Contratos comerciais internacionais – cláusula de hardship e o reequilibrio contratual

Resumo: Busca-se por meio deste artigo analisar as clausulas aplicadas aos contratos comerciais internacionais, em especial a Hardship as aplicáveis as situações que enseja necessária renegociação de modo que o equilíbrio da contratação seja mantida.

Palavras-chave: Commercial contracts. International. hardship. Effects. Application. contractual rebalancing.

Abstract: One aim of this article by analyzing the clauses apply to international commercial contracts, especially HARDSHIP applicable situations which entails renegotiation required so that the balance of the contract is maintained.

Keywords: Commercial contracts. International. Force Majeure. Effects. Application. unforeseen events

Sumário: Introdução; 1. Cláusula de Hardship; 1.1. Considerações gerais; 1.2 Regulamentação da Hardship; 1.3. Efeitos da cláusula Hardship; Conclusão

INTRODUÇÃO

O presente trabalho, no cenário do Direito Comercial Internacional aborda a problemática dos contratos internacionais, apresentando suas principais características, mecanismos, leis, particularidades e cláusulas mais utilizadas pelos contratantes do comércio internacional.

Dentre as diversas cláusulas contratuais, que estudaremos nos contratos internacionais, despende-se maior atenção ao instituto do Hardship e suas principais características, os direitos e os deveres dos contratantes diante de eventos que afetem a boa execução dos contratos comerciais internacionais.

Para manter o equilíbrio da negociação e para a regulamentação do comércio, em campo internacional, diversos órgãos atuam com interesses na unificação das normas e simplificação e padronização dos procedimentos a serem adotados no desenvolvimento da atividade comercial, onde se desenvolve um contínuo trabalho com a finalidade de derrubara barreiras e diminuir os riscos da atividade mercantil.  

1. CLÁUSULA DE HARDSHIP

1.1. Considerações gerais:

Da mesma maneira que a força maior o instituto do hardship é indispensável em um contrato comercial internacional, protegendo os contratantes em casos de impossibilidades econômicas no curso de contrato comercial. Segundo Maristela Basso[1], hardship não se confunde com força maior, embora esteja relacionada à circunstâncias imprevistas e exteriores à vontade das partes e afetem, de modo semelhante, o ambiente de contrato alterando a sua economia, de modo a tornar impossível ou extremamente oneroso para uma das partes cumprir a sua obrigação.

Filho da autonomia da vontade das partes e do poder criador dos redatores dos contratos a “cláusula de hardship” é traduzida por alguns como “cláusula de adaptação”, vindo a assemelhar-se à cláusula de força maior no tocante a imprevisibilidade e à inevitabilidade do evento, sendo desta distanciada devido ao evento gerador do hardship apenas tornar mais onerosa a execução econômica do contrato rompendo o equilíbrio inicial, favorecendo uma das partes e acarretando prejuízo evidente a outra.

O hardship ou “endurecimento das condições”, segundo Orlando Gomes[2], não se confunde com a aplicação especial a teoria da imprevisão, mas de nova técnica para encontrar adequada reação à superveniência de fatos que alterem a economia das partes mantendo sob controle das partes, uma série de controvérsias potenciais e assegurando a continuação da relação em circunstâncias que segundo os esquemas jurídicos tradicionais, poderiam levar à resolução do contrato”

Para Bastos[3], Hardship e Cláusulas de Adaptação são nomes da mesma realidade jurídica. Porém contrariamente a força maior que leva à dissolução do contrato, esta visa a adaptá-lo às novas circunstâncias, cabendo esta decisão a um terceiro integro , imparcial e sem interesse vinculado a quaisquer das partes.

As mencionadas cláusulas de correção monetária ou de indexação[4], relacionam-se com as cláusulas-ouro, chamadas de cláusulas de “conservação ou manutenção do valor”, que representam e apresentam uma automaticidade e complexidade que as tornam tão indesejáveis quanto inflacionárias e por este motivo proibidas em diversas legislações.

