O direito concorrencial e o abuso no exercício do direito de propriedade industrial

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Resumo: O presente trabalho tem por escopo primordial apresentar um estudo referente ao direito concorrencial e o abuso no exercício do direito de propriedade industrial. Para que o tema possa ser melhor compreendido, o objeto do trabalho será desmembrado e as considerações sobre cada tópico que o compõe serão tecidas mediante a apresentação de um estudo sobre o direito concorrencial, a propriedade industrial e o abuso de direito, separadamente. Será feita uma análise sobre cada um desses temas, para que, em seguida, seja possível adentrar no cerne da questão e desenvolver um estudo, sem qualquer intenção de esgotar o tema, sobre a problemática que envolve a intersecção dessas três facetas do direito.

Palavras-chave: Direito concorrencial; propriedade industrial; abuso de direito.

Abstract: The main goal of this paper is to present a study regarding antitrust and abuse in the exercise of industrial property rights. In order to make the study easier to understand, the topics will be studied separately, upon presentation of a study on the competition law, industrial property and abuse of rights. The analysis will be done on each of these topics in order to be possible to develop the study on the main point of this paper, without any intention to exhaust the subject, that involves the problems caused by the intersection of these three themes.  

Keywords: Competition law; industrial property; abuse of right.

Sumário: Introdução; 1. Direito concorrencial – breves considerações. 2. Introdução à propriedade industrial. 3. Abuso de direito. 4. A concorrência e o abuso no exercício do direito de propriedade industrial. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Em um Estado como o nosso que tem preocupação e interesse em fomentar a economia e o desenvolvimento do país, calcado com uma legislação fundamentada em princípios constitucionais como a livre concorrência a e a liberdade de iniciativa, reconhece a importância da propriedade industrial e o impacto que esta pode causar na concorrência.

Poder-se-ia concluir, à primeira vista, que o direito da concorrência conflita completamente com o direito da propriedade industrial, uma vez que o primeiro homenageia a livre concorrência, enquanto o segundo privilegia a exclusividade de utilização de um determinado bem, no entanto, tal entendimento não pode ser aceito como correto.

É verdade que a concessão de exclusividade de um bem por um determinado prazo pode dificultar ou impedir a competição entre os concorrentes, entretanto, o direito de propriedade industrial, ao propiciar exclusividade sobre um bem, força a diferenciação de produtos entre os concorrentes e incentiva a inovação, características essas que inevitavelmente estimulam a concorrência e vão ao encontro dos objetivos do direito concorrencial, fato que resultará em eficiência que certamente poderá incrementar a competição e melhorar preços e produtos, em prol do consumidor e do próprio desenvolvimento econômico.

Em que pese as eficiências que podem ser advindas do direito da propriedade industrial, há que se constatar que esta não é absoluta e pode se chocar com em alguns momentos com o direito concorrencial.

A respeito do tema, constata-se duas grandes modalidades de conduta anticompetitiva, quais sejam:

a) Fraudes ou abusos no procedimento de registro de direito de propriedade industrial;

b) Abuso do direito de propriedade industrial.

Ambas as condutas tem extrema relevância no direito comercial, o presente trabalho, contudo, tem por escopo analisar a segunda modalidade de conduta anticompetitiva que será tratada nos tópicos a seguir.

1. Direito concorrencial – breves considerações

O direito concorrencial, atualmente disciplinado pela lei 12.529/2011, é um ramo do direito que tem por finalidade regular o mercado a fim de se evitar condutas anticompetitivas e buscar a maior eficiência possível para o desenvolvimento econômico e, também, para o público consumidor.

Nas palavras de Paula A. Forgioni, o direito antitruste seria como “uma técnica de que lança mão o Estado contemporâneo para implementação de políticas públicas, mediante a repressão ao abuso do poder econômico e a tutela da livre concorrência”.[1]

A Constituição Federal, em seu art. 170, estipula que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados diversos princípios, tais como, o da livre concorrência.

A liberdade de iniciativa assegura a todos explorarem atividade empresarial, enquanto que a livre concorrência seria o desdobramento daquela, por meio do qual é garantido aos empresários concorrerem, travando uma verdadeira disputa para dominar o mercado, sendo apenas repudiado seus excessos e abusos que possam prejudicar o desenvolvimento econômico e as estruturas do mercado. Tratam-se, portanto, de princípios de imensurável importância.

Podemos, ainda, citar uma explanação do que seria a livre concorrência no entendimento do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) – autarquia federal que tem por finalidade zelar pela concorrência e evitar, portanto, infrações contra a ordem econômica:

“O princípio da livre concorrência está previsto no artigo 170, inciso IV da Constituição Federal e baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado.

Em um mercado em que há concorrência entre os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados tendem a manter-se nos menores níveis possíveis e as empresas precisam buscar constantemente formas de se tornarem mais eficientes para que possam aumentar os seus lucros.

À medida que tais ganhos de eficiência são conquistados e difundidos entre os produtores, ocorre uma readequação dos preços, que beneficia o consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um lado, os menores preços para os consumidores e, de outro, o estímulo à criatividade e à inovação das empresas.”[2]

Importante destacar que o presente trabalho visa analisar a concorrência sob a perspectiva que esta possa causar à ordem econômica, no qual os interesses tutelados são, no entendimento de Calixto Salomão Filho, o qual corroboramos, o dos consumidores, o dos participantes do mercado (concorrentes) e a ordem concorrencial, não se trata, portanto, de concorrência desleal que é situação que ocorre somente entre empresários e entre estes deve ser resolvida.

