civil.

A espécie de família homossexual não era considerada como entidade familiar, apesar da evolução social ainda existia forte preconceito no tocante às relações entre pessoas de mesmo sexo (TEIXEIRA; MOREIRA, 2011).

Com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277, notadamente passou-se ao reconhecimento dessas relações com cunho de entidade familiar, deixando-se de falar em sociedade de fato quando do rompimento do vínculo entre os parceiros.

Antes da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal a lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha chegou a reconhecer em seu artigo 5º, II, parágrafo único, a família homoafetiva, pois afirma que no âmbito familiar compreendem-se os indivíduos unidos por laços naturais, por vontade expressa ou afinidade.

No que tange às espécies de famílias já citadas, deve-se destacar que existem núcleos familiares constituídos por objetivos comuns compostos ou não por parentes.

A família parental ou anaparental é constituída pela convivência de parentes ou entre pessoas não parentes, mas que tenham objetivos familiares. Observe-se o que diz Dias (2011, p. 49):

“A convivência sob o mesmo teto, durante longos anos, por exemplo, de duas irmãs que conjugam esforços para a formação do acervo patrimonial, constitui uma entidade familiar. Na hipótese de falecimento de uma delas, descabe dividir os bens igualitariamente entre todos os irmãos, como herdeiros colaterais, em nome da ordem de vocação hereditária. Também reconhecer mera sociedade de fato e invocar a Súmula 380, para conceder somente a metade dos bens à sobrevivente, gera flagrante injustiça para com quem auxiliou a amealhar dito patrimônio. A solução que se aproxima de um resultado justo é conceder à Irma, com quem a falecida convivia, a integralidade do patrimônio, pois ela, em razão da parceria de vidas, antecede aos demais irmãos na ordem de vocação hereditária. Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável.”

Quando diversos núcleos familiares surgem a partir do término de relações anteriores são consideradas de famílias pluriparentais ou simplesmente de família mosaico.

São famílias que surgem em razão da união de pessoas que tiveram um casamento anterior ou uma união estável de onde nasceram filhos desses relacionamentos e são trazidos para a convivência do novo núcleo familiar. Há, ainda, a possibilidade do cônjuge do genitor adotar o filho do seu novo parceiro, o que é denominado de adoção unilateral (DIAS, 2011).

Verifica-se que muitas famílias foram ou estão sendo construídas a partir desse núcleo mosaico, onde pessoas que tiveram uniões dissolvidas trazem para sua nova união filhos que passam a integrar um novo ambiente familiar, mas sem perder, muitas vezes os laços anteriores.

A realidade mostra que existem também famílias que são formadas em paralelo às famílias oriundas do casamento ou união estável. São as denominadas pela doutrina como famílias paralelas.

A sociedade brasileira, muitas vezes, não aceita a idéia de famílias paralelas, posto que essas entidades familiares sejam formadas paralelamente ao casamento e, na maioria das vezes é desconhecida pelo cônjuge ou companheiro, ferindo a lealdade que deve reger uma família oriunda do casamento.

O Código Civil de 2002 afirma que ambos os cônjuges têm deveres de fidelidade recíproca; vida em comum, no domicílio conjugal; sustento, guarda e educação dos filhos, além da assistência mútua.

Por estar em desacordo com o disposto em lei as famílias paralelas são chamadas usualmente de concubinatos, posto que fogem a idéia de moralidade que envolve muitas sociedades, porém não se pode negar seus efeitos jurídicos, fato que vem sendo verificado por parte da jurisprudência, mesmo sendo uma minoria é possível que futuramente seja reconhecida em sua plenitude (DIAS, 2011).

Atualmente, nota-se que a maioria da doutrina e jurisprudência ainda negam direitos às famílias paralelas, sendo essas uniões postas à margem social por diversos motivos dentre eles o de cunho moral. No entanto, é necessário verificar a onerosidade de esforços surgida por essas relações, de forma a não desrespeitar os direitos envolvidos.

Para Dias (2011, p. 51) o concubinato adulterino importa para o direito:

“Verificadas duas comunidades familiares que tenham entre si um membro em comum, é preciso operar a apreensão jurídica dessas duas realidades. São relações que repercutem no mundo jurídico, pois os companheiros convivem, muitas vezes têm filhos, e há construção patrimonial em comum. Não ver essa relação, não lhe outorga qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes. Como não mais admite a Constituição tratamento discriminatório dos filhos, negar à mãe os direitos decorrentes da união que a mesma manteve com o seu genitor é excluir o direito sucessório do filho com relação a ela. Ou seja, deixar de reconhecer o direito que o filho teria à herança dela.”

Assim, conforme demonstra a doutrinadora é salutar analisar o caso concreto, de forma a evitar injustiças, haja vista que se deve verificar a construção de patrimônio e o reconhecimento dos filhos em comum.

Isso, porém, ainda não é pacífico, pois grande parte da jurisprudência entende como um relacionamento que afronta a família, retirando qualquer denominação ligada à união estável.

O Código Civil, em vigor, em seu artigo 1727 afirma que as relações eventuais entre homem e mulher impedidos de casar são eventuais são consideradas concubinato e como tal podem ter seu patrimônio contestado pelo cônjuge da pessoa a qual se relaciona, conforme determina o art. 1642 do Código Civil de 2002, independentemente do regime de bens e desde que não se prove a aquisição por esforço comum.

 Na mesma linha tem-se o artigo 550 do Código Civil de 2002 que afirma ser passível de anulação pelos herdeiros necessários ou pelo outro cônjuge até dois anos após a dissolução da sociedade conjugal “a doação do cônjuge adúltero ao seu cúmplice”.

Diante disso, a jurisprudência vem concedendo apenas o reconhecimento de sociedade de fato, tal como fazia com aqueles que viviam em união homoafetiva. A partilha, nos casos de concubinato é voltada à participação na aquisição do patrimônio.

Outra espécie de família é a Eudemonista que retrata o sujeito buscando sua felicidade, inclusive, a própria Constituição Federal afirma, em seu artigo 226, §8º, que cada componente da família contará individualmente com a assistência por parte do Estado, por isso recebe tal denominação, sendo desprovida de preconceitos, onde o individuo foca sua vida na busca pela felicidade.

Observe-se o posicionamento de Dias (2011, p. 271):

“O modelo familiar hoje é o da família eudemonista, no qual cada indivíduo é importante em sua singularidade, tendo o direito de ser feliz em seu contexto, independentemente de sua orientação sexual. Pautar direitos tendo como parâmetro o sexo a quem é destinado nosso afeto é perverso e injusto. A família é muito mais do que a reunião de pessoas com o mesmo sangue. Família é encontro, afeto, companheirismo, é dividir para somar”.

Dessa forma, observa-se que existem diversas formas de entidades familiares e elas gozam de especial proteção do Estado por serem consideradas como base da sociedade.

Abrangem o casamento, a união estável e as famílias monoparentais que são formadas por qualquer dos pais e seus descendentes (ALCOFORADO, 2010).

Existindo outras espécies que não são muitos comuns, mas que devem ter seus direitos observados.

 As uniões homoafetivas, por exemplo, são convivências que fogem às tradicionais, fazendo parte da atualidade nacional que também necessitam de proteção estatal, pois o que se quer preservar é a dignidade dos componentes da família. De modo a não haver retrocesso tal como era antes, onde a família era protegida por representar a proteção de poder, diferentemente da proteção dada hoje, que foca nos sujeitos das relações familiares, com intuito de preservar a dignidade da pessoa humana (NEVES, 2011).

Qualquer espécie de família deve ser protegida, independentemente se surgiu de forma natural ou em razão de uniões afetivas.

Quando as pessoas se casam seus cônjuges e seus parentes se agregam à entidade familiar, isso ocorre em razão da afinidade. A outra forma de se formar uma família é por meio da sociedade natural formada por laços de sangue, que resultam da descendência (NOGUEIRA, 2004).

É importante salientar que a Constituição Federal de 1988 não deixou claro se há a possibilidade de enquadramento de novas formas de entidade familiar, a exemplo dos casais de mesmo sexo, que para serem considerados como família tiverem que ter o julgamento de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade.

Assim, não é qualquer relacionamento que pode ser considerado como entidade familiar, pois deve haver o objetivo de constituição de família, pois mesmo havendo carinho, paixão recíprocos, como no caso do namoro, é necessária a intenção de comunhão de vida, independentemente da existência de filhos (PAZINI, 2009).

No Brasil, pesquisas demonstram o aumento no percentual de famílias formadas em virtudes dos novos conceitos demonstrados pela doutrina.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2012) mostra em seu censo que ao compararem-se os anos de 2000 e 2010 verificar-se-á um crescimento no número de unidades domésticas unipessoais, que passaram de 9,2% para 12,1%. Observe:

“Em relação às famílias, na comparação entre 2000 e 2010, houve um crescimento na proporção de unidades domésticas unipessoais (domicílios com um só morador), que passaram de 9,2% para 12,1%. No Brasil, predominavam, em 2010, as famílias de duas ou mais pessoas com parentesco (54,3 milhões). Além disso, verificou-se uma aumento na proporção de famílias sob responsabilidade exclusiva da mulher (22,2%, em 2000, contra 37,3% em 2010). A novidade foi a investigação da responsabilidade compartilhada, verificada em 34,5% dos domicílios ocupados por apenas uma família (15,8 milhões). Já as famílias reconstituídas, formadas após a separação ou morte de um dos cônjuges, representavam 16,3% das formadas por casais.” 

Dessa forma, a entidade familiar para ser considerada requer além de afeto o desejo de constituir uma família perante a sociedade, sendo este um dos itens exigidos pela lei para a instituição de uma união estável (PAZINI, 2009).

Grande parte da doutrina é uníssona em afirmar que a idéia de família e entidade familiar vai além de conceitos pré-formados pelo direito, surgindo, então, a necessidade de adequação a cada evolução social.

Dessa forma, o conceito de família e entidade familiar não deve representar rol taxativo, mas apenas exemplificativo, apresentando liberdade de composição e sendo receptivo às novas formas de família que surgirão com o passar do tempo.

Os indivíduos devem ter suas escolhas respeitadas, pois a Constituição Federal de 1988 garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o direito à liberdade, igualando todos sem qualquer distinção.

1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA ENTIDADE FAMILIAR

A entidade familiar ao longo da História sofreu profundas modificações, pois a sociedade com o passar dos anos vai evoluindo e modificando sua forma de pensar. O que antes era considerado como fora dos padrões da moralidade vai sendo transformado em algo plausível de entendimento e até costume entre as pessoas.

Tendo em vista que o ser humano precisa viver em sociedade há a necessidade de adequação de seu ponto de vista.

A legislação deve acompanhar essas mudanças intrínsecas da comunidade social.

Importantes doutrinadores discorrem sobre a evolução da entidade familiar. É possível perceber que a cultura de determinado País muito influencia as famílias. Veja-se:

Para Louzada (2011) o homem sempre teve a necessidade de viver em comunidade e em razão disso, sempre se manteve em forma aglomerada.

Diversas necessidades levam ao homem a viver em sociedade, pois não possuímos todas as habilidades necessárias para a sobrevivência, por isso sempre houve a tendência da vida em comunidade.

Desde a época mais primitiva sempre se viveu em sociedade, pois o homem precisa relacionar-se para sobreviver com segurança e proteção e é no núcleo familiar que se tem ideia da mais antiga forma social (BASTOS, 1999).

A família oferece aos seus membros o apoio necessário para as atividades diárias de todo ser humano, por essa razão é a forma social considerada mais remota.

A partir da junção de pessoas começou-se a formação das famílias. Antes mesmo do direito, dos códigos, da interferência do Estado na vida das pessoas e da igreja impondo sua a forma de agir, a idéia de família já existia (LOUZADA, 2011).

Como se pode observar antes mesmo do direito positivado, da interferência estatal na vida das pessoas, por intermédio de seu poder de polícia e até mesmo da influência religiosa a família já era considerada na sua essência.

Na Antiguidade, observa-se que a família tinha como ponto inicial para sua formação o casamento que passou a ser monogâmico e patriarcal com o Código de Hamurabi, muito embora fosse permitido o concubinato, porém sem os direitos concedidos aos casados (LOUZADA, 2011).

Era permitida a convivência entre pessoas, mas aqueles que firmavam suas famílias pelo laço do casamento tinham seu rol de direitos ampliados.

Logo, a união estável não deve ser encarada como uma realidade recente, uma vez que sempre acompanhou a humanidade (FREIRE, 2009).

No entanto, muitos direitos foram cerceados por aqueles que somente queriam manter uma união sem o status de um casamento, que para alguns gera mais segurança e para outros apenas uma formalidade desnecessária.

A classe social era o que menos importava nessa época, inclusive, as pessoas poderiam se separar por intermédio do divórcio, sendo assegurado o direito aos filhos.

