Resumo: O objeto deste paper é abordar a participação efetiva e legitimada de crianças e adolescentes em instâncias de decisões políticas, no contexto da democracia brasileira. Isto porque – em que pese a condição de incapacidade deste público (total e/ou parcial) para a prática de atos da vida civil, e a inexistência, no âmbito constitucional, de direitos políticos aos menores de dezesseis anos, implicando, assim, na impossibilidade de alistamento eleitoral de modo a afastar condições de elegibilidade e possibilidade de escolha em sufrágio universal – vemos a emergência de um conceito recente a ser respeitado, que é o protagonismo infanto-juvenil, fruto da condição de sujeitos de direito trazida pela Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA), somado às disposições da recente Lei nº 12.852/2013 (Estatuto da Juventude). Assim, buscar-se-á alinhar alguns institutos e ditames normativos, a fim de embasar a conclusão de que a participação ativa e propositiva deste segmento social no jogo democrático – mormente quanto às discussões que lhe atinjam diretamente – é um direito fundamental, impondo-se, por isso, o seu respeito e garantia de concretização.
Palavras-chave: Direito. Democracia. Direitos Políticos e Direitos Fundamentais. Estatuto da Criança e do Adolescente. Protagonismo.
Abstract: This paper aims to address the legitimate and effective participation of children and adolescents in instances of policy decisions in the context of Brazilian democracy. This subject is justified in the emergence of a new concept to be respected: the juvenile protagonism, a result of the condition of subjects by Law No. 8.069/1990 (Statute of Children and Adolescents – ECA), added to the provisions of the recent law nº 12.852/2013 (Statute Youth), considering the inability of the public (total and / or partial) to practice acts of civil life, and the absence in the constitutional framework of political rights under sixteen, and hence, unable to voter registration in order to ward off conditions eligibility and choice in universal suffrage. Thus, it will seek to align some institutes and regulatory dictates, in order to base the conclusion that the active participation of this segment and purposeful social democratic game is a fundamental right, imposing, respect and guarantee of achievement.
Keywords: Right. Democracy. Political Rights and Fundamental Rights. Statute of Children and Adolescents. Protagonism.
Sumário: Introdução. 1. Conselhos de Direito e Políticas no campo democrático. 2. Breves considerações sobre cidadania e direitos políticos. 3. Sobre a capacidade para os atos da vida civil e o exercício de direitos. 4. Criança e adolescente, sujeitos de direito. 5. Do protagonismo infanto-juvenil. 5.1. Conceitos e normatizações. 5.2. Do protagonismo juvenil na Lei nº 12.852/2013 – Estatuto da Juventude. 6. Ato infracional: responsabilização do adolescente por suas escolhas. 7. Da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. 8. Conclusão. 9. Referências.
O processo democrático enseja uma infinidade de abordagens. Para este trabalho, insta balizar o debate no que se refere à forma de participação legitimada de crianças e adolescentes em instâncias de decisões políticas, no caso, junto aos Conselhos de Direito e de Políticas, uma forma de participação direta da sociedade civil na gestão pública.[1]
Experiências assim, de gestão através de Conselhos, surgiram no ambiente da ditadura militar, mas tiveram avanço significativo a contar da Constituição Federal de 1988, que firmou a base jurídica para a concretização desta forma de participação e controle social.
O presente trabalho partirá de uma análise da democracia participativa praticada através destes órgãos colegiados (desde a CF/88), abordando-se a implantação deste sistema em 1990 no campo das políticas voltadas à criança e ao adolescente, conforme diretrizes adotadas pela Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA).[2]
O problema a ser enfrentado na pesquisa diz respeito ao aparente paradoxo entre as normas que consagram a proteção integral à criança e ao adolescente, elevando-os à condição de sujeitos de direito, capazes de exercer atos de cidadania e participação política – com destaque para os artigos 227 da CF/88, 3º, 15 e 16 do ECA, Resoluções e orientações do CONANDA[3], além de instrumentos internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU) – e os dispositivos legais que, por sua vez, suprimem a capacidade civil para o menor de 16 anos e conferem direitos políticos somente a partir dos 16 anos, previsões estas que se observam nos artigos 3º e 4º do Código Civil e artigo 14 da CF/88.
A verdade é que, embora os menores de 16 anos sejam enquadrados pelo Código Civil como incapazes para os atos da vida civil, e pela Magna Carta, não serem contemplados com direitos políticos, há que se considerarem os novos paradigmas trazidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, notadamente a condição de cidadania e titulação de direitos fundamentais, conforme dispositivos que desde já, cabem ser transcritos:
“Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:
II – opinião e expressão;
VI – participar da vida política, na forma da lei;”
A condição de sujeitos de direitos resulta na possibilidade de participação ativa da criança e do adolescente nas questões que lhes dizem respeito, seja no âmbito familiar, comunitário ou político.
