Resumo: Diante do aprofundamento no estudo dos princípios e normas constitucionais que visam proteger os direitos individuais do trabalhador, o presente artigo científico pretende apontar as mais importantes alterações provocadas com a promulgação da Emenda Constitucional nº 72/2013. Inicialmente será elaborado um breve histórico e evolução legislativa sobre o tema, o apontamento das principais benesses obtidas por essa classe obreira, as repercussões no mercado de emprego e os direitos pendentes de regulamentação. As abordagens e comentários sobre o tema serão elaborados a partir da análise da legislação, doutrina, jurisprudência pátria e artigos científicos. De maneira clara e concisa, a expectativa é de que tal artigo possa contribuir com os estudiosos deste atual tema presente nas relações de trabalho.
Palavras-chave: Emenda Constitucional nº 72/2013. Direito Individual do Trabalho. Empregado Doméstico.
Abstract: Given the deeper study of the principles and constitutional provisions intended to protect individual rights of workers, this scientific article points to the most important changes brought about with the enactment of Constitutional Amendment No. 72/2013. Initially will produce a brief historical and legislative developments on the subject, pointing the major spoils obtained by this working class, the impact on the labor market and pending regulatory duties. The approaches and comments on the topic will be drawn from the analysis of legislation, doctrine, jurisprudence and homeland scientific articles. Clearly and concisely, the expectation is that this article will contribute to the scholars of this current theme in working relationships.
Keywords: Constitutional Amendment No. 72/2013. Individual Labour Law. Domestic employee.
Sumário: 1. Introdução. 2. Problema de pesquisa. 3. Objetivo. 4. Metodologia. 5. Referencial teórico. 6. Empregado doméstico: histórico e evolução legislativa. 7. Conceito e características do empregado doméstico. 8. Principais alterações no contrato de trabalho ante as novas regras para o contrato de trabalho doméstico. 8.1. Principais consequências no mercado de trabalho ante o aumento de direitos dos domésticos e as lacunas legislativas. 9. Considerações finais. Referências.
1. introdução
O tema abordado neste trabalho, em que pese a grande publicidade midiática dada ao mesmo pelos meios de comunicação em massa, na realidade apenas testifica a demora do Estado em regulamentar a condição do Obreiro que se ativa em serviços domésticos.
O empregado doméstico há muito necessitava de regramento legislativo específico para salvaguardar direitos que são primários em uma relação de trabalho, tais como horas extraordinárias, licença-maternidade, licença-paternidade, dentre outros.
A ausência de regramento específico no século XXI tão somente corrobora o alardeado descaso com esta classe trabalhadora que na verdade foi o pilar inicial nas relações de emprego desde os tempos de Brasil Colônia.
Ignorar por tanto tempo a necessidade de regulamentação de direitos básicos do obreiro doméstico equivale a um despreparo, ou senão desprezo a uma categoria que deveria ser por demais valorizada ante a espécie de serviços prestados.
Por certo, ainda que pendentes de regulamentação diversos pontos da Emenda Constitucional nº 72/2013 após quase um ano de sua promulgação, inegável se faz reconhecer o avanço trazido pelo regramento legal comentado.
Como toda inovação legislativa, obstáculos ainda precisam ser superados, direitos devem ser mais aclarados para não se proliferar ações trabalhistas sem que um deslinde justo seja proferido.
Por certo, questões como a possibilidade de fiscalização da jornada de trabalho ante a peculiaridade dos serviços prestados e concessão de equipamentos de proteção individual, são apenas algumas das muitas lacunas deixadas pela lei e que podem comprometer o correto cumprimento das obrigações patronais.
Por certo, inegável o avanço legislativo, ainda que tardio, no entanto, alguns aspectos da legislação aplicável pendem de maior estudo e maior especificidade afim de se evitar futuros questionamentos nos Tribunais do Trabalho.
2. PROBLEMA DA PESQUISA
Quem se enquadra como trabalhador doméstico? Quais as consequências no mercado de trabalho ante a concessão de diversos benefícios? Quais os aspectos legais dependem de regulamentação? Como garantir a lisura do controle de jornada?
3. OBJETIVO
O objetivo desse trabalho é analisar as características da relação de emprego doméstico, os direitos introduzidos pela EC 72/2013 e a problemática atinente a fiscalização da jornada de trabalho.
4. METODOLOGIA
Para o levantamento dos dados postos neste artigo foi utilizada a pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, a fim de conhecer como o tema é tratado na Doutrina e Jurisprudência Brasileiras, apontar suas contradições e, por fim, encontrar respostas para o problema formulado.