A preocupação em deixar os filhos amparados financeiramente em caso da morte dos pais já existia, porém com a observação de serem havidos pelo casamento.

Quando houvesse mau procedimento um cônjuge podia repudiar o outro, porém quando isso ocorria, a mulher deveria manter sua conduta de forma ilibada, pois o machismo predominava nessa época, no entanto, eram permitidas relações entre homens, sendo importante saber o pólo ativo, pois o pólo passivo era figurado como posição feminina.

Mesmo com a aparente liberação sexual, pela permissão de relações homossexuais, o machismo sobressaiu-se a igualdade de direitos, pois era descabido assumir a posição passiva de forma a evitar comparações com o sexo feminino.

Quanto ao direito hebraico não há relatos quanto à palavra matrimônio, posto que esse assunto era de interesse das famílias. O divórcio após o cristianismo tornou-se proibido, porém, era admitido por todos os povos, sendo, no entanto, de iniciativa dos homens e não das mulheres (LOUZADA, 2011).

No caso em tela, tem-se o predomínio do machismo quando da não admissão de pedidos de divórcios pelo sexo feminino.

A influência da igreja na vida privada mostra-se aviltante quando após o cristianismo o divórcio foi proibido pelo direito hebraico.

No período em que vigorou o Código de Manu o divórcio só poderia ocorrer se o problema entre os cônjuges fosse da esposa. O homem era quem decidia se o casamento deveria continuar ou não. Quando se tratava de adultério caberia a pena de morte (LOUZADA, 2011).

O rigor do Código de Manu era tão forte a ponto de caber pena de morte para os casos de adultério, o que se vê ainda na atualidade em Países adeptos às religiões apregoadas de preconceitos não se aplicando, no entanto, tal penalidade no Brasil, pois a Constituição Federal de 1988 proibiu a pena de morte e qualquer tratamento desumano ou degradante, observando as exceções nos casos de guerra.

Foi na civilização romana que se teve origem a família que se conhece hoje, pessoas ligadas umas as outras por vinculo de parentesco. Havia a predominância do poder patriarcal sobre a vida e morte da esposa e descendentes, bem como sobre os móveis e imóveis (SILVA; GODOY, 2011).

O direito romano foi um dos alicerces do direito brasileiro, inclusive, o poder patriarcal era utilizado nos códigos anteriores.

 Na atualidade, o exercício do poder familiar compete aos pais, podendo ser extinto pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação, pela maioridade, pela adoção e por decisão judicial.

A palavra família, no direito romano, era remetida tanto às coisas quanto às pessoas. Quando o assunto era patrimônio, aplicava-se o termo família. O parentesco, ligado às pessoas, era transmitido pela linha paterna (LOUZADA, 2011).

Como se observa a entidade familiar tinha o patriarca como chefe da sociedade e o casamento era o marco para a constituição do núcleo familiar, diferentemente do que ocorre nos dias atuais em que diversas são as espécies de famílias.

Era necessário o affectio no momento da celebração do casamento romano e enquanto durasse, pois o desaparecimento da afeição era motivo para se dissolver o casamento. No entanto, os canônicos assim não entendiam, já que o consideravam um sacramento o qual os homens não poderiam dissolver (GONÇALVES, 2011).

Já se dava importância a manutenção do casamento baseado no afeto recíproco, porém, os dogmas religiosos não aceitavam a sua dissolução, mesmo o casal não possuindo mais desejo em permanecerem unidos pelos laços de um matrimônio.

O cristianismo exerceu forte influência  no mundo ocidental fazendo com que o casamento religioso fosse acatado como necessário às uniões familiares (FREIRE, 2009).

Ainda nos dias atuais muitos casais preferem o casamento religioso como forma de demonstrar a sociedade que estão sob as bênçãos de Deus e que suas uniões serão eternas, pois não é possível um segundo casamento na Igreja Católica, podendo ocorrer em outras religiões.

Para os romanos existiam duas espécies de casamento, quais sejam: o cum manu era o caso em que a mulher deixava de ser dependente do pater famílias e passava à dependência do esposo. A segunda espécie era o casamento sine manu, em que a mulher conservava o direito sucessório de sua família, pois poderia continuar sob a dependência do pater famílias (LOUZADA, 2011).

No ordenamento jurídico brasileiro não há espécies de casamento tal como no direito romano antigo, mas existem regimes de bens que determinam a meação, direitos a bens particulares, herança, dentre outros.

Os regimes são o da comunhão universal, participação final nos aquestos, comunhão parcial, separação total, separação obrigatória.

Na união estável, em regra, aplica-se o regime da comunhão parcial em que há a meação dos bens adquiridos de forma onerosa na constância da convivência.

Ainda com relação ao direito romano relatos mostram que com a morte do pater famílias o poder era transferido aos homens que faziam parte do grupo familiar, em especial o primogênito, uma vez que às mulheres não se permitia a direção familiar, nem mesmo a matriarca poderia assumir tal responsabilidade (NOGUEIRA, 2011).

Percebe-se a importância do poder de mando da linhagem masculina, onde se transferia com a morte o domínio aos homens de mesma origem familiar, privilegiando-se o primeiro filho.

Com o crescimento do cristianismo  a família passou a ser centralizada pelo matrimônio, devendo ser pautada pela procriação e casamento indissolúvel (SILVA; GODOY, 2011).

A ideia de indissolubilidade do casamento ainda vigora para o cristianismo, não se aceitando o término das relações amorosas oriundas do casamento religioso, não se pode negar a importância da religião na vida das pessoas, mas o direito passou a conceder a possibilidade de dissolução do matrimônio civil, dando novas oportunidades aqueles que não encontraram a felicidade em uma dada união.

O direito canônico teve grande importância na Idade Média, pois a igreja era o poder dominante que influenciava fortemente a sociedade e era a única que julgava os assuntos ligados ao casamento, filhos (NOGUEIRA, 2011).

Imenso era o poderio da igreja durante a Idade Média, muitos reis antes de tomarem suas decisões faziam prévias consultas as autoridades episcopais.

Antes do direito canônico o casamento era tido como um contrato e após passou a ser considerado um sacramento em que as relações sexuais só eram permitidas para a procriação dentro do seu núcleo, de forma a não desrespeitar os ensinamentos divinos.

No contexto de ser um contrato serviu para a concentração de bens e para outras empreitadas sentimentais (WIKIPÉDIA, 2008).

Os patrimônios adquiridos com o casamento, de acordo com o Código Civil de 2002, são regidos em consonância com o regime de bens escolhido pelo casal quando da habilitação.

Outra influência do direito canônico foi fomentar as causas impeditivas para o casamento com base na incapacidade dos nubentes oriundas da idade, infertilidade, casamento anterior, diferença de religião (NOGUEIRA, 2011).

Deve-se observar que caso um dos nubentes fosse de outra religião haveria o impedimento para a realização do matrimônio. A impossibilidade de gerar filhos também levava a não realização do casamento.

No ordenamento jurídico brasileiro a idade núbil é de dezesseis anos, porém há a necessidade de autorização dos pais ou representantes legais. Com a realização do casamento do menor de dezoito anos este adquire automaticamente a emancipação irrevogável, podendo exercer com plenitude todos os atos da vida civil.

O Código Civil de 2002 prevê a possibilidade do menor de dezesseis anos casar em caso de gravidez e a fim de evitar cumprimento de pena criminal, ocorre que esta última hipótese gera muita polêmica, pois muitos entendem que foi revogado pelo Código Penal.

Quanto aos demais impedimentos, o artigo 1521 do Código Civil afirma que não podem casar os afins em linha reta, os ascendentes com descendentes, o adotante com quem foi cônjuge do adotado, o adotado com quem foi cônjuge do adotante, os irmãos e colaterais até o terceiro grau, o adotado com o filho do adotante, as pessoas casadas e o cônjuge sobrevivente com aquele que foi condenado por tentativa ou homicídio de seu consorte.

 Na evolução histórica da entidade familiar deve-se considerar o direito islâmico, que tem no casamento a essencialidade para a constituição de família.

Os muçulmanos apresentam o matrimônio em duas fases: o pai da noiva assina contrato com o noivo, tal assinatura precisa estar com o consentimento, mesmo que em forma de silêncio por parte da noiva. A segunda fase dá-se com a noite de núpcias, quando o casamento se completa. As famílias são unidas pelo casamento, que deve ser o objetivo de todas as mulheres, podendo haver o concubinato (LOUZADA, 2011).

No Brasil, o casamento civil somente é considerado realizado quando, perante o juiz, há a manifestação do homem e da mulher de estabelecer o vínculo conjugal, e são declarados pela autoridade celebrante casados, isso demonstra que o contrato solene é realizado somente entre os noivos.

No decorrer da História verifica-se que a mulher foi adquirindo direitos que antes lhe eram negados, isso fica demonstrado com a inserção do sexo feminino no mercado de trabalho. 

Com a revolução industrial as mulheres passaram a contribuir com o sustento da família tendo o sistema patriarcal mudado seu perfil (SILVA; GODOY, 2011).

O papel familiar da mulher ficou mais atuante. A maioria das donas de casas passaram a dedicar seu tempo ao trabalho externo nas fábricas e empresas, levando contribuição financeira para o núcleo da família, que estava mudando seu perfil.

Observe-se que as mulheres até o advento da Revolução Francesa eram consideradas incapazes. O código que vigorou nessa época era o de Napoleão que apesar de ter ideais de igualdade, ainda reforçou o poder do patriarca sobre os filhos, sendo, no entanto, estendido à esposa (LOUZADA, 2011).

Quando os filhos nasciam fora do casamento eram considerados ilegítimos, isto é, mesmo que fossem reconhecidos pelo pai casado não teriam os mesmo direitos dos filhos nascidos do casamento.

A Revolução Industrial proporcionou importantes movimentos migratórios para às cidades, estreitando laços familiares tal como acontece nos dias atuais (WIKIPÉDIA, 2008).

A família, como se observa, mesmo envolta às revoluções sempre foi ligada a instituição indissolúvel do matrimônio, onde os conceitos religiosos eram predominantes.

Atendendo-se a ideologia da época, em que se considerava o pai como responsável pela família, somente era reconhecida a entidade familiar oriunda de uma relação concretizada pelo casamento.

Essa família era predominantemente hierarquizada, patrimonializada e heterossexual (LOUZADA, 2011).

Não se vislumbrava a possibilidade de outra forma de família, como a união de pessoas de mesmo sexo, devido a predominância do ambiente familiar constituído por homem e mulher.

O casamento era fundamental para a formação da família, sendo a mulher casada privilegiada podendo reivindicar bens comuns e anular doações (FREIRE, 2009).

Nessa época às famílias só eram considerada formadas a partir do casamento que garantia direitos inerentes a comunhão de vida.

No Brasil a Constituição de 1824 não fez qualquer menção a palavra família, posto que o casamento religioso era o mais relevante. A igreja sob a égide da moralidade não aceitava outra forma de união (LOUZADA, 2011).

Dessa forma, para se constituir família era necessário que o casal fosse submetido ao casamento religioso, pois não havia legislação brasileira que tratasse do assunto.

Após alguns anos começou-se a aceitar o casamento civil, porém ainda não existia a figura do divórcio.

Foi na primeira constituição republicana que o casamento deixou de ser apenas o religioso, apesar de forte oposição da igreja que considerava o casamento civil como um ato pecaminoso, haja vista sair dos padrões exigidos até aquele momento.

No Código Civil de 1916 o casamento civil foi reconhecido como única forma de família. (SILVA; GODOY, 2011).

No artigo 229 do antigo Código Civil nota-se que não havia a indicação de reconhecimento do casamento religioso para efeitos legais, ao afirmar que o casamento civil legitima os filhos comuns.

A esse respeito a família legítima é considerada como esteio da sociedade, por ser mais sólida, moral e social (DINIZ, 2010).

O casamento civil foi adquirindo sua importância social, pois oferecia mais vantagens se comparado com o religioso, haja vista o reconhecimento dado aos filhos.

Somente em 1934 a Constituição em vigor preocupou-se em contextualizar família, revelando a possibilidade de desquite ou anulação como formas de dissolução do casamento (LOUZADA, 2011).

Com a nova Carta Magna o casamento civil que era exclusivo passou a ser admitido juntamente com o religioso.

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.516, afirma que para o casamento religioso adquirir a equiparação com o civil deve atender às exigências da lei, dentre as quais destaca-se a necessidade de efetuar o registro civil dentro de noventa dias de sua realização.

Quanto aos direitos dos filhos a Constituição de 1937 trouxe um avanço, pois se passou a dar igualdade de tratamento entre os filhos legítimos e naturais. Os filhos oriundos do casamento e aqueles nascidos de relações extraconjugais passaram a receber o mesmo tratamento dos legítimos.