Advém daí a ideia do protagonismo infanto-juvenil, que se traduz num grande desafio a ser vencido por uma sociedade adulta, moldada na cultura menorista, da criança-objeto.
Assim, a pesquisa será feita com base em conceitos doutrinários, análise da legislação, Resoluções, relatórios e demais instrumentos, inclusive internacionais, buscando compor um convívio harmônico no mundo jurídico, ao efeito de concluir pela necessidade de garantir a concretização deste direito fundamental da criança e do adolescente, que é o protagonismo sobre suas próprias vidas, o que enseja a participação ativa destes sujeitos em decisões de caráter político a eles relacionadas.
Ou seja, em que pese as disposições dos artigos 3º e 4º do Código Civil e do artigo 14 da CF/88, a criança e o adolescente podem e devem participar do processo democrático e político num sentido amplo, o que nos permite falarmos em direitos políticos infanto-juvenis.
1. CONSELHOS DE DIREITO E POLÍTICAS NO CAMPO DEMOCRÁTICO:
A Constituição Federal de 1988 apresentou enormes avanços em relação aos direitos sociais, introduziu instrumentos de democracia direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular), instituiu a democracia participativa e abriu a possibilidade da criação de mecanismos de controle social, como, por exemplo, os conselhos de direitos, de políticas e de gestão de políticas sociais específicas.
Neste novo ambiente democrático, portanto, o exercício da cidadania não se circunscreve apenas à possibilidade de escolha de representantes políticos, mas da efetiva participação da sociedade na gestão pública.
Segundo FARIA e RIBEIRO (2010):
“O retorno à democracia no Brasil, no fim do século passado, foi marcado pelo esforço singular de vinculá-la, não só ao aperfeiçoamento das instâncias tradicionais de participação, mas também à ampliação e a institucionalização de novos espaços participativos. A Constituição Federal de 1988 revelou-se, neste sentido, o ponto de partida deste esforço. Como se sabe, a partir daí uma nova legislação participativa foi implementada, viabilizando a abertura e a posterior institucionalização de um conjunto de novos canais de participação. Passadas mais de duas décadas, estas “inovações” vê se revelando um grande desafio prático e teórico”. [4]
No mesmo sentido, CUNHA (2010) fala sobre a produção, pelo Estado Brasileiro, de um conjunto de inovações normativas e institucionais, destacando primeiramente a democratização da gestão estatal:
“Uma primeira trata da democratização da gestão estatal, expressa na introdução do direito de participação da sociedade civil na formulação e no controle de diversas políticas públicas, o que tem se traduzido na criação de instituições vinculadas ao Poder Executivo, nos três níveis da federação, como conselhos, comitês, comissões, dentre outros. Isso tem provocado mudanças no padrão de decisão das burocracias e dos gestores públicos, levando-os a submeter suas propostas de política a colegiados cuja composição inclui representantes de segmentos da sociedade civil, assim como submeter-se ao controle desses colegiados, algo impensável numa administração estritamente burocráticas, cujas decisões são mais técnicas e gerenciais e menos políticas.” [5]
No tocante às políticas públicas dirigidas à população infanto-juvenil, cumpre dizer que esta participação da sociedade civil na gestão, em nível federal, é exercida, fundamentalmente, no âmbito do CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), criado pela Lei nº 8242/1991.[6]
Alinhado a este, temos os conselhos estaduais e municipais, todos incumbidos de praticar, em suas esferas de atuação e por determinação legal, o controle social, compreendido pela formulação, deliberação, monitoramento, avaliação e fiscalização das políticas públicas. Cabe também a estes órgãos, a fiscalização de entidades de atendimento, o controle na distribuição de verbas públicas ao setor privado entre outras atribuições.
2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE CIDADANIA E DIREITOS POLÍTICOS:
O regime democrático implica no irrestrito exercício da cidadania, por todos os sujeitos igualmente.
