Resumo: O presente estudo trata da atuação do Ministério Público do Trabalho na defesa em juízo dos direitos transinviduais com especial foco na legitimidade do Parquet para atuar na defesa dos chamados direitos individuais homogêneos e ao final verifica-se se a defesa destes direitos pode ser realizada no bojo de uma Ação Civil Pública levando-se em consideração as diferenças que a doutrina e a jurisprudência instituíram entre a Ação Civil Pública e a Ação Civil Coletiva.
Palavras-chave: Ministério Público do Trabalho. Tutela. Direitos individuais homogêneos.
Resumen: El presente trabajo aborda el papel del Ministerio Publico del Trabajo en la defensa en la corte de los derechos transinviduales con especial énfasis en la legitimidad del Parquet de actuar en defensa de los llamados derechos individuales homogéneos y al final le pedimos se la defensa de estos derechos puede llevarse a cabo en medio de una acción civil pública teniendo en cuenta las diferencias que la doctrina y la jurisprudencia establecen entre la Acción Civil Pública y Acción Colectiva Civil.
Palabras-clave: Ministerio Publico Del Trabajo. Defensa. Derechos individuales homogêneos.
Sumário: Considerações Iniciais. 1. Escorço Histórico. 1.1. Ministério Público do Trabalho. 1.2. Ação Civil Pública. 2. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho. 2.1. Cabimento e Competência. 2.2. Objeto. 2.3. Legitimidade ad causan. 2.3.1. Legitimidade Ativa. 2.3.2. Legitimidade Passiva. 3. Atuação do Ministério Público do Trabalho. 3.1. Atuação na Qualidade de Parte e na Qualidade de Custos Legis. 3.2. Tutela dos Direitos Difusos e Coletivos. 3.3. Tutela dos Direitos Individuais Homogêneos. 3.4. Ação Civil Pública versus Ação Civil Coletiva. Considerações Finais.
Considerações Iniciais
O presente trabalho trata da possibilidade de atuação do Ministério Público do Trabalho especificamente no que concerne à proteção de direitos individuais homogêneos. Na condução da presente pesquisa, adotamos o método categórico-dedutivo, com enfoque na abordagem hermenêutica.
A importância e relevância do tema ora tratado é patente. Atualmente, muito se tem pesquisado acerca dos chamados “novos direitos”, quais sejam, os direitos metaindividuais. Doutrina e jurisprudência vêm tentando traçar as principais diferenças entre os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Ademais, também se tem buscado conferir a tutela jurídica adequada a tais direitos, instituindo-se um sistema processual coletivo que atenda às particularidades dos direitos transindividuais.
O Brasil, atualmente, é um dos países que possui o sistema processual coletivo mais avançado. Não obstante, ainda não temos um Código de Processo Civil Coletivo, sendo o referido sistema processual composto por diversos diplomas legais, como o Código de Defesa do Consumidor, a Lei da Ação Civil Pública, Lei da Ação Popular e o próprio Código de Processo Civil, aplicado sempre subsidiariamente e desde que não seja incompatível.
Neste contexto, as ações coletivas ganham espaço nos estudos jurídicos, mormente em se considerando as repercussões sociais que as lesões a direitos transindividuais causam, já que tais direitos, diferentemente dos clássicos direitos individuais, não pertencem a um único sujeito, sendo que, às vezes, sequer é possível determinar os seus titulares. Assim, muitas vezes, uma lesão a um direito metaindividual acaba por lesionar a sociedade como um todo, e as ações coletivas são o remédio heróico apto a evitar e reparar tais lesões.
No âmbito das relações de trabalho, é muito comum a ocorrência de lesão a direitos coletivos lato sensu, de modo que a ação civil pública é amplamente utilizada na Justiça do Trabalho, normalmente para tutelar direitos de classes de trabalhadores. Órgão incumbido de atuar na defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais indisponíveis, do regime democrático, enfim, dos interesses públicos primários, o Ministério Público do Trabalho, Parquet especializado na seara laboral, vem atuando com primor na defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores, tendo como principal instrumento de atuação a Ação civil pública. Não obstante, ainda há discussões acerca da legitimidade do Ministério Público do Trabalho atuar também na tutela dos direitos individuais homogêneos, havendo quem afirme que tal função foi conferida aos sindicatos, cabendo ao Ministério Público do Trabalho tutelar, por meio de ação coletiva, tão somente os direitos difusos e coletivos.
Para compreendermos o presente e buscarmos melhoras no futuro, faz-se necessário bem conhecermos o passado. Assim, iniciaremos o presente estudo analisando o escorço histórico da Ação civil pública, bem como do Ministério Público do Trabalho. Tal tema será objeto de análise do primeiro capítulo, sendo que, inicialmente, analisaremos o surgimento e evolução do Ministério Público do Trabalho, órgão este que nasceu vinculado ao Poder Executivo e, com a Constituição Federal de 1988 foi alçado à condição de instituição autônoma, permanente, desvinculada dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Após, estudaremos o surgimento das ações coletivas, com ênfase em sua evolução nos Estados Unidos, Inglaterra e no direito pátrio, até chegarmos à configuração atual da ação civil pública no Brasil.
No segundo capítulo, o tema ficará mais restrito, haja vista que trataremos da Ação civil pública especificamente na Justiça do Trabalho, estudando todos os seus elementos, tais como objeto, cabimento, competência (territorial, material e funcional), legitimidade (ativa e passiva).
Já o terceiro capítulo é dedicado ao tema central do presente estudo; o capítulo inicia-se com a análise da atuação do Ministério Público do Trabalho, passando-se pelas atuações judicial e extrajudicial e na qualidade de parte e de fiscal da lei. Após, tratamos da atuação do Parquet Laboral na tutela dos direitos coletivos e difusos, sendo que a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para tal atuação encontra-se amplamente consolidada, mormente em se considerando que há previsão legal expressa nesse sentido. Por fim, analisamos a possibilidade de o Ministério Público do Trabalho tutelar direitos individuais homogêneos e se tal tutela, em juízo, pode se dar por meio da propositura de Ação civil pública ou de Ação civil coletiva.
Para o terceiro capítulo, foi necessária uma pesquisa bem ampla da jurisprudência pátria, bem como de trabalhos doutrinários, principalmente para se verificar se há diferenças entre a Ação civil pública e a Ação civil coletiva, bem como para verificar as opiniões atualmente existentes acerca da possibilidade de o Parquet Laboral atuar na defesa de direitos individuais homogêneos, não obstante não haja previsão legal neste sentido.
Aproveitamos para sinalizar nosso posicionamento de que, tratando-se da defesa de direitos coletivos lato sensu, que dizem respeito à coletividade como um todo, quanto mais legitimados tivemos para tal mister, mais efetiva será a tutela destes direitos. Assim, defendemos a possibilidade de o Ministério Público atuar na defesa de todas as espécies de direitos transindividuais, aí incluídos os direitos individuais homogêneos, mormente se levarmos em consideração o alto nível de especialização técnica que os membros do Parquet possuem para tal atuação.
1. Escorço Histórico
Para iniciarmos o estudo acerca da possibilidade de o Ministério Público do Trabalho, por meio de Ação Civil Pública, atuar na tutela de direitos individuais homogêneos, faz-se necessário um prévio estudo acerca do surgimento e da evolução histórica do Ministério Público do Trabalho, bem como das ações coletivas.
Isto porque, para que bem possamos entender o momento presente, temos de entender o passado. Mediante o estudo do surgimento e da evolução histórica de determinados institutos é que podemos bem entender o momento atual e buscar melhorias efetivas para o futuro. A análise da evolução histórica é de suma importância no Direito, eis que a própria evolução e transformação do Direito encontram-se intimamente ligadas às mudanças da sociedade como um todo, eis que o Direito não é permanente, sofre mudanças junto com a sociedade e a configuração do Estado.
Desta feita, para que possamos estudar o instituto da Ação Civil Pública, bem como os limites de atuação do Ministério Público do Trabalho no contexto atual, faz-se necessário um breve estudo acerca de suas origens, de sua evolução histórica e também de sua evolução legislativa. É o que faremos neste primeiro capítulo.
1.1. Ministério Público do Trabalho
A palavra “ministério”, do latim, ministerium, expressa ofício, cargo, equivalendo a mister. A origem do Ministério Público é um tema polêmico, não havendo, a este respeito, uniformidade na doutrina. Há quem afirme que a instituição teve sua origem no Egito há mais de quatro mil anos, na figura do magiaí, funcionário real do Egito. Há, por outro lado, quem afirme que a origem do Ministério Público ocorreu na Antiguidade Clássica, enquanto outros invocam a Idade Média como marco histórico.
De acordo com os ensinamentos de Carlos Henrique Bezerra Leite, “tradicionalmente, sustenta-se que o Ministério Público teve origem na Ordenança, de 25 de março de 1302, do rei francês Felipe IV, o Belo, o qual impunha a seus procuradores prestarem o mesmo juramento dos juízes, proibindo-lhes o patrocínio de outros que não o rei” (2011, p. 28).
No Brasil, utilizou-se, pela primeira vez, a expressão Ministério Público no ano de 1847, no artigo 18 do Regimento das Relações do Império; contudo, foi somente com a Constituição Federal de 1988 que o parquet alcançou maior status, com posição destacada dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, ganhando características próprias de instituição permanente, autônoma, independente e essencial à Justiça. Atualmente, o Ministério Público é um órgão do Estado, de natureza constitucional, que atua em prol da sociedade e do interesse público primário.
A história do Ministério Público do Trabalho, por sua vez, se confunde, em suas origens, com a própria história da Justiça do Trabalho, e se desenvolve paralelamente a ela, como seria natural de um órgão que tem por função oficiar perante esta Justiça Especializada.
A Justiça do Trabalho surgiu com o Decreto nº 16.027/1923, o qual criou o Conselho Nacional do Trabalho – CNT, vinculado ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, portanto, ao Poder Executivo.
Em 1931 foi editado por Getúlio Vargas o Decreto Legislativo nº 19.667, que instituiu o Departamento Nacional do Trabalho, subordinado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, onde passou a funcionar um Procurador-Geral.
Editado em 15/06/1939, o Decreto-Lei nº 1.346, que tratava do Conselho Nacional do Trabalho, dedicou o Capítulo V à Procuradoria do Trabalho, definindo-a como órgão de coordenação entre a Justiça do Trabalho e o Mistério do Trabalho, Indústria e Comércio. Dentre as suas principais atribuições destaca-se as de oficiar nos processos, funcionar nas sessões, realizar diligências, promover a execução e recorrer das decisões.
Em 1940 foi editado o Decreto-Lei nº 2.852, passando a Procuradoria do Trabalho a denominar-se Procuradoria da Justiça do Trabalho.
A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, conforme já mencionado, definiu o Ministério Público como “instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
O Ministério Público do Trabalho, instituição jurídica desvinculada dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, é responsável pela defesa da ordem jurídica trabalhista e dos direitos e interesses indisponíveis dos trabalhadores. Tem como fonte normativa indispensável para a sua atuação a Constituição Federal, leis infraconstitucionais e a farta legislação internacional relativa aos Direitos Humanos e ao Direito do Trabalho, especialmente as normas elaboradas no seio da Organização Internacional do Trabalho – OIT.
Insta salientar que o Brasil é o único país que possui um Ministério Público especializado na área trabalhista, o que demonstra a preocupação que o país possui em efetivar os direitos sociais dos trabalhadores, direitos estes considerados como fundamentais. Otávio Brito Lopes, em artigo publicado em 2012, também menciona o fato de o Ministério Público do Trabalho ser genuinamente brasileiro: “Não são tantos os países que possuem um órgão jurisdicional especializado em matéria trabalhista, e o Brasil é o único que possui um Ministério Público do Trabalho, especializado na área trabalhista. Podemos dizer, que a experiência de um Ministério Público Social, voltado para as questões relacionadas ao mundo do trabalho e ao direito laboral, é inédita no mundo. Trata-se, como o mandado de segurança e a duplicata, de experiência brasileira, com grande potencial para ser estendida aos mais diversos rincões” (2012, p. 67).