Dessa forma, até 1988 a evolução da entidade familiar era baseada pelo núcleo matrimonial, apesar da existência social de famílias unidas sem a formalidade do casamento.

Com a promulgação da Carta Magna de 1988 e, posteriormente o Código Civil de 2002 os casais que viviam em união estável passaram a ter o reconhecimento como entidade familiar.

Louzada (2011, p. 268) assim se posiciona em relação ao Código Civil e a instituição da família:

“O Código Civil de 1916 admitia unicamente o casamento civil como elemento formador da família, muito embora a doutrina, jurisprudência e leis especiais já passassem a admitir o reconhecimento das uniões estáveis. Contudo, inovou a Constituição Federal de 1988 quando, de forma exemplificativa, admitiu a existência de outras espécies de família, notadamente quando reconheceu a união estável e o núcleo formado por qualquer dos pais e seus descendentes como entidade familiar. Ou seja, trouxe à seara constitucional outros arranjos de convivência de pessoas, que não somente aquele oriundo do casamento.”

Nesse mesmo sentido Chiarini (2003, p. 03) assim dispõe:

“No Código Civil de 1916, a família é hierarquizada e matrimonializada, voltada para procriação, formação de Mão de obra, obtenção e transmissão de patrimônio com base essencialmente no casamento que possuía hierarquia e as relações eram verticais. A Lei 883 de 1949 permitiu o reconhecimento do filho nascido fora do casamento. A Lei 4121 de 1962, Estatuto da Mulher Casada, que consolidou o início da emancipação da mulher dentro do casamento, fazendo com que ela deixasse de ser relativamente incapaz, para ser absolutamente capaz para os atos da vida matrimonial, reconhecendo-a como colaboradora da sociedade conjugal. Contudo a base principiológica está na Constituição, sendo esta o marco fundamental do Direito de família, constata-se que a Constituição, sendo esta o marco fundamental do Direito de Família, constata-se que a Constituição da República de 1988 pode ser considerada como um divisor de águas.”

Como se pôde observar foi com a Constituição Federal de 1988 que surgiram expressamente outras formas de entidades familiares.

O reconhecimento da união estável entre homem e mulher, transformou a vida de muitas famílias que não tinham direitos expressos e passaram a receber tratamento digno equivalente ao da família matrimonial.

Porém, como a sociedade evolui, novas formas de convivência foram surgindo e com elas a necessidade de regulação do direito.

As uniões entre pessoas do mesmo sexo é o exemplo mais marcante da falta de legislação especifica.

Muitos casais homoafetivos após anos de convivência e construção de patrimônio ficavam desamparados quando do fim do relacionamento.

Tal situação foi parar nas mãos do guardião da Constituição Federal, que é o Supremo Tribunal, que como não pode deixar de dizer o direito teve que dar seu posicionamento histórico, passando a considerar como entidade familiar as uniões homossexuais.

O afeto em suas novas formas privilegiadas formará novos modelos de família com o transcurso do tempo e cabe ao direito o dever de sua contemplação, pois não há taxatividade na Constituição Federal quanto às entidades familiares (MATOS, 2011).

O evoluir da sociedade apresentará novas formas de famílias, com suas peculiaridades e necessidade de regulação pelo ordenamento pátrio, que deve acompanhar a evolução social independentemente de apegos religiosos.

1.3EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO HOMOAFETIVA

A entidade familiar durante o percorrer da História sempre manteve uma postura ligada ao casamento.

Com o passar do tempo as uniões familiares, sem o instituto do matrimônio, foram tuteladas pelo direito enquanto composta pelo homem e pela mulher.

A exemplo da Constituição Federal de 1988 que concedeu o reconhecimento de entidade familiar as uniões entre heterossexuais.

Deve-se entender, no entanto, que uniões entre pessoas do mesmo sexo não surgiram na sociedade atual, mas sim têm um relato bem mais antigo.

A homossexualidade sempre existiu e sempre existirá, pois é um fato da vida e em nenhuma legislação será possível determinar-se uma orientação sexual. O Estado não deve determinar o tipo de relação que é válida (RAGAZZI; GARCIA, 2011).

Não cabe ao Poder Estatal dizer que tipo de relacionamento as pessoas devem assumir, mas seu papel é somente o de enquadrar os direitos assegurados pela Carta Magna no tocante a promoção da igualdade de todos perante a lei.

A estrutura estatal deve proteger o direito das minorias que durante anos da História tentam ocupar seu papel na sociedade.

Existem relatos antigos feitos sobre às uniões homoafetivas, como por exemplo no livro de Gêneses da Bíblia Sagrada dos Cristãos, especificamente quando é relatado sobre Sodoma e Gomorra, cidades que foram destruídas porque além das condutas perversas e ingratas havia a homossexualidade predominando nas relações (COSTA, 2012).

Nas antigas civilizações a formação de casais homossexuais não se mostrava diferente do que ocorre hoje, predominando o afeto entre os pares homoafetivos.

Na Grécia, inclusive, o preconceito era deixado de lado e ao contrário do que muitos pensam hoje, era considerado um comportamento heróico.

Os gregos acreditavam que um homem podia passar ao outro o heroísmo e nobreza por meio do contato físico. Nas olimpíadas e no teatro essa situação era mais evidente, pois as mulheres não podiam acompanhar os homens nas manifestações artísticas (FERRIANI, 2010).

Os estudos demonstram que ser homossexual era considerado portador de uma doença mental.

Somente em 1985 após várias pesquisas e experimentos a homossexualidade deixou de ser considerada como doença mental.

Passou-se, então, a integrá-la no capítulo dos sistemas decorrentes de circunstâncias psicossociais do Código Internacional de Doenças.

O termo homossexualismo que é a união entre pessoas do mesmo sexo, teve a alteração do sufixo “ismo” que significava doença, acrescentando-se em seu lugar o sufixo “dade”, cujo significado é modo de ser (FERRIANI, 2010).

Dessa forma, mesmo com a discordância de alguns, as uniões entre iguais passaram a ser menos discriminadas, pois foi confirmado que não se tratava de uma doença e sim uma opção de vida.

No século XIX afastou-se a dogmática religiosa, levando-se o estudo da homossexualidade para o lado cientifico. Antes, devido a homossexualidade ser considerada doença eram utilizados tratamentos desumanos, sem punições por parte do Estado. Eram feitas terapias a base de choque convulsivo, aversão e lobotomias, tudo para que o quadro de homossexualidade fosse revertido (DIAS, 2011).

Após deixar de ser considerada doença, passou-se a considerar a homossexualidade como orientação sexual, no entanto, muitas Constituições ainda não permitem as uniões homossexuais com o intuito de constituição familiar.

A Constituição Federal da República Brasileira de 1988, em seu artigo 226, § 3º positiva o reconhecimento da união estável como entidade familiar, mas limita à relação entre o homem e a mulher, não possuindo qualquer dispositivo disciplinando o amparo por parte do Estado quando o assunto trata sobre relações homoafetivas.

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.723, também faz a exigência que os companheiros sejam de sexos diferentes para a união estável ser considerada como entidade familiar, não havendo disposição sobre companheiros homoafetivos.

Apesar de alguns países ainda não aceitarem essa nova entidade familiar, muitos já se mostraram bastante evoluídos quanto ao direito ao afeto entre pessoas do mesmo sexo.

Na América do Sul, o primeiro País a autorizar o casamento entre homossexuais foi a Argentina, ao lado de países como a Holanda, Bélgica, Espanha, Canadá, África do Sul, Noruega, Suécia, Portugal e Islândia (FERRIANI, 2010).

Isso mostra que é possível adequar-se o anseio de determinadas classes com o direito positivado, basta uma vontade do legislador em transformar a realidade em direitos regulados.

A Dinamarca é um exemplo da viabilidade de regulamentação quanto aos direitos dos casais homossexuais, pois foi primeiro País a regularizar as uniões entre pessoas de mesmo sexo com a autorização de registro com efeito de casamento, excetuando-se somente o direito de adoção.

A Noruega, em 1993, permitiu o registro das uniões homoafetivas. Após dois anos foi a vez da Suécia pronunciar-se sobre o tema com a concessão de direitos. A Islândia deu tratamento oficial às uniões homossexuais em 1996, mesmo ano em que a África do Sul por intermédio de sua Constituição proibiu quaisquer discriminações ligadas ao sexo (DIAS, 2011).

Outros países foram adequando suas legislações para que os casais homossexuais não se encontrassem em situação de desamparo quando do fim de suas relações, pois assim como os casais heterossexuais tem seus direitos assegurados, os que vivem em união estável com pessoa de mesmo sexo também devem tê-lo.

 A Inglaterra no ano de 1999 reconheceu como entidade familiar aquela formada por casais homossexuais. Buenos Aires permitiu em 2003 a união civil entre casais de mesmo sexo, seguidamente a Cidade do México e o Uruguai concederam tais autorizações (DIAS, 2011).

No Brasil, segundo decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, a união entre pessoas de mesmo sexo já é considerada como entidade familiar, sendo possível a declaração de união estável.

Trata-se de uma mutação constitucional, pois foi dada uma interpretação diferente à Constituição que considera união estável aquela realizada entre homem e mulher.

Com o julgamento da ADIN 4277 é possível abarcar às uniões homoafetivas garantias que antes não se efetivavam pelo simples fato do legislador ter sido omisso quanto a essas relações.

É sabido que esses direitos foram concedidos por intermédio de interpretações extensivas concedidas pelo Supremo Tribunal Federal restando que o poder legislativo por meio de emendas à Constituição faça as mudanças cabíveis.

Haja vista que as uniões homoafetivas não devem ser desprestigiadas em relação a união entre os casais heterossexuais, até mesmo porque são uniões tão antigas quanto essas.

A exemplo de diversos países, que foram pioneiros na declaração de direitos às uniões homoafetivas, o Brasil vem dando sua contribuição mesmo que após o clamor de minorias que não descansam enquanto não conseguem a efetivação de seus direitos constitucionais de igualdade, sem qualquer distinção de sexo, porém a discriminação ainda deve ser combatida para a adequada formalização de direitos.

2. DIREITO SUCESSÓRIO

2.1CONCEITO E  EVOLUÇÃO DO DIREITO SUCESSÓRIO

O direito sucessório no ordenamento jurídico brasileiro encontra-se positivado no Livro V, do Código Civil de 2002.

Por ser um de grande importância antes de adentrar-se a sua evolução faz-se mister conhecer o que significa sucessão, que em seu sentido amplo, significa ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de determinados bens” (GONÇALVES, 2011, p.19).

Durante toda a vida as pessoas vão construindo seu patrimônio e quando morrem deixam seus legados para que outros possam seguir em sua administração e usufruto.

É a partir desse momento que surge a aplicação do direito sucessório, pois “suceder significa acontecer posteriormente; vir em seguida; ser substituto; substituir; ter a posse do que pertencia ao seu antecessor; ser sucessor; assumir direitos do auctor sucessionis” (FREIRE, 2009, p. 275). 

Os bens são deixados pelo falecido aos seus herdeiros que podem ser considerados necessários ou legatários.

O direito das sucessões envolve um conjunto de princípios e normas que irão reger a transferência de bens, em razão da morte de uma pessoa, aos sucessores, além da transferência de direitos e obrigações (ALCOFORADO, 2010).

Na sucessão não são transferidos apenas direitos de propriedade como muitos acreditam, mas também transferem-se aos herdeiros as obrigações.

Notadamente que os herdeiros não podem responder por encargos superiores à herança, uma vez que a legislação assegura que as dívidas do falecido não devem se confundir com os patrimônios daqueles sucedem os bens.

A origem da palavra sucessão vem do latim successio e corresponde à transmissão de bens deixados em razão do falecimento de alguém (FREIRE, 2009).

Logo, não há de se falar em transmissão herança de bens entre vivos, o que é aceito é a sucessão em seu sentido amplo pelo fato de entregar algo a quem de direito.

A palavra sucessão, em sentido geral, significa a mudança de titularidade de bens. Isso acontece, também, em outros ramos do direito, como no Direito das Coisas, quando se dá a tradição, porém, nessa hipótese a sucessão ocorre por ato inter vivos (GONÇALVES, 2011).

Dessa forma, tem-se a sucessão por ato entre vivos, quando da entrega de uma determinada prestação e por causa da morte, onde surgem os direitos de sucessão que vão garantir a adequada partilha do patrimônio deixado pelo falecido.

Assim a sucessão, que é a transferência de bens entre as pessoas, pode ocorrer de duas maneiras. A primeira é por vontade das partes. A segunda dá-se em razão da morte. No primeiro caso a sucessão é inter vivos, não se aplicando, portanto, os direitos sucessórios, pois estes só ocorrem por causa mortis, ou seja, em razão da morte (DIAS, 2011).