Pode-se afirmar, portanto, que a concorrência ilícita é o gênero do qual são espécies a concorrência desleal e a infração à ordem econômica. Nota-se, entretanto, que a infração à ordem econômica é uma “modalidade mais grave de agressão contra a economia de mercado, porque atinge diretamente suas colunas estruturais”[3].

2. Introdução à Propriedade industrial

A Propriedade Industrial é espécie do gênero Propriedade Intelectual a qual é composta, ainda, pelos direitos autorais e, alguns doutrinadores incluem, também, os direitos às descobertas científicas.

Por sua vez, estão sob o âmbito de proteção da propriedade industrial, previsto inclusive no art. 1º, n. 2 da Convenção da União de Paris, vigente no Brasil segundo a Revisão de Estocolmo, de 14.07.1967, aqui promulgada pelo Decreto nº 635, de 21.08.1992, e ratificada pelo Decreto nº 1.263, 10.10.1994, “as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábricas ou de comércio, as marcas de serviço, o nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal”.

A seguir discorreremos de forma sucinta, visando o esclarecimento e melhor compreensão do tema principal adotado neste trabalho, sobre os bens que compõem a propriedade industrial, quais sejam: a invenção, o modelo de utilidade, o desenho industrial e a marca.

A) Invenção

A invenção é uma criação intelectual que tem por escopo uma solução técnica para um problema pré-existente.

Esta, no entanto, não se confunde com descoberta, uma vez que a invenção é a criação de algo novo, que até então não existia, já a descoberta é apenas a revelação de algo que já existia.

O direito de exclusividade de exploração da invenção se concretiza pela concessão da patente de invenção que se trata de um título conferido pelo Estado ao titular da invenção, quando se encontram preenchidos os requisitos[4] da novidade, atividade inventiva e aplicabilidade industrial, em que se permite ao titular a exploração exclusiva de seu invento pelo prazo de 20 anos contados da data do depósito ou, pelo menos, 10 anos da concessão.

Por fim, constata-se a existência de várias funções da patente, sendo as mais conceituadas aquelas apontadas por Nuno Pires de Carvalho[5], quais sejam: incentivo à pesquisa e recompensa; divulgação (dos direitos e da tecnologia); transformação do conhecimento tecnológico em objeto suscetível de troca.

b) Modelo de utilidade

Pode-se definir modelo de utilidade como uma nova forma dotada de ato inventivo, aplicável em escala industrial, que tem por escopo a melhoria funcional de um objeto ou de sua fabricação.

Seu direito de exclusividade de exploração, assim como ocorre com a invenção, também depende de concessão da respectiva patente pelo Estado que analisará se há o preenchimento dos três requisitos mencionados no tópico anterior, quais sejam a novidade, a atividade inventiva e aplicabilidade industrial.

Vale lembrar que o prazo de proteção para as patentes de modelos de utilidade é de 15 anos contados da data do depósito ou, pelo menos, 7 anos da concessão.

c) Desenho industrial

O desenho industrial, segundo conceitua o próprio artigo 95 da Lei 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), é “a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial”.

São requisitos para proteção do desenho industrial (i) a novidade, (ii) originalidade e (iii) a suscetibilidade de industrialização, as quais são conceituadas a seguir:

“i) Novidade: o desenho industrial é considerado novo, quando não compreendido no estado da técnica, que é constituído por tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de proteção, por descrição escrita ou oral, ou qualquer outro meio, no Brasil ou no exterior (art. 96, §1º, da LPI);

ii) Originalidade : o desenho industrial é considerado original, quando dele resulte uma configuração visual distintiva, em relação a outros objetos anteriores. O resultado visual original poderá ser decorrente da combinação de elementos conhecidos (art. 97 caput e parágrafo único da LPI);

iii) Utilização ou Aplicação Industrial: o art. 98 da LPI exclui a proteção de qualquer obra de caráter puramente artístico. O desenho industrial deve ser, portanto, objeto passível de reprodução industrial que tenha a estética como característica acessória e não principal.”

Quanto ao prazo, verifica-se que o registro de desenho industrial vigorará por 10 anos contados da data do depósito e pode ser prorrogável por três períodos sucessivos de 5 anos cada.

Por fim, transcrevemos abaixo importante ensinamento de Denis Borges Barbosa, por meio do qual evidencia a diferença existente entre o objeto passível de proteção por registro de desenho industrial, concessão de patente e direito autoral:

“Assim, se é criação técnica, teremos uma hipótese de patente de invenção ou de modelo industrial. Se a criação é puramente estética, sem aplicação a produto industrial, poder-se-á ter a proteção pelo Direito Autoral; tendo-se uma obra de arte aplicada, com qualificação de poder servir de tipo de fabricação industrial, estamos no domínio do desenho industrial”[6].

d) Marca

A marca, segundo definição de João da Gama Cerqueira, é “todo sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral para identificá-los de outros idênticos e semelhantes de origem diversa”[7], trata-se, portanto, de um sinal distintivo.

Para que o INPI conceda registro de marca, devem ser respeitados os seguintes requisitos: (i) distintividade, (ii) novidade, (iii) veracidade e (iv) licitude.

i) Distintividade: a marca deve possuir elementos que a diferencie das outras já existentes;

ii) Novidade: diferentemente do que ocorre na patente, a novidade da marca é relativa, ou seja, ela deve ser nova em seu ramo de atividade, conforme determina o princípio da especialidade;

iii) Veracidade: não pode induzir o consumidor a erro por falsa indicação; e,

iv) Licitude: a marca não pode ser contraria à moral, bons costumes, à ordem pública ou proibida por lei.