Por ser a Constituição, essencialmente, uma Carta de princípios, não raro faz-se necessária a edição de normas infraconstitucionais para que os institutos nela contemplados possam ser efetivamente implementados.
Assim, aos dias 20 de maio de 1993 foi promulgada a Lei Complementar nº 75, Lei Orgânica do Ministério Público da União, a qual dispõe acerca da organização, atribuições e o estatuto do Ministério Público da União, do qual fazem parte o Ministério Público Federal, Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, Ministério Público Militar e, por fim, mas não menos importante, o Ministério Púbico do Trabalho.
São inúmeras as atribuições do Ministério Público do Trabalho, contudo, é possível sintetizar que duas são as formas básicas de sua atuação: judicial e extrajudicial. A primeira resulta de sua atuação nos processos judiciais, seja na qualidade de parte, seja como fiscal da lei. A segunda concerne à sua atuação fora do âmbito dos processos judiciais, isto é, em sede administrativa, conforme preveem os artigos 83 e 84 da LC 75. Não raro, a atuação extrajudicial poderá acabar resultando no surgimento de ações judiciais.
Desde 2003, o Ministério Público do Trabalho elegeu cinco áreas prioritárias de atuação, instituindo as Coordenadorias Nacionais Temáticas para estudos, discussão e elaboração de planejamento estratégico das investigações, todas em consonância com os fins das Convenções e Recomendações fundamentais da OIT. São elas: erradicação do trabalho infantil e regularização do trabalho do adolescente; combate ao trabalho escravo e regularização do trabalho indígena; combate a todas as formas de discriminação no trabalho; preservação da saúde e segurança do trabalhador e regularização dos contratos de trabalho.
Os Procuradores, para bem realizar seu mister, contam com diversos instrumentos de atuação, dentre os quais se destacam especialmente o Termo de Ajuste de Conduta e a Ação Civil Pública.
O Termo de Ajuste de Conduta – TAC é um instrumento de natureza administrativa e extrajudicial que tem por finalidade colher o compromisso dos investigados em obrigações de fazer e/ou não fazer, para solver as irregularidades constatadas, sempre com a cominação de multa (astreinte) em caso de descumprimento.
A doutrina juslaboral majoritária só admitia, com base na literalidade do artigo 876 da CLT, a execução perante e Justiça do Trabalho fundada em título executivo judicial, isto é, acordo judicial (conciliação) não cumprido ou sentença.
Com o advento da Lei 8.078/1990 – CDC, cujo artigo 113 acrescentou o § 6º ao artigo 5º da Lei 7.347/1985 – LACP, a matéria retornou à ordem do dia, uma vez que os órgãos legitimados para a ação civil pública, nos termos da inovação legislativa, poderão tomar dos interessados compromisso de ajuste de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, sendo que o referido termo terá eficácia de título executivo extrajudicial.
O Ministério Público do Trabalho, ao receber denúncia que verse sobre lesão a direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, pode propor, de imediato, ação civil pública ou instaurar, no âmbito administrativo, inquérito civil público ou procedimento investigatório, com o escopo de formar seu convencimento e instruir a petição inicial com elementos comprobatórios mais seguros para propositura responsável da ação.
No curso do inquérito civil público ou procedimento investigatório, a lei faculta ao Parquet tomar dos inquiridos/investigados, termo de compromisso, também denominado termo de ajuste de conduta, por meio do qual se evita o ajuizamento da demanda, sanando-se, pela via extrajudicial, a ilegalidade detectada. Deste termo também deve constar uma cominação, normalmente uma astreinte, para o caso de descumprimento das obrigações assumidas.
A Ação Civil Pública tem se destacado como o principal instrumento da atuação judicial do Ministério Público do Trabalho, sendo o meio apto para postular, perante a Justiça do Trabalho, uma sentença condenatória em obrigações de fazer e não fazer, em indenizações reparatórias, bem como por danos morais coletivos.
A despeito da Lei 7.347/85 haver previsto a legitimidade do Ministério Público de forma ampla para propositura da Ação Civil Pública, foi somente após a Constituição de 1988, a qual alterou as funções do Ministério Público do Trabalho e a Lei Complementar 75/93, que regulamentou tais funções, que o Ministério Público do Trabalho começou a ajuizar ações coletivas para a defesa de interesses metaindividuais no âmbito da Justiça do Trabalho.
Inicialmente, chegou-se a defender a inaplicabilidade da Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho, não obstante a inexistência de qualquer vedação legal. A celeuma somente terminou com a edição da Lei Complementar 75/93, que previu expressamente o cabimento desta Ação constitucional perante a Justiça Especializada, conforme se depreende do artigo 83, III. Desde então, a Ação Civil Pública passou a constituir o principal instrumento de atuação judicial do Ministério Público do Trabalho para a salvaguarda de interesses metaindividuais.
1.2. Ação Civil Pública
Desde o direito romano, a regra geral sempre foi a postulação e defesa individual dos direitos, cabendo tal defesa ao próprio titular, eis que, neste primeiro momento, a representação processual cingia-se aos clássicos casos de incapacidade. Em um segundo momento, surgem as ações populares romanas ou populares actiones, as quais poderiam ser propostas por qualquer cidadão em casos criminais ou de ofensa à coisa pública. Tais ações dividiam-se em públicas em privadas. As primeiras tutelavam os direitos da comunidade como um todo, podendo ser propostas por qualquer do povo. Já as segundas, também tendo como legitimado ativo o cidadão, prestavam-se a tutelar o direito de outro indivíduo, também membro da comunidade.
As ações populares romanas portavam características peculiares, eis que não podiam ser transmitidas passivamente aos herdeiros e não se admitia a representação processual do autor; tais ações, ademais, não poderiam durar mais do que um ano a contar da data do fato que lhes deu origem e, por fim, uma vez decididas, a coisa julgada poderia ser oposta em face de qualquer outro cidadão que viesse a propô-la novamente (efeito erga omnes da decisão).
Neste contexto, conforme ensina Eduardo Henrique Raimundo Von Adamovich: “Os romanos, com efeito, não só desenvolveram a ideia de representação processual popular, mas também aquela outra de personificação de coletividades para o exercício de capacidade individual, como se dá no exemplo clássico dos collegia. A teorização da personalidade ficta das corporações ou coletividades, porém, de acordo com os mais recentes estudos, parece só ter se desenvolvido a partir do século XIII, quando passou a ser objeto de indagação científica de juristas, tanto no sistema da Common Law quanto naquele outro romano-germânico” (2005, p. 38).
No estudo da evolução histórica das ações coletivas, importante analisarmos a evolução dos sistemas inglês, norte-americano e, por último, do direito pátrio. Comecemos, então, analisando o surgimento e evolução das ações coletivas no sistema inglês.
No ano de 1066, os ingleses já tinham um sistema legal próprio e, com a conquista normanda nesse mesmo ano, o sistema legal inglês não foi rejeitado pelos invasores, mas sofreu o acréscimo de alguns institutos alienígenas de organização administrativo-judiciária. Ao século XII, os institutos anglo normandos chegaram consolidados no sistema legal único da common law.
No reinado de Henrique II, no ano de 1255, já havia referência específica aos litígios coletivos; um writ expedido ao arcebispo de Canterbury permitia expressamente que três ou quatro homens representassem uma aldeia.
A consolidação da common law foi o primeiro passo para o aperfeiçoamento, no sistema jurídico inglês, de formas típicas de postulação coletiva, sendo que a existência de um sistema consolidado distanciou esse sistema jurídico do sistema romano, o qual privilegiava as formas individuais de postulação. Não obstante, não seria propriamente na common law que as ações coletivas ganhariam sistematização. É que no século XIII, surge um sistema paralelo para satisfazer as necessidades da época, o sistema da equity, nos qual as partes recorreriam ao chanceler real, confessor do rei, normalmente um jurista, o qual decidia por delegação do rei e de seu Conselho.
Neste contexto, o sistema da equity passa a conviver em conjunto com a common law e, em momento posterior, as duas são unificadas na competência de todos os tribunais ingleses pelos Judicature Acts.
Contudo, é nas cortes da equity que encontramos as bases da sistematização processual da postulação coletiva. Nessa época, as questões versavam muito mais sobre direito de propriedade e seus atributos feudais.
A lentidão dos procedimentos na equity somada ao predomínio filosófico-ideológico individualista representaram a queda das ações coletivas. Acerca do aparecimento do novo instituto da relator action, afirma Eduardo Adamovich que “a necessidade de emprestar representação a outras formas mais novas de agregação de interesses, por outro lado, vem a ser desenvolvida pelo instituto da relator action, pelo qual qualquer do povo pode agir como legitimado extraordinário, desde que autorizado para tanto pelo Attorney General, figura comparável entre nós ao Procurador-Geral no Ministério Público” (VON 2005, p. 52).
O retrocesso das ações coletivas no direito inglês, atualmente, é evidente, estando sua aplicabilidade mais restrita em relação ao passado. Nos dias de hoje, o sistema inglês busca aproximar-se daqueles outros da civil law.
Passemos, agora, a analisar a evolução das ações coletivas no sistema jurídico norte-americano. O momento de recepção das ações coletivas pelos Estados Unidos parece pouco preciso, contudo, afirma-se que a primeira previsão para litígios coletivos em cortes federais teria ocorrido em 1833, por meio da Equity Rule 48, a qual admitia a figura da representação coletiva em caso de partes muito numerosas, sendo que, em tais casos, a decisão proferida não poderia prejudicar direitos de terceiros não integrantes da lide.
Em 1938 foram adotados pela Suprema Corte as chamadas Federal Rule of Civil Procedure, as quais representaram significativas mudanças na estrutura federal do processo civil norte-americano.
Criou-se três subespécies de ações coletivas (class actions): a primeira, denominada “verdadeira” (true) produzia a vinculação dos ausentes; a segunda, denominada “espúria” (spurious), vinculava apenas os ausentes que neste sentido tivessem se manifestado; por fim, tínhamos as denominadas “híbridas” (hybrid), as quais atingiam os ausentes apenas em alguns termos.
Nessa época, quando da postulação para procederem como classe, os autores já tinham de enquadrar o caso em uma das três categorias supra, sendo que, após, sobreviria uma decisão judicial acatando ou não tal condição de classe. Tal procedimento, como se pode facilmente perceber, era extremamente complexo e dificultoso.
A Rule 23, documento da época que tratava das class actions, foi revisada em 1966, reescrevendo os requisitos das class actions e abandonando-se a terminologia anterior que classificava as ações em “verdadeiras”, “espúrias” e “híbridas”.
Seriam quatro os pré-requisitos para uma class action: a classe deveria ser sobremaneira numerosa, a ponto de ser impraticável a reunião dos membros; existência de questões de fato e de direito comuns às partes; as partes representativas deveriam proteger os interesses das classes de maneira adequada; e as demandas e as exceções das partes deveriam ser típicas da classe.
À época do governo conservador de Ronald Reagan, houve uma acomodação legislativa no tocante às ações coletivas. Contudo, na prática, viu-se florescer uma nova forma de litígio em massa envolvendo diversas pessoas, como trabalhadores e consumidores, submetidas à contínua exposição a substâncias tóxicas (amianto). Nesse contexto, pôde-se perceber a impossibilidade de julgamento individual dessas incontáveis ações sem o comprometimento da celeridade e efetividade da tutela jurisdicional.
Havia, como forma de solução, a reunião das ações para que houvesse instrução/julgamento únicos, contudo, tais procedimentos mostraram-se ineficientes e inadequados. Visando preservar o valor maior do acesso à justiça, a jurisprudência norte-americana, para admissão dessas novas formas de ações, chamadas de class actions for damages, sintetizou os pré-requisitos da prevalência e da superioridade. A prevalência consiste em fazer prevalecer as questões de fato e de direito comuns sobre as de caráter individual. Por sua vez, a superioridade significa que a sentença, na tutela coletiva, deve ser mais ágil e adequada do que na individual.
Verifica-se que as ações que visam tutelar bens jurídicos de interesse coletivo ou difuso são mais antigas em nosso direito do que se imagina. Ora, o direito português, pela Constituição de 1824 já reconhecia as ações populares, as quais tinham por legitimado ativo qualquer do povo, tendo por objeto a tutela dos bens públicos.