Cumpre observar que o falecido, sujeito ativo, deixa também direitos personalíssimos que se extinguem com a sua morte, não sendo possível sua sucessão, como é o caso das penas aplicáveis em caso de cometimento de crimes, que são intransmissíveis, conforme assevera a Constituição Federal em seu artigo 5º, XLV:

“Art. 5º,XLV. CF/88 – nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;”

Destaca-se que o de cujus deixa sua herança aos sujeitos passivos  que fazem parte do rol legal, elencado no artigo 1.829 do Código Civil, chamados de herdeiros legítimos, os quais são convocados quando não há integrantes da classe anterior, por exemplo: os ascendentes só entram na partilha da herança com o cônjuge, se não houverem descendentes para concorrerem com ele.

Da mesma forma os colaterais só herdarão se não houverem sucessores legítimos das classes anteriores.

O Código Civil de 2002, em seu artigo 1845, afirma que são considerados herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e também os cônjuges.

Nesse diapasão surge a dúvida qual a diferença entre os herdeiros legítimos e herdeiros necessários?

A resposta pode parecer obvia, mas requer uma certa habilidade para o devido discernimento.

O herdeiro necessário é “todo parente em linha reta não excluído da sucessão por indignidade ou deserdação, bem como o cônjuge, que passou a desfrutar dessa qualidade” (GONÇALVES, 2011, p. 47).

Os herdeiros legítimos são os elencados em lei, chamados a suceder quando alguém morre sem deixar testamento, onde uma classe exclui a outra, pois deve-se respeitar a ordem de vocação hereditária.

Os herdeiros necessários têm sua parte garantida na herança ao passo que os colaterais, que estão na ordem da sucessão, podem ser excluídos por testamento.

O testador não pode dispor de toda sua herança, pois uma parte pertence aos ascendentes, descendentes e cônjuge, que são os necessários.

As únicas formas de o testador afastar os herdeiros necessários é em caso de indignidade ou deserdação. No entanto, por serem de caráter pessoal, quando da abertura da sucessão os herdeiros do excluído irão suceder como se ele tivesse morrido antes.

As causas de exclusão da sucessão estão elencadas no artigo 1.814 do Código Civil de 2002.

“Art. 1.814. CC. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.”

Nesse ínterim, a sucessão no direito brasileiro decorre de lei, por isso, recebe a denominação de legítima e a testamentária é assim chamada por decorrer de disposições de última vontade (FREIRE, 2009).

Apesar da importância em se deixar por escrito aquilo que se deseja para após a morte, com relação aos patrimônios adquiridos em vida, poucos testamentos são utilizados, talvez pela falta de informação a seu respeito.

No Brasil a sucessão legítima sempre foi mais difundida, essa escassez de sucessão testamentária deve-se ao fator cultural e ao fato de o legislador ter disciplinado a sucessão ab intestato com a chamada de sucessores que o falecido possivelmente elencaria (GONÇALVES, 2011).

Apesar de a sucessão legítima estar mais arraigada no ordenamento jurídico brasileiro pelo costume, em detrimento ao testamento, não há liberdade para se decidir sobre quem herdará os quinhões e nem há possibilidade de disposição hereditária de pessoa viva.

Assim, não existe na legislação nacional a sucessão por pacto sucessório ou sucessão contratual, haja vista que o direito de herança só tem inicio com a morte (FREIRE, 2009).

Na evolução do direito sucessório percebe-se que a prática de disposição de herança de pessoa viva não era bem aceita na antiguidade. O fato de se fazer um contrato entre vivos remetia à ideia de uma atitude ruim.

No direito romano essa sucessão contratual era chamada de pacta corvina, sendo sua prática condenada e objeto de repulsa (GONÇALVES, 2011).

Como se observou o ordenamento jurídico brasileiro, assim como o direito romano, não é adepto a sucessão contratual, entretanto, a doutrina, baseada no Código Civil de 2002 aponta uma exceção.

Trata-se do contrato de herança de pessoa viva, onde os pais podem efetuar a partilha, desde que não prejudique a sucessão legítima dos herdeiros necessários, nos termos do artigo 2.018 do Código Civil.

A herança deve ser transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários imediatamente após o falecimento e o lugar para a abertura da sucessão é onde o de cujus tinha seu último domicilio.

Assim, com a morte do sucessor ativo os herdeiros terão declarada a abertura da sucessão no lugar onde o falecido teve registro de último domicilio.

Quanto à evolução histórica do direito das sucessões no primeiro momento tinha o cunho religioso e familiar de continuidade. Na antiguidade, especificamente em Roma, Grécia e Índia o culto aos antepassados era de tal forma que se considerava um grande pecado falecer sem deixar alguém como herdeiro para o culto de memória (GONÇALVES, 2011).

Tratando de patrimônio o Código Civil de 2002, traz no Capítulo VI, os casos de herança jacente, que ocorre quando o falecido não deixa herdeiros.

Nesse caso, se também não houver testamento e nenhum herdeiro legítimo, os bens arrecadados serão postos para guarda e administração de um curador.

Após um ano da primeira publicação do edital se não aparecerem herdeiros a herança será declarada como vacante.

Decorridos cinco anos sem que haja habilitação de herdeiros, a contar da abertura da sucessão, os bens passarão ao município e em caso de serem os bens situados em território federal a União receberá os bens.

Como é possível perceber o direito protege durante alguns anos os direitos à sucessão daqueles que estão na ordem de vocação hereditária.

Historicamente essa preocupação em deixar alguém para suceder sempre existiu, mas pode ocorrer de pessoas que vivem isoladas não deixarem herdeiros.

Durante séculos a sucessão era feita apenas pela linha masculina, cabendo ao primogênito a herança, de forma a garantir o fortalecimento familiar. Com a Lei das XII Tábuas, passou-se a dar maior liberdade à disposição dos bens após a morte (GONÇALVES, 2011).

Tal como ocorre no Código Civil de 2002 a ordem de vocação hereditária que se tem notícias no direito romano excluía a classe mais remota.

Justiniano editou Novelas onde na vocação hereditária tinha-se na 1ª classe os descendentes do falecido, especialmente os filhos, sendo que em cada classe o mais próximo afastava o mais remoto na sucessão (VELOSO, 2010).

Verifica-se que no Código de Justiniano a 1ª. classe era composta apenas pelo filho do falecido, o que demonstra que não havia concorrência deste com o cônjuge supérstite, tal como elenca o ordenamento jurídico brasileiro atual.

Nas Novelas de Justiniano a  sucessão passou a ser fundada unicamente por parentesco natural, seguindo a ordem de vocação hereditária da seguinte forma: “a) os descendentes; b) os ascendentes, em concurso com os irmãos e irmãs bilaterais; c) os irmãos e irmãs, consanguíneos ou uterinos; e d) outros parentes colaterais” (GONÇALVES, 2011, P. 22).

Os romanos procuravam sempre deixar testamentos e sua sucessão testamentária se deu de diversas maneiras e ao contrário do direito brasileiro, ao qual só se pode dispor de metade dos bens reservando os dos herdeiros necessários, envolvia todo o patrimônio.

No direito germânico desconhecia-se a sucessão testamentária, pois eram considerados herdeiros apenas aqueles que possuíssem laços de sangue, que eram os verdadeiros herdeiros.

No direito brasileiro além dos laços consangüíneos podem herdar aqueles que por laços de afinidade adquiriram a ordem de vocação hereditária, tais como os filhos oriundos de processo de adoção, os cônjuges.

O direito germânico influenciou alguns países como a França, que em seu processo sucessório incluiu o cônjuge.

Desde o século XII a posse e propriedade passam ao herdeiro com a morte, sendo que recebem plenos direitos os herdeiros legítimos, em seguida os naturais e o cônjuge. Estes ainda recebem além dos bens e direitos, a obrigação ligada aos encargos oriundos da sucessão.Esse instituto que foi positivado no Código Civil Francês de 1804, que era conhecido como Código de Napoleão foi denominado de droit de saisine (GONÇALVES, 2011).

O princípio de saisine ou droit de saisine prega que o direito de herança é transferido aos herdeiros após a morte. Ocorre que na atualidade isso não ganha caráter absoluto, pois alguns bens transmitem-se desde logo, mas outros necessitam da partilha e verificação quanto aos credores do falecido.

Na época em que surgiu o princípio de saisine havia uma reação ao regime feudal, este fazia com diversos camponeses arrendassem terras dos senhores feudais com contribuições de suas produções.

No feudalismo quando ocorria a morte do arrendatário a terra deveria ser devolvida, pois se os herdeiros do falecido quisessem continuar deveriam pagar uma contribuição ao senhor feudal e com o saisine acreditava-se que o falecido transmitia a posse no momento do falecimento (GONÇALVES, 2011).

Dessa forma nunca os herdeiros dos arrendatários ficavam livres do senhor feudal, pois havia sempre uma forma de arrecadação de contribuições.

Com a revolução proposta pelo princípio de saisine automaticamente as posses das terras passariam aos descendentes dos camponeses sem que houvesse a necessidade de pagamentos a títulos de contribuição ao senhor feudal. 

A partir da promulgação do Código Napoleônico a sucessão foi mantida na questão de igualdade entre herdeiros de mesmo grau, porém houve distinção quanto a linha de vocação hereditária, iniciando-se “com os herdeiros (filhos e descendentes; ascendentes e colaterais privilegiados – pai, mãe, irmãos, irmãs e os descendentes destes – demais ascendentes e seus colaterais – a principio até o 12º grau” (GONÇALVES, 2011, p. 23).

A codificação francesa trouxe profundos efeitos à legislação brasileira, mesmo antes da edição do Código Civil de 1916, pois a vocação hereditária abrangia os descendentes, ascendentes, colaterais alcançando até o 10º grau, cônjuge e fisco.

À sucessão brasileira já colocou o cônjuge em desvantagens em relação aos outros sucessores do falecido.

As Ordenações Filipinas, editadas em 1603, serviram de inspiração principiológica ao Código Civil Brasileiro, onde o cônjuge seria chamado à sucessão se o falecido não tivesse parentes até o 10º grau (VELOSO, 2010).

O cônjuge somente entrava na ordem de vocação hereditária se acaso não existisse outros herdeiros das classes antecedentes, sendo que ao contrário do que ocorre hoje, onde são considerados herdeiros até o 4º grau, na época o parentesco se dava até o 10º grau.

Isso mostra que era quase impossível o cônjuge ter direitos sucessórios, pois até o 10º grau existem muitos herdeiros a suceder.

Dessa forma, no artigo 959 do Código Civil que vigorou em 1858, a sucessão ocorria na seguinte ordem hereditária de acordo com Veloso (2010, p. 17) “descendentes, na falta de descendentes, aos ascendentes; na falta de uns e outros, aos colaterais até o 10º grau, por direito civil; na falta de todos, ao cônjuge sobrevivente; ao Estado, em último lugar”.

Nos dias atuais o Estado não ocupa lugar na ordem de vocação hereditária, tal como ocorria, o que leva direitos patrimoniais ao Estado na vigência do atual Código Civil é a herança vacante, quando após todas as medidas asseguradas em lei foram tomadas para que houvesse a habilitação de herdeiros.

A ordem de vocação hereditária sofreu profundas alterações no decorrer da evolução do direito sucessório com a modificação da ordem, garantindo-se mais direitos ao cônjuge, que antes ficava desprovido.

O cônjuge sobrevivo passou a ocupar o terceiro lugar na ordem sucessória, após os descendentes e ascendentes do falecido. Os colaterais ficaram limitados até o 6º grau (VELOSO, 2010).

Foi o Código Civil de 1916 que fez essa mudança abrangendo os colaterais até o 6º grau na ordem de vocação hereditária.

Houve uma importante redução quanto ao grau de parentesco que anteriormente atingia o 10º grau e acabava sendo injusto com o cônjuge sobrevivente disto que só herdava após essa classe de parentesco.

O Código Civil de 1916 acolheu o principio de saisine no artigo 1.572, sendo reproduzido posteriormente no Código Civil de 2002 pelo artigo 1.784, sem fazer, no entanto, referências a domínio e posse, mas à transmissão da herança (GONÇALVES, 2011).

A ordem de vocação hereditária passou por muitas mudanças em relação ao grau de parentesco, chegando a ser limitado ao 2º grau, ou seja, a linha sucessória alcançava, em meados de 1939, os irmãos, o que parece ser um pouco exagerado, haja vista que o Código atual limita o grau de parentesco no 4º grau, abrangendo os primos, tio-avô, sobrinho-neto.

Em 1945 o Código Civil de 1916 sofreu outra alteração estendendo-se a ordem de vocação hereditária até os colaterais de 3º grau, isto é, tios e sobrinhos (VELOSO, 2010).

Um ano após a mudança do grau de parentesco para o 3º grau, foi fixada a vocação que vigora atualmente no Código Civil de 2002, ou seja, os direitos sucessórios vão até o 4º grau.