Nas palavras de Dallari (1998):
“A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social.”[7]
Certo dizer então que neste universo de faculdades cidadãs, estão compreendidos os chamados direitos políticos, que SILVA (2004), citando Pimenta Bueno, esclarece como sendo “as prerrogativas, os atributos, faculdades ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou só indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade de gozo desses direitos”.[8]
Visando a este trabalho, importa atenção ao que dita a Constituição Federal em seu artigo 14, que relaciona os direitos políticos à possibilidade de votar e ser votado (o que se dá pelo alistamento eleitoral), faculdade que não vai conferida aos menores de 16 anos:
“Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (…)
§ 1º – O alistamento eleitoral e o voto são:
I – obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II – facultativos para: (…)
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
§ 3º – São condições de elegibilidade, na forma da lei: (…)
III – o alistamento eleitoral;”
Portanto, o exercício da cidadania no tocante aos direitos políticos – estes compreendidos dentro do conceito constitucional – são facultados tão-somente a partir dos 16 anos de idade. A interpretação literal nos remete à conclusão lógica de que o sujeito menor de 16 não possui direitos políticos.
Esta ideia, ao que parece, está ligada ao conceito de (in)capacidade civil, o que discorremos a seguir.
3. SOBRE A CAPACIDADE PARA OS ATOS DA VIDA CIVIL E O EXERCÍCIO DE DIREITOS:
A capacidade para os atos da vida civil em geral, está regulada no Código Civil, Lei nº 10.406/2002, artigos 3º e 4º:
“Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I – os menores de dezesseis anos;
II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I – os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV – os pródigos.”
Para o presente estudo, interessa-nos a questão etária, prevista nos incisos I de ambos os artigos: o indivíduo menor de 16 anos é absolutamente incapaz para exercer atos da vida civil (noção semelhante ao exercício de direitos políticos tratado anteriormente), impondo-se que nestes casos, seja representado por adulto capaz. Superando os 16, adquire capacidade relativa, ensejando sua assistência.
Contudo, as regras acima – que impõem limitações ao exercício de direitos civis tendo por base o critério da idade – não se constituem absolutas, posto que relativizadas por meio de outros dispositivos legais. Ou seja, a regra da incapacidade civil dos artigos 3º e 4º, de modo algum cria entraves para que o menor de 16 anos pratique inúmeros atos que exigem, inclusive, autonomia pessoal. Aqui já começamos a adentrar no cerne do nosso debate.
Em exemplo, falemos da questão do trabalho: ao mesmo tempo em que o indivíduo menor de 16 anos é absolutamente incapaz para os atos da vida civil, pode, desde que com idade mínima de 14 anos, exercer atividade laborativa, observada a regra constitucional abaixo:
“CF, ARTIGO 7º. Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;”
Portanto, um adolescente de 14 anos, em que pese seja – para o Código Civil – incapaz para demandar em juízo, contrair empréstimos ou firmar contratos, é apto a integrar o mercado de trabalho (na condição de aprendiz), e com isso, produzir impacto em sua vida social e familiar, assumir responsabilidades profissionais, recolher para a previdência social, enfim, somar esforços para o crescimento do país.
Mais: sem adentrar na polêmica que o assunto suscita, até mesmo ao menor de 14 anos – para o qual o trabalho é proibido na interpretação literal da Constituição – determinadas situações restam excepcionadas por autorização judicial, de forma a possibilitar a estes infantes o exercício de atividade (trabalho), remunerada ou não, de cunho artístico, esportivo ou na área da beleza/moda. Eis o fundamento:
“ECA. Art. 149. Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará:
II – a participação de criança e adolescente em:
a) espetáculos públicos e seus ensaios;
b) certames de beleza.
Convenção nº 138 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), promulgada no Brasil pelo Decreto Presidencial nº 4134 de 15/02/2002.
Art. 8º.
1. A autoridade competente poderá conceder, mediante prévia consulta às organizações interessadas de empregadores e de trabalhadores, quando tais organizações existirem, por meio de permissões individuais, exceções à proibição de ser admitido ao emprego ou de trabalhar, que prevê o artigo 2 da presente Convenção, no caso de finalidades tais como as de participar em representações artísticas.
2. As permissões assim concedidas limitarão o número de horas do emprego ou trabalho autorizadas e prescreverão as condições em que esse poderá ser realizado.”
Sob outro viés, também temos a possibilidade da antecipação da maioridade pela emancipação (a partir de 16 anos), pelo casamento, pela colação de grau ou constituição de empresa entre outras situações.[9]
Tais ocorrências, igualmente, relativizam as regras dos artigos 3º e 4º, constituindo-se em acontecimentos excepcionais que se sobrepõem à regra geral da capacidade civil, que é fundada puramente no fenômeno etário. Isto é, ocorrendo algumas destas hipóteses, o fato de ainda não ter atingido a idade prevista, acaba tornando-se uma formalidade desprezada frente a outro fato que reconhece uma condição de maturidade, digamos, prematura.