O direito processual, antes considerado autônomo e totalmente independente do direito material (escola sistemática), passou por transformações, sendo considerado atualmente um instrumento necessário à efetivação do direito material; neste contexto, o direito processual não é dependente do direito material, mas deste também não se dissocia completamente, não sendo possível desvincular as ideias de ação e de defesa do direito material.
A transformação da sociedade e do Estado, com a implementação do Estado-Providência e abandono da ideia do Estado Liberal, culminou no surgimento de novos direitos fundamentais. Isto porque a sociedade pôde perceber que a mera liberdade formal não bastava, sendo necessário que o Estado implementasse efetivamente os direitos sociais, conferindo proteção às posições sociais menos privilegiadas. Nesse diapasão, ganha relevo, para a efetiva proteção desses novos direitos fundamentais, a confecção e estruturação de novas técnicas processuais idôneas.
Com o surgimento desses “novos direitos”, o direito processual tradicional, pautado na tutela individual dos direitos, precisou sofrer algumas inovações, eis que não se mostrou apto a solucionar, efetivamente, as chamadas lesões em massa. Mostrou-se necessária a criação de um sistema de processo coletivo, com princípios e regras próprias, legitimação ativa sui generis e instrumentos próprios para que se preste a tutela efetiva e adequada aos direitos coletivos lato sensu.
Há quem afirme que, no Brasil, foi na seara trabalhista que surgiu a preocupação com a tutela processual dos direitos coletivos, sendo a ação de dissídio coletivo a forma de defesa, na justiça do trabalho, de direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Contudo, a Consolidação das Leis do Trabalho, ao tratar dos dissídios coletivos, o fez de forma superficial. Ademais, os dissídios coletivos não se confundem com as ações propriamente coletivas, eis que, enquanto aqueles primeiros visam formular um novo regramento para a questão posta em juízo (poder normativo da Justiça do Trabalho), as últimas visam solucionar as questões mediante a aplicação de legislação preexistente. Assim, foi a Lei 7.347/85 que tratou com tema de forma mais sistematizada.
Inspirado na experiência norte-americana das class actions, o primeiro texto legal a tratar da ação civil pública no sistema processual brasileiro foi a Lei Complementar nº 40/81 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) em seu artigo 3º, inciso III, porém o fez de forma ainda muito restritiva. No mesmo ano, foi editada a Lei 6.938, cujo artigo 14, §1º conferia legitimidade exclusiva ao Ministério Público para atuar na defesa dos direitos e interesses difusos da sociedade em tema de meio ambiente. Foi a Lei nº 7.347/1985 que, numa visão progressista, ampliou tal instituto consideravelmente, sendo somente a partir da edição dessa lei que se tutelou, efetivamente, direitos difusos e coletivos.
A Constituição Federal de 1988 alçou-a como instrumento da cidadania, destinado à defesa de quaisquer interesses metaindividuais da sociedade. Ao prever como função institucional do Ministério Público a propositura da Ação Civil Pública, a Constituição de 1988 recepcionou expressamente a Lei da Ação Civil Pública. Ainda, também foi com a Constituição de 1988 que se instituiu ações específicas para a tutela de interesses metaindividuais, a exemplo do Mandado de Segurança Coletivo, Ação Popular e a própria Ação Civil Pública.
A edição do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) também constituiu um grande marco no que concerne à tutela de interesses metaindividuais; atualizou o texto da Lei 7.347/85, inserindo o inciso IV ao artigo 1º, o qual ampliou o objeto da Ação Civil Pública para proteção de qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
Ademais, também foi o Código de Defesa do Consumidor que trouxe o conceito de direitos coletivos e difusos, além de prever uma nova classe de direitos metaindividuais: os direitos individuais homogêneos, que alguns autores afirmam tratar-se de direito essencialmente individuais, porém, acidentalmente coletivos.
O sistema processual coletivo, no Brasil, tem evoluído com extrema rapidez e vem se mostrando altamente eficaz para a adequada tutela de direitos transindividuais. Apesar de a legislação em comento estar esparsa, em razão de não termos um Código de Processo Coletivo, o regramento conferido ao tema no direito pátrio mostra-se bastante elevado, sendo admirado por diversos países.
2. Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho
A Constituição Federal de 1988 inovou o regime jurídico ao demonstrar preocupação não somente com os direitos de primeira dimensão (direitos individuais, que exigiam um non faccere por parte do Estado) e com os direitos de segunda dimensão (direitos sociais, econômicos e culturais, os quais exigem prestações positivas por parte do Estado). Concomitantemente a esses direitos, a Carta Magna de 88 também se preocupou em tutelar os direitos humanos de terceira dimensão, denominados novos direitos ou direitos metaindividuais. Isso porque, diferentemente do sistema constitucional anterior, a Constituição de 88 estabeleceu que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, sem restringir tal defesa apenas aos direitos individuais. Assim, onde a Constituição não restringiu, não cabe ao intérprete restringir.
Tal também é a opinião de Carlos Henrique Bezerra Leite: “A expressão “direito”, prevista no novo texto constitucional, abrange qualquer direito (ou interesse), seja individual (homogêneo ou não), coletivo ou difuso, mesmo porque, em se tratando de norma fundamental, que positiva direitos humanos de terceira dimensão, como são os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos, a interpretação há de ser sempre extensiva, ampliativa, razão pela qual não tem lugar, in casu, a interpretação restritiva” (2011, p. 183).
Tais direitos metainvididuais têm a particularidade de não possuírem destinatário individualizado, não pertencem ao homem singularmente considerado, mas ao próprio gênero humano, podendo citar como exemplo desses novos direitos o direito à fraternidade, à paz, meio ambiente hígido e sadio etc.
Com o surgimento desses novos direitos e a multiplicação dos chamados conflitos em massa, surge a necessidade de criação, pelo Estado, de novos instrumentos jurídicos aptos a promover a proteção dos direitos metaindividuais e solucionar satisfatoriamente tais conflitos de massa, conferindo a tutela jurídica adequada. É neste contexto que surge a Ação Civil Pública, espécie de Ação Coletiva.
Nunca é demais lembrar que as ações coletivas são meios de solução de conflitos coletivos, sendo que o conflito será coletivo quando envolver direitos coletivos lato sensu. Ademais, quando tais conflitos forem decorrentes de relação de trabalho, firmar-se-á a competência material da Justiça do Trabalho para processar e julgar a ação eventualmente proposta.
Os meios de solução dos conflitos coletivos de trabalho são os mais variados, podendo ser divididos em dias espécies: meios autocompositivos, meios heterocompositivos. Os meios autocompositivos de solução caracterizam-se pelo fato de o poder de solucionar o conflitos pertencer às próprias partes ou apenas de uma delas; não há, nestes casos, um terceiro que irá ditar a melhor solução.
Os meios heterocompositivos, por sua vez, caracterizam-se pela presença de um terceiro, o qual decidirá o conflito com força obrigatória sobre os litigantes, como exemplo, a arbitragem e a solução jurisdicional. Diante do exposto, verificamos que as ações coletivas constituem meios heterocompositivos judiciais de solução dos conflitos coletivos de trabalho.
José Cláudio Monteiro de Brito Filho assim dispõe acerca dos meios de solução jurisdicionais: “É que as principais ações existentes para a solução dos conflitos coletivos de natureza jurídica são: a reclamação trabalhista; a ação de cumprimento; a ação civil pública; a ação civil coletiva e a ação anulatória de cláusulas convencionais. Sem pretender fazer mais que uma descrição sumária destas ações, podemos dizer o seguinte: a primeira, a reclamação trabalhista, é a mesma utilizada para a solução dos dissídios individuais, alterando-se, em relação a ela, basicamente os legitimados ativos que, nos conflitos coletivos de natureza jurídica, são o sindicato profissional (art. 8º, III, da Constituição da República), o Ministério Público do Trabalho (art. 83, I, da Lei Complementar n. 75/93) e os interesses defendidos, que são coletivos” (2012, p. 237).
A ação civil pública, atualmente regulamentada pela Lei 7.347/85, possui a finalidade de tutelar os direitos e interesses metaindividuais (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos). Trata-se de uma espécie de ação coletiva, de natureza civil e que possui procedimento especial, com algumas peculiaridades em razão dos interesses tutelados.
Como se destina à defesa de direitos e interesses metaindividuais, prima facie, as regras do direito processual civil não se aplicam à Ação Civil Pública. Com o fito de conferir a tutela jurisdicional justa, adequada e célere, tornou-se necessária a confecção de um sistema diferenciado que atendesse às necessidades do processo coletivo.
Atualmente, possuímos um microssistema processual coletivo, o qual é formado pela união da Lei da Ação Civil Pública, das normas processuais que constam do Código de Defesa do Consumidor, a Lei da Ação Popular, contando, ainda, com a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil nos casos em que houver lacuna e desde que não seja incompatível com o regramento e com os fundamentos das ações coletivas. Obviamente, também às Ações Coletivas são aplicáveis as normas inscritas na Constituição Federal, haja vista que tais normas são a base fundamental de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Acerca do Sistema Único de Tutela Coletiva no Direito Brasileiro, em artigo publicado por Juliano Alexandre Ferreira: “O Sistema Único de Tutela Coletiva no Direito Brasileiro é composto pelas Leis 4.717/65 (Lei da Ação Popular), nº 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) e pela Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, as quais devem ser trabalhadas de forma interligada, realizando-se o diálogo das fontes, especialmente em razão do art. 117, da Lei 8.078/90, que inseriu o art. 21 à Lei 7.347/85. Além disso, outros diplomas normativos – como o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – que preveem a aplicação de dispositivos ao processo coletivo, devem ser aplicados neste, formando-se um sistema único, aplicando-se o Código de Processo Civil subsidiariamente. Na seara trabalhista, aplicar-se-á num primeiro momento a Consolidação das Leis do Trabalho e somente se esta for omissa ou suas disposições forem em sentido contrário aos princípios do processo coletivo é que será aplicado o Código de Processo Civil, desde que a regra a ser aplicada seja compatível com o Processo do Trabalho” (2012, p. 650).
Conforme já mencionado, apesar de a Lei 7.347/85 conferir ao Ministério Público, de forma ampla, a legitimidade para propor Ação Civil Pública, não havendo qualquer ressalva quanto à possibilidade da propositura de tal ação perante a Justiça Laboral, somente após a edição da Lei Complementar 75/93 (Lei Complementar do Ministério Público da União) é que o Ministério Público do Trabalho passou a propor ação civil pública perante a Justiça do Trabalho, eis que a referida Lei Complementar previu expressamente tal possibilidade, sepultando de uma vez por todas as dúvidas porventura existentes acerca do cabimento de tal ação perante esta Justiça Especializada, bem como as dúvidas acerca da legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho.
No campo do direito material e processual do trabalho, anteriormente à Ação Civil Pública, já se tinha o dissídio coletivo e a ação de cumprimento, sendo ambos instrumentos jurídicos destinados à tutela de direitos e interesses coletivos e individuais homogêneos da classe obreira.
Contudo, em razão da avalanche de conflitos na complexa relação capital-trabalho, somada à criação de novos direitos sociais para a classe trabalhadora, nos termos do artigo 7º e incisos da Carta Magna, nasce a necessidade da criação de um novo instrumento jurídico apto a viabilizar a efetivação desses novos direitos, bem como sua fruição pelos destinatários.
Diante dessa necessidade é que surgem o inquérito civil, no âmbito administrativo, e a ação civil pública, no âmbito judicial. Assim leciona Carlos Henrique Bezerra Leite: “O inquérito civil, no âmbito administrativo, e a ação civil pública, no âmbito judicial, surgem, nos dias atuais, como instrumentos efetivos de defesa não só dos direitos coletivos, as também dos direitos difusos e individuais homogêneos no campo da relação de trabalho” (2011, p. 176).
Desde feita, foi em razão do surgimento dos novos direitos, dos conflitos em massa, da nova configuração da sociedade, que surgiram as ações coletivas, dentre estas, a Ação civil pública, com o fito de prestar a tutela jurisdicional adequada a tais direitos.