Contratualmente a revisão, para adaptar a economia do contrato, não poderá ocorrer antes de uma data prevista ou mais de uma vez a cada dois anos, devido a sua natureza, conforme Strenger[5], aproximando-se assim da cláusula rebus sic standibus . Para o autor, a cláusula hardship, no campo dos contratos internacionais, seria uma complementação da força maior que ao lado dos fenômenos naturais, administrativos e políticos interfere diretamente nos resultados econômicos dos contratos.

Oppetit[6] estuda a cláusula hardship – circunstância modificativas do contrato – apresentando a seguinte definição:

“a cláusula de hardship é aquela, em cujos termos, as partes poderão solicitar remanejamento do contrato que as liga, se modificação ocorrida nos dados iniciais, em face de se engajarem, venham a modificar o equilíbrio deste contrato a ponto de criar, para uma das partes, rigor (endurecimento das condições) injusto”.

Segundo Opetit[7] enquanto uma cláusula monetária opera de maneira automática, ou seja sem intervenção das partes ou do juiz e se traduz pela substituição de nova prestação, a cláusula hardship não tem efeito automático, consistindo em provocar renegociação do contrato desde que a modificação visada ocorreu.

As cláusulas de indexação[8] embora sejam como as de hardship um mecanismo para restabelecer um equilíbrio econômico diferem destas, pois tratam de um evento previsível que é o desajuste previsível e inevitável da economia, bem diferente do caso da hardship que busca atenuar os efeitos de natureza econômica que seja imprevisível e futuro no momento da celebração do contrato.

Para Strenger[9] a hardship se aproxima da força maior na medida em que ambas devem ser imprevisíveis e inevitáveis, mas enquanto a força maior torna impossível a execução do contrato a hardship o torna substancialmente mais oneroso para uma das partes afetando assim a economia do contrato, que continua executável.

Fontaine[10] chama atenção que a hardship pode coexistir em um mesmo contrato com a força maior, impondo aos contratantes que sejam redigidas de maneira coordenada, articulando minuciosamente os institutos permitindo dosar as responsabilidades englobadas em ambos os conceitos restando a diferença nos efeitos denotada pela possibilidade ou não da rescisão contratual total, onde a cláusula hardship permite a readaptação do contrato em razão da modificação importante das circunstâncias sob as quais as partes celebraram o contrato.

1.2 Regulamentação da hardship

Para Batista[11] a definição de hardship ainda é teórica, não sendo definida pela doutrina, e sim pelas partes na redação do contrato, onde são descritos casos de aplicação do instituto através de exemplos , e de suas conseqüências. Da mesma maneira que ocorre com a força maior, para o autor, ao se descrever os eventos em um contrato, estaria trazendo a previsibilidade do fato, desnaturando assim o instituto da hardship.

Assim como o UNIDROIT, define a força maior em seus princípio gerais para o comércio internacional, faz a definição e regulamentação da hardship. No artigo 6.2.1, as normas Unidroit, tratam da Hardship em relação a obrigatoriedade do contrato:

“Se a execução de um contrato torna-se mais onerosa a uma das partes, esta parte permanece igualmente obrigada a adimplir suas obrigações, salvo nos termos das seguintes disposições sobre hardship.

O artigo 6.2.2: “Existe hardship quando ocorrem eventos que alteram substancialmente o equilíbrio do contrato, seja pelo aumento do custo da execução da prestação de uma das partes ou pela diminuição do valor da contraprestação, e

a)     os eventos ocorrem ou se tornam conhecidos pela parte em desvantagem após a conclusão do contrato;

b)     os eventos não puderam ser razoavelmente levados em consideração pela parte em desvantagem no momento da conclusão do contrato;

c)     os eventos estão fora do controle da parte em desvantagem; e

d)     o risco de tais eventos não foi assumido pela parte em desvantagem”.