Dentre as diversas funções das marcas, destacamos as seguintes: a distintividade, a indicação de proced6encia/origem, indicação de qualidade, econômica, publicidade.

Vale mencionar que a marca tem proteção pelo prazo de 10 anos contados da data de sua concessão e pode ser prorrogado infinitamente por prazos de mesmo período.

3. Abuso de direito

O abuso de direito possui diversos conceitos, alguns deles até mesmo divergentes, pois referido assunto sempre foi objeto de contradição e polêmica no direito.

Para a definição do que seria o abuso de direito, mencionaremos alguns doutrinadores com os quais corroboramos o entendimento, bem como, o próprio Código Civil.

O abuso de direito está previsto no art. 187 do código civil:

“Art.187: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

O doutrinador Sílvio Salvo Venosa assim conceitua o abuso de direito:

"No vocábulo abuso encontramos sempre a noção de excesso, o aproveitamento de uma situação contra pessoa ou coisa, de maneira geral. Juridicamente,abuso de direito pode ser entendido como o fato de se usar de um poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a sociedade permitem”[8].

O abuso de direito pode ser conceituado, portanto, como ato jurídico de objeto lícito que, no entanto, o modo como é exercido resulta em um ilícito.

Destacamos, ainda, definição trazida por Caio Mário:

“Abusa do seu direito o titular que dele se utiliza levando um malefício a outrem, inspirado na intenção de fazer mal, e sem proveito próprio. O fundamento ético da teoria pode, pois, assentar em que a lei não deve permitir que alguém se sirva de seu direito exclusivamente para causar dano a outrem”[9].

Há que se ressaltar, ainda, que não é necessário que o abuso de direito seja caracterizado por uma ação, pode ser configurado, também, por omissão, tampouco é necessário o dolo.

Nesse sentido, ensina Marcus Elidius Michelli de Almeida:

Conforme acima demonstrado, fica claro nos termos já assinalados por nós anteriormente que o dolo ou a intenção de prejudicar não são elementos necessários para a caracterização do abuso de direito, portanto, o ato abusivo pode ser caracterizado independentemente da existência da intenção.

Desta feita, nos atrevemos a apresentar uma definição própria para abuso do direito, levando em conta as considerações acima elencadas.

Por fim, podemos concluir que o abuso de direito é caracterizado pelo comportamento aparentemente lícito de alguém, mas que ao utilizar o seu direito, vem a causar dano a outrem em razão de contrariar de forma manifesta o espírito do instituto”[10].

Abuso de direito seria uma conduta, a princípio legal, que devido ao excesso em que é realizada torna-se repreendida pela legislação pátria em decorrência do seu confronto aos limites impostos ao seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

4. A concorrência e o abuso no exercício do direito de propriedade industrial

A propriedade industrial é revestida de uma aparência de essência anticoncorrencial, uma vez que concede exclusividade de exploração de um bem a um agente, podendo criar, portanto, dificuldades para que rivais possam competir.

A propriedade industrial, todavia, não pode ser entendida como absoluta, pois deve sempre buscar atingir o fim ao qual a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional estipulam, qual seja, o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Ressalta-se, ainda, que a propriedade industrial deve estar em harmonia com o direito concorrencial. Este tem por base a legislação antitruste americana, que visa a preservar o mercado e a fomentar a concorrência.

Importante destacar que no começo os tribunais norte-americanos consideravam a propriedade intelectual (propriedade industrial + direito autoral) como propriedade privada, e, por conseguinte, possuía discricionariedade ilimitada.[11]

Hodiernamente, contudo, o entendimento é outro, foram estabelecidos limites ao direito de propriedade intelectual para que se coadune com o direito antitruste. Devido a relevância do tema, foi criado, nos Estados Unidos, um documento composto por diretrizes a serem seguidas em casos que envolverem direitos da propriedade intelectual e direito antitruste, o Antitrust Guidelines
for the Licensing of Intellectual Property
.

Referido documento, com o objetivo de firmar orientação no sentido de que propriedade intelectual e concorrência devem buscar um fim comum, qual seja, promover a inovação e aumentar o bem-estar do consumidor, estabelece:

“The intellectual property laws and the antitrust laws share the common purpose of promoting innovation and enhancing consumer welfare. The intellectual property laws provide incentives for innovation and its dissemination and commercialization by establishing enforceable property rights for the creators of new and useful products, more efficient processes, and original works of expression. In the absence of intellectual property rights, imitators could more rapidly exploit the efforts of innovators and investors without compensation. Rapid imitation would reduce the commercial value of innovation and erode incentives to invest, ultimately to the detriment of consumers. The antitrust laws promote innovation and consumer welfare by prohibiting certain actions that may harm competition with respect to either existing or new ways of serving consumers.”[12]

Constata-se que a aparência de ser um instituto anticoncorrencial, a propriedade intelectual é, na verdade, quando aplicada corretamente, uma forma de fomentar a o avanço tecnológico e econômico, bem como, busca a melhor atender os interesses não só do consumidor, mas da coletividade como um todo.

O direito antitruste, portanto, aceita a limitação concorrencial temporária imposta pela propriedade intelectual, que pode instantanemente causar malefícios à coletividade, mas, que ao longo prazo, aumentará a competição por inovação e, por conseguinte, gerará novos e melhores produtos e serviços em favor do desenvolvimento econômico e dos consumidores.