Com as novidades trazidas pela Constituição de 1988, pela Lei Complementar 75/93 e pelo regramento do Processo Coletivo, principalmente no Código de Defesa do Consumidor, a jurisdição trabalhista passou a contar com três sistemas processuais distintos, um destinado à defesa dos direitos individuais, através da Reclamatórias Trabalhistas, outro destinado à defesa de direitos coletivos, visando à formação de um novo regramento para algumas relações coletivas de trabalho, por meio da propositura dos chamados dissídios coletivos, e um último, também destinado à tutela de direitos coletivos lato sensu, mediante aplicação de legislação preexistente.
Carlos Henrique Bezerra Leite bem sintetiza as três sistemáticas processuais hoje existentes na Justiça do Trabalho, vejamos: “Com relação ao direito processual do trabalho, pode-se inferir que, com a promulgação da CF, de 1988, do CDC, de 1990, e, mais tarde, da LOMPU, e 1993, a “jurisdição trabalhista” passou a ser constituída de três sistemas: a) o primeiro, que passaremos a chamar de jurisdição trabalhista individual, é destinado aos tradicionais “dissídios individuais” utilizados para solução das reclamações (rectius, ações) individuais ou plúrimas. Seu processamento é regulado pelo Título X, Capítulo III, da CLT e, subsidiariamente, pelo CPC, a teor do at. 769 consolidado; b) o segundo, doravante denominado jurisdição trabalhista normativa, é voltado para os dissídios coletivos de interesses, nos quais se busca, por intermédio do Poder Normativo exercido originalmente pelos Tribunais do Trabalho (CF, art. 114, §2º), a criação de normas trabalhistas aplicáveis às partes figurantes do “dissídio coletivo” e seus representados. Seu processamento é regulado pelo Título X, Capítulo IV, da CLT e, subsidiariamente, o CPC, por força da regra contida no mencionado art. 759 do texto obreiro; c) o terceiro e último sistema, aqui cognominado de jurisdição trabalhista metaindividual, é vocacionado, basicamente, à tutela preventiva e reparatória dos direitos ou interesses metaindivuduais, que são os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos” (2008, P. 86/87).
Quando proposta perante a Justiça do Trabalho, o processamento da Ação Civil Pública sofre algumas modificações a fim de se adequar às formalidades do Processo do Trabalho. As principais peculiaridades da Ação Civil Pública Trabalhista consistem nos prazos e nos recursos cabíveis, ambos adaptados ao regramento da ação trabalhista.
Nos próximos tópicos, passaremos a analisar o cabimento da ação civil pública perante a justiça do trabalho, os direitos e interesses que podem ser tutelados e a legitimidade ad causam para figurar tanto no polo ativo quanto no passivo.
2.1. Cabimento e Competência
Apesar de não mais haver dúvidas acerca do cabimento de ação civil pública perante a Justiça Laboral, importante tecermos alguns comentários acerca do tema. A competência da Justiça do Trabalho encontra-se prevista no artigo 114 da Constituição Federal nos seguintes termos: Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; II – as ações que envolvam exercício do direito de greve; III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores; IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição; V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o; VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho; VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir; IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.
Com a Emenda Constitucional 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho foi ampliada, passando esta Justiça Especializada a deter a competência material para processar e julgar quaisquer controvérsias decorrentes da relação de trabalho. É que, antes, apenas as relações de emprego integravam a competência material da Justiça do Trabalho.
Assim, podemos afirmar que caso a ação civil pública tenha por objeto controvérsia decorrente de relação de trabalho, a competência para apreciação será da Justiça do Trabalho, por expressa previsão constitucional. Por se tratar de competência em razão da matéria, temos que esta é absoluta e inderrogável, não sendo possível a apreciação da referida ação pela Justiça Comum ou por outra Justiça Especializada.
Desta forma, serão da competência da Justiça do Trabalho as ações civis públicas que visem tutelar direitos metaindividuais trabalhistas. Insta mencionar que tais ações coletivas têm sido amplamente utilizadas na seara trabalhista, eis que nas relações de trabalho encontramos uma enorme quantidade de lesões em massa, principalmente em razão de ser o empregador, essencialmente, um ser coletivo, de modo que seus atos provocam consequências amplas, podendo lesar, ao mesmo tempo, diversos, milhares de trabalhadores.
Nesse contexto, citamos como exemplos de campos de incidência da ação civil pública na Justiça do Trabalho os casos em que se visa tutelar o meio ambiente do trabalho e a saúde do trabalhador, o combate ao trabalho infantil e a regularização do trabalho do adolescente, combate às discriminações nas relações de trabalho, ao trabalho escravo, às terceirizações ilícitas, cooperativas de trabalho fraudulentas, assédio moral, casos de greve e de lime simulada.
A ação civil pública possui grande relevância por constituir o meio apto para prevenir e reprimir lesões a direitos e interesses metaindividuais. Contudo, na seara trabalhista, a importância da ação civil pública destaca-se ainda mais, tendo em vista a hipossuficiência do trabalhador, o qual, diante de ameaças de desemprego, não teria condições de bem tutelar seus direitos.
Nesse mesmo sentido, Raimundo Simão de Melo: “Há, contudo, outros fatores inibidores da defesa de tais direitos, como ocorre, por exemplo, no Direito do Trabalho, em que, além da subordinação econômica e da hipossuficiência presumida do trabalhador, sofre este ameaças do desemprego e até mesmo as retaliações praticadas por empregadores inescrupulosos em represália pela busca de uma reparação perante o Poder Judiciário Trabalhista. Por essas e outras razões verificadas em cada caso concreto, a Ação civil pública trabalhista representa uma adequada forma de acesso do cidadão ao verdadeiro direito de ação, que, individualmente, vem, em muitos casos, tornando simples retórica o comando do inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal, que diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito. Por isso, é considerada essa ação como um instrumento ideológico de satisfação dos direitos e interesses fundamentais da sociedade moderna” (2008, p. 89/90).
Podemos concluir a temática do cabimento afirmando a extrema importância da ação civil pública na seara trabalhista, eis que é nessa seara que mais encontramos lesões em massa e que, normalmente, atingem a própria saúde e integridade física dos trabalhadores. Por isso a necessidade de um instrumento célere e eficaz, capaz de conferir a tutela jurisdicional adequada aos direitos metaindividuais decorrentes de relação de trabalho.
No tocante à competência, esta se divide em material, funcional e territorial. A competência material já foi amplamente discutida no início deste tópico, razão pela qual iremos nos ater às outras duas modalidades de competência.
Quanto à competência funcional, temos que a ação civil pública é uma ação ordinária e que visa aplicar direito preexistente, não se confundindo com os chamados dissídios coletivos. Assim, ao passo que os dissídios coletivos são de competência funcional originária dos tribunais, as ações civis públicas, diante da falta de previsão nesse sentido, são de competência originária das Varas do Trabalho, ainda que o dano ultrapasse a jurisdição do juízo prolator da sentença. Havendo dano em mais de um local, será competente o juiz que primeiro receber a ação, pelo critério da prevenção, não havendo que se falar em competência originária dos TRTs ou do TST.
Sabendo-se que a competência originária para apreciação da ação civil pública é dos órgãos de primeiro grau (Varas do Trabalho), surge a problemática em relação à competência territorial, ou seja, dentre as diversas Varas do Trabalho que detêm a mesma competência, qual delas esta efetivamente há de fixar-se.
O artigo 2º, caput, da Lei 7.347/85 prevê a competência territorial do juízo do local do dano, o qual terá competência funcional para processar e julgar a causa. Por sua vez, o artigo 93, incisos I e II do Código de Defesa do Consumidor, estabelece a competência do juízo do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local ou de um dos juízos do foro da Capital do Estado ou do Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional.
Admitindo a aplicação do artigo 93, incisos I e II do Código de Defesa do Consumidor, a SDI-II do TST emitiu a Orientação Jurisprudencial com o seguinte conteúdo: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. EXTENSÃO DO DANO CAUSADO OU A SER REPARADO. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 93 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. Para a fiação da competência territorial em sede de Ação civil pública, cumpre tomar em conta a extensão do dano causado ou a ser causado, pautando-se pela incidência analógica do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor. Assim, se extensão do dano a ser reparado limitar-se ao âmbito regional, a competência é de uma das Varas do Trabalho da Capital do Estado; se for de âmbito supra-regional ou nacional, o foro é o do Distrito Federal”.
Nos termos dessa Orientação, competência no tocante à Ação civil pública trabalhista fica da seguinte maneira: quando o dano se restringir a um local, competente será uma das Varas do Trabalho do local do dano; quando o dano for regional, competente será uma das Varas do Trabalho da Capital do estado; por fim, quando o dano for supra-regional ou nacional, competente será uma das Varas do Trabalho do Distrito Federal.
Tal orientação foi alvo de severas críticas, eis que o artigo 93 dó Código de Defesa do Consumidor é aplicável às ações coletivas que visam tutelar direitos individuais homogêneos, não podendo ser aplicado indiscriminadamente às Ações civis púbicas trabalhistas, as quais tutelam, também, direitos difusos e coletivos.
Ademais, a fixação da competência nos termos da Orientação do TST acaba por dificultar sobremaneira a tutela efetiva dos direitos metaindividuais, principalmente no tocante à produção de provas. Imagine um ato que ocasione danos a direitos metaindividuais nos estados de São Paulo e Minas Gerais; tratando-se de dano supra-regional (abrange mais de uma região), a competência para julgar a ação civil pública seria de uma das Varas do Trabalho do Distrito Federal. Como o dano foi ocasionado fora do Distrito Federal, a instrução probatória tornar-se-ia mais dificultosa. Ademais, o causador do dano, réu na Ação civil pública, para poder defender-se, teria de se deslocar para o Distrito Federal, situação essa extremamente absurda. Assim, a competência fixada pela Orientação Jurisprudencial acabava por lesar o direito de defesa do réu e dificultar a produção de provas para instrução da ação e busca da verdade real. O ideal seria que se adotasse a previsão contida no artigo 2ª da Lei 7.347/85, com a competência concorrente das Varas do Trabalho dos locais do dano, utilizando-se do critério da prevenção.
Felizmente, no ano de 2012, a OJ 130 da SDI-II do TST ganhou nova redação, in verbis: “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. COMPETÊNCIA. LOCAL DO DANO. LEI 7.347/1985, ART. 2º. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, ARTIGO 93. I. A competência para a Ação Civil Pública fixa-se pela extensão do dano. II. Em caso de dano de abrangência regional, que atinge cidades sujeitas à jurisdição de mais de uma Vara do Trabalho, a competência será de qualquer das varas das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais do Trabalho distintos. III. Em caso de dano de abrangência suprarregional ou nacional, há competência concorrente para a ação civil pública das varas do trabalho das sedes dos Tribunais Regionais do Trabalho. IV. Estará prevento o juízo a que a primeira ação houver sido distribuída”.
Pelo que se vê, a nova redação da OJ 130 findou com os problemas relativos à produção de provas e ao direito de defesa, passando, finalmente, a adotar como critério de fixação de competência territorial o local em que o dano ocorreu ou deveria ocorrer, sendo que, em caso de dano suprarregional ou nacional, passaram a possuir competência concorrente todas as Varas do Trabalho das localidades atingidas, ainda que vinculadas a Tribunais do Trabalho distintos.
2.2. Objeto
O artigo 3º da Lei 7.347/85 dispõe que a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, ao passo que o artigo 11 da mesma lei prevê que na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.
Saliente-se que foi com o advento do Código de Defesa do Consumidor, o qual acrescentou o inciso IV ao artigo 1º da Lei 7.347/85, que a ação civil pública passou a constituir o meio apto para a tutela de qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
O artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável à ação civil pública, dispõe que, para a defesa dos direitos e interesses por ele protegidos, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela. Assim, como a lei não traz qualquer restrição, podemos afirmar que a ação civil pública pode ter por objeto um comando condenatório, declaratório, cautelar, mandamental, constitutivo positivo, constitutivo negativo, de liquidação, de execução ou qualquer outra espécie que seja necessária à tutela dos interesses metaindividuais em questão.