Mas é sobretudo nos contratos de longo termo que encontramos a hardship, assim por exemplo: fornecimento de matérias-primas, obras de execução prolongada (vias férreas, oleodutos, usinas siderúrgicas e petroquímicas) e nos contratos de tecnologia de ponta, como a eletrônica e os sistemas informativos, e nos empréstimos internacionais.

1.3. Efeitos da cláusula Hardship

A hardship, definida concretamente pelo UNIDROIT, da mesma forma que a força maior, aplica-se em casos de contratos em que as partes acordem em que estes sejam regidos pelos “princípios gerais do direito”, “lex mercatória” ou equivalente, assim, facilitando a solução dos litígios.

Segundo o artigo 6.2.3, dos princípios citados, a ocorrência de evento relacionado à hardship possui os seguintes efeitos:

(I) Em caso de hardship, a parte em desvantagem tem direito de pedir a renegociação do contrato. O pedido deve ser feito sem demora injustificada e deve indicar os fundamentos sobre os quais se assenta.

(2) 0 pedido de renegociação, por si, não dá à parte em desvantagem o direito de suspender a execução.

(3) Se as partes não chegam a um acordo em um prazo razoável, qualquer parte pode recorrer ao tribunal.

(4) Se o tribunal entende tratar-se de uma hipótese de hardship pode, se considerar razoável:

(a) extinguir o contrato na data e nas condições a serem fixadas, ou

(b) adaptar o contrato a fim de restaurar o equilíbrio.”

Para Batista[12] é admissível imaginar que a rescisão ocorra independente de previsão contratual, seja pela via judicial ou pela arbitragem entrando as partes num consenso de que não é possível ou conveniente manter a negociação diante do desequilíbrio da relação.

Para Orlando Gomes[13], quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração na situação que existia no momento da celebração do contrato, acarretando excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual poderá ser alterado, a requerimento do prejudicado, sendo restaurado, pelo juiz, o equilíbrio desfeito. Segundo o autor, com fundamento na eqüidade, boa-fé, proibição de abuso de direito e outras idéias gerais abre-se exceção ao princípio da força obrigatória do contrato.

A aplicação da cláusula Hardship no ordenamento jurídico brasileiro não foi introduzida como regra legal expressa[14], diferente do que ocorre no direito francês e italiano que a recepcionam a teoria da imprevisão como forma de se obter uma revisão judicial do contrato em razão de mudanças na conjuntura econômica do ambiente do contrato, sendo esta tarefa, no caso brasileiro, realizada por leis especiais que prevêem estas possibilidades.

A lei 8245 de 18.10.91, conhecida como Lei do Inquilinato em seu artigo 19 prevê: Não havendo acordo, o locador ou o locatário, após três anos de vigência do contrato ou do acordo anteriormente realizado, poderão pedir revisão judicial do aluguel, a fim de ajustá-lo ao preço de mercado”.

O código de defesa do consumidor, lei 8078 de 11.09.90, em seu artigo 6º, inciso V traz como direito básico do consumidor: a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

A lei de licitações, lei 8666 de 21.06.93, em seu artigo 65 parágrafo 6º possibilita a alteração contratual justificada pelo aumento dos encargos do contratado, restabelecendo, assim, o equilíbrio econômico-financeiro.

Assim, com base neste capítulo, se conclui que a relativização do poder vinculante do contrato diante da teoria da imprevisão ganha espaço no universo dos contratos seja no campo nacional ou internacional, proporcionando a evolução do ordenamento jurídico brasileiro com a possibilidade de se alterar judicialmente um contrato, invocando cláusula Hardship para realizar o ajuste necessário e se obter novamente o equilíbrio rompido, trazendo, assim, uma maior segurança jurídica e econômica aos contratantes.

CONCLUSÃO

O comércio internacional, sem dúvidas, afeta direta ou indiretamente a vida de todo o cidadão, refletindo diretamente nas relações entre as nações. Ele instaurou uma nova ordem econômica mundial, inicialmente colonização do novo mundo, seguindo coma transnacionalização de empresas e atualmente com o fenômeno de integração mundial de mercados chamada de globalização, provocando, como conseqüência deste longo processo, a universalização do direito, que abandonou sua concepção estatal, para atender as necessidades atuais.