Pode-se dizer, desta forma, que ocorre a aceitação de uma situação temporária indesejável para o mercado em troca de uma eficiência dinâmica.

Com o objetivo de melhor elucidar a questão, transcrevemos importantes considerações sobre eficiência dinâmica tecidas por Jesús Huerta Desoto:

1ª. La eficiencia dinámica puede considerarse como la capacidad de un sistema económico para impulsar la creatividad y la coordinación empresarial.[…]

5ª. La eficiencia dinámica, lejos de ser compatible con distintos esquemas de comportamientos éticos, surge de uno solo de ellos: de aquel que más respeta la propriedad privada y en concreto la apropriación de los resultados de la creatividad empresarial. De esta manera el concepto dinámico de eficiencia y la ética aparecen como dos caras de la misma moneda. Además, y con caráter novedoso, se ha argumentado que los principios básicos de la moral personal que han preponderado a lo largo de la evolución humana igualmente a impulsar la eficiencia dinámica. Nuestra concepción dinámica del análisis económico puede permitir, por tanto, un tratamiento científico unificado de los diferentes problemas sociales, en los cuales las dimensiones relacionadas con la eficiencia y la justicia, lejos de considerarse mundos ajenos o separados, se autoexplican y refuerzan mutuamente.”[13]

Pois bem, nota-se que o direito concorrencial e a propriedade intelectual devem buscar sua harmonização a fim de se atingir os interesses da coletividade e na medida do possível atender da melhor forma os interesses privados.

Na mesma linha de raciocínio disserta Richard Whish:

“…intellectual property rights confer exclusivity upon their owners, whereas competition law strives to keep markets open, there may be a conflict between two areas of law, although this should nor be over-stressed: competition law is as keen as intellectual property law to promote research and development and to encourage innovation. It is a complex matter to determine how to balance the amount of protection that needs to be afforded to inventors, plant-breeders or artists to encourage them in their endeavours on the one hand against the desirability of maintaining an open and competitive market on the other.”[14]

Citamos, ainda, ensinamento de outro ilustre doutrinador estrangeiro que corrobora nosso entendimento:

 “So the antitrust laws and the IP laws are in conflict in the very general sense that when the two bodies of law behave myopically, antitrust always wants more competition and IP law wants more protection for the right to exclude. But this conflict is largely illusory because when legal policy is not having myopically, then everyone should want the same thing, namely, the optimal balance between competition and protection for innovation.”[15]

Ocorre, no entanto, que detentores de direito de propriedade industrial e de direito autoral se valem de seu privilégio concedido pelo Estado para atingir fins outros que não os tutelados por este, configurando-se, assim, verdadeiro abuso de direito, que, como vimos anteriormente, trata-se de um ato ilícito passível de repressão.

A comprovação da preocupação e importância do assunto refletiu em abordagem da questão pelo art. 40 do TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) – acordo que o Brasil é signatário desde abril de 1994:

“Artigo 40

1. Os Membros concordam que algumas práticas ou condições de licenciamento relativas a direitos de propriedade intelectual que restringem a concorrência podem afetar adversamente o comércio e impedir a transferência e disseminação de tecnologia.

2. Nenhuma disposição deste Acordo impedirá que os Membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso dos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar tais práticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivos, à luz das leis e regulamentos pertinentes desse Membro.(grifo nosso)

Versando, ainda, sobre condutas abusivas, destacamos a interessante divisão trazida pelo renomado doutrinador Calixto Salomão Filho[16] que divide as condutas abusivas referentes às patentes em três grandes grupos: (i) contratos de licenciamento, (ii) pool de patentes e (iii) patentes fraudulentas e defensivas.

A primeira das modalidades elenca uma série de hipóteses de condutas ilícitas, sendo as mais comuns o estabelecimento de preço de revenda, restrições às quantidades vendidas e restrições territoriais. Calixto Salomão Filho[17] destaca como modalidade mais grave o relicenciamento (grantbacks, na terminologia americana):

“Através desse tipo de cláusula inclui-se, já no contrato de licenciamento, a obrigatoriedade de relicenciamento, originário da patente, de todas as melhorias introduzidas pelo licenciado, gratuitamente ou a preço preestabelecido.

Essa prática é perversa por várias razões. Em primeiro lugar, leva ao reforço da posição dominante do detentor da patente, na medida em que lhe permite controlar os futuros progressos tecnológicos. Ademais, desestimula gravemente o progresso tecnológico, tornando desinteressante economicamente para o licenciado investir em tecnologia. Reverte, portanto, todos os fundamentos econômicos e jurídicos para a concessão das patenets, configurando diretamente os ilícitos dos arts. 68, caput, da lei de propriedade industrial e 20, II, da lei antitruste.” [18]

O segundo caso, referente ao pool de patentes, pode gerar consequências negativas, uma vez que acordos celebrados entre detentores de patentes de certo campo industrial, sendo eles os detentores do maior potencial de progresso tecnológico, há grandes chances de criarem barreira à entrada de novas empresas no mercado.

O terceiro grupo refere-se às patentes fraudulentas e defensivas.

As patentes fraudulentas são consideradas nulas, conforme dispõe o art. 46 da Lei n. 9.279/96. Calixto Salomão Filho[19] adverte que além de ser consideradas nulas podem, também, caracterizar limitação à concorrência e exemplifica afirmando que isso ocorre quando uma empresa tenta patentear tecnologia já em uso por algum concorrente.