Deste modo, a ação civil pública pode ser utilizada para se obter uma decisão cominando obrigação de fazer, não fazer ou pagar, sempre com cominação, ainda, de astreinte em caso de descumprimento da ordem judicial.
Insta mencionar que já é pacífico o entendimento de que, no bojo da Ação civil pública, pode-se cumular pedidos de obrigação de fazer/não fazer e pagar quantia, não havendo qualquer impedimento para tal cumulação; é plenamente possível, ainda o pedido de condenação em dano moral coletivo nos casos em que haja um dano extrapatrimonial que afete a sociedade como um todo.
O dano moral coletivo já encontra fundamento legal, conforme se depreende do artigo 6º, incisos VI e VII do Código de Defesa do Consumidor, sendo que, na esfera do direito do trabalho, temos tidos diversas condenações em dano moral coletivo. Neste mesmo sentido, Raimundo Simão de Melo: “A esfera do Direito do Trabalho é bastante propícia para eclosão do dano moral, como vem ocorrendo com frequência e realmente reconhecem a doutrina e a jurisprudência, inclusive no ambiente laboral, em que são mais comuns as ofensas morais no sentido coletivo sctricto sensu. No Direito do Trabalho não são raros os casos de ocorrência de danos morais coletivos, por exemplo, com relação ao meio ambiente do trabalho, ao trabalho análogo à condição de escravo, ao trabalho infantil, à discriminação de toda ordem (da mulher, do negro, do dirigente sindical, do trabalhador que ajuíza ação trabalhista, do deficiente físico etc.), por revista íntima etc (2008, p. 105).
Quanto à possibilidade de se ter por objeto a reparação de direitos individuais homogêneos, tal tema será tratado mais adiante, no capítulo final do presente estudo. Por fim, insta salientar que a própria Lei 7.347/85, em seu artigo 12, autoriza a concessão de mandado liminar pelo juiz, com ou sem justificação prévia, a pedido da parte interessada ou até mesmo ex officio. Pela própria característica dos direitos metaindividuais, os pedidos de tutela de urgência são rotineiros, sendo que as tutelas de urgência pretendidas podem ser em relação ao próprio direito material vindicado (tutela antecipada) ou para proteção do processo (medida cautelar).
2.3 Legitimidade Ad Causam
Tradicionalmente, a legitimidade para agir embasa-se na previsão contida no artigo 6º do Código de Processo Civil, o qual dispõe que ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. Nestes termos, possui legitimidade para agir aquele que é titular do direito vindicado na ação, podendo, ainda, ser demandado, aquele que seja titular da obrigação correspondente.
A legitimidade das partes, em seus moldes tradicionais, mostra-se inadequada às Ações Coletivas, não tendo aplicabilidade a previsão contida no artigo 6º do Código de Processo Civil. Assim, na esfera dos direitos metaindividuais, essa condição da ação ganha novos contornos e características. Neste mesmo sentido, Marinoni: “Os direitos transindividuais e individuais homogêneos exigiram a remodelação dos antigos conceitos de legitimidade para a causa e de coisa julgada material, ligados ao processo civil estruturado para dar solução aos conflitos individuais, que concebia o legitimado como o titular do direito material e a coisa julgada material como algo que diz respeito somente às partes” (2008, p. 76).
2.3.1. Legitimidade Ativa
A legitimidade ativa diz respeito a quem pode ser autor da ação, a quem tem legitimidade para a defesa dos direitos levados a juízo. Conforme já mencionado anteriormente, em seus moldes tradicionais, a legitimidade para agir era conferida ao próprio titular do direito material violado ou ameaçado de lesão. Tal entendimento, contudo, não se aplica às ações coletivas. Contudo, a natureza jurídica da legitimidade ativa diferencia-se caso se trate de direito coletivos e difusos ou caso se trate de direitos individuais homogêneos.
Tratando-se de direitos individuais homogêneos, teremos a figura da legitimação extraordinária ou substituição processual, eis que o legitimado coletivo atua em nome próprio, defendendo direitos de outrem. Fala-se em substituição processual em razão de tais direitos poderem ser tutelados pelos próprios titulares, por meio de múltiplas ações individuais, eis que os direitos individuais homogêneos, essencialmente individuais, são divisíveis, sendo plenamente possível identificar seus titulares.
Diferentemente ocorre quando se trata da tutela de direitos difusos e coletivos. Nos dizeres de Raimundo Simão de Melo “por outro lado, tratando-se da tutela de direitos ou interesses difusos e coletivos (CDC, art. 81, incisos I e II), a legitimação para agir, como ocorre na Ação civil pública, não é extraordinária; trata-se de uma legitimação autônoma, uma vez que os titulares individuais do direito não podem agir “representando” os grupos, categorias, classes ou pessoas dispersamente considerados na comunidade porque aqui não se trata de uma atuação disjuntiva, no sentido alternativo, considerada entre os titulares do direito substancial e os legitimados coletivos” (2008, p. 132).
Tratando-se, então, de direitos difusos e coletivos, tendo em vista que os próprios titulares do direito não possuem autorização legal para atuar na tutelar de tais direitos, afirma-se que os entes coletivos possuem legitimidade autônoma, que decorre diretamente da lei.
A Lei 7.347/85 estabelece que têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar o Ministério Público, a Defensoria Pública, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista e as associações que estejam constituídas há pelo menos um ano e incluam, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Todos esses entes coletivos possuem legitimidade para propor ação civil pública para a tutela de direitos e interesses individuais homogêneos, sendo que, entre os entes já elencados, a legitimidade é concorrente e disjuntiva, de forma que podem atuar independentemente da autorização e/ou concordância dos demais.
Carlos Henrique Bezerra Leite afirma que “de todos os legitimados para a ação civil pública na esfera trabalhista, parece-nos que o Ministério Público do Trabalho é o único que resume aquelas condições. A capacitação técnica de seus membros é presumida em função do nível técnico e intelectual dos concursos públicos para ingresso na Instituição. A vitaliciedade e a inamovibilidade dos membros do MP estão a demonstrar que eles estão, em tese, a salvo de eventuais pressões dos poderosos e da classe econômica dominante. Finalmente, os membros do Parquet têm mais do que vontade política, pois a promoção da ação civil pública pelo MP, quando presentes os elementos materiais que empolgam o aforamento desta demanda coletiva, constitui um dever institucional, e não mera facultas agendi” (2011, p. 215/216).
2.3.2. Legitimidade Passiva
Os legitimados passivos na Ação civil pública, por sua vez, são todos aqueles que causarem lesões aos interesses metaindividuais ou que ameacem causar lesão, sejam estes pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado. Assim, não há qualquer restrição quanto a quem possa figurar no polo passivo da ação, devendo figurar com réu toda e qualquer pessoa que tenha concorrido para a causação de danos ou ameaça de danos a direitos metaindividuais. No caso da Ação civil pública trabalhista, torna-se necessário que o réu seja tomador de serviços, já que a controvérsia deve decorrer de relação de trabalho para que se firme a competência material da Justiça do Trabalho para processamento e julgamento da ação.
Importante mencionar que, caso o causador da lesão seja pessoa jurídica de direito público, a competente ação civil pública poderá ser proposta perante a Justiça Laboral case se trate de servidor celetista, eis que, caso o vínculo seja estatutário, a competência será da justiça comum, conforme já restou decidido pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 3395 sobre o inciso I do artigo 114, retirando a Justiça do Trabalho a competência material para apreciação das lides entre servidores e Administração Pública, caso o vínculo seja estatutário.
3. Atuação do Ministério Público do Trabalho
O Ministério Público do Trabalho, integrante do Ministério Público da União juntamente com o Ministério Público Federal, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, é um órgão essencial à justiça, atuando na defesa dos interesses públicos primários, sempre que tais interesses ou lesões/ameaças de lesões a estes decorram de relações de trabalho. Luís Antônio Camargo de Melo assim define o Ministério Público do Trabalho: “Alçado à sua plenitude com a Magna Carta de 1988, como instituição comprometida com a democracia e justiça social, o Ministério Público do Trabalho, assim como os demais ramos do Ministério Público da União, atua de forma independente e imparcial na defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores, desvinculado dos interesses particulares e estatais. O tratamento conferido pelo art. 127 da Constituição Federal foi claro e preciso: instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (2012, p. 21).
O Ministério Público do Trabalho, ao exercer suas atribuições constitucionalmente definidas, atua tanto na esfera judicial quanto na extrajudicial. No tocante à atuação extrajudicial, vide a Lei Complementar 75/93, artigo 84.
A atuação extrajudicial do Ministério Público do Trabalho vem crescendo mais a cada dia, sendo de suma importância, haja vista que tal modalidade de atuação, além de célere, tem se mostrado altamente eficaz na solução de diversos problemas. A eficácia de tal atuação deve-se especialmente ao fato de que o descumpridor da legislação protetiva do trabalhador envolve-se diretamente nas tratativas e acordos concernentes à regularização de sua conduta às determinações legais, que representam o mínimo de proteção à pessoa do trabalhador e a seus direitos coletivos.
Cumpre ressaltar que na solução de litígios por meios extrajudiciais não há obrigatoriedade de ajuste de conduta, a adesão é espontânea. Não há a possibilidade de o Parquet trabalhista, de per si, obrigar ao cumprimento da legislação protetiva, o que significa que em caso de resistência, será acionado o Judiciário para a resolução da questão e imposição da observância da legislação.
Exatamente por ser mais célere e mais econômica do que a atuação judicial, os meios extrajudiciais sempre preferem aos judiciais, de modo que, diante de uma situação em que seja necessária a intervenção do Ministério Público do Trabalho, deve este órgão, primeiramente, verificar a possibilidade de solução extrajudicial e, somente em não sendo esta eficaz, deverá o Parquet Laboral buscar a solução pela propositura da ação judicial cabível.
Além das funções extrajudiciais básicas previstas no artigo supra, temos também o papel do Ministério Público do Trabalho como articulador social. Nos dizeres de Carlos Henrique Bezerra Leite “(…) desponta no seio da instituição uma outra forma de atuação administrativa, que é a do Ministério Público do Trabalho como agente de articulação social. Nesse caso, o Parquet Laboral atua de forma imediata, orientando os interessados por meio de audiências públicas, palestras, workshops, reuniões setoriais etc., visando a defender, de forma mediata, o cumprimento efetivo da ordem jurídica” (2011, p. 127).
Na busca de ajuste de conduta de pessoa, seja física ou jurídica, que desrespeita a legislação protetiva do trabalhador, atua o Ministério Público do Trabalho, antes de acionamento do Judiciário, por meio de investigações levadas a cabo por inquérito civil, que pode resultar na propositura de assinatura de TAC – Termo de Ajuste de Conduta, documento que, em caso de descumprimento, pode ser executado diretamente, pelo fato de ser título executivo extrajudicial.
O TAC comporta obrigações de fazer e não fazer, multa e pagamento de dano moral, sendo que os valores referentes aos pagamentos em dinheiro podem ser revertidos diretamente em benefício da comunidade, pois há a possibilidade de o procurador do trabalho direcionar o montante a instituições sem fins lucrativos que atuam na profissionalização de jovens ou adultos, em programas de proteção à criança e adolescente, no resgate de moradores de rua, com abrigo e ensino profissional, entre outros.
Já judicialmente, a atuação do Ministério Público do Trabalho pode se dar na qualidade de parte ou de custos legis. O artigo 83 da Lei Complementar 75/93 trata de tais modalidades de atuação.
Considerando que a legitimação exclusiva do Ministério Público ocorre única e exclusivamente para a propositura de ação penal e que a Justiça do Trabalho não possui competência criminal, verifica-se que a legitimação para atuação judicial do Ministério Público do Trabalho será sempre concorrente.
Não obstante a ampla atuação em sede judicial, a realidade é que, atualmente, a Ação civil pública constitui o principal meio de ação do Ministério Público do Trabalho em âmbito judicial, haja vista que é o meio adequado a tutelar direitos transindividuais, podendo trazer em seu bojo pedido de cominação de obrigações de fazer, não fazer e pagar quantia.
3.1. Atuação na Qualidade de Parte e na Qualidade de Custos Legis
Conforme já mencionado anteriormente, em sua atuação na esfera judicial, o Ministério Público poderá desempenhar o papel de parte (órgão agente) ou de custos legis (órgão interveniente). Quando atua como órgão agente, normalmente, o Parquet é o autor da ação.