O presente artigo foi produzido através de aprofundamento de estudo de pesquisas teóricas, leituras de obras, textos correlatos ao tema, coleta de jurisprudências sobre o tema, bibliografias das doutrinas majoritárias, pesquisas na internet, material disponibilizado nas aulas em vídeo, revistas jurídicas, CLT, leituras analíticas de autores trabalhistas que permitiram que se chegasse as conclusões com relevância.
5. REFERENCIAL TEÓRICO
A Doutrina e Jurisprudência brasileiras há muito se manifestam sobre a necessidade de melhor regulamentação dos direitos dos empregados domésticos, imprimindo conceitos claros quanto a caracterização destes empregados, tipos de atividades desenvolvidas, local de prestação de serviços, bem como da aplicação dos direitos a eles devidos.
A legislação pátria trata do tema com mais vigor após a edição da Emenda Constitucional 72/2013.
Para compreensão do tema, inicialmente mister se faz definir quem é o empregado doméstico. O Professor ANDRADE, citando a Lei 5.859/72 conceitua o Empregado Doméstico como sendo:
“aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou família, no âmbito residencial destas”.
Desta forma, pode-se concluir que há requisitos específicos para caracterização do empregado doméstico e os direitos a eles aplicados.
Este tema merece ser estudado com acuidade, tendo em vista que o mesmo assume papel central nas demandas postulando verbas salariais e até indenizatórias ajuizadas em face de Empregadores em todo país.
6. EMPREGADO DOMÉSTICO: HISTÓRICO E EVOLUÇÃO LEGISLATIVA
Conforme explanado em linhas anteriores, o tema posto sob análise sempre foi latente nas relações de trabalho.
No período em que imperava escravidão no Brasil, notadamente índios e africanos eram usados como escravos para a realização de atividades urbanas e rurais e precipuamente no trabalho doméstico.
Por certo, não é possível se definir com necessária objetividade em qual momento a atividade doméstica teve início em terras brasileiras, pois derivada do período da escravidão e de forma muito paulatina foi ganhando respaldo na sociedade através de normas que passaram a reger essa atividade.
De acordo com diversos historiadores que tratam das atividades laborativas no Brasil Colônia, tem-se que a mesma era tida como trabalho escravo e neste trabalho se ativavam crianças, homens e mulheres “negras” que exerciam funções domésticas, tais como cuidar dos filhos dos senhores, transmitiam recados, serviam à mesa, recebiam as visitas, etc.
A primeira norma a ser aplicada aos empregados domésticos foi a Lei de 13 de setembro de 1830, vigente antes da abolição da escravatura que tratava de contrato escrito sobre prestação de serviços feitos por brasileiros ou estrangeiros dentro ou fora do Império.
Em 13 de maio de 1888, foi sancionada a Lei Áurea (Lei imperial nº 3.353), extinguindo a exploração da mão-de-obra escrava no Brasil, repercutindo tanto para homens como para mulheres. Diante disso, surgiu uma grande miséria, pois aquelas pessoas tratadas como escravas não tinham onde morar e esta lei em nada modificou as condições de miséria em que viviam os escravos no Brasil.
Passados alguns anos e com o fim da escravidão, a atividade doméstica passou a ser exercida por moças jovens, solteiras, filhas de pequenos agricultores, pobres e analfabetas, trabalhavam em casas de família, recebendo em troca dos serviços prestados, alimentação, vestuário, moradia e pequenos valores, o que ajudava na renda familiar que era muito pouca diante de tantos dependentes que seus pais tinham.
O Código Civil de 1916 – Lei nº 3.071, disciplinou a relação dos contratos trabalhistas relacionado a locação de serviços dos empregados, inclusive dos domésticos, sendo este aplicável dentro das possibilidades, em especial nos artigos 1.261 e seguintes.
Após o advento do Código Civil de 1916, diversas legislações sobre o tema foram regulamentadas, tais como do Decreto nº 16.107/23, Decreto-Lei nº 3.078/48, Decreto-Lei nº 5.452/43, surge a Consolidação das Leis do Trabalho que em nada estipulou em relação aos direitos dessa categoria de trabalhadores.
A partir de 1972, os empregados domésticos passaram a ter algum tipo de prerrogativas, deixando de ser totalmente desprotegidos e submissos aos desejos de seus superiores.