Isso é bastante relevante para a ordem de vocação hereditária, que deve ser obedecida quando o falecido não deixar testamento, conforme assegura o artigo 1.788 do Código Civil de 2002 que informa ser transmitida a herança aos herdeiros legítimos em casos de ausência, caducidade ou nulidade de testamentos.

No caso do cônjuge, quando da ausência de testamento, ele foi beneficiado com o Código Civil de 2002, pois passou a concorrer também com o descendente na primeira classe e com os ascendentes na segunda classe, além de ser o terceiro na sucessão legítima, ficando na ordem primeiro que os colaterais de 4º grau.

Nesse sentido quebrou-se a paridade entre cônjuges e companheiros, pois  foram elevados em grau de concorrência com os descendentes e ascendentes do falecido. A exceção está nos colaterais que no caso dos companheiros recebem prioridade na ordem de vocação hereditária.

O direito de herança foi assegurado na Constituição Federal de 1998, em seu artigo 5º, XXX, sendo posteriormente elevado seu grau de importância frente ao Código Civil que destinou vários títulos sobre o tema, envolvendo desde da sucessão em geral até o inventário e partilha.

Nas disposições acerca da sucessão é possível conhecer-se o local de domicilio para abertura da sucessão, devendo ser considerado o local de ultimo domicílio do falecido.

A possibilidade de cessão de herança por escritura pública, sendo ineficaz quando não tiver previa autorização judicial em casos de acervo indivisível.

O prazo para instauração do inventário que a contar da abertura da sucessão será de trinta dias.

Na vocação hereditária tem-se que também podem ser legitimados a suceder os filhos não concebidos, desde que as pessoas indicadas pelo testador encontrem-se vivas quando for aberta a sucessão.

As pessoas jurídicas incluem entre os que podem ser chamados a sucessão, bem como as fundações organizadas em determinação do testador.

A aceitação e renúncia da herança também foram tratadas no Código Civil de 2002, em que a aceitação pode ser expressa ou tácita, já o ato de renunciar deve ser dotado de formalidades constando em instrumento público ou por termo judicial, não sendo possível a inserção de condições ou termos.

 A herança passou a ter destaque devido a garantia do direito a propriedade, em que o direito sucessório tornou-se nitidamente mais difundido, pois há a necessidade de se conhecerem as garantias daqueles que participaram da vida do falecido.

Durante a evolução dos direitos sucessórios percebe-se que a família teve momentos cíclicos em relação aos seus direitos patrimoniais, principalmente o cônjuge, que teve muitas vezes seu direito de herança renegado por encontrar-se após os parentes de 10º grau na ordem de vocação hereditária.

Além disso, o Estado estava entre os sucessores legítimos, fazendo parte do rol hereditário, fato que não ocorre nos dias atuais em razão da disposição do atual Código Civil, que positivou o grau de parentesco até os colaterais, ou seja, serão chamados a suceder os parentes até o quarto grau.

O Estado que gozava desse rol passou a receber a herança somente após todo o processo de herança vacante não prejudicando os herdeiros legais que se habilitaram.

A maioria da doutrina afirma que o direito de herança ganhou grandes proporções em razão das sociedades envolvidas pelo capital, em que há o reconhecimento da propriedade privada, sendo tal preocupação menos relevante nas comunidades socialistas, cuja propriedade é tida como social.

No entanto, o direito sucessório permite que aqueles que construíram seus patrimônios tenham a garantia que não deixarão seus entes desamparados, sendo extremamente importante sua adequação às necessidades sociais.

O primeiro diploma a prever os direitos sucessórios decorrentes da união estável foi à lei 8.971/94, antes da edição desta positivação os companheiros somente poderiam herdar por força de testamento.

A lei 8.971/94 previu expressamente o direito a sucessão dos companheiros, afastando, assim, qualquer dúvida sobre a existência dos direitos sucessórios entre os casais que viviam em união estável (FERRIANI, 2010).

Essa lei por ser posterior a Constituição Federal de 1988 já considerava a união estável como entidade familiar, sendo aquela entre homem e mulher.

No entanto, ainda vigorava o Código Civil de 1916, não dispondo ainda os direitos sucessórios as mesmas nuances da atualidade.

Na lei 8.971/94 foram criados dois direitos sucessórios para o companheiro supérstite, O primeiro trata do direito ao usufruto dos bens deixados pelo falecido aos descendentes ou ascendentes e o segundo remete ao direito de propriedade sobre o patrimônio quando não houver descendentes ou ascendentes (PAZINI, 2009).

Observa-se que os casais heterossexuais que viviam juntos a partir da lei 8.971/94 passaram a ter direito de usufruir os bens deixados pelo companheiro após seu falecimento quando o de cujus não tivesse deixado outros herdeiros.

Dessa maneira, os companheiros teriam direito a totalidade da herança, caso não existissem descendentes ou ascendentes, ou ao usufruto de um quarto dos bens se o casal tivesse filhos comuns ou não e metade se existissem ascendentes (FERRIANI, 2010).

A divisão da herança, no entanto, tinha peculiaridades em razão da existência de descendentes e ascendentes do falecido.

Cumpre-se observar que para obter o direito de sucessão o companheiro estava sujeito as mesmas exigências que o artigo 2º da lei 8.971/94 impunha ao direito de alimentos, quais sejam: união entre pessoas solteiras, divorciadas, viúvas ou separadas de fato ou por meio judicial (PAZINI, 2009).

Para que houvesse a aplicação dos direitos inerentes a lei 8.971/94 o relacionamento deveria ser entre pessoas não casadas, pois se houvesse algum impedimento a relação não deveria ser protegida quanto ao direito sucessório.

A concessão dos direitos sucessórios, inclusive, era condicionada ao fato de os companheiros manterem estado civil de separados judicialmente, viúvos, divorciados ou solteiros (FERRIANI, 2010).

A Constituição Federal de 1988 a reconhecer as uniões estáveis como entidades familiares não estipulou tempo mínimo de convivência entre os companheiros, entretanto, a lei em estudo fez essa exigência.

As uniões estáveis para serem consideradas pela lei 8.971/94 deveriam ter um tempo mínimo de cinco anos e os direitos sucessórios só eram concedidos se o companheiro sobrevivente ainda vivesse em união estável com o falecido ao tempo de sua morte (PAZINI, 2009).

O tempo estipulado pela lei 8.971/94 atualmente não é mais aplicado para efeito de união estável, pois o Código Civil de 2002 apenas exige convivência pública, contínua e duradoura.

Em 1996 surgiu a lei 9.278 que, inclusive, deixou de exigir o lapso temporal de cinco anos para o reconhecimento da união estável.

Entretanto, alguns doutrinadores afirmavam que quando se tratasse de herança e usufruto os direitos sucessórios da lei 8.971/94 seriam concedidos quando houvesse o cumprimento do prazo de cinco anos de convivência, porém se do relacionamento resultasse prole o tempo seria dispensado (FERRIANI, 2010).

Os descendentes comuns durante a vigência da lei 8.971/94 eram responsáveis pela não exigência do período de cinco anos, o que acarretou o reconhecimento de direitos para muitas uniões.

Com relação ao direito de usufruto a lei 8.971/94 dispunha que caso o consorte falecido tivesse descendentes ou ascendentes o companheiro sobrevivente recebia o direito real de usufruto apenas sobre parte dos bens deixados e nesse contexto não teria direito a herdar propriedades, a não ser mediante testamento (PAZINI, 2009).

Assim, para que o companheiro heterossexual adquirisse direitos sucessórios deveria estar ainda em convivência com o falecido antes de sua morte e para herdar o titulo de propriedade deveria não ter concorrentes na sucessão, ou seja, não deveriam existir ascendentes ou descendentes do de cujus.

Caso o companheiro falecido deixasse apenas descendentes o sobrevivo herdaria o direito de usufruto sobre um quarto do montante e em caso de ausência de descendentes, mas com ascendentes do de cujus, o companheiro supérstite concorreria com metade do usufruto dos bens herdados.

A promulgação da lei 9.278/96 manteve dispositivos não conflitantes da lei 8.971/94 e conferiu mais direitos a companheira em detrimento a esposa (GONÇALVES, 2011)

O direito real de habitação foi um dos direitos concedidos pela lei 9.278/96, em que o sobrevivo poderia continuar morando no endereço do casal enquanto não constituísse outro casamento ou nova união estável.

Com a publicação da lei 9.278/96 surgiu mais um direito ao companheiro sobrevivo, porém, havia muitas discussões doutrinárias quanto à revogação da lei 8.971/94.

Diversas correntes doutrinárias surgiram a esse respeito com versões diferentes sobre a continuidade ou não da vigência da lei anterior.

A primeira corrente doutrinária afirmava que o direito a herança estava totalmente revogado pela lei 9.278/96, posto que esta tratasse da união estável por inteiro, conferindo o direito sucessório da habitação. A segunda corrente, majoritária, informava que não houve revogação expressa, logo continuaria em vigor no que não fosse incompatível (FERRIANI, 2010).

Dessa forma, o judiciário aplicava as duas leis quando da solução de lides sucessórias envolvendo as uniões estáveis heterossexuais.

Nesse diapasão, os companheiros passaram a ter três direitos sucessórios distintos, conforme afirma Pazini (2009, p. 208):

“O direito de usufruto sobre parte do patrimônio deixado, o direito de propriedade sobre todo o patrimônio, conforme houvesse ou não descendentes ou ascendentes sucessíveis (art. 2º da Lei 8.971/94) e o direito real de habitação sobre o imóvel residencial da família” (art. 7º, parágrafo único da Lei 9.278/96).

Verifica-se que enquanto vigorava o Código Civil de 1916 as leis 8.971/94 e 9.278/96 vigiam de forma simultânea, posto que não havia tratamento diferenciado no Código Civil da época.

Atualmente as duas leis continuam sendo aplicadas em casos de óbitos de companheiros ocorridos até 11 de janeiro de 2003, isto é, antes do início de vigência do novo Código Civil (VELOSO, 2010).

Com a edição do novo Código Civil Brasileiro em 2002 as leis em estudo perderam aplicação, haja vista a adoção do tema Da União Estável no título III, tratando, inclusive da sucessão aplicada aos casais que conviveram de forma continua, pública e duradoura, trazendo dessa maneira uma profunda evolução aos direitos sucessórios.

2.2 DIREITO SUCESSÓRIO HOMOAFETIVO E A ADIN 4277

Quando existe uma lei ou ato normativo federal ou estadual que viole preceitos constitucionais há a possibilidade da interposição de uma ação perante o Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição para a verificação de sua constitucionalidade.

Essa ação pode ser proposta somente pelos legitimados elencados no rol do art. 103 da Carta Magna, quais sejam: Presidente da República, Mesa do Senado Federal, Mesa da Câmara dos Deputados, Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal, Governador do Estado ou do Distrito Federal, Procurador-Geral da República, Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, partido político com representação no Congresso Nacional, Confederação sindical ou entidade de classe no âmbito nacional.

No caso da Ação Direita de Constitucionalidade – ADIN 4277, esta foi ajuizada pela Procuradoria – Geral da República – PGR, inicialmente como ADPF 178, para que fosse dada interpretação conforme a Constituição Federal de 1988 ao artigo 1.723 do Código de Processo Civil de 2002.

A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226, § 3º reconhece como entidade familiar a união entre homem e mulher, devendo sua conversão em casamento ser facilitada.

Por outro lado o artigo 1.723 do código vigente determina que a união entre homem e mulher de forma pública, continua, duradoura e com o objetivo de constituição de família seja reconhecida como união estável.

O motivo sustentado pela PGR foi no tocante ao cumprimento de princípios elencados pela Constituição Federal, dentre eles o da dignidade humana, que é um fundamento do Estado Democrático de Direito, disposto no artigo 1º, inciso III.

Também foi citado o princípio da igualdade, que se encontra no Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, em que todos são considerados iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza.

E os princípios da vedação de discriminação odiosa, da liberdade e da proteção à segurança jurídica.

O julgamento da ADIN 4277 foi realizado em conjunto com a ADPF 132, proposta pelo governador do Rio de Janeiro que possuía o pedido de aplicação do regime jurídico das uniões estáveis às uniões homoafetivas de funcionários civis.

Foi um julgamento considerado pela mídia como histórico, pois trouxe à baila um tema extremamente polêmico e que mudaria efetivamente o conceito de família até em tão em vigor, pois os casais de mesmo sexo que viviam juntos eram desprovidos de direitos antes da propositura e julgamento da Ação Direita de Inconstitucionalidade.

 A solução encontrada por muitos julgadores quando se deparavam com situações envolvendo litígios sucessórios era igualar as uniões homoafetivas com as sociedades de fato.

As decisões pautavam-se “pelo regramento próprio das sociedades de pessoas, que se caracterizam pelo exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados financeiros” (OPPERMANN, 2011, p. 290).