No caso específico do Ministério Público do Trabalho, verificamos que este Parquet especializado poderá propor, perante a Justiça do Trabalho, Ações civis públicas, ação civil coletiva, mandado de segurança, ação anulatória de cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho, ação rescisória, dissídio coletivo, em caso de greve em serviços essenciais etc.
Também será caso de atuação como órgão agente a interposição de recurso pelo Ministério Público do Trabalho nos processos em que atuou figurou como autor ou réu.
Já quando atua como órgão interveniente, é claro que o Ministério Público do Trabalho não figurará no processo como autor nem como réu. Tal atuação sempre foi a função clássica do Parquet Laboral, o qual, antigamente, era obrigado a emitir parecer escrito em todos os processos submetidos ao Tribunal Superior do Trabalho e Tribunais Regionais do Trabalho, conforme previsão dos artigos 746, a, e 747 da Consolidação das Leis do Trabalho. Frise-se que tais artigos encontram-se revogados, não mais sendo obrigatória a emissão de parecer escrito pelo Ministério Público do Trabalho em tais casos.
Para Hugo Nigro Mazzili, a distinção entre a atuação como parte e como fiscal da lei não é suficientemente profunda, devendo, sempre, o Ministério Público ser considerado como parte. Vejamos: “A maneira usual de analisar a atuação do Ministério Público no processo civil consiste em distinguir suas funções de parte e fiscal da lei. Entretanto, essa distinção não satisfaz, primeiro, porque não enfrenta em profundidade todos os aspectos da atuação ministerial; em segundo lugar porque, nem por ser parte, isso significa que o Ministério Público não esteja a zelar pelo correto cumprimento da lei; em último lugar, porque, nem por ser fiscal da lei deixa o membro do Ministério Público de ser titular de ônus e faculdades processuais e, portanto, sempre deve ser considerado parte, para todos os fins processuais” (2011, p. 84).
Não obstante o autor se refira à atuação do Ministério Público no processo civil, podemos trazer tal lição também para a seara trabalhista. Tendo em vista que o Ministério Público é uno, devendo sempre zelar pela justa aplicação da lei e pela realização do interesse público primário, esteja o Parquet atuando na qualidade de parte ou de fiscal da lei, deverá sempre cumprir com suas funções previstas constitucionalmente. Ademais, mesmo quando atua na qualidade de fiscal da lei, tem o Ministério Público interesse recursal.
3.2. Tutela dos Direitos Difuso e Coletivos
Antes de adentrarmos propriamente da tutela dos direitos difusos e coletivos pelo Ministério Público do Trabalho, importante tecermos alguns comentários acerca da própria definição e diferenciação dessas espécies de direitos metaindividuais.
Apesar se não ser função da lei trazer conceitos, haja vista que tal papel é reservado à doutrina e jurisprudência, foi o Código de Defesa do Consumidor que conceituou os direitos difusos e coletivos, trazendo, ainda, uma terceira espécie de direito metaindividual, qual seja, os direitos individuais homogêneos. Repita-se, apesar de não ser função da lei trazer conceitos, o Código de Defesa do Consumidor conceituou o diferenciou tais direitos de uma forma bela e muito precisa.
Assim, nos termos do artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo, individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Algo que ter atormentado doutrina e jurisprudência é a diferenciação entre tais direitos metaindividuais. Isso porque a tarefa de identificar precisamente as três espécies mostra-se muito árdua e, normalmente, falha, eis que um mesmo direito pode ser identificado como coletivo, individual homogêneo ou difuso, dependendo da situação concreta.
Alguns estudiosos diferenciam as três espécies de direitos metaindividuais conforme a própria natureza do direito, afirmando, por exemplo, que o meio ambiente é sempre um direito difuso, direito do consumidor é sempre coletivo etc. Ives Gandra afirma que toda conduta genérica e continuativa por parte do empregador gera a tutela de direitos coletivos; já se for uma conduta única, gera a tutela de direitos individuais homogêneos. Contudo, parece mais acertada a opinião de Nelson Nery Júnior, o qual afirma que o que diferencia os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos não é a natureza do direito, mas sim a pretensão deduzida em juízo. Desta forma um mesmo direito pode ser de natureza difusa, coletiva ou individual homogênea, dependendo da pretensão deduzida em juízo, ou seja, do pedido e causa de pedir que ensejaram a ação judicial. Deste modo, o mesmo fato pode dar ensejo à pretensão difusa, coletiva e individual homogênea.
Há autores que criticam o método de Nelson Nery Júnior sob a afirmação de ser extremamente processualista. Não obstante as severas críticas, a corrente defendida por Nelson Nery nos parece a mais acertada.
Importante trazer à baila o exemplo apresentado por Calor Henrique Bezerra Leite: “Cita-se o exemplo das contratações de servidores públicos, pelo regime da CLT, sem que tenham logrado aprovação prévia em concurso público, como exige o art. 37, inciso II, §2º da CF. Esse mesmo ato da Administração pode dar ensejo ao ajuizamento de demanda coletiva com: pretensão difusa – promovida pelo Ministério Público do Trabalho em defesa da massa indeterminada dos potenciais candidatos lesados ou ameaçados de lesão no seu direito de participarem do certame público. Ao mesmo tempo, o Parquet Laboral estará resguardando os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade, da eficiência e, principalmente, do acesso igualitário aos empregos públicos; pretensão coletiva stricto sensu – promovida pelo Ministério Público do trabalho, visando à declaração de nulidade de todos os contratos de trabalho do grupo de servidores ilegalmente contratados, pois estes estão ligados com a parte contrária (Administração Pública) por meio de uma relação jurídica base (relação de emprego), embora eivada, in casu, de nulidade absoluta. A declaração genérica de nulidade de todos os contratos celebrados ao arrepio da Lex Legum é, em si, indivisível; pretensão individual homogênea – proposta pelo sindicato da categoria profissional, objetivando à defesa dos servidores irregularmente contratados (e perfeitamente identificados), para que continuem nos respectivos empregos até que o concurso público seja realizado. Embora a pretensão seja uniforme e com causa comum, não há negar que os servidores em “jogo” são divisíveis, uma vez que alguns “servidores” podem pretender a extinção da relação vivenciada; outros, a sua manutenção” (2008, p. 76/77).
Ultrapassada a conceituação dos direitos metaivididuais, passemos agora à atuação do Ministério Público do Trabalho na tutela dos direitos difusos e coletivos, ponto central do presente tópico, para, posteriormente, passarmos à análise da possibilidade de este mesmo Parquet Laboral atuar na defesa dos chamados direitos individuais homogêneos.
A legitimidade do Ministério Público do Trabalho para atuar na defesa dos direitos difusos e coletivos, propondo a Ação civil pública competente, foi sempre indene de dúvidas, eis que decorre de previsão legal expressa, forte dos artigos 127 e 129 da Constituição Federal, artigo 83, III da Lei Complementar 75/93 e artigo 5º, I da Lei 7.347/85, vejamos: Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. (…) Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (…) III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”.
A Lei Complementar 75/93, Lei Orgânica do Ministério Público da União, por sua vez, assim dispõe acerca da legitimidade do Ministério Público do Trabalho para atuar na defesa dos interesses difusos e coletivos: “Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: (…) III – promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos”.
Por fim, a Lei da Ação Civil Pública, em seu artigo 5º, também dispõe acerca da legitimidade em comento, in verbis: Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: I – o Ministério Público; II – a Defensoria Pública; III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V – a associação que, concomitantemente:a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Deste modo, em razão da expressa previsão, também a Jurisprudência pátria foi uníssona ao admitir a atuação do Ministério Público, nele incluído o Ministério Público do Trabalho, para atuar na defesa de direitos difusos e coletivos, utilizando-se para tal, a Ação civil pública. Vejamos decisão do Tribunal Superior do Trabalho: RECURSO DE REVISTA – LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – COOPERATIVA – FRAUDE – CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE MÃO DE OBRA.Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 1ª Região, que denuncia fraude no propósito de intermediação de mão de obra, referindo-se a controvérsia a obrigação de não fazer. Especificamente quanto à legitimidade do Ministério Público do Trabalho, na esteira dos artigos 127, caput, e 129, III e IV, da Constituição Federal, a Lei Complementar n.º 75/93, em seu artigo 83 c/c artigo 6º, VII, -d-, deixa inequívoca a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura de ação civil pública. Os interesses a serem defendidos por esse instrumento são aqueles de natureza coletiva lato sensu ou transindividual, disciplinados no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). In casu, conforme consignado pelo Tribunal Regional, o Ministério Público do Trabalho, na inicial, após discorrer sobre os fatos que o levaram a entender configurada a fraude na intermediação de mão de obra, noticiou -que a reclamada não é uma verdadeira cooperativa, mas que se utiliza desta forma de associação para fornecer mão de obra irregularmente para várias empresas e órgãos públicos, e requereu que a ré abstenha-se de recrutar, intermediar ou fornecer mão de obra de trabalhadores cooperados para empresas, sob pena de pagamento de multa cominatória reversível ao FAT-. Não restam dúvidas de que os interesses envolvidos no caso se enquadram no art. 81 do CDC. Ao contrário do alegado pela ré, não se persegue a tutela de direito ou interesse de reparação individual, tampouco se busca impedir o funcionamento da cooperativa. Na realidade, o que se pretende coibir é o desvirtuamento do sistema de cooperativa, circunstância que traz prejuízos flagrantes aos direitos dos trabalhadores. Há presença, pois, na hipótese, de interesse social relevante, e ao Ministério Público, como visto, compete promover a defesa dos direitos ou interesses difusos ou coletivos. Portanto, plenamente justificada a legitimidade do Parquet. Recurso de revista não conhecido. (Processo: RR – 17200-94.2002.5.01.0002 Data de Julgamento: 22/08/2012, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/10/2012).
Carlos Henrique Bezerra Leite, ao afirmar categoricamente que, no caso da atuação na defesa dos direitos difusos e coletivos, o Ministério Público possui legitimação tipicamente autônoma, distinta da prevista no artigo 6º do Código de Processo Civil, termina por concluir que o Ministério Público é o único incondicionalmente legitimado para propor a Ação civil pública em defesa de tais direitos: “Com efeito, a previsão da ação civil pública na seção constitucional reservada ao Ministério Público, aliada à função promocional que lhe foi cometida, e bem assim à independência institucional e ao presumido preparo técnico dos seus membros estão a revelar a “sua melhor proposição para o ajuizamento dessa ação”. Além disso, há, relativamente ao Ministério Público, obrigatoriedade temperada com a conveniência e oportunidade do ajuizamento da ação civil pública. Tanto é assim que o §3º do art. 5º da LACP determina que em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público (ou outro legitimado) assumirá a titularidade ativa da demanda” (LEITE, 2008, p.210).
Por fim, referido autor afirma também que, quando aos demais entes legitimados, previstos na Lei 7.347/85, estes deverão demonstrar legítimo interesse para poder atuar na defesa de direitos difusos e coletivos.
Deste modo, conclui-se que a Ação civil pública é o instrumento adequado para tutelar direitos difusos e coletivos, podendo cominar obrigações de fazer, não fazer e pagar quantia, podendo tal instrumento ser utilizado não apenas quando os direitos em questão já tiverem sido lesados, mas também quando estiverem sob ameaça de lesão. Conforme a legislação e jurisprudência acima colacionadas, não há dúvidas de que o Ministério Público do Trabalho possui legitimidade para atuar na defesa dos direitos coletivos e difusos que decorram de relações de trabalho, sendo a Ação Civil Pública o instrumento capaz de prestar a efetiva tutela jurisdicional.
3.3. Tutela dos Direitos Individuais Homogêneos
Conforme já mencionado anteriormente, o Código de Defesa do Consumidor define os direitos individuais homogêneos como aqueles decorrentes de origem comum. Assim, são direitos individuais homogêneos aqueles que, decorrem de um mesmo fato que acaba por acarretar um dano comum a diversos indivíduos.