Em 11 de dezembro do referido ano, foi sancionada a Lei nº 5.859, dispondo sobre essa profissão, trazendo outro conceito diverso do citado e alguns direitos a ela inerente, são eles: benefícios e serviços da previdência social, férias anuais com o adicional de 1/3 a mais que o salário normal e carteira de trabalho. No ano de 1973, surge o Decreto nº 71.885 que regulamentava a Lei nº 5.859/72.
Em 1988, a Constituição Federal do Brasil, entra em vigor e, em seu art. 7º, dentre muitos incisos, estipulou 9 referentes a todos os trabalhadores inclusive aos empregados domésticos (IV: salário-mínimo; VI: irredutibilidade do salário; VIII: décimo terceiro salário; XV: repouso semanal remunerado; XVII: férias anual mais 1/3 do salário normal; XVIII: licença maternidade por 120 dias; XIX: licença paternidade; XXI: aviso prévio e XXIV: aposentadoria), onde foi a partir daí que essa categoria passou a ser mais valorizada no meio social, podendo vir a lutar por seus direitos, caso algum deles venha a ser violado.
Por fim, temos a Emenda Constitucional 72/2013 que, por fim, regulamentou o trabalho doméstico no Brasil.
7. CONCEITOS E CARACTERÍSTICAS DO EMPREGADO DOMÉSTICO
A Lei 5.859/72 conceitua o Empregado Doméstico como sendo “aquele que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa a pessoa ou família, no âmbito residencial destas”.
Desta feita, tem-se que para a caracterização do labor doméstico, necessário se faz a conjugação de três elementos, quais sejam: serviço prestado à pessoa ou à família, finalidade não lucrativa e a não eventualidade.
Frise-se que os serviços não eventuais são aqueles que por sua natureza carecem do requisito da continuidade, ou seja, devem ser permanentes. No que tange a finalidade não lucrativa, pode-se dizer que são atividades com as quais os empregadores não auferem proveito econômico.
Lado outro, no que concerne ao requisito da prestação de serviços para pessoa ou família, sobreleva mencionar que o trabalho desenvolvido pelo doméstico deve englobar não só o lar como também suas imediações – o jardim, o quintal, bem como automóveis particulares de lazer ou passeio.
Por fim, o primeiro conceito legal da atividade veio com o Decreto-lei nº 3078, de 27.02.1941, cujo artigo 1º prescrevia que “são empregados domésticos todos aqueles que, de qualquer profissão ou mister, mediante remuneração, prestam serviços em residências particulares ou em benefício destas”.
Esclarecedor o conceito contido no site do Ministério do Trabalho e emprego que assim caracteriza o trabalho doméstico:
“Considera-se trabalhador doméstico aquele maior de 18 anos que presta serviços de natureza contínua (frequente, constante) e de finalidade não-lucrativa à pessoa ou à família,no âmbito residencial destas. Assim,o traço diferenciador do emprego doméstico é o caráter não-econômico da atividade exercida no âmbito residencial do empregador. Nesses termos, integram a categoria os seguintes trabalhadores: empregado, cozinheiro,governanta, babá, lavadeira, faxineiro,vigia, motorista particular, jardineiro, acompanhante de idosos, dentre outras.O caseiro também é considerado trabalhador doméstico, quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não possui finalidade lucrativa.”
8. PRINCIPAIS ALTERAÇÕES NO CONTRATO DE TRABALHO ANTE AS NOVAS REGRAS PARA O CONTRATO DE TRABALHO DOMÉSTICO
A partir do dia 3 de abril de 2013, quando a presidente Dilma Rousseff sancionou a chamada PEC das Domésticas, este tipo de empregado foi alçado ao mesmo patamar que os demais trabalhadores no que tange a concessão de direitos como horas extraordinárias, adicional noturno, FGTS, dentre outros e cerca de 6,6 milhões de pessoas passaram a estar acobertadas por este novo normativo legal.
Alguns direitos já eram assegurados antes mesmo da edição da EC 72/2013 tais como o salário mínimo que apenas pode variar de estado para estado, mas nunca deve ser inferior ao mínimo e alguns destaques importantes, tais como o reconhecimento de eventuais convenções e acordos coletivos de trabalho.
No que tange ao intervalo para as refeições este deverá ser respeitado tanto para quem trabalha de dia quanto para quem trabalha à noite e deve ser de, no mínimo, uma hora e máximo de duas horas para jornadas superiores a 6 horas e para jornadas inferiores, descanso mínimo de 15 minutos.
O pagamento atinente ao labor extraordinário também foi um grande avanço, vez que com o advento da EC 72/2013 a jornada de trabalho deverá ser de, no máximo, 44 horas semanais e oito horas diárias.
