A inconstitucionalidade do § 2º do novo artigo 84 do CPP: Ministério Público e Tribunal de Justiça de São Paulo firmam posições sobre o foro especial por prerrogativa de função nas ações de improbidade administrativa

Sumário: 1. Abordagem inicial; 2. Posição da doutrina; 3. A posição do
Ministério Público do Estado de São Paulo; 4. A posição do Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo; 5. Conclusão.

1.
Abordagem inicial

Ao final de dezembro de 2002 entrou em vigor a Lei 10.628, que
acrescentou os § 1º e 2º ao artigo 84 do Código de Processo Penal,
estabelecendo o § 1º que: “A
competência especial por prerrogativa de função, relativa a atos
administrativos do agente, prevalece ainda que o inquérito ou a ação judicial sejam
iniciados após a cessação do exercício da função pública”. Nos precisos termos
do novo § 2º: “A ação de improbidade, de que trata a Lei no
8.429, de 2 de junho de 1992, será proposta perante o tribunal competente para
processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de
prerrogativa de foro em razão do exercício de função pública, observado o
disposto no § 1o.”

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2.
Posição da doutrina

Mesmo antes da vigência da Lei 10.628/02 a doutrina já vinha se
pronunciando sobre o Projeto de Lei n. 6.295/02, que a ela deu origem, e a
posição unânime direcionava para a inconstitucionalidade do mesmo, conforme se
verifica nos ensinamentos de juristas de escol como Dalmo de Abreu Dallari[1];
Hugo Nigro Mazzili[2], Luiz Flávio
Gomes[3]
e Roberto
Delmanto.[4]

Após a entrada em vigor da “Nova Lei”[5]
também nos pronunciamos pela sua inconstitucionalidade.[6]

3.
A posição do Ministério Público do
Estado de São Paulo

Com a vigência da Lei
10.628/02 a Egrégia Procuradoria-Geral
de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo expediu recomendação[7]
aos Membros do Ministério Público, em caráter normativo, para que arguam, nos
processos de sua atribuição porventura alcançados pela nova lei, a
inconstitucionalidade do § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal, a fim de
possibilitar o exercício do controle difuso de constitucionalidade, pelos
órgãos do Poder Judiciário.

Em 29 de janeiro de 2003 o Exmo. Dr.
Luiz Antonio Guimarães Marrey,
Procurador-Geral do Ministério Público de São Paulo proferiu despacho no protocolo
MP n. 29.339/95[8], consignando
que: “A nova disciplina legal, se acaso for considerada válida, alterará
profundamente a competência para julgamento desse tipo de ação e, em
conseqüência, também a atribuição para sua propositura, bem como para a instauração
e condução de inquéritos civis e procedimentos investigatórios por improbidade
administrativa, no âmbito do Ministério Público. No entanto, esta
Procuradoria-Geral de Justiça sustenta a inconstitucionalidade desse
dispositivo, conforme motivação exposta no Aviso n. 903/2002 – PGJ, publicado
no Diário Oficial do Estado de 28.12.02”.

E acrescentou Sua Excelência: “A
constitucionalidade do dispositivo em tela também está sendo questionada na
Ação Direta de Inconstitucionalidade n.2797, proposta pela Associação Nacional
dos Membros do Ministério Público (CONAMP), aguardando-se para breve o
pronunciamento do Plenário do Supremo Tribunal sobre a liminar pleiteada.
Finalmente, acha-se em curso no STF o julgamento da Reclamação n. 2.138, também
tratando da competência para julgamento de ações por improbidade
administrativa. Se acaso for confirmada a tendência dos cinco votos até aqui
proferidos (ministros Nelson Jobim, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Maurício
Correa e Ilmar Galvão), julgando procedente a reclamação e considerando a
improbidade abrangida no conceito de ‘crimes de responsabilidade’ (a partir de
interpretação de dispositivos constitucionais) os efeitos dessa decisão
apontarão em sentido diverso daquele que se pretendeu estabelecer na Lei n.
10.268”.

Clara e evidente, pois, a posição e
também a orientação da Egrégia Procuradoria-Geral do Ministério Público de São
Paulo, para quem a atribuição para oficiar nas ações civis públicas de
improbidade administrativa é – e continua sendo – do órgão ministerial de
primeira instância, conforme se consignou ao final do r. despacho precitado.