Assim, os direitos individuais homogêneos, como a própria nomenclatura está a indicar, são, essencialmente, direitos individuais, contudo, acidentalmente coletivos; isso significa que, em razão de terem origem em um fato comum, tais direitos, que nasceram individuais, podem ser tutelados coletivamente, por meio das Ações Coletivas.
Existe ainda divergência acerca da legitimação do Ministério Público do Trabalho para, por meio de ação coletiva, aí incluída a Ação civil pública, defender direitos individuais homogêneos, por falta de previsão expressa na Constituição Federal, eis que o artigo 129, inciso III da Carta Magna faz menção tão somente aos direitos difusos e coletivos.
Assim, existem três entendimentos acerca da possibilidade de o Ministério Público do Trabalho tutelar direitos individuais homogêneos: uma primeira corrente entende pela total impossibilidade, haja vista a omissão constitucional acerca do tema; a segunda corrente entende existir tal possibilidade desde que haja relevância do caso, repercussão social; por fim, a última corrente entende que o Ministério Público, aí incluído o do Trabalho, possui sempre legitimidade para atuar na defesa de tais direitos em juízo, não necessitando da repercussão social para tanto.
Carlos Henrique Bezerra Leite, anteriormente, defendia que, em caso de lesão ou ameaça de lesão a interesses individuais homogêneos, a atuação do Ministério Público deveria efetivar-se tão somente nas hipóteses em que a lesão pudesse trazer reflexos deletérios para a coletividade (relevância social). Felizmente, referido autor modificou seu pensamento, passando a defender o seguinte: “Todavia, melhor refletindo sobre a temática em questão, reconhecemos o nosso equívoco e passamos a admitir, incondicionalmente, a legitimação do Ministério Público do Trabalho para promover ação civil pública em defesa de quaisquer interesses individuais homogêneos trabalhistas. Trata-se, a nosso ver, de uma legitimação inspirada nas class actions for damages do direito norte-americano” (LEITE, 2011, p. 219).
O argumento de que o Ministério Público não seria ente legítimo a agir na tutela de direitos individuais homogêneos em razão da omissão constitucional não merece prosperar; veja que os direitos individuais homogêneos foram previstos, pela primeira vez, pelo Código de Defesa do Consumidor, legislação essa que data de 1990, ou seja, posterior à Constituição Federal de 1988. Em assim sendo, seria impossível que a Constituição Federal fizesse menção expressa aos direitos individuais homogêneos, eis que, à época em que foi feita, tais direitos ainda não possuíam qualquer previsão legal.
Também rechaçando o entendimento de que, em razão da omissão constitucional, não poderia o Ministério Público atuar na defesa de tais direitos, temos Hugo Nigro Mazzili: “Esse entendimento é extremamente pobre e superficial, pois que a Constituição de 1988 não poderia aludir, às expressas, à defesa de interesses individuais homogêneos pelo Ministério Público, se somente dois anos depois dela é que essa expressão foi cunhada e incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, quando do advento do Código de Defesa do Consumidor. Assim, quando o constituinte de 1988 mencionou “interesses difusos e coletivos”, estava a referir-se a interesses transindividuais em sentido lato, não podendo sua ampla dicção subordinar-se à distinção, posteriormente feita em sede infraconstitucional, entre interesses coletivos stricto sensu e interesses individuais homogêneos. Por isso, embora a lei infraconstitucional tenha passado a definir os interesses coletivos em sentido estrito, e a distingui-los dos interesses individuais homogêneos, essa distinção não limita a abrangência da atuação ministerial em defesa de interesses transindividuais uma vez que a expressão “interesses coletivos” tem alcance constitucional próprio” (2011, p. 109).
A linha de entendimento que defende a legitimidade do Ministério Público para tutelar direitos individuais homogêneos, desde que presente a relevância social, é defendida por autores de renome, verbi gratia, Hugo Nigro Mazzili, para quem “deve-se levar em conta, em concreto, a efetiva conveniência social da atuação do Ministério Público em defesa de interesses transindividuais. Essa conveniência social em que sobrevenha atuação do Ministério Público deve ser aferida em concreto a partir de critérios como estes: a) conforme a natureza do dano (p. ex., saúde, segurança e educação públicas; b) conforme a dispersão dos lesados (a abrangência social do dano, sob o aspecto dos sujeitos atingidos); c) conforme o interesse social no funcionamento de um sistema econômico, social ou jurídico (previdência social, captação de poupança popular, questões tributárias etc.). No tocante aos interesses difusos, em vista de sua natural dispersão, justifica-se sua defesa pelo Ministério Público. Já no tocante à defesa de interesses coletivos e interesses individuais homogêneos, é preciso distinguir-se: a defesa dos interesses de meros grupos determinados ou determináveis de pessoas só se pode fazer pelo Ministério Público quando isso convenha à coletividade como um todo, respeitada a destinação institucional do Ministério Público” (2011, p. 111).
Não obstante o respeitável entendimento acima, parece mais correto o último entendimento, o qual defende a legitimação ampla do Ministério Público para defender em juízo direitos individuais homogêneos, eis que a tutela coletiva de tais direitos mostra-se mais efetiva, atendendo aos princípios constitucionais da economia e celeridade processuais, evita a proliferação de demandas com o mesmo objeto, além do fato de a ação coletiva possuir como parte autora ente dotado de melhor preparo técnico para tal. Ademais, levando-se em consideração que o Ministério Público é o órgão legitimado à defesa dos interesses sociais, não há sentido em restringir sua atuação quando se tratar de direitos individuais homogêneos, exigindo-se a presença de requisito (relevância social) que não possui previsão na legislação pátria.
Nesse mesmo sentido, Raimundo Simão de Melo: “Esta última corrente está mais em sintonia com o perfil do órgão ministerial, voltado à tutela coletiva de direitos e interesses de origem comum (CDC, art. 81, inciso III), uma vez que é incumbência do Parquet defender os interesses sociais (CF, art. 127), sendo que o ajuizamento de ação civil coletiva configura induvidosamente questão de interesse social, no sentido de permitir o livre acesso do cidadão ao Judiciário, de evitar a proliferação de ações individuais e de buscar a efetividade do direito laboral e dos princípios da economia e da celeridade processuais” (2008, p. 137).
Apesar da divergência doutrinária, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a legitimidade do Ministério Público para defender em juízo direitos individuais homogêneos, eis que trata-se de uma subespécie dos direitos coletivos lato sensu e, portanto, ainda que diante da omissão constitucional, cabe ao Ministério Público atuar na defesa de tais direitos. Vejamos: Ementa: PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade ad causam para propor ação civil pública quando a controvérsia envolver a defesa de direitos individuais homogêneos. Agravo regimental desprovido. (AI 637853 AgR / SP – SÃO PAULO, AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Julgamento: 28/08/2012, Órgão Julgador: Segunda Turma) – Grifos Nossos
Em alguns julgados, o Supremo Tribunal Federal, adotando a segunda corrente, decidiu pela legitimidade do Ministério Público para tutelar direitos individuais homogêneos quando presente o interesse social, relevância social. Vejamos: “Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Ação civil pública. Interesse individual homogêneo. 3. Relevância social. Ministério Público. Legitimidade. 4. Jurisprudência dominante. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (…) o Ministério Público detém legitimidade para propor ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos, quando presente evidente relevo social, independentemente de os potenciais titulares terem a possibilidade de declinar a fruição do direito afirmado na ação” (AI 516.419-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 30.11.2010) – grifos nossos.
Não obstante, preferimos adotar a terceira corrente, que confere legitimação ampla ao Ministério Público para atuar na defesa de tais direitos. Isso porque tal entendimento melhor se coaduna com as funções institucionais do Ministério Público, previstas na Constituição Federal, bem como os princípios da celeridade e economia processual, haja vista que a propositura de ação coletiva pelo Ministério Público na defesa de direitos individuais homogêneos substituiria milhares de demandas individuais, desafogando o Judiciário, além de evitar a proteção de decisões conflitantes em casos idênticos, que mereciam decisões semelhantes.
No âmbito da Justiça Laboral, o Tribunal Superior do Trabalho, em consonância com o Supremo, também é pacífico ao admitir que o Ministério Público do Trabalho atue na defesa de direitos individuais homogêneos: RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. O artigo 129, III, da CF confere legitimidade ao Parquet para tutelar os interesses difusos e coletivos, prevendo, ainda, em seu inciso IX, autorização ao Ministério Público para "exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade". O e. Supremo Tribunal Federal já decidiu que os interesses homogêneos são espécie dos interesses coletivos, registrando a máxima Corte que "Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei n 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. (…) Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas". (RE 163231 / SP – São Paulo, Relator Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 29-06-2001). Nesse contexto, correta a decisão do TRT que reconheceu a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizar ação civil pública cujo objeto é proibir o empregador de obstruir o registro pelos empregados da efetiva jornada de trabalho praticada. (RR – 9895500-43.2004.5.09.0016, Data de Julgamento: 20/04/2010, Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/05/2010) – Grifos Nossos
Deste modo, tendo em vista as jurisprudências acima colacionadas, não há mais como negar a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para atuar na defesa dos direitos transindividuais (difusos, coletivos strictu senso e individuais homogêneos). Ultrapassada tal premissa, agora paira a seguinte dúvida: a defesa judicial dos direitos individuais homogêneos poderá se dar em sede de Ação Civil Pública? Este será o tema tratado no tópico seguinte.
3.4. Ação Civil Pública Versus Ação Civil Coletiva
Em âmbito doutrinário, muito se discute se as expressões “Ação Civil Pública” e “Ação Coletiva” são sinônimas ou se possuem significados distintos. Na prática forense não se costuma diferenciar a ação civil pública da ação coletiva, utilizando-se as duas nomenclaturas para se referir a toda e qualquer ação que veicule direitos coletivos lato sensu (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos).
Sob o aspecto doutrinário, Ação civil pública seria aquela proposta pelo Ministério Público, de objeto não penal. Sob este prisma, uma ação proposta pelo Parquet que visasse tutelar interesse de incapaz, ainda que não se trate de interesse coletivo lato sensu, poderia ser chamada de Ação civil pública.
Contudo, a Lei 7.347/85 utilizou o termo Ação civil pública para designar as ações propostas por legitimados legais, dentre eles, o Ministério Público, para a defesa de interesses transindividuais.
Enquanto a Lei 7.347/85 trata acerca da Ação Civil Pública, o Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 81 e seguintes, dispõe sobre a Ação Coletiva. Há quem afirme que o termo Ação Coletiva constitui gênero, tendo como espécies a Ação Civil Pública, o Mandado de Segurança Coletivo, a Ação Popular etc.
Na prática, tais ações vêm sendo utilizadas indistintamente para a defesa de interesses metaindividuais em juízo. Assim, independentemente da ação estar sendo proposta pelo Ministério Público ou por outro legitimado, e independentemente dos direitos tutelados (difusos, coletivos ou individuais homogêneos), é possível vislumbrarmos a propositura de ações ora intituladas Ação Civil Pública e ora intituladas Ação Coletiva, sendo sempre consideradas aptas para a efetiva tutela dos direitos e interesses metaindividuais. Assim, na prática judiciária, estes termos têm sido vistos como sinônimos.
Entretanto, considerando a máxima de que, via de regra, não se presumem na lei palavras inúteis, cabe à doutrina questionar se há alguma diferença entre ação coletiva e ação civil pública. Ora, se na legislação brasileira há menção às duas espécies de ações, é prudente que investiguemos se existem diferenças entre ambas.
Hugo Nigro Mazzilli, buscando diferenciar tais espécies de ações, assim afirma: “Se ela estiver sendo movida pelo Ministério Público, o mais correto, sob o prisma doutrinário, seria chamá-la de ação civil pública. Mas se tiver sido proposta por associações civis, mais correto será denominá-la ação coletiva. Sob o enfoque puramente legal, será ação civil pública qualquer ação movida com base na Lei n. 7.347/85, para a defesa de interesses transindividuais, ainda que seu autor seja uma associação civil, um ente estatal, o Ministério Público, ou qualquer outro colegitimado; será ação coletiva qualquer ação fundada nos arts. 81 e s. do CDC, que verse a defesa de interesses transindividuais” (2011, p. 74).