O tema era discutido no ambiente das varas cíveis, sendo um grande avanço quando alguns processos eram remetidos às varas de família.  

Dessa forma, os processos envolvendo casais homoafetivos eram julgados na maioria das vezes pelas varas cíveis, diferentemente do que ocorria com os casais heterossexuais, cujas lides são de competência das varas de família, tal fato ocorria devido à legislação vigente não enquadrar as uniões homoafetivas como entidades familiares.

A frente de outros tribunais sempre esteve a justiça gaúcha que tomou decisões no sentido de preservar direitos sucessórios ao companheiro sobrevivente.

Após várias decisões oriundas do judiciário gaúcho outros Tribunais voltaram-se a garantir direitos ao parceiro supérstite, conforme assevera Dias (2011, p. 85):

“Não demorou para a justiça abandonar a analogia e reconhecer as uniões homoafetivas como união estável. Passando duas pessoas ligadas por um vinculo afetivo a manter relação duradoura, pública e contínua, como se casadas fossem, formam um núcleo familiar à semelhança do casamento, independentemente do sexo a que pertencem. Mister identificá-las como união estável. Esse vanguardismo que se deve à justiça gaúcha vem encontrando eco na maioria dos tribunais brasileiros.”

O julgamento da ADIN 4277 teve como relator o ministro Ayres Britto, cujo voto foi favorável a interpretação conforme a Constituição Federal, de forma que o artigo 1.723 do Código Civil não crie obstáculos ao reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo.

O relator afirmou em seu voto que não se deve discriminar ou diminuir as pessoas em função de sua preferência sexual e que qualquer depreciação feita aqueles que vivem em união estável homoafetiva entra em colisão com o artigo 3º, inciso IV, da Constituição Federal.

O artigo e inciso supracitado citam um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que é a promoção do bem de todos, sem preconceitos atinentes a origem, sexo, raça, cor, idade e outras formas discriminatórias.

Visando por em prática tais desejos do legislador originário os demais ministros seguiram o voto do relator em dar procedência as ações e conceder seus efeitos vinculantes.

Diversas entidades foram ouvidas como amicus curiae, isto é, amigos da corte, de forma a contribuir com suas experiências e de alguma maneira influenciar na decisão dos ministros.

A constitucionalidade do julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal,  para muitos feriu a ordem natural da separação dos poderes, pois com seu ativismo exacerbado acaba por adentrar esfera do poder legislativo.

 No entanto, deve-se observar que o judiciário apenas cumpriu seu papel de guardião da Constituição e observou princípios que eram esquecidos pelo legislador quando da imposição de leis que excluem os casais homoafetivos (CALANDRA, 2011).

Nesse diapasão, deve-se observar que a decisão do Supremo Tribunal Federal não modificou a letra da lei, por ser apenas uma decisão judicial, mas somente deu interpretação extensiva ao artigo 1.723 do Código Civil.

Ao estender o reconhecimento como entidade familiar aos casais homossexuais deu-se maior guarida aqueles que viviam juntos sem terem seus direitos resguardados.

Quando os casais homoafetivos eram separados, mesmo que pela morte, não tinham direitos assegurados, era necessário a prova de colaboração econômica para que se pudesse tentar na justiça uma parcela dos bens adquiridos em comunhão. 

A luta desses casais era árdua e muitas vezes eram travadas sem o apoio da família do companheiro falecido, o que tornava mais difícil a prova da convivência e participação onerosa na construção do patrimônio do casal.

Com a afirmação dada pelo Supremo Tribunal Federal, por intermédio da ADIN 4277, as uniões homossexuais ganharam status de união estável tal qual às uniões entre casais heterossexuais, ou seja, são consideradas entidades familiares há a consolidação de direitos antes desprezados.

Assim, os casais de pessoas com o mesmo sexo a partir do julgamento passam a adquirir os mesmos direitos e deveres que são estabelecidos aos casais heterossexuais.

 É preciso esclarecer que a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal não tem força de lei, pois é uma decisão emanada do Poder Judiciário e deve ser observada obrigatoriamente pelos tribunais do País, devendo ser aplicada em processos que já tramitam ou que venham a tramitar junto aos tribunais brasileiros (AMARAL, 2011).

Mesmo com essa conquista os casais homoafetivos, ainda devem observar que é preciso o reconhecimento da convivência da união entre os companheiros.

Uma das formas de efetuar essa oficialização é por meio de uma escritura pública efetuada junto aos cartórios, que possuem fé pública.

Há a possibilidade de o casal optar pelo regime de bens, pensão alimentícia, dentre outros direitos que podem ser estipulados.

No entanto, se o casal não tiver feito o reconhecimento da união homoafetiva por intermédio do tabelião, quando precisar provar a convivência deverá impetrar uma ação de reconhecimento de união estável.

Por conseguinte são necessários alguns documentos que possam comprar essa união, como por exemplo, a prova de mesmo domicílio.

Além das contas de água, luz, é possível também provar a união estável pelo contrato de locação de imóveis; seguro de vida quando um parceiro é beneficiário do outro; plano de saúde em que conste a dependência entre o casal; conta bancária conjunta; fotografias; depoimento de testemunhas (AMARAL, 2011).

Nesse contexto o Poder Judiciário poderá reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como estável, uma vez que tal interpretação já foi concedida a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal.

O artigo 1.723 agora deve ter por parte dos julgadores, no caso concreto, uma análise interpretativa maior, incluindo além da convivência entre homem e mulher a consideração de união estável homoafetiva.

A Constituição Federal não proíbe a união entre pessoas do mesmo sexo, mas apenas cita que a união reconhecida como entidade familiar é aquela entre homem e mulher, logo, pode-se atribuir interpretação extensiva a tal dispositivo (BRITTO, 2011).

Há, ainda, a exigência que as relações homossexuais, de forma igual às heterossexuais, sejam públicas, continuas e duradouras.

Reconhecida a relação homoafetiva ao convivente sobrevivo será aplicado o artigo 1790 do Código Civil, onde determina que “participará da sucessão do outro quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável” (NICOLAU, 2011, p. 89).

O companheiro de mesmo sexo herdará sobre os bens que ajudou a construir durante a união estável, mas concorrerá com os herdeiros legítimos do falecido.

Tendo em vista que antes da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal os companheiros homoafetivos não tinham quaisquer direitos, a ADIN 4377 trouxe mudanças significativas, principalmente quanto aos direitos sucessórios.

Apesar da previdência permitir que os companheiros supérstites ocupassem a classe dos beneficiados os casais homoafetivos eram considerados sócios e  não possuíam direitos hereditários.

Era possível, todavia, que o parceiro fosse nomeado inventariante dos bens, principalmente quando estavam em sua posse, sendo dispensada a declaração de união homoafetiva, bastando ser reconhecida pelos parentes (DIAS, 2011).

 Com essa decisão histórica os casais homossexuais podem conviver sabendo que seu relacionamento é equiparado a uma união estável heterossexual.

Cumpre observar, no entanto, que para adquirir tal status é necessário a comprovação dos requisitos dispostos no Código Civil, mais precisamente no artigo 1.723, com a configuração da convivência pública, continua e duradoura, visando a constituição de família.

O parágrafo 1º do artigo 1.723 afirma que não se constituirá a união estável se ocorrerem os impedimentos elencados no artigo 1.521 do Código Civil quais sejam: ascendentes com descendentes com parentesco civil ou natural, os afins em linha reta, o adotante com o cônjuge do adotado e o adotado com quem foi cônjuge do adotante, os irmãos, colaterais até o terceiro grau, pessoas casadas, adotado com o filho do adotante, o cônjuge sobrevivente com quem foi condenado por tentativa ou homicídio contra o seu consorte.

As causas suspensivas, entretanto, não impedem a caracterização da união estável, pois o artigo 1.523 apenas afirma que não devem casar o viúvo (a) que tiver filhos do falecido enquanto não tiver feito o inventário e a partilha dos bens, a viúva ou mulher casada até dez meses do início da viuvez ou dissolução da sociedade conjugal, o divorciado antes de feita a partilha, o tutor ou curador, bem como seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados, sobrinhos com a pessoa tutelada ou sob curatela antes de saldadas as contas.   

Dessa forma para facilitar a comprovação de convivência e buscar-se o reconhecimento de união estável é salutar que o casal faça mediante escritura pública a declaração de convivência, onde serão relatados todos os direitos atinentes ao casal, caso haja a separação.

Muito se discute sobre a possibilidade de aplicação do artigo 1.726 do Código Civil que assim dispõe:

“Art. 1.726. CC. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.”

No entanto, muitos notários já estão fazendo a conversão da união estável homoafetiva em casamento, mediante decisão judicial. Veja-se a jurisprudência abaixo:

“DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA AQUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ EDA ADI N. 4.277/DF.1.5141.5211.5231.535565CÓDIGO CIVIL ADPF N. 132/RJ  ADI N. 4.277/DF1. […] 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n.132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar,entendida esta como sinônimo perfeito de família.Constituição3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na  adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento – diferentemente do que ocorria com os diplomas superados – deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade.Constituição Federal constituição 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição – explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF – impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos.Constituição 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os"arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar,independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos,quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto.Carta Magna7. […]10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume,explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis.11. Recurso especial provido.” (1183378 RS 2010/0036663-8, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 25/10/2011, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/02/2012, undefined) REsp 1183378 RS 2010/0036663-8.)

Outro ponto a salientar trata-se do regime aplicado a união estável, que no caso dos homossexuais deve atender o disposto entre companheiros heterossexuais, uma vez que foi reconhecido como entidade familiar por intermédio do julgamento da ADIN 4277.

O artigo 1.725 do Código Civil de 2002 afirma que o regime a ser aplicado deve ser o da comunhão parcial. Observe-se:

“Art. 1.725. CC. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”

Nesse regime comunicam-se os bens adquiridos na constância da união onerosamente, independentemente em nome de quem esteja o acervo patrimonial.

Assim, salvo pacto antenupcial entre os companheiros homoafetivos, em geral será adotada a comunhão parcial dos bens, ou seja, haverá a comunicação dos bens que sobrevierem ao casal de forma onerosa na constância da união estável, nos termos do artigo 1.658 do Código Civil de 2002.

O mencionado artigo cita que existem exceções ao princípio da comunhão parcial que são elencadas a partir do artigo 1.659 e terminam no artigo 1.666 do Código Civil, a serem comentados.

São excluídos da comunhão parcial os bens particulares, bem como aqueles não doados ou advindos por sucessão ao casal, sub-rogados, adquiridos com valores pertencentes a um dos cônjuges, as obrigações anteriores a união e provenientes de atos ilícitos, nesse caso a exceção será dada se for a proveito do casal.

Os instrumentos de profissão, livros e objetos de uso pessoal, também são excluídos da comunhão, assim como os proventos do trabalho pessoal, pensões, montepios, meio-soldos e demais rendas que se assemelhem.

Essa exceções são aplicadas aos casais homoafetivos, no entanto, quanto a sucessão deve-se aplicar o artigo 1.790 do Código Civil, que será adiante comentado em capítulo próprio, pois  existem diferenças em relação ao cônjuge oriundo de casamento em comunhão parcial de bens.

3. AS MUDANÇAS NO DIREITO SUCESSÓRIO HOMOAFETIVO

3.1 O DIREITO SUCESSÓRIO HOMOAFETIVO ANTES DA ADIN 4277

Por falta de legislação especifica aplicável aos casos envolvendo casais de mesmo sexo, muitas uniões ficavam a margem da sociedade, sendo renegadas, pois não haviam direitos positivados que pudessem reconhecer essas uniões, nem tampouco garantir-lhes herança em caso de falecimento de um dos parceiros.

As convivências homoafetivas não eram equiparadas às uniões estáveis heterossexuais, pois o texto de lei era claro ao enfatizar o reconhecimento como entidade familiar somente àquelas entre homem e mulher.

Às uniões estáveis heterossexuais foram garantidos direitos devido ao enquadramento como espécie de família pela Constituição Federal de 1988, porém as relações homossexuais foram esquecidas pelo legislador, acarretando sérios prejuízos aos parceiros.

Muitas lides de casais homoafetivos chegavam ao Poder Judiciário e eram encaminhadas para as varas cíveis já que não podiam ser levadas às varas de famílias por não receberem a denominação de entidades familiares.

A jurisprudência aplicava às uniões homoafetivas o reconhecimento de mera entidade de fato, pautada no artigo 981 do Código Civil de 2002 que afirma celebrarem “contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados” (DIAS, 2011, p. 200).

Como se pôde observar, aplicava-se às uniões entre pessoas do mesmo sexo instituto do direito empresarial como forma de dar ao companheiro supérstite algum direito sucessório.

Sociedades de fato seriam aquelas que não foram registradas e, por isso não possuem personalidade jurídica, devendo a responsabilidade dos sócios ser solidária e ilimitada pelas dívidas sociais (VIDO, 2012).