As patentes defensivas são, por seu turno, estratégias tomadas através de táticas chamadas blocking e fencing. Blocking é a compra de todas as novas patentes e seu não-uso, enquanto fencing poderia ser definida como a conduta por meio do qual um agente busca patentear todas as possíveis alternativas que podem ser utilizadas por seus concorrentes. Tratam-se, portanto, de condutas anticompetitivas que visam à restrição à entrada de novos concorrentes no mercado.

O conselheiro do CADE, Carlos Manoel Joppert Ragazzo, ao analisar um caso envolvendo o uso abusivo de direito de desenho industrial, traz exemplos de condutas anticoncorrenciais que envolvem direitos da propriedade industrial e que estão, inclusive, disciplinados no Antitruste Guidelines for the Licensing of Intellectual Property, conforme transcrevemos abaixo:

(i)    “Restrições horizontais: acordos de licenciamento entre partes horizontalmente relacionadas podem gerar efici6encias, mas em certos caos também podem conter restrições competitivas, como fixação de preços, divisão de mercados, acordos de redução de oferta e boicotes a agentes do mercado.

(ii)  Fixação do preco de venda: acordos de licenciamento nos quais o dententor da propriedade intelectual impõe ao licenciado um preço de revenda. São considerados pelo Guia americano como condutas anticompetitivas ilegais.

(iii) Venda casada: em determinadas circunstâncias, podem surgir efeitos anticompetitivos quando o licenciamento de um direito de propriedade intelectual a um determinado agente for condicionado à aquisição, por esse agente de uma outra licença ou de outros produtos e serviços.

(iv) Exclusividade: ocorre quando o licenciador proíbe o licenciado de sublicenciar ou vender a tecnologia, ou vice-versa. Tais acordos podem gerar efeitos anticompetitivos, dependendo do risco de fechamento do mercado, da duração do acordo e de outras características mercadológicas.

(v)  Licenciamento cruzado e pools: licenciamentos cruzados e pools ocorrem quando dois ou mais detentores de direitos de propriedade intelectual acordam em licenciar seus direitos entre si ou para terceiros. Tais acordos podem ser pró-competitivos, na medida em que, por exemplo, integrem tecnologias complementares, reduzam custos de transação ou liberem o acesso a tecnologias. Sob certas circunstâncias, porém, esses acordos podem gerar efeitos anticompetitivos, caso, por exemplo, fizem preços coletivos, estabeleçam restrições de oferta, dividam mercados ou excluam agentes.

(vi) Grantbacks: são acordos pelos quais o licenciado se compromete a estender ao licenciador da propriedade intelectual o direito de utilizar eventuais melhorias que o licenciado efetuar na tecnologia em questão. Grantbacks, normalmente, são tomados como pró-competitivos, especialmente na ausência de cláusulas de aexclusividade. A concorrência pode ser afetada, contudo, se os incentivos do licenciado em se engajar em projetos de inovaçãoforem substancialmente reduzidos, limitando a rivalidade no mercado.”[20]

Importante ressaltar que as condutas anticoncorrencias no campo da propriedade industrial não necessariamente são oriundas de acordos, podem também se valer de outros meios como, por exemplo, o abuso de posição dominante.

No que tange especificamente às patentes, ressaltamos que estas devem ser utilizadas de forma que atendam ao uso social da propriedade, devem ser usadas de modo cooperativo à liberdade de concorrência.

Ocorrendo, portanto, conflito entre o interesse privado, do titular da patente, e o interesse público, há de ser aplicado o princípio da proporcionalidade, fazendo com que prevaleça o interesse público até a proporção exata para que seja possível atender referido interesse, de modo que, na medida do possível, atenda também o interesse particular envolvido.

Caso o titular da patente esteja se valendo de sua exclusividade sobre a invenção de forma abusiva, a lei de propriedade industrial, dentre outros diplomas, prevê a possibilidade de licença compulsória, para que assim sejam atendidos os fins aos quais a propriedade industrial e o direito concorrencial visam a alcançar.

As hipóteses em que é possível a obtenção da licença compulsória são as seguintes:

a) Exercer os direitos de forma abusiva

Essa possibilidade de licença compulsória está prevista no caput do art. 68, da LPI, mas, também, já era prevista na CUP (Convenção da União de Paris), versão de Estocolmo de 14 de julho de 1967 (promulgada pelo Brasil pelo Decreto n. 75.572, de 8-4-1975, alterado pelo Decreto n. 635, de 21-8-11992, e ratificada pelo decreto n. 1.263, de 10-10-1994):

“5 A (2) Cada país da União terá a faculdade de adotar medidas legislativas prevendo a concessão de licenças obrigatórias para prevenir os abusos que poderiam resultar do exercício do direito exclusivo conferido pela patente, como, por exemplo, a falta de exploração”.

Há uma dificuldade em definir o que seria a exploração de forma abusiva, uma vez que esta não se confunde com “falta de uso”, tampouco com “abuso de poder econômico”. Juliana L. B. Viegas afirma que “a ausência de uma definição do que seja abuso exige uma análise de caso a caso, mas, por exemplo, a prática de preços excessivos, principalmente quando aplicados a produtos de necessidade básica ou de interesse público, tornando-se inacessíveis a populações carentes, pode constituir uma forma de abuso”[21];

b) Abuso de poder econômico

Este fundamento para a obtenção de licença compulsória também está previsto no art. 68 da LPI, e se caracteriza pelo fato de o titular praticar abuso de poder econômico por meio da patente, de modo a caracterizar concorrência desleal.