Uma das principais características do contrato internacional é a presença das cláusulas de força maior e hardship, cuja a inserção busca atenuar o rigorismo da força obrigatória, não que esta seja abolida, mas lhe dando um significado menos rígido, possibilitando a rescisão ou renegociação contratual quando o cumprimento deste causasse prejuízos em montantes superiores ao suportável.

A aplicação efetiva da cláusula hardship se dá em casos de mudanças de políticas fiscais, alteração de taxa de câmbio, mudanças de políticas econômicas, onde se aumenta o custo de uma execução contratual e há a diminuição do valor da contraprestação.

Apesar de inúmeras diferenças as cláusulas de força maior e hardship derivam da teoria da imprevisão, sendo necessário para a aplicação da força maior que esteja caracterizado a impossibilidade de adimplemento da obrigação contratual e para a hardship mesmo que seja possível cumprir com o contrato, bastará que seja demasiadamente oneroso cumprir coma obrigação contratual, colocando o devedor em situação ruinosa.

A cláusula Hardship, como manifestação da teoria da imprevisão, ainda não foi introduzida expressamente no ordenamento jurídico brasileiro como norma expressa de caráter geral, mas leis específicas que prevêem a renegociação judicial em casos de mudanças na conjuntura econômica brasileira como a lei do inquilinato (lei n.º 8245/91, art. 19), o código de defesa do consumidor (lei 8078/90, art. 6º inciso V) e a lei a lei de licitações (lei 8666/93) que prevê o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro inicial quando aumentar os encargos do contratado.

Assim após este estudo resta estar atento a modificação e enriquecimento do Direito Privado atualizando-se e acompanhando as reformas sociais e as restrições à liberdade individual como condição necessária para o desenvolvimento do interesse coletivo.

 

Referências
ARAÚJO, José Francelino de. Direito empresarial. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 1998.
BASSO, Maristela. Contratos internacionais do comércio: negociação, conclusão, prática. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, 269 p.
BASTOS, Celso Ribeiro. Contratos internacionais: compra e venda internacional. São Paulo: Saraiva, 1990.
BATISTA, Luiz Olavo. Dos contratos internacionais de comércio: uma visão teórica e prática. São Paulo: Saraiva, 1994.
BULGARELLI, Waldírio. Contratos mercantis. São Paulo: atlas, 1999.
CASELLA, Paulo Borba. Contratos internacionais e direito econômico no Mercosul, São Paulo: LTr, 1996.
Código Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2002.
COSTA, Judith Martins. Os princípios informadores do contrato de compra e venda internacional na convenção de Viena de 1980. Porto Alegre: revista de informação Legislativa n.º 126, abr./ jun. 1995, págs. 115 a 116.
FARIA, Werter R. . Associação de estudos da integração européia no Brasil. Porto Alegre: editora Livraria do advogado, 2000, 223 p.
GOMES, Orlando. Contratos, Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MARTINS, Fran. Contratos e obrigações comerciais, 16 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
 
Notas:
[1] Araújo, 1998, p. 128.

[2] Orlando Gomes, 1988, p. 187.

[3] Bastos, 1990, p 26.

[4] Ibid..

[5] Ibid.

[6] Apud Strenger, 1992, p. 248.

[7] Ibid.

[8] Batista, 1994, p. 145.

[9] Strenger, 1992, p 250.

[10] apud Strenger,1992, p. 250.

[11] Batista, 1994, p. 146

[12] Batista, 1994, p. 149.

[13] Gomes, 1999, p. 39.

[14] Orlando Gomes, 1999, p.38.


Informações Sobre o Autor

Darcione Spolaor

Procurador Federal. Ex-Analista do INSS. Graduado pela Universidade Federal de Santa Maria-RS.Pós-graduando em Direito Previdenciário.


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