Abarcando o conceito de sócios de fato, ou seja, pessoas reunidas com o objetivo de explorar uma determinada atividade empresarial, porém sem atos constitutivos registrados, podia-se aplicar a divisão de bens, uma vez que o artigo 990 do Código Civil afirma que os sócios devem responder pelas obrigações sociais.

Inicialmente eram concedidos direitos de indenização por serviços prestados e mediante a comprovação de esforço comum na aquisição dos bens, seguindo a súmula 380 do Supremo Tribunal Federal, que dispõe sobre a possibilidade de partilha de bens quando da existência da sociedade de fato.

Não se podia dizer, no entanto, que eram direitos sucessórios, pois mesmo com a Constituição Federal de 1988, que reconheceu a união estável como entidade familiar, os companheiros eram considerados meeiros e não herdeiros (FERRIANI, 2010).

Dessa forma, quando o juiz se convencia que existiam direitos a partilhar tinha que motivar suas decisões por intermédio da aplicação da sociedade em comum oriunda do direito de empresa.

Tal situação apresentava-se muito desconfortável aos casais de mesmo sexo, pois após anos de convivência tinham que ver suas relações comparadas a de sócios, como se vivessem em uma empresa.

Em razão de ser aplicado o vinculo negocial às uniões homoafetivas, negando-se à relação características típicas de uma família (DIAS, 2011).

O difícil, entretanto, era provar que existia, entre os parceiros homossexuais, no mínimo uma sociedade de fato para que se gerassem direitos em caso da morte de um dos parceiros, pois muitas vezes o supérstite não encontrava apoio dos parentes do companheiro falecido.

O Superior Tribunal de Justiça demonstrou em diversos julgados que o parceiro tinha o direito à metade do patrimônio adquirido pelo esforço comum, porém tinham que ser atendidos os requisitos do artigo 1.363 do Código Civil de 1916, que assim era descrito:

“Art. 1.363. CC.1916. Celebram contrato de sociedade as pessoas que mutuamente se obrigam a combinar seus esforços ou recursos, para lograr fins comus.”

Atualmente esse artigo é correspondente ao artigo 981 do Código Civil de 2002 que dispõe:

“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.”

Significa dizer que durante muito tempo o companheiro supérstite só tinha algum direito se comprovasse o esforço comum para a aquisição de patrimônio e, além disso, não tinha sua relação comparada a uma família.

Antes da ADIN 4277 ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal não se podia dar aos companheiros homoafetivos o mesmo tratamento dado aos casais heterossexuais, pois não eram reconhecidos como entidade familiar.

Por não terem direitos tutelados os homossexuais para não ficarem desamparados quando da falta de um dos companheiros aceitavam a comparação de suas uniões aos contratos de sociedade.

Como se fossem duas ou mais pessoas que buscando atingir um objetivo comum lucrativo pela conjugação de seus recursos e esforços (FUJITA, 2009).

A doutrina apontava duas teorias para que se pudesse fazer a comparação entre sociedade de fato e união entre pessoas do mesmo sexo.

As teorias receberam a denominação de Teoria da Contribuição Direta e a Teoria da Contribuição Indireta. Aquela dispõe que o parceiro sobrevivo tem o ônus de comprovar a participação efetiva na construção do patrimônio pelo casal. A Teoria da Contribuição Indireta afirma que basta comprovação de apoio para a construção do patrimônio, como por exemplo, os serviços domésticos e afeição (VARGAS, 2012).

Quando a jurisprudência não adotava essas teorias, os casais de mesmo sexo tinham seus direitos sucessórios negados, uma vez que a legislação vigente não trazia dispositivos sobre a união homossexual.

Entregava-se o acervo hereditário aos parentes, que não são herdeiros necessários, ocasionando o enriquecimento sem causa dos tios, sobrinhos, “que normalmente hostilizavam a opção sexual do de cujus, em detrimento de quem dedicou a vida ao companheiro, ajudou a mealhar o patrimônio e se vê sozinho, abandonado e sem nada” (DIAS, 2011, p. 201).

Realmente era um absurdo um parente que pouco convivia com o falecido herdar todo o patrimônio do casal homossexual por falta de disposição legal quanto a herança.

O legislativo demonstrou-se omisso durante muito tempo e mesmo com a ADIN 4277, dando interpretação extensiva ao entendimento de entidade familiar, ainda não foram feitas mudanças concretas no texto de lei.

Pelo menos o Poder Judiciário está mais respaldado para tomar decisões no sentido de beneficiar as uniões homoafetivas, apesar de nunca ter ficado inerte quando solicitado a dizer o direito.

Um dos exemplos para que esse enriquecimento sem causa dos parentes do falecido não tomassem grandes proporções, foi o reconhecimento por parte da jurisprudência das uniões homoafetivas como sociedade de fato, de forma que houvesse no mínimo uma indenização como prestação de serviços, porém muitas heranças foram declaradas vacantes pelo fato do parceiro homossexual morrer sem deixar herdeiros. (DIAS, 2011).

Por mais que essa comparação fosse constrangedora era a única forma de aplicação de direitos aos casos concretos, em razão de não existirem determinações legais a respeito das uniões homoafetivas.

Outra forma de o parceiro sobrevivente ter direitos sucessórios sobre a herança do falecido era por intermédio do testamento.

O companheiro antes de seu falecimento poderia beneficiar o outro por meio de disposição testamentária, respeitando-se a sucessão legítima dos herdeiros necessários, pois conforme inteligência do artigo 1.857 do Código Civil de 2002 qualquer pessoa capaz pode dispor de seus bens para depois da morte desde que não inclua a parte que cabe aos herdeiros necessários, ou seja, descendentes, ascendentes e cônjuge.

Observe-se que a sucessão legítima é aquela decorrente da lei e a testamentária resulta da última vontade do de cujus, significa dizer que não é possível a sucessão por pacto sucessório ou por contrato (FREIRE, 2009).

A jurisprudência brasileira antes da ADIN 4277 já apresentava algumas decisões em favor dos casais homoafetivos, no entanto, essas decisões acabavam por ferir suas dignidades, pois seus relacionamentos eram comparados a uma sociedade comercial sem registro não sendo sequer enquadradas como entidades familiares, mesmo com a demonstração de objetivos comuns de vida.

3.2O DIREITO SUCESSÓRIO HOMOAFETIVO APÓS A ADIN 4277

O julgamento da ADIN 4277 foi como um marco histórico para a positivação de direitos às minorias que sofrem discriminações por suas opções.

Os homossexuais estão entre os que durante anos vêm sofrendo preconceitos em razão de suas escolhas sexuais.

As uniões entre pessoas do mesmo sexo sempre receberam uma roupagem pejorativa e discriminatória ao longo da História. A igreja foi umas das instituições que repudiou as uniões homoafetivas face a infertilidade gerada pelos vínculos homossexuais (DIAS, 2011).

Apesar da evolução de direitos proporcionada pela Constituição Federal de 1988 quanto ao reconhecimento da união estável como entidade familiar, o legislador originário não estendeu tais benefícios aos casais de mesmo sexo, pois delimitou a convivência reconhecida àquela entre homem e mulher.

No entanto, é garantido pela Carta Magna que lesões ou ameaças a direitos não podem ser excluídos de apreciação do Poder Judiciário.

O acesso à justiça constitui uma garantia fundamental enquadrada como princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, uma vez que os conflitos devem ser resolvidos com base na ordem jurídica com democracia e justiça social (MARTINS, 2011).

Dessa forma, é no âmbito do Poder Judiciário que as uniões entre pessoas do mesmo sexo sempre receberam apoio mesmo quando suas relações eram comparadas as sociedades em comum.

Em face da omissão do legislador, foi impetrada Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 132, pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, sob a alegação que o não reconhecimento da união homossexual contrariava preceitos fundamentais de igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana

A referida ação pedia que o Supremo Tribunal Federal aplicasse aos servidores públicos do Rio de Janeiro o regime jurídico do artigo 1.723 do Código Civil aos casais homoafetivos em relação ao Estatuto dos Servidores no que tange licenças, assistência e previdência social.

Tendo em vista que também foi impetrada Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 178, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, com o objetivo de obter o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar, houve um só julgamento abarcando as ações.

O julgamento efetuado pelo Supremo Tribunal Federal foi recebido como Ação Direta de Inconstitucionalidade sob o número 4277 e ocorreu em 5 de maio de 2011, tendo votação favorável ao pleito de forma unânime.

A decisão reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, dando interpretação extensiva ao artigo 1.723 do Código Civil, ou seja, a união homoafetiva é considerada uma união estável com todos os direitos inerentes a esse instituto.

Dessa forma, os direitos sucessórios homoafetivos são equiparados aos casais heterossexuais que vivem em união estável.

Devido a esse ativismo o Judiciário recebeu muitas criticas por estar entrando em seara legislativa, porém isso não procede, pois a ADIN 4277 apenas deu interpretação extensiva ao incluir os casais homoafetivos no conceito de entidade familiar.

Nesse sentido o Código Civil de 2002 continua afirmando em seu artigo 1.723 que a união estável entre homem e mulher é reconhecida como entidade familiar, porém cabe ao juiz, quando da análise em concreto aplicar o novo entendimento.

“Art. 1.723. CC. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.§ 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.§ 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável”.

Após a decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal em reconhecer como entidade familiar as uniões estáveis entre homossexuais, passou-se a garantir os mesmos direitos dos casais heterossexuais.

No que tange aos direitos sucessórios as uniões estáveis homoafetivas passaram a ter sua sucessão definida no artigo 1.790 Código Civil que assim dispõe:

“Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I – se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II – se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III – se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV – não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.”

Conforme determina o artigo supracitado, o companheiro supérstite participará da sucessão do falecido quanto aos bens adquiridos de forma onerosa durante a convivência do casal, no entanto, se houverem descendentes, ascendentes ou parentes sucessíveis do de cujus com estes poderá concorrer.

Caso aconteça a hipótese acima, ou seja, um dos companheiros faleça e deixe descendentes, ascendentes ou parentes sucessíveis e o companheiro, deve-se observar que o artigo 1.833 do Código atual afirma que os descendentes em grau mais próximo excluem os mais remotos, ressalvando-se o direito de representação.

Da mesma forma acontece com os ascendentes que na falta de descendentes serão chamados à sucessão em concorrência com o companheiro devendo, também, o grau mais próximo excluir os mais remotos, de acordo com inteligência do artigo 1.836 do Código Civil de 2002.

Assim, se o companheiro homoafetivo tiver falecido e deixado filhos comuns, isto é, durante o relacionamento o casal teve filhos, deve-se aplicar o artigo 1.790, inciso I, do Código Civil.

No caso em tela o companheiro supérstite terá direito a sua meação dos bens adquiridos de forma onerosa durante a união estável e quanto a meação do falecido terá direito a uma quota equivalente à que por lei for destinada ao filho.

O companheiro sobrevivente não terá a garantia estipulada pelo artigo 1.832, ou seja, a quota não inferior a quarta parte da herança se for ascendente dos herdeiros que concorre, pois tal direito só pertence aos cônjuges.

Quanto ao patrimônio particular o companheiro sobrevivo não tem direitos, pois o artigo 1.790 nada dispôs sobre essa questão e o regime adotado pela união estável é o da comunhão parcial, que segundo o artigo 1.659 excluem-se da comunhão os bens que cada cônjuge possuía ao casar.

O artigo 1.790 do Código Civil de 2002 nada determinou em relação ao companheiro que falece deixando filhos comuns ao casal e seus filhos exclusivos.

A doutrina tem apontado como solução para a filiação híbrida a consideração como se filhos comuns fossem.

Isso levaria ao companheiro sobrevivo o direito de receber uma porção equivalente a cada filho comum.

O companheiro terá quinhão correspondente a metade do que couber a cada um dos descendentes exclusivos do de cujus. “Havendo descendentes comuns e unilaterais, aplica-se a regra do inciso I, assegurando à companheira quinhão igual ao daqueles” (GONÇALVES, 2011, p. 196).

Outra forma de resolver essa questão seria considerar a filiação híbrida como filhos exclusivos do falecido, fato que levaria o companheiro sobrevivo a receber metade do que caberia a cada um.

Uma terceira maneira de resolver esse tipo de filiação seria acrescer uma quota e meia ao companheiro sobrevivente, uma das quais seria em razão da filiação comum e a meia em decorrência dos filhos exclusivos do falecido. Ocorre que esse critério levaria ao companheiro supérstite uma maior quota, entrando em desacordo com o artigo 1.790 do Código Civil (FUJITA, 2009).

Quanto aos descendentes somente do falecido, aplica-se o inciso II do artigo 1.790 o qual afirma que em se tratando de casos em que haja essa concorrência, o companheiro sobrevivo terá direito a metade do que couber a cada um dos filhos exclusivos do de cujus.