A doutrinadora Juliana L. B. Viegas ressalta um fato importante para a vida prática:

“Considerando a previsível demora na obtenção de decisão do CADE reconhecendo a prática de abuso de poder econômico, e em possível revisão judicial dessa decisão administrativa, essa alternativa de obtenção de licença compulsória não parece das mais viáveis”.[22]

c) Falta de exploração

Em se tratando de patentes, é obrigatória a exploração do privilégio, até porque isso faz parte da essência da política industrial desse instituto.

Conforme § 1º, I, da LPI, a falta de fabricação ou exploração da patente caracteriza uma forma de abuso, suscetível de ser licenciado compulsoriamente o uso da patente.

Há, todavia, no art. 69 da LPI, algumas exceções que impedem a licença compulsória, mesmo quando da falta de exploração da patente, são elas:

Art. 69. A licença compulsória não será concedida se, à data do requerimento, o titular:

I – justificar o desuso por razões legítimas;

II – comprovar a realização de sérios e efetivos preparativos para a exploração; ou

 III – justificar a falta de fabricação ou comercialização por obstáculo de ordem legal”.

d) Comercialização insuficiente

Uma quarta hipótese de licença compulsória se encontra no § 1º, do inciso II, do art. 68 da LPI:

Art. 68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.

 § 1º Ensejam, igualmente, licença compulsória:  …

  II – a comercialização que não satisfizer às necessidades do mercado”.

O produto patenteado deve ser comercializado de modo que atenda as necessidades do mercado interno. Conclui-se, portanto, que não basta somente o produto ser fabricado, deve, também, ser comercializado de modo que atenda as necessidades do mercado.

Vale frisar que nas quatro possibilidades de requerimento da licença compulsória até aqui apresentadas, o interessado na licença deve demonstrar que tem legítimo interesse, capacidade técnica e econômica para explorá-la de modo eficiente, além disso, de acordo com o art. 31 (f) do TRIPS, a comercialização do produto deve visar predominantemente o mercado interno.

Há, ainda, outra importante recomendação inserida no TRIPS, que diz que o interessado na licença compulsória deve previamente tentar negociar a licença com o titular em termos e condições comerciais razoáveis, somente assim, poderia requerer a licença compulsória. Embora esse requisito não conste na LPI, deve ser seguido no Brasil, uma vez que o TRIPS aqui também tem eficácia e validade.

e) patentes dependentes

As hipóteses referentes às patentes dependentes se encontram no art. 70 da LPI:

“Art. 70. A licença compulsória será ainda concedida quando, cumulativamente, se verificarem as seguintes hipóteses:

 I – ficar caracterizada situação de dependência de uma patente em relação a outra;

 II – o objeto da patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à patente anterior; e

 III – o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para exploração da patente anterior.

 § 1º Para os fins deste artigo considera-se patente dependente aquela cuja exploração depende obrigatoriamente da utilização do objeto de patente anterior.

 § 2º Para efeito deste artigo, uma patente de processo poderá ser considerada dependente de patente do produto respectivo, bem como uma patente de produto poderá ser dependente de patente de processo.

 § 3º O titular da patente licenciada na forma deste artigo terá direito a licença compulsória cruzada da patente dependente”.

A patente dependente, conforme disposto na própria LPI, é aquela cuja exploração depende obrigatoriamente da utilização do objeto da patente anterior.

Destarte, “uma patente de processo poderá ser considerada dependente de patente do produto respectivo, bem como uma patente de produto poderá ser dependente de patente de processo”.

Se a patente dependente constituir substancial progresso técnico em relação à anterior e o titular não realizar acordo com o titular da patente dependente para exploração da patente anterior, poderá ser pleiteada a licença compulsória, para viabilizar o uso da patente dependente e, assim, incentivar e assegurar o desenvolvimento tecnológico.

f) Emergência nacional

Conforme disposto no art. 71 da LPI, a licença compulsória poderá ser requerida no caso de emergência nacional. Entende-se por emergência nacional “o iminente perigo público, ainda que apenas em parte do território nacional”[23].

O antigo decreto n. 3.201 mencionava a obrigação de o titular transmitir as informações necessárias para que fosse possível realizar a reprodução do objeto, por um técnico no assunto, previa também, além da necessidade de o titular transmitir as informações relativas à tecnologia, os segredos empresariais (aspectos comerciais relativos ao caso).

Após ser duramente criticado, referido decreto sofreu modificações introduzidas pelo decreto n. 4.830, de 04/09/2003, que retirou da previsão legal a necessidade de o titular prestar informações relativas aos aspectos comerciais, e manteve, por óbvio, apenas a necessidade de o titular prestar informações necessárias e suficientes para a reprodução do objeto.

Importante frisar que a licença compulsória não prejudica os direitos do titular, pois este poderá, ainda assim, explorar sua patente, porém, de forma não exclusiva, e, poderá receber royalties que serão arbitrados pelo INPI, de acordo com o § 5º do art. 73 da LPI.

Por fim, destacamos que a licença compulsória, no caso de emergência nacional[24], somente poderá ser requerida caso o titular ou o licenciado não consiga atender as necessidades adequadamente.

g) Interesse público

Outra hipótese em que seja possível pleitear a licença compulsória, é no caso de existência de interesse público, que, segundo o Decreto n. 3.201/99, trata-se de “fatos relacionados, dentre outros, a saúde pública, à nutrição, à defesa do meio ambiente, bem como aqueles de primordial importância para o desenvolvimento tecnológico ou socieconomico do país”.