4.
A posição do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo

Cuidando da matéria pela primeira vez, em janeiro de 2003 a 9ª
Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu decisão
no Agravo de Instrumento n.º 313.238-511[9],
figurando como relator do Acórdão o Eminente Desembargador Antonio Rulli.

Na ocasião, por votação unânime, restou rejeitada a preliminar de
incompetência de foro por prerrogativa de função, ficando consignado nas razões
de decidir que “a Lei Federal n.
10.628/2002 não encontra fundamento na Constituição Federal de 1988. O art. 37,
§ 4º, da Magna Carta trata da suspensão dos direitos políticos, perda da função
pública, indisponibilidade dos bens e ressarcimento ao Erário, para os atos de
improbidade administrativa, sem prejuízo da ação penal cabível. A ação proposta
tem natureza eminentemente civil, não obstando possa ser ajuizada a competente
ação penal. Aliás, cumpre transcrever o comentário do mestre constitucionalista
Alexandre de Morais ao art. 29, inciso X, da CF/88, na obra intitulada
‘Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional’: ‘…
salientamos que a Constituição Federal prevê a competência originária do Tribunal
de Justiça, salvo as exceções anteriormente analisadas, somente para o processo
e julgamento das infrações penais comuns ajuizadas contra o Prefeito Municipal,
não se admitindo ampliação interpretativa no sentido de considerar-se a
existência de foro privilegiado para as ações populares, ações civis públicas e
demais ações de natureza cível. Da mesma forma, inexiste foro privilegiado para
o ajuizamento de ações por prática de atos de improbidade administrativa em
face de prefeitos municipais, por ausência de previsão constitucional
específica, devendo, portanto, ser ajuizadas perante a 1ª instância’”.

Como
se vê, o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, até o momento, tende pela
inconstitucionalidade do § 2º do novo art. 84 do Código de Processo Penal.

5.
Conclusão

A malfadada Lei n. 10.628/02 é inteiramente inconstitucional,
conforme já salientamos anteriormente[10],
e por assim dizer, o novo § 2º do art. 84 do Código de Processo Penal não
comporta aplicação.

A posição adotada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo e
também no acórdão proferido pela 9ª Câmara de Direito Público do Tribunal de
Justiça de São Paulo vem ao encontro do posicionamento sustentando pela
doutrina mais abalizada.

Resta
aguardar a Soberana decisão da mais Alta Corte de Justiça do País, que antes de
qualquer outro compromisso deve se lembrar, sempre, do disposto no artigo 102, caput, da Constituição Federal: “Compete
ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente,
a guarda da Constituição
…” (negritei).

Notas:

[1]
Privilégios Antidemocráticos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed.,
p. 26.

[2]
Privilégio para julgar corruptos, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª
ed., p. 32.

[3] Reformas penais: foro por prerrogativa de
função. Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br,
24.12.2002.

[4]
Desaforo privilegiado, Conamp em Revista, out./dez. 2002, n.º 1, 1ª ed., p. 29.

[5] Lei n.
10.628, de 24 de dezembro de 2002.

[6] MARCÃO, Renato Flávio.
Foro especial por prerrogativa de função: o novo artigo 84 do Código de
Processo Penal, disponível na Internet em: https://www.ambito-juridico.com.br; http://www.direitonet.com.br; http://www.jurisnauta.com.br; http://www.argumentum.com.br; http://www.sadireito.com;
http://www.alunosnanet.com; http://www.iusnet.com.br;
http://www.escritorioonline.com.br.

[7] D.O.E.
de 03 de janeiro de 2003, p. 22.

[8] D.O.E.
de 04 de janeiro de 2003, p. 28.

[9] Tirado nos autos do processo n.º 1.893/2002 da 2ª Vara da
comarca de Dracena.

[10] Cf.
MARCÃO, Renato Flávio. Foro especial por prerrogativa de função: o novo artigo
84 do Código de Processo Penal, disponível na Internet em: https://www.ambito-juridico.com.br; http://www.direitonet.com.br; http://www.jurisnauta.com.br; http://www.argumentum.com.br; http://www.sadireito.com; http://www.alunosnanet.com;
http://www.iusnet.com.br; http://www.escritorioonline.com.br.


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Informações Sobre o Autor

Renato Flávio Marcão

Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).


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