Nesse ponto, percebe-se mais uma diferença de direitos entre os cônjuges e os companheiros, posto que no artigo 1.832 do Código Civil, há garantia de quinhão igual ao que couber a cada filho exclusivo do cônjuge falecido, fato que não ocorre com os companheiros.

Se um cônjuge morrer e não deixar descendentes ou ascendentes, conforme a ordem de vocação hereditária disposta no artigo 1.829 do Código Civil, o cônjuge sobrevivo herdará todos os bens sozinho, pois é o terceiro na linha sucessória.

O mesmo não acontece com os companheiros que concorrem com outros parentes sucessíveis, ou seja, quando da morte de um companheiro, caso não hajam descendentes o sobrevivo ainda terá que concorrer com os parentes até o quarto grau do falecido, dentre os parentes estão incluídos os ascendentes.

Nesse caso um primo que não contribui em nada para a formação do patrimônio do casal pode vir a herdar 2/3 dos bens, enquanto o companheiro sobrevivo ficará com 1/3 do que adquiriu onerosamente com o falecido.

Da mesma forma poderá a concorrência ser com ascendentes do companheiro falecido que teriam direito a 2/3 dos bens onerosos do casal e totalidade de bens particulares, uma vez que os companheiros não herdam os patrimônios anteriores à união estável.

Quando o cônjuge concorre com os ascendentes do falecido herdará metade dos bens se disputar com apenas o pai ou a mãe do de cujus ou se concorrer com ascendentes de 2º grau, só herdando 1/3 se houver concorrência com ambos os ascendentes de 1º grau.

O artigo 1.790 do Código Civil descreve em seu inciso IV que o companheiro supérstite só terá direito a totalidade da herança se não existirem parentes sucessíveis, isto é, se o falecido não tiver deixado parentes até o quarto grau, como primos, irmãos, sobrinhos, tios, sobrinhos-netos, tios-avós.

Isso acontece porque o companheiro ocupa a última classe hereditária, ao contrário do cônjuge que não concorre com os parentes sucessíveis do de cujus, pois ocupa a terceira posição na ordem de vocação.

Dessa maneira os parentes do cônjuge falecido só herdarão se não tiverem descendentes, ascendentes e cônjuge.

É óbvia a diferença de tratamento dispensado aos companheiros em relação aos cônjuges quanto às regras do direito sucessório.

Os companheiros tiveram uma diminuição de seus direitos com relação à sucessão, pois na legislação anterior na ausência de descendentes e ascendentes do companheiro falecido, o sobrevivente teria direito a totalidade da herança (FERRIANI, 2010).

Atualmente o companheiro só herdará sozinho se não houver mais com quem concorrer.

A discriminação feita aos companheiros estende-se a ordem de vocação hereditária, onde o cônjuge é herdeiro necessário, figurando no terceiro lugar, enquanto o companheiro figura como herdeiro legítimo, obtendo a última posição, depois dos colaterais de quarto grau (DIAS, 2011).

Há de se observar, entretanto, que os parentes colaterais até o quarto grau podem ser excluídos da sucessão bastando que o falecido disponha de seus bens em testamento sem mencioná-los.

Face ao tratamento diferenciado dado pelo legislador ordinário há muitos debates nos tribunais, pois ora o companheiro foi favorecido, ora teve prejuízos, isso é observado quando concorre com o colateral de segundo grau de cujus, em que fica apenas com um terço da herança, enquanto o irmão fica com dois terços (GONÇALVES, 2011).

Assim, os direitos sucessórios dos companheiros ficam limitados aqueles bens adquiridos onerosamente durante a união estável homoafetiva, que são considerados como meação.

Os bens particulares em que o de cujus já era dono antes da união estável, ou os adquiridos gratuitamente durante a convivência não serão partilhados pelo companheiro sobrevivo.

Se o companheiro falecido tiver deixado apenas bens particulares, adquiridos antes da união estável, o supérstite não terá direito a meação. De outro modo, se caso seja construído um patrimônio em comum a meação será do sobrevivente e haverá concorrência com os parentes do de cujus em relação a outra metade (FERRIANI, 2010).

Dessa forma, o companheiro em concorrência com os descendentes comuns terá direito ao quinhão igual ao que cabe a cada um.

O Código Civil de 2002 não tratou da filiação hibrida, portanto, tal assunto fica adstrito a doutrina e a jurisprudência.

Se concorrer com descendentes exclusivos do falecido o companheiro sobrevivente terá direito a metade do que cabe a cada um.

 Em concorrência com o ascendente ou outro parente sucessível terá direito a 1/3 da herança, lembrando-se que não entram na sucessão os bens particulares, mas tão somente os adquiridos onerosamente na constância da união estável homoafetiva.

CONCLUSÃO

Para se realizar um estudo sobre os direitos sucessórios homoafetivos, no que tange as mudanças ocorridas após o julgamento da ADIN 4277, que estendeu às uniões de pessoas de mesmo sexo os mesmos direitos dos casais que vivem em união estável heterossexual é necessário analisar a História. E foi partindo dessa premissa que se realizou este trabalho.

Buscou-se descrever que a sociedade passou por transformações quanto ao conceito de família e entidade familiar, uniões que antes eram consideradas à margem da sociedade passaram a ganhar status diferenciado devido ao surgimento de novos direitos e garantias.

Vários paradigmas foram quebrados durante esse processo de evolução, fato que é observado principalmente com o advento da Carta Magna de 1988, onde se evidenciou a positivação da união estável, que antes era desprovida de qualquer reconhecimento, e o surgimento de novas espécies de famílias.

O direito e a justiça se viram na condição de acompanhar essa evolução, dando guarida a uma grande gama de cidadãos que viam suas garantias constitucionais serem vilipendiadas devido às questões preconceituosas, muitas vezes de cunho religioso.

Diante de tal situação, e isentos de paixões, doutrinadores e ativistas passaram a esmerar esforços na tradução da sociedade atual.

Diversos mecanismos foram utilizados perante o Poder Judiciário, que em razão do principio da inafastabilidade de jurisdição não pode se escusar de dizer o direito, visando às garantias constitucionais às minorias em face da omissão dos legisladores.

A ADIN 4277 é o exemplo mais significativo dos instrumentos utilizados para a possibilidade de aquisição de direitos, pois com o seu julgamento, realizado pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, os casais de mesmo sexo passaram a adquirir os mesmos direitos que os casais heterossexuais que convivem em união estável.

A decisão histórica deu interpretação conforme a Constituição ao artigo 1.723 do Código Civil, ampliando o conceito de entidade familiar que antes somente considerava como união estável aquela entre homem e mulher.

Dessa forma, os casais homoafetivos ganharam mais força para lutar contra o preconceito existente ao longo das gerações, posto que seus relacionamentos sejam, agora, considerados como entidade familiar.

Muitos direitos que os excluía passaram a integrar sua convivência, pois se possibilitou uma maior segurança jurídica atinente aos seus direitos.

A mudança mais significativa foi no tocante aos direitos sucessórios que eram inexistentes antes do julgamento da ADIN 4277 e passaram a fazer parte do rol de garantias dos pares homoafetivos.

Essa inclusão demonstrou ser de grande valia, pois antes da decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, a favor da união estável homoafetiva, a jurisprudência para conceder a herança enquadrava a união dos casais de mesmo sexo como sociedade de fato, como se fossem meros sócios e mediante o ônus da comprovação de esforços comuns.

Isso demonstrava uma grave injustiça com pessoas que mantinham economicamente um parceiro homossexual, pois ao administrar a casa e o patrimônio amealhado nesse relacionamento, com a morte do outro o supérstite não tinha seus direitos sucessórios devidamente garantidos.     

A ADIN 4277 veio avalizar e garantir os direitos de sucessão aos pares homoafetivos, pois quanto a esses direitos e garantias a legislação aplicável à herança é baseada no artigo 1.790 do Código civil de 2002, o qual dispõe participação quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a vigência da união estável.

Caso o companheiro falecido deixe descendentes comuns o sobrevivo terá direito a quota equivalente a que por lei for atribuída aos filhos.

Não havendo descendentes comuns, mas tão somente filhos exclusivos do de cujus o companheiro sobrevivente terá direito além de sua meação a metade do que couber a cada um dos filhos unilaterais.

Havendo concorrência com ascendentes ou outros parentes sucessíveis cabe ao companheiro sobrevivo 1/3 da herança sobre a meação do falecido quanto aos bens adquiridos onerosamente durante a constância da união estável, garantida nesse caso sua meação.

A totalidade da herança é afiançada ao companheiro sobrevivente caso não haja parentes sucessíveis do de cujus, cabendo observar que os colaterais são herdeiros facultativos, podendo ser excluídos da sucessão caso conste em testamento.

Existe na doutrina discussão a cerca da sucessão do companheiro, pois ele não é enquadrado como herdeiro necessário ao fato que o cônjuge dispõe desse enquadramento, o que leva a divisão da herança de forma diferenciada.

Nesse diapasão, muitos casais que vivem em união estável preferem convertê-la em casamento, fato que para os pares de mesmo sexo ainda leva a profundas discussões.

Observa-se, no entanto, que algumas decisões jurisprudenciais já vêm permitindo a conversão da união estável em casamento civil entre os casais homoafetivos à luz do artigo 1.726 do Código Civil que aduz expressamente a possibilidade de tal conversão, mediante requisição judicial  e assento no Registro Civil.

Portanto, muito deve ser feito para que a discriminação seja posta de lado. Deve-se observar que sociedade está em mutação constante e em detrimento a isso o direito deve acompanhar suas mudanças, mesmo que elas passem a ir de encontro ao que pregam as instituições religiosas, pois o ordenamento jurídico brasileiro não deve pender para qualquer religião, uma vez que decidiu por seu um País laico.

O fundamento da dignidade da pessoa humana deve ser respeitado de forma a evitar o descumprimento dos alicerces do  Estado Democrático de Direito adotado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º, bem como o que se prega no preâmbulo constitucional destinando-se a assegurar a igualdade e justiça como valores de uma sociedade  sem preconceitos.

Por outro lado, grande passo foi dado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar procedente a ADIN 4277, considerando como entidade familiar a união entre casais de mesmo sexo.

Cumpre relembrar que foram anos de discriminação, onde às relações homoafetivas eram desprovidas de direitos sucessórios, sendo comparadas como sociedade de fato.

Inúmeros são os trabalhos desenvolvidos pelos doutrinadores e ativistas que lutam pela igualdade de direitos aos casais homoafetivos.

No que diz respeito a esta pesquisa acredita-se ser de grande contribuição aos estudiosos, pois ainda existem poucas publicações a respeito da temática abordada que tratou das mudanças ocorridas no direito sucessório homoafetivo após a ADIN 4277 julgada pelo Supremo Tribunal Federal.

Os objetivos apresentados no inicio da pesquisa foram atingidos, conforme será demonstrado a seguir.

No primeiro capítulo conceituou-se família e entidade familiar, abrangendo sua evolução histórica com a inclusão da união homoafetiva.

No segundo capítulo descreveu-se a evolução do direito sucessório com seus conceitos, incluindo a abordagem sobre os aspectos históricos da união homoafetiva quanto aos direitos sucessórios e a ADIN 4277.

No terceiro capítulo avaliou-se as mudanças ocorridas no direito sucessório homoafetivo, com a apresentação do direito sucessório homoafetivo antes e após a ADIN 4277.

Como resultado final do presente trabalho constatou-se que a ADIN 4277 trouxe mudanças significativas no direito sucessório homoafetivo, pois antes de seu julgamento não havia qualquer garantia de sucessão, o que se tinha era a mera comparação a sociedades de fato, em que algumas vezes se conseguiam participações no que fosse comprovada a participação onerosa.

Com a equiparação das relações homoafetivas às uniões estáveis os direitos sucessórios dos companheiros de mesmo sexo passaram a se pautar no artigo 1.790 do Código Civil em que participarão os supérstites quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união em concorrência com descendentes comuns, exclusivos, ascendentes e parentes sucessíveis.

Não cabendo participação dos companheiros sobrevivos na herança particular, ou seja, nos bens adquiridos antes da união estável ou durante a título de doação ou sucessão.

Espera-se ter contribuído para o estudo sobre os direitos sucessórios homoafetivos, servindo este para futuras pesquisas acadêmicas.

 

Referências
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AMARAL, Sylvia Maria Mendonça. Novos caminhos. Ano V. 63 ed. Visão jurídica. São Paulo: Escala, 2011
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Nota:
[1] Monografia apresentada como exigência da Disciplina Orientada de Monografia para obtenção do grau de bacharel no Curso de Direito do Centro Universitário de ensino Superior do Amazonas – CIESA sob a orientação da Professora Elaine Bezerra de Queiroz Benayon, Especialista


Informações Sobre o Autor

Fabricia Sarges da Silva


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