Acompanhando esses enlaces legais, é forçoso mencionar a percepção nítida, advinda de um senso comum, de estar-se diante de uma geração infanto-juvenil que evolui e se impõe com maior rapidez que outrora, sobretudo, em função da fartura e rapidez da informação que lhes é disponibilizada.
Aliás, este é um dos pretextos para as constantes discussões sobre a redução da idade penal de 18 para 16 anos. O mais recente exemplo disso é a PEC 33/2012.[10]
Na mesma linha, tramitam dois Projetos de Lei na Câmara dos Deputados (PL 6934/2010 e PL 6967/2010), ambos no sentido de permitir o direito de dirigir veículos automotores já a partir dos 16 anos, alterando o Código de Trânsito que prevê a possibilidade somente aos 18.
Repisando, tem-se até aqui: uma regra civil formal, que, usando o critério etário (16 e 18 anos), estabelece limites à capacidade e incapacidade para os atos da vida, assim como uma previsão constitucional de direitos políticos que contam somente a partir dos 16 anos.
Contudo, existem previsões legais que permitem ao menor de 16 anos, a prática de atos como a atividade laborativa, sem falar da própria antecipação da maioridade pelo casamento ou outras formas.
O que se quer dizer, portanto, é que o universo legislativo, ao mesmo tempo em que apresenta limitações de direitos em razão da idade, também admite a possibilidade de excepcionar estas regras, avalizando a ideia de que a maturidade e capacidade são condições que podem se apresentar muito antes dos 16 anos. Esta noção é essencial para a conclusão a ser apresentada neste trabalho.
Referiu-se também a nítida compreensão que existe em relação à criança e ao adolescente de hoje, isto é, que avançam mais rapidamente ao conhecimento, fruto do desenho da sociedade tecnológica.
Enfim, compreendida a criança e o adolescente neste contexto, qual seja, de maturidade e capacidade reconhecidas em lei mesmo antes dos 16 anos, passa-se a adentrar com mais foco na questão central deste artigo: a participação deste público no processo democrático, compondo instâncias de decisões políticas.
Isto é, em que pesem as limitações do Código Civil e Constituição Federal para o exercício de direitos civis e políticos, tem-se no ECA – além das percepções trazidas acima, fundadas em outras normas – o fundamento para que a criança e o adolescente, mesmo abaixo dos 16 anos, participem de forma propositiva na tomada de decisões e na construção de políticas públicas.
4. CRIANÇA E ADOLESCENTE, SUJEITOS DE DIREITO:
Anteriormente, abordou-se a democracia e a participação direta da sociedade na gestão pública por meio de Conselhos de Direito e Políticas.
Significa dizer que, ser membro de um Conselho de Direito é exercer a cidadania, propor, debater e aprovar questões de profundo interesse e importância para a sociedade, conforme atribuições conferidas por lei a estes colegiados.
O que se busca abordar aqui é que esta possibilidade de integrar um Conselho – relacionada ao exercício da cidadania – não está ligada, necessariamente, à condição de capacidade civil tal como preceituada no Código Civil. Igualmente, essa possibilidade extrapola os limites impostos pela norma constitucional do artigo 14.
O fato é que o conceito de (in)capacidade civil do Código Civil, bem serve para regular as relações civis, enquanto os direitos políticos constitucionais, por sua vez, devem ser compreendidos pela participação em eleições regulamentares para cargos eletivos do Poder Executivo e Legislativo, plebiscitos e referendos.
Certo é que estas normas não afrontam as previsões do ECA, uma lei especial que galga a criança e o adolescente à condição de plena cidadania, ou seja, passam a ser tratados como sujeitos de direito, portanto, indivíduos a quem se atribuem direitos e obrigações, nos termos dos seus artigos 3º, 15 e 16, todos já transcritos anteriormente na introdução deste trabalho.
Essa condição de cidadania é resultante do ditame constitucional contido no artigo 227, que traz a lume a Doutrina da Proteção Integral.[11]
A respeito, extrai-se do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006)[12] que:
“O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos é resultado de um processo historicamente construído, marcado por transformações ocorridas no Estado, na sociedade e na família. Como já expresso anteriormente no Marco Legal, do ponto de vista doutrinário, o Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária incorpora, na sua plenitude, a “doutrina da proteção integral”, que constitui a base da Convenção sobre os Direitos da Criança e do Estatuto da Criança e do Adolescente.
De acordo com essa doutrina jurídica, a criança e o adolescente são considerados “sujeitos de direitos”. A palavra “sujeito” traduz a concepção da criança e do adolescente como indivíduos autônomos e íntegros, dotados de personalidade e vontade próprias que, na sua relação com o adulto, não podem ser tratados como seres passivos, subalternos ou meros “objetos”, devendo participar das decisões que lhes dizem respeito, sendo ouvidos e considerados em conformidade com suas capacidades e grau de desenvolvimento.”