A licença compulsória com fundamento nesta hipótese é bastante utilizada nos casos de medicamentos, e, como bem aponta Juliana L. B. Viegas[25], nestes casos, a licença compulsória será explorada para uso público não comercial, ou seja, o licenciado deve ser órgão ou entidade governamental e os produtos devem ser distribuídos gratuitamente ou a preço de custo, e, também, deverá ser por prazo determinado de modo que seja razoável para atender o interesse público levantado em questão.

A mesma doutrinadora aponta, ainda, que o licenciamento compulsório derivado de interesse público tem sido criticado, devido à insegurança que gera, resultando na redução dos investimentos em pesquisas e desenvolvimento no país[26].

Há, também, a possibilidade de licença compulsória de marcas nos casos em que há dominação de mercado, exclusão ou eliminação de competidores efetivos ou potenciais mediante a elevação de barreiras a sua entrada no mercado, bem como outras formas de lesão potencial à concorrência.

Destacamos, como exemplo de hipótese em que isso poderia ocorrer, a decisão do CADE (AC n. 27/95), referente ao caso em que a Colgate-Palmolive adquiriu a Kolynos:

“A natureza da concorrência no mercado de creme dental – por diferenciação de produto – tem na marca a sua principal arma. A concorrência intermarcas, por meio da construção de reputação e laços de lealdade com o consumidor é a forma predominante assumida pela concorrência nesse mercado. De todo o exposto ao longo do voto, conclui-se que é o controle simultâneo das duas marcas mais importantes do mercado, em particular da marca dominante KOLYNOS, a barreira à entrada significativa e, por conseguinte, a fonte do poder de mercado agora detido pela adquirente. Assim, é sobre o controle de marcas que deve se concentrar a decisão deste Conselho. […] Diante do exposto, é a suspensão voluntária do uso da marca KOLYNOS e suas extensões, inclusive do material de embalagem, promoção e propaganda associado, para a fabricação e comercialização de creme dental dirigidas ao mercado interno pelo período de quatro anos é a medida que considero justa para garantir que a operação não elimine a concorrência nem crie poder de mercado de tal envergadura que, por meio de seu comportamento estratégico, desencoraje a entrada de novos concorrentes e a autonomia decisória dos atuais participantes do mercado, além de eliminar substancialmente a dinâmica concorrencial do mercado.[…]

Sensível, contudo, às implicações desse trade-off e à possibilidade de fricções no abastecimento no curto prazo, é que defini um atenuante à decisão de suspensão tout cort. Tal atenuante é o licenciamento, exclusivo e por curto prazo, da marca KOLYNOS, para a formação de marcas duplas, com um esquema de gradual desaparecimento (fading out) da marca fiadora, até seu retorno a titular. Esse esquema de licenciamento exclusivo, caso adotado, vigorará durante o período de suspensão de uso da marca pela titular. O contrato de licenciamento exclusivo deverá incluir, nos dois primeiros anos, a critério do licenciado, encomendas, assistência técnica e operacional e todos os serviços de suporte necessários à produção e entrega do produto, de modo a reduzir os custos de entrada de novo concorrente. O esquema de marca-dupla com fading out implica que todo material de embalagem, propaganda e promoção apresente como logotipo principal a marca que está sendo introduzida no mercado e a marca KOLYNOS como co-marca ou marca de fabricante. Esta marca terá espaço progressivamente reduzido no material mencionado, até o seu desaparecimento, que coincidirá com o final da suspensão do uso da marca KOLYNOS pelo seu titular. Os termos em que esse esquema de marca-dupla com fading out será executado constará, obrigatoriamente, do contrato de licenciamento a ser apresentado ao CADE. Essa solução permite à empresa explorar a marca indiretamente durante o período de suspensão.  Assim, de barreira, a marca torna-se veículo de introdução da marca nova no mercado, funcionando como uma espécie de “fiador” no momento inicial” (grifo nosso).

No presente caso, verifica-se que referida aquisição significou a eliminação substancial da concorrência, uma vez que a junção das duas marcas a uma empresa só significaria em participação de quase 80% do mercado.

Diante deste cenário, o CADE decidiu que a suspensão voluntária do uso da marca Kolynos para o fabrico e comercialização de creme dental no território nacional pelo período de quatro anos era uma medida justa que não eliminaria a concorrência tampouco passaria a desencorajar a entrada de novos concorrentes.

A decisão do CADE previu, ainda, durante o prazo de suspensão de 4 anos da marca Kolynos, a possibilidade de a Colgate licenciar esta marca para a formação de marca dupla, com cláusula de desaparecimento gradual. Assim, a marca desconhecida poderá ser associada à marca Kolynos durante referido período, de forma que esta passaria, gradualmente, a desaparecer da embalagem, até ser restituída pela Colgate. Desse modo, a Colgate poderia explorar economicamente a marca Kolynos, pelo período em que estivesse suspensa, e, permitiria a introdução da nova marca do licenciado ao mercado, a fim de reduzir os possíveis efeitos oriundos do domínio do mercado pela Colgate.

Constata-se, portanto, que a licença compulsória pode envolver tanto as patentes quanto as marcas, e, como visto acima, o que as diferenciam é a fundamentação em que se baseia seu requerimento.

5. Conclusão

Diante do exposto, resta claro que a propriedade industrial, em que pese visar à garantia de direito de exclusividade a um agente por determinado lapso temporal, possui em sua essência princípios concorrenciais, uma vez que seu objetivo maior é, como vimos nos tópicos acima, estimular a concorrência.

Deve-se, portanto, reprimir quaisquer condutas abusivas dos detentores de direitos de propriedade industrial. Não afirmamos aqui que o interesse privado não deve ser atendido, este pode e deve ser respeitado, no entanto, de maneira alguma deve ser interpretado como absoluto.