Há, ainda, quem afirma que, se o objeto da ação é a defesa de interesses difusos e/ou coletivos, tratar-se-á de Ação civil pública; por outro lado, se se visa tutelar interesses individuais homogêneos, o meio apto para tal seria a Ação coletiva.
Foi o Código de Defesa do Consumidor que trouxe, para o ordenamento jurídico brasileiro, a expressão Ação Civil Coletiva. Segue o texto do artigo 91 do referido Código: “Art. 91. Os legitimados de que trata o art. 82 poderão propor, em nome próprio e no interesse das vítimas ou seus sucessores, ação civil coletiva de responsabilidade pelos danos individualmente sofridos, de acordo com o disposto nos artigos seguintes”.
Posteriormente, o termo Ação Civil Coletiva também foi utilizado pela Lei Orgânica do Ministério Público da União, a qual, em seu artigo 6º, inciso XII, assim dispõe competir ao Ministério Público da União propor ação civil coletiva para defesa de interesses individuais homogêneos.
Assim, do ponto de vista legal, é de se perceber que a Ação Civil Coletiva é a ação utilizada para a defesa de direitos individuais homogêneos. A Lei Complementar 75 e o Código de Defesa do Consumidor são expressos nesse sentido.
Em sentido contrário, Carlos Henrique Bezerra Leite: “Em linguagem da lógica jurídica, o problema ficaria assim formalizado: se não há, de lege lata, competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar ACC, então não é cabível ACC nos domínios do processo trabalhista. Isso não significa, em absoluto, que os interesses ou direitos individuais homogêneos na possam ser tutelados no âmbito da Justiça do Trabalho. Apenas o veículo que se enquadra, de lege lata, na moldura do art. 114 da CF e que, portanto, pode propiciar a efetiva e adequada tutela jurisdicional de tais interesses é a ACP, e não a ACC” (2008, p. 275).
Para este autor, levando em consideração que não há previsão expressa da possibilidade de se propor, perante a Justiça do Trabalho, Ação Civil Coletiva, o meio apto para tutelar direitos transindividuais, não importando sua espécie, será sempre a Ação Civil Pública.
Contudo, em atendimento ao princípio da instrumentalidade das formas, o mesmo autor afirma que, caso seja proposta Ação Civil Coletiva perante a Justiça do Trabalho, esta deverá ser aceita como Ação Civil Pública e cumprir com seu papel.
Neste sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite: “De toda sorte, em homenagem ao princípio da instrumentalidade que, com maior ênfase, informa o direito processual do trabalho, afigura-se-nos que é lícito ao juiz receber a ACC, convertendo-a em ACP, desde, é claro, que isso não implique violação aos princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Afinal, o nomen iuris atribuído à ação coletiva não deverá servir de fundamento para a denegação do direito material nela vindicado” (LEITE, 2008, p. 276).
Ousamos discordar do posicionamento de Carlos Henrique Bezerra Leite no tocante à impossibilidade da propositura de Ação Civil Coletiva perante a Justiça do Trabalho. Ora, é sabido que o sistema processual coletivo constitui-se de um microssistema, aplicando-se as normas da Lei da Ação Civil Pública, do Código de Defesa do Consumidor, Lei da Ação Popular, dentre outras. Assim, havendo a possibilidade de se tutelar direitos metaindividuais perante a Justiça do Trabalho, quando estes decorram de relação de trabalho, todas as normas concernentes ao processo coletivo deverão ser aplicadas, de maneira a melhor tutelar tais direitos. Deste modo, havendo previsão da Ação Civil Coletiva no Código de Defesa do Consumidor, não há que se falar da impossibilidade da propositura de referida ação perante a Justiça Laboral sob o argumento de que não há previsão legal neste sentido.
Assim, adotamos a posição doutrinária que diferencia a Ação Civil Pública e a Ação Civil Coletiva, sendo a primeira cabível para a defesa de direitos e interesses difusos e coletivos, e a última, cabível para a defesa de direitos individuais homogêneos. Saliente-se que ambas constituem ações coletivas, sendo-lhes aplicáveis todas as normas do sistema processual coletivo.
Como a Lei 7.347/85 afirma ser cabível a Ação Civil Pública para “qualquer outro interesse difuso ou coletivo”, enquanto o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 91, afirma ser cabível Ação Civil Coletiva para reparar os danos individualmente sofridos, não há como afirmar que trata-se de ações idênticas. Assim, conforme previsto expressamente, ACP e ACC são espécies de Ações Coletivas, contudo, a primeira é utilizada para tutelar direitos e interesses difusos e coletivos, enquanto a última destina-se à defesa de direitos individuais homogêneos, visando compor os danos sofridos individualmente.
Tal diferenciação mostra-se válida, mormente em se considerando que há grandes diferenças entre os direitos difusos e coletivos e os direitos individuais homogêneos. Sendo tais formas de direitos transindividuais distintas, as ações destinadas à sua tutela também devem ser distintas, a fim de atender bem às suas peculiaridades.
Como se sabe, os direitos individuais homogêneos, essencialmente, são direitos individuais; contudo, em razão de sua origem comum, é possível a sua tutela por meio de ação coletiva, atendendo-se aos princípios da celeridade e economia processual. Ainda, diferentemente dos direitos difusos e coletivos, os direitos individuais homogêneos são divisível, sendo possível identificar perfeitamente quais os indivíduos que foram lesados, bem como precisar os danos sofridos individualmente. Deste modo, a ação civil coletiva destinada à tutela dos direitos individuais homogêneos terá uma condenação genérica, cabendo aos indivíduos lesados, após a prolação da sentença, habilitar-se no processo a fim de mensurar os danos sofridos e receber a devida indenização, conforme prelecionam os artigos 95 e seguintes do Código Consumerista.
Diferentemente ocorre quando se tutela direitos difusos e coletivos, haja vista que, nestes casos, os danos não são individualizados, já que tais direitos são indivisíveis. Assim, nestes casos, a sentença será líquida e, havendo condenação em dinheiro, o valor será revertido a um fundo específico, nos termos do artigo 13 da Lei 7.347/85, sendo tal valor utilizado para recompor os bens lesados.
Fácil perceber a diferença do processamento das ações acima mencionadas, exatamente em razão das diferenças existentes entre os direitos individuais homogêneos e os direitos difusos e coletivos. Desta maneira, entendemos ser mais correta a posição doutrinária que reconhece diferenças entre a Ação Civil Pública e a Ação Civil Coletiva, sendo a primeira destinada à tutela dos direitos difusos e coletivos, e a segunda, à tutela dos direitos individuais homogêneos.
Reconhecida a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para atuar, em juízo, também na defesa de direitos individuais homogêneos, entendemos que, neste caso, será cabível a Ação Civil Coletiva, a qual constitui o meio apto para tutelar tal espécie de direitos metainidividuais. Contudo, caso seja intentada ação coletiva denominada de Ação Civil Pública e esta tenha por objeto a tutela de diretos individuais homogêneos, partilhamos do entendimento de que, adotando-se o princípio da fungibilidade, bem como da preponderância do conteúdo sobre as formas, a ação não deverá ser extinta, mas sim, ser recebida pelo juízo como se Ação Civil Coletiva fosse, seguindo o processamento correspondente.
Ainda, é possível que um mesmo fato dê origem a danos de natureza difusa, coletiva e individual homogênea. Nestes casos, há quem afirme que o ideal seria que o ente legitimado ingressasse com duas ações distintas, uma para compor os danos de natureza difusa e coletiva (Ação civil pública) e uma segunda para compor os danos individualmente sofridos, que tenham origem comum. Contudo, entendemos que, caso seja possível tutelar as três espécies de direitos metaindividuais numa única ação, atendendo aos princípios da celeridade e economia processual, o ideal seria que o ente legitimado, no caso, o Ministério Público do Trabalho, ajuizasse uma única ação, a qual poderia ser denominada simplesmente de Ação Coletiva; lembrando que a nomenclatura da ação, caso esteja incorreta, não deve obstar a efetiva defesa dos direitos coletivos.
Considerações Finais
Diante do exposto, pode-se concluir que a Ação Civil Pública surge em razão da nova configuração social. Com o aparecimento das lesões em massa, bem como dos novos direitos, chamados de direitos transindividuais, o processo civil clássico não mais possuía condições de prestar a efetiva tutela em casos de lesão e/ou ameaça de lesão a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Desta feita, surge a necessidade de se criar um sistema de processo coletivo, o qual atendesse às particularidades destes novos direitos. Neste contexto surge a ação civil pública, inovando os conceitos de legitimação para agir, bem como de coisa julgada, eis que os efeitos das decisões proferidas no bojo de ações civis públicas (bem como de outras ações coletivas) transcendem a esfera jurídica daqueles que foram parte no processo.
O surgimento do Ministério Público do Trabalho, por sua vez, se confunde com o próprio surgimento da Justiça do Trabalho. Inicialmente vinculado à Justiça do Trabalho e ao Poder Executivo, posteriormente, esse órgão veio a adquirir autonomia e independência. Com a Constituição Federal de 1988, o Ministério Público, aí incluído o Ministério Público do Trabalho, passou a constituir instituição permanente, essencial à justiça, desvinculada dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos direitos transindividuais e dos direitos individuais indisponíveis.
Assim, o Parquet passou a gozar de status constitucional, sendo-lhe atribuída função importantíssima, eis que é o Ministério Público que atua na defesa do interesse público primário, ou seja, na defesa dos interesses da própria sociedade.
O Ministério Público do Trabalho, o qual compõe, junto ao Ministério Público Federal, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, o Ministério Público da União, atua também na defesa do interesse público primário, contudo, limitando-se aos casos decorrentes de relações de trabalho.
No campo das relações de trabalho, é muito comum a ocorrência de lesões a direitos e interesses transindividuais, eis que o empregador, ser coletivo por natureza, possui o poder de, mediante suas ações, repercutir na esfera jurídica de todo o grupo de trabalhadores a ele subordinados.
Levando em conta o imenso número de lesões a direitos metaindividuais, bem como o fato de os trabalhadores, naturalmente, serem a parte hipossuficiente na relação de trabalho, o Ministério Público do Trabalho possui função de extrema relevância. Conforme já afirmado anteriormente, a jurisprudência pátria já é unânime ao afirmar que, ao Ministério Público incumbe não somente atuar na defesa de direitos difusos e coletivos, mas também dos direitos individuais homogêneos.
Quando diante de uma lesão e/ou ameaça de lesão a qualquer espécie de direito transindividual trabalhista ou decorrente de relação de trabalho, caberá ao Ministério Público do Trabalho adotar as medidas cabíveis e, em não sendo possível solucionar o conflito extrajudicialmente, deverá ingressar com ação judicial.
Diante dos argumentos constantes do capítulo terceiro, adotamos o entendimento que diferencia a Ação Civil Pública da Ação Civil Coletiva, prestando-se a primeira à defesa dos direitos difusos e coletivos, ao passo que a última deverá ser utilizada em caso de lesão ou ameaça de lesão a direitos individuais homogêneos, sendo que ambas as ações coletivas, conforme já afirmado anteriormente, podem ser propostas, dentre outros legitimados ativos, pelo Ministério Público.
Ainda que reconheçamos diferenças entra Ação Civil Pública e Ação Civil Coletiva, entendemos que o mero erro de nomenclatura não deverá, em hipótese alguma, inviabilizar a tutela, em juízo, dos direitos transindividuais. Deste modo, caso, diante de uma lesão a direitos individuais homogêneos, seja proposta Ação Civil Pública, deverá o magistrado receber a ACP como se Ação Civil Coletiva fosse, em atendimento aos princípios da economia processual, do efetivo acesso à justiça, da preponderância do conteúdo sobre as formas e da fungibilidade.
Ademais, quando um mesmo fato acabar por ocasionar lesões a direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos, entendemos que é possível ao Ministério Público a propositura de duas ações (ACP e ACC), bem como a propositura de uma única ação destinada a tutelar todos os direitos metainvididuais. Neste último caso, deverá a ação ser denominada simplesmente de Ação Coletiva.
Informações Sobre o Autor
Fernanda Pereira Barbosa
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlndia. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Advogada do Município de Uberlândia