5. DO PROTAGONISMO INFANTO-JUVENIL:
5.1. Conceitos e normatizações:
Partindo da condição de sujeitos de direito, decorre que o público infanto-juvenil é apto ao pleno exercício da cidadania de maneira a participar, integrar, opinar e, na maior parte das vezes, protagonizar as ações e debates que dizem respeito aos seus próprios direitos.
O protagonismo de crianças e adolescentes, parte do pressuposto de que estes sujeitos têm a competência para pensar, manifestar-se e agir, transcendendo os limites do seu entorno pessoal e familiar, influindo nos acontecimentos da sua comunidade. Desta forma, esta postura protagonista pode gerar mudanças decisivas na realidade social, política, cultural e demais áreas onde este indivíduo encontra-se inserido. Em suma, este protagonismo se faz pelo envolvimento em processos de discussão, decisão e execução de ações.
É esta a realidade que se está vislumbrando na seara dos Conselhos de Direito e Políticas: a inclusão do público alvo destas políticas, dentro dos eventos e atos deliberativos que ali ocorrem.
Conforme texto extraído da internet (2012), sob o título Resolução do CONANDA estimula protagonismo nas conferências, “O protagonismo juvenil vem sendo defendido há anos pelo CONANDA, ganhando força em 2009, quando 1/3 dos delegados da 8ª Conferência Nacional eram crianças e adolescentes”.[13]
Conforme a matéria acima, o CONANDA editou a Resolução nº 149 de 26/05/2011, dispondo sobre a participação de crianças e adolescentes para a constituição das comissões organizadoras da IX Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente, nas etapas municipais e estaduais.[14]
A Resolução orientou os Conselhos dos estados e dos municípios a criarem mecanismos que garantissem a efetiva participação de crianças e adolescentes nas comissões organizadoras, respeitando a proporção de uma criança e/ou adolescente para dois adultos.
Refere ainda que na Comissão organizadora da etapa nacional da Conferência, o CONANDA já havia contado com a participação de cinco adolescentes, sendo um representante de cada região do país, que participaram dos debates e contribuíram com as decisões do grupo.
Mais: o CONANDA também vem construindo o Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes[15], documento que se encontra para consulta popular, que contém eixos, diretrizes e objetivos estratégicos da Política Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente para os próximos dez anos.
Um dos eixos do Plano foi destinado exclusivamente a promover o protagonismo juvenil, nos seguintes termos:
“EIXO 3 – PROTAGONISMO E PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Diretriz 06 – Fomento de estratégias e mecanismos que facilitem a participação organizada e a expressão livre de crianças e adolescentes, em especial sobre os assuntos a eles relacionados, considerando sua condição peculiar de desenvolvimento, pessoas com deficiência e as diversidades de gênero, orientação sexual, cultural, étnico-racial, religiosa, geracional, territorial, nacionalidade e opção política.
Objetivo Estratégico 6.1 – Promover o protagonismo e a participação de crianças e adolescentes nos espaços de convivência e de construção da cidadania, inclusive nos processos de formulação, deliberação, monitoramento e avaliação das políticas públicas.
Objetivo Estratégico 6.2 – Promover oportunidades de escuta de crianças e adolescentes nos serviços de atenção e em todo processo judicial e administrativo que os envolva.
Objetivos Estratégico 6.3 – Ampliar o acesso de crianças e adolescentes, na sua diversidade, aos meios de comunicação para expressão e manifestação de suas opiniões.”
Solidificando a compreensão sobre o protagonismo, BRENER (2004)[16] menciona a utilização deste termo na área educacional por Antonio Carlos Gomes da Costa:
“A palavra protagonismo vem de “protos”, que em latim significa principal, o primeiro, e de “agonistes”, que quer dizer lutador, competidor. Este termo, muito utilizado pelo teatro para definir o personagem principal de uma encenação, foi incorporado à Educação por Antonio Carlos Gomes da Costa, educador mineiro que vem desenvolvendo uma nova prática educativa com jovens.
Dentro da ideia de protagonismo juvenil proposta por Gomes da Costa, o jovem é tomado como elemento central da prática educativa, que participa de todas as fases desta prática, desde a elaboração, execução até a avaliação das ações propostas. A ideia é que o protagonismo juvenil possa estimular a participação social dos jovens, contribuindo não apenas com o desenvolvimento pessoal dos jovens atingidos, mas com o desenvolvimento das comunidades em que os jovens estão inseridos. Dessa forma, segundo o educador, o protagonismo juvenil contribui para a formação de pessoas mais autônomas e comprometidas socialmente, com valores de solidariedade e respeito mais incorporados, o que contribui para uma proposta de transformação social.”