Destarte, conclui-se que os princípios que revestem a propriedade industrial e o direito concorrencial tem por escopo principal fomentar o desenvolvimento econômico por meio de uma política de proteção e estímulo aos investimentos em tecnologia, bem como, atender aos interesses do consumidor.

 

Referências
ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. MORAES, Rodrigo (coord.). Propriedade intelectual em perspectiva. Ed. Lumen Juris, 2008.
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WHISH, Richard. Competition law. Oxford University, 2012.
 
Notas:
[1] FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 1998. p. 21.

[3] FAZZIO JUNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2000, p. 142.

[4] Os requisitos para a concessão de patente são: i) novidade: a novidade deve ser absoluta, ou seja, a tecnologia que se pretende proteger não deve estar no estado da técnica (o estado da técnica compreende todas as informações tornadas acessíveis ao público antes da data de depósito do pedido de patente, seja no Brasil ou no exterior); ii) atividade inventiva: o invento não pode resultar de maneira óbvia para um técnico no assunto; iii) aplicabilidade industrial: a patente deve ser suscetível de aplicação no campo industrial.

[5] CARVALHO, Nuno Tomaz Pires de. Sistema de patentes: um instrumento para o progresso dos países em vias de desenvolvimento. In Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Editora Malheiros, vol. 51, p. 58.

[6] BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. 2ª edição, p. 577.

[7] CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de propriedade industrial, t. l. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 345.

[8] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. 5. Ed. v. 1. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 586.

[9] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil, vol. 1, 18º ed., Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1995, p. 430.

[10] MICHELLI DE ALMEIDA, Marcus Elidius. Abuso do direito e concorrência desleal. São Paulo: Ed. Quartoer Latin, 2004, p. 39.

[11] TOM, W. NEWBERG, J. Antitrust and intellectual property: from separate spheres to a unified field. Antitrust Law Journal, v. 66, 1997, pp. 168-169.

[12] U.S. Department of Justice/Federal Trade Commission (1995:4).

[13] SOTO, Jesús Huerta de. La teoría de la eficiencia dinámica. p. 66-67.

[14] WHISH, Richard. Competition law. Oxford University Press, 2012, p. 676.

[15] HOVENKAMP, Herbert. The antitrust enterprise: principle and execution. Harvard University Press, 2005, p. 255.

[16] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as condutas. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 141.

[17] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as condutas. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 141-142.

[18] O autor refere-se à antiga lei n. 8.884/94. Referido dispositivo corresponde ao art. 36, II, da nova lei antitruste – Lei n. 12.529/11.

[19] SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial – as condutas. São Paulo: Malheiros Editores, 2003, p. 141.

[20] CADE – Averigação preliminar n. 08012.002673/2007-51. Voto do relator conselheiro Carlos Emmanuel Joppert Ragazzo, p. 14-15.

[21] VIEGAS, Juliana L. B. Contratos típicos de Propriedade Industrial: contratos de cessão e de licenciamento de marcas e patentes; licenças compulsórias. In Contratos de Propriedade Industrial e novas tecnologias. SANTOS, Manoel J. Pereira dos. JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 132.

[22] VIEGAS, Juliana L. B. Contratos típicos de Propriedade Industrial: contratos de cessão e de licenciamento de marcas e patentes; licenças compulsórias. In Contratos de Propriedade Industrial e novas tecnologias. SANTOS, Manoel J. Pereira dos. JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 132.

[23] Decreto nº 3.201/99
Art. 2o   Poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória de patente, nos casos de emergência nacional ou interesse público, neste último caso somente para uso público não-comercial, desde que assim declarados pelo Poder Público, quando constatado que o titular da patente, diretamente ou por intermédio de licenciado, não atende a essas necessidades. (Redação dada pelo Decreto nº 4.830, de 4.9.2003)
§ 1o Entende-se por emergência nacional o iminente perigo público, ainda que apenas em parte do território nacional.
§ 2o Consideram-se de interesse público os fatos relacionados, dentre outros, à saúde pública, à nutrição, à defesa do meio ambiente, bem como aqueles de primordial importância para o desenvolvimento tecnológico ou sócio-econômico do País.

[24] Art. 71. Nos casos de emergência nacional ou interesse público, declarados em ato do Poder Executivo Federal, desde que o titular da patente ou seu licenciado não atenda a essa necessidade, poderá ser concedida, de ofício, licença compulsória, temporária e não exclusiva, para a exploração da patente, sem prejuízo dos direitos do respectivo titular.

[25] VIEGAS, Juliana L. B. Contratos típicos de Propriedade Industrial: contratos de cessão e de licenciamento de marcas e patentes; licenças compulsórias. In Contratos de Propriedade Industrial e novas tecnologias. SANTOS, Manoel J. Pereira dos. JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 139.

[26] VIEGAS, Juliana L. B. Contratos típicos de Propriedade Industrial: contratos de cessão e de licenciamento de marcas e patentes; licenças compulsórias. In Contratos de Propriedade Industrial e novas tecnologias. SANTOS, Manoel J. Pereira dos. JABUR, Wilson Pinheiro (coord.). São Paulo: Editora Saraiva, 2007, p. 140.


Informações Sobre o Autor

Ricardo Kanashiro Syuffi Soares

Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialista em direito autoral pela Fundação Getúlio Vargas (GVlaw), mestrando em Direito Comercial na PUC-SP, advogado atuante na área de propriedade intelectual


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