Alterações trazidas pela Emenda ainda pendem de regulamentação, tais como o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, Seguro-desemprego, determinação de quais equipamentos de proteção devem ser utilizados, dentro outros.
8.1. PRINCIPAIS CONSEQUENCIAS NO MERCADO DE TRABALHO ANTE O AUMENTO DE DIREITOS DOS DOMÉSTICOS E AS LACUNAS LEGISLATIVAS
Com a vigência do novo regramento atinente ao trabalho doméstico o temor pelas demissões foi algo latente entre essa classe empregada.
Pesquisas levadas a efeito dão conta de que um total de 31% dos empregadores brasileiros pretendem demitir os trabalhadores domésticos após a regulamentação EC 72/2013, caso não haja redução dos custos de contratação, segundo pesquisa realizada entre os dias 10 de julho e 9 de agosto de 2013 pela ONG Doméstica Legal.
A informação vai na contramão dos resultados obtidos por outro levantamento feito pela mesma entidade, que mostrou que o número de trabalhadores do setor com carteira assinada cresceu 1,76% no país desde a promulgação da proposta, enquanto o salário médio da categoria aumentou em torno de 3%, passando de R$ 829,76 para R$ 855,44, entre março e julho deste ano.
Em diversos estados brasileiros se viu uma crescente de demissões, tais como no Distrito Federal.
De acordo com a presidente do Sindicato das Empregadas Domésticas da Bahia, Cleusa Santos, o número de homologações realizadas em maio de 2013 no estado foi 25% maior do que a média de meses anteriores à aprovação da emenda, que passou a valer no início de abril.
A sindicalista afirma que a média mensal era de 20 contratos homologados antes da PEC e, em maio, foram 25.
No entanto, para diversos sindicatos da categoria espalhados pelo país a promulgação da Emenda Constitucional nº 72/2013, que igualou os direitos dos trabalhadores domésticos aos demais trabalhadores urbanos e rurais, não foi o fator isolado causador na redução nos postos de trabalho.
Tem se entendido que o emprego doméstico já vem apresentando uma queda nos últimos anos ante o fato de que esses trabalhadores estão estudando mais e tendo mais oportunidade de migrar para outras atividades que remuneram melhor.
Ocorre que a inovação legislativa padece de graves lacunas que devem ser preenchidas pela atividade jurisprudencial, notadamente no que tange ao controle da jornada, ante a peculiaridade dos serviços prestados.
Nas palavras do professor MARTINEZ, “ jornada de trabalho é o lapso temporal em que o empregado mantém-se à disposição do empregador por um dia”.
Vale acrescentar que andou bem a nova legislação aplicável aos domésticos, vez que a fixação da jornada de trabalho é meio pelo qual se preserva a saúde do trabalhador, vez que o excesso leva ao desgaste físico e mental, o que reduz a produtividade do obreiro e propicia o surgimento de doenças ocupacionais.
Ocorre que a peculiaridade dos serviços prestados em ambiente doméstico remete a uma dificuldade na fiscalização, vez que na maior parte dos lares brasileiros, principalmente a empregada doméstica passa os dias sozinha, mitigando sobremaneira o poder de fiscalização do empregador, vez que seria inviável a aquisição de equipamento biométrico para aferição correta da jornada laboral.
Por fim, de se destacar que em caso de reclamação trabalhista visando a percepção de referida verba, a prova testemunhal é por demais complexa ante a natureza dos serviços prestados.
Não obstante as lacunas e os problemas atinentes a falta de clareza de alguns pontos da norma, inegável se reconhecer sua relevância.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por certo, essas breves linhas e modestos apontamentos não pretendem esgotar um assunto tão profundo, desafiador e que merece pronta resposta do Judiciário.
Nessa vertente, de se anotar que princípios norteadores das relações de trabalho estão sendo, ainda de que modo tímido observados pelo legislador constitucional ou infraconstitucional para conferir direitos básicos a este tipo de trabalhador, consagrando, assim, um início de observância aos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa
Desta feita, coube a este trabalho não o esgotamento do problema, mas, talvez, uma orientação para um melhor entendimento e maior preocupação com a matéria.
Informações Sobre o Autor
Cleidilene Freire Souza Amorim
Advogada militante na área trabalhista. Pós-graduada em Direito Processual do Trabalho pela Faculdade Uniderp-Anhanguera. Professora Universitária Titular das Cadeiras de Direito do Trabalho I Direito do Trabalho II e Direito Processual do Trabalho