Por fim, a participação e protagonismo juvenil também estão previstos em documentos internacionais. Prevê o artigo 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da Resolução nº 44/25 de 20/11/1989, sendo ratificada pelo Brasil em 24/09/1990 e promulgada em nosso território pelo Decreto nº 99.710 de 21/11/1990:
“Artigo 12
1. Os Estados Partes garantem à criança com capacidade de discernimento o direito de exprimir livremente a sua opinião sobre as questões que lhe respeitem, sendo devidamente tomadas em consideração as opiniões da criança, de acordo com a sua idade e maturidade.
2. Para este fim, é assegurada à criança a oportunidade de ser ouvida nos processos judiciais e administrativos que lhe respeitem, seja diretamente, seja através de representante ou de organismo adequado, segundo as modalidades previstas pelas regras de processo da legislação nacional.”
5.2. Do protagonismo juvenil na Lei nº 12.852/2013 – Estatuto da Juventude:
A recente aprovação do Estatuto da Juventude, lei publicada em 05/08/2013, vem sedimentar de modo definitivo, a ideia do protagonismo, promovendo a autonomia, emancipação e participação social e política do jovem, nos termos dos princípios contidos no seu artigo 2º.
A lei em questão define o jovem como aquele entre 15 e 29 anos. Portanto, passa a ser aplicado em cotejo como ECA, já que trata de direitos de adolescentes a partir de 15 anos.
O texto legal fala por si:
“Art. 4o O jovem tem direito à participação social e política e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude.
Parágrafo único. Entende-se por participação juvenil:
I – a inclusão do jovem nos espaços públicos e comunitários a partir da sua concepção como pessoa ativa, livre, responsável e digna de ocupar uma posição central nos processos políticos e sociais;
II – o envolvimento ativo dos jovens em ações de políticas públicas que tenham por objetivo o próprio benefício, o de suas comunidades, cidades e regiões e o do País;
III – a participação individual e coletiva do jovem em ações que contemplem a defesa dos direitos da juventude ou de temas afetos aos jovens; e
IV – a efetiva inclusão dos jovens nos espaços públicos de decisão com direito a voz e voto.
Art. 5o A interlocução da juventude com o poder público pode realizar-se por intermédio de associações, redes, movimentos e organizações juvenis.
Parágrafo único. É dever do poder público incentivar a livre associação dos jovens.
Art. 6o São diretrizes da interlocução institucional juvenil:
I – a definição de órgão governamental específico para a gestão das políticas públicas de juventude;
II – o incentivo à criação de conselhos de juventude em todos os entes da Federação.”
6. ATO INFRACIONAL: RESPONSABILIZAÇÃO DO ADOLESCENTE POR SUAS ESCOLHAS:
Buscando cercar ainda mais as argumentações, parece providencial também traçar um singelo paralelo entre o tema deste trabalho com a responsabilização pela prática de ato infracional. Explica-se:
Como estamos vendo, o indivíduo, ainda que abaixo dos 18 ou 16 anos de idade, deve participar ativamente e, sempre que possível, de maneira autônoma (sem intermediários e representantes), dos acontecimentos sociais e políticos sob seu entorno, visto tratar-se de sujeito de direito, capaz de exercer direitos por si, conforme permissivos legais citados.
Tal compreensão, qual seja, de que estes indivíduos possuem capacidade para opinar e praticar atos, vai reforçada ainda mais pela ideia da responsabilização por atos infracionais, que ocorre já a partir dos 12 anos, através de um sistema socioeducativo contemplado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente.[17]
Ora, as aplicações de medidas socioeducativas demonstram que o indivíduo, a contar de seus 12 anos, tem condições de suportar uma responsabilização, a qual sempre terá um caráter pedagógico, podendo variar de uma simples advertência até a própria privação de sua liberdade.[18]
Portanto, na medida em que este adolescente pode sofrer sanções por atos praticados, está-se a reconhecer sua capacidade de compreensão sobre as suas necessidades, conferindo-lhe um empoderamento para as suas próprias decisões.
Ora, prever medidas rigorosas de responsabilização, antes de mais nada, traduz o ideal de liberdade e dignidade do ser humano, já que a cidadania também se exerce no cumprimento de deveres e obrigações. E na legislação pátria isso ocorre já a partir dos 12 anos de idade
7. DA CONDIÇÃO PECULIAR DE PESSOA EM DESENVOLVIMENTO:
Toda esta discussão que diz respeito à participação da criança e do adolescente em instâncias deliberativas do processo democrático, deve observar o estágio de desenvolvimento pessoal destes indivíduos, suas condições intelectuais, psicológicas, enfim, observando-se a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
O artigo 6º do ECA determina que a interpretação de suas normas deverão levar em conta a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento destes indivíduos: “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. (grifo nosso).
Nos termos da introdução do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária (2006), “O desenvolvimento da criança e, mais tarde, do adolescente, caracteriza-se por intrincados processos biológicos, psicoafetivos, cognitivos e sociais que exigem do ambiente que os cerca, do ponto de vista material e humano, uma série de condições, respostas e contrapartidas para realizar-se a contento.”[19]
Assim, certo é que esta participação efetiva, com papel de protagonista nas ações políticas, deve ser concretizada sem perder de vista tal princípio. Por se tratar de um ser humano em crescimento, a criança e o adolescente deve receber tratamento especial ao ser cobrado em suas obrigações e responsabilidades, assim como, na hipótese em que lhe sejam outorgadas as faculdades para o exercício de direitos.
A propósito, viu-se anteriormente que a questão da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento também está mencionada no artigo 12 da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU, transcrito quando se tratou do protagonismo (item 2.5).
Na mesma linha, para finalizar, cabe aludir trecho do Relatório da Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre a Criança (2002):
“As crianças, incluindo os adolescentes, devem ter permissão para exercitar seu direito de expressar livremente suas opiniões, de acordo com sua capacidade, desenvolver sua auto-estima e adquirir conhecimentos e habilidades, como aquelas necessárias para a resolução de conflitos, a tomada de decisões e a comunicação, a fim de enfrentar os desafios da vida. O direito das crianças e dos adolescentes de se expressar livremente deve ser respeitado e promovido e seus pontos de vista devem ser levados em conta em todos os assuntos que lhes dizem respeito, dando-se a devida importância a essas opiniões em função da idade e da maturidade das crianças. É preciso alimentar a energia e a criatividade das crianças e dos adolescentes para que possam participar ativamente no desenvolvimento do seu ambiente, da sociedade em que vivem e do mundo que herdarão. É preciso dar atenção e apoio às crianças menos favorecidas e marginalizadas, incluindo especialmente os adolescente, para que possam ter acesso aos serviços básicos, desenvolver sua auto-estima e se preparar para ter responsabilidade sobre a própria vida. Faremos tudo que estiver ao nosso alcance para desenvolver e implementar programas para promover a participação expressiva das crianças e dos adolescentes, nos processos de tomada de decisão, nas famílias, nas escolas e em níveis local e nacional. (grifo nosso).”[20]
Sabe-se que a participação livre e voluntária nos movimentos políticos é permitida a todos, sem limite de idade.
O presente trabalho, contudo, visou abordar o enquadramento de crianças e adolescentes neste ambiente, porém, especificamente dentro de esferas decisórias que compõem o processo democrático, de modo a possibilitar o exercício efetivo e a influência na feitura de políticas públicas. No caso, junto aos Conselhos de Direito e Políticas, organismos de controle social que integram a Administração Pública.
Verificou-se que este fenômeno é recente na prática dos Conselhos, dando-se com base nas diretrizes do ECA, em Resoluções, no Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes do CONANDA, assim como na própria CF/88 e em documentos internacionais, todos no sentido de conferirem à criança e ao adolescente uma condição de sujeitos de direito, de cidadãos, dotados de capacidade para livre opinião, manifestação e participação na vida política.
O debate central fez-se ao confrontar esta realidade às normas do Código Civil, que limitam a capacidade para o exercício de direitos, bem como ao artigo 14 da Constituição Federal que, ao tratar de direitos políticos, confere-os tão-somente a contar dos 16 anos de idade.
O desenvolvimento do artigo mostrou que a capacidade civil regulada pelo Código Civil está embasada no critério puramente etário, ou seja, uma aplicação pragmática, sem considerar outras circunstâncias. Ao mesmo tempo, estas mesmas regras não se mostram fechadas e absolutas, porquanto é possível antecipar a maioridade por meios alternativos como o casamento, emancipação entre outras formas, o que denota a compreensão pelo legislador, de que a maturidade pode se apresentar mesmo antes dos 16 anos.
Na mesma linha, referiu-se a possibilidade de atividade laborativa desde os 14 anos (ou até antes, excepcionalmente), o que implica em responsabilidades econômicas e sociais a este indivíduo, em etapa anterior aos 16 e 18 anos. No mesmo sentido, a responsabilização por ato infracional a contar dos 12 anos, o que pode acarretar até mesmo a privação de liberdade.
Portanto, o contexto normativo reconhece que o indivíduo menor de 16 anos é dotado sim, de plenas faculdades e capacidades para assumir certos encargos.
Sustentou-se também que a Constituição Federal, por sua vez, ao prever direitos políticos somente a partir dos 16 anos, está se referindo ao ato de votar e ser votado em eleições regulamentares para cargos políticos ao Executivo e Legislativo, ou ao exercício do sufrágio em outras modalidades (plebiscito e referendo).
Todavia, a questão dos direitos políticos (tê-los ou não tê-los) merece ser contextualizada aos ditames do ECA, do Estatuto da Juventude e demais normas correlatas, de onde se conclui que a criança e o adolescente não podem ser alijados dos processos democráticos compreendidos de uma forma mais ampla. Ao contrário, na condição de sujeitos de direito, detentores de garantias fundamentais, este público tem o direito e o dever de participar de instâncias políticas deliberativas, sobretudo quando estas têm o propósito de definir políticas endereçadas a esse mesmo público.
Portanto, em que pesem as disposições dos artigos 3º e 4º do Código Civil e do artigo 14 da CF/88, esta arejada visão nos permite falarmos em direitos políticos infanto-juvenis.
O protagonismo da criança e do adolescente, entendido como esta participação ativa, propositiva e legitimada é um direito fundamental, devendo ser cumprido e respeitado em quaisquer espaços democráticos do cotidiano, seja em Conselhos de Direito, escolas e demais instituições afins, o que Bobbio (1985)[21] chama de democracia social:
“O processo de alargamento da democracia na sociedade contemporânea não ocorre apenas através da integração da democracia representativa com a democracia direta, mas também, e sobretudo, através da extensão da democratização – entendida como instituição e exercício de procedimentos que permitem a participação dos interessados nas deliberações de um corpo coletivo – a corpos diferentes daqueles propriamente políticos. (…)
Uma vez conquistado o direito à participação política, o cidadão das democracias mais avançadas percebeu que a esfera política está por sua vez incluída numa esfera muito mais ampla, a esfera da sociedade em seu conjunto, e que não existe decisão política que não esteja condicionada ou inclusive determinada por aquilo que acontece na sociedade civil. (…)
Hoje, quem deseja ter um indicador de desenvolvimento democrático de um país deve considerar não mais o número de pessoas que têm direito de votar, mas o número de instâncias diversas daquelas tradicionalmente políticas nas quais se exerce o direito de voto. Em outros termos, quem deseja dar um juízo sobre o desenvolvimento da democracia num dado país deve pôr-se não mais a pergunta “Quem vota?”, mas “Onde vota?”.
Por óbvio, esta participação política deve levar em conta a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento destes sujeitos, entenda-se, a condição de maturidade e capacidade cognitiva.
De fato, chama atenção este cenário em que crianças e adolescentes – de um lado – não estão aptos a responderem pelos atos civis da própria vida – mas de outro – podem integrar um órgão colegiado normativo, onde manifestarão diretamente suas opiniões, sem intermediários, influenciando em decisões administrativas e na construção de políticas públicas.
De qualquer modo, em se tratando de ferramentas democráticas existentes no Estado Democrático de Direito, como é o caso dos Conselhos de Direitos e Políticas, a ideia de participação e protagonismo infanto-juvenil não fere a lei civil ou a CF/88, mas, como já dito, traz uma inovação no conceito fechado de incapacidade e alarga a noção de direitos políticos.
Participar da vida política, manifestar livre opinião, colaborar nas decisões, na construção de diretrizes e políticas públicas, constitui-se num direito fundamental da criança e do adolescente, devendo, por isso, ser respeitado e garantido pela sociedade e pelo Estado.
A forma de concretização disto ainda é um desafio. As ocasiões e os limites desta participação ainda são alvos de debates nas centenas de Conselhos espalhados pelo país. E os entraves desta construção não dizem respeito apenas à mera regulamentação, mas ao esforço que será necessário para uma mudança cultural, que efetivamente faça enxergar a nossa criança e o nosso adolescente como cidadãos capazes de se expressarem, de manifestar suas vontades, enfim, de agregarem valor ao processo democrático.
Informações Sobre o Autor
Helio Feltes Filho
Formado em Direito pela UNISINOS. Pós-graduando em Ética Educação e Direitos Humanos pela UFGRS. Atua na advocacia privada e é assessor jurídico do CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de NH.