Análise crítica da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul de acordo com o Direito do Trabalho material

Resumo: A  Declaração Sócio-Laboral do Mercosul é um tratado internacional, de 1998, que elenca princípios sociais e trabalhistas a serem observados e praticados pelos Estados-Partes. O texto contém direitos individuais, coletivos e obrigações de caráter publicista destinadas aos membros da organização internacional. Há forte influência das convenções da Organização Internacional do Trabalho e outros tratados internacionais. No entanto, faz-se necessário analisar as consequências que a natureza não vinculatória do tratado em questão pode trazer ao conteúdo proposto, uma vez que sua eficácia jurídica depende exclusivamente do interesse político em ratificar o instrumento para que, ao final, seja recepcionado pelo ordenamento jurídico nacional. Métodos biliográfico e indutivo-dedutivo foram usados para a concretização dessa pesquisa.

Palavras-chave:  Declaração Sócio-Laboral do Mercosul. Tratado internacional. Direitos trabalhistas. Convenções da Organização Internacional do Trabalho. Aplicabilidade.

Abstract: The Socio-Labor Declaration of Mercosul is an international treaty from 1998, which lists social and labor principles to be observed and practiced by States-Members. The text contains individual and collective rights and publicist obligations for members of the international organization. There is a strong influence of the conventions of the International Labour Organisation and other international treaties. However, it is necessary to examine the consequences of that unlinked nature of the treaty in question may bring the proposed content failure, since its effectiveness depends entirely of legal political interest in ratifying the instrument to make of the nacional law content. Bibliographic and inductive-deductive methods were used for achieving this research.

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Keywords: Socio-Labor Declaration of Mercosul. International treaty. Labor rights. Conventions of International Labour Organisation. Applicability.

Sumário: Introdução. 1. Aspectos gerais. 2. Aspectos pontuais. 2.1. Direitos individuais. 2.2. Direitos coletivos. 2.3. Outros direitos. 3. Observações críticas. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente artigo tem como objetivos fazer análise pontual do conteúdo da  Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, constituída em 1998, e buscar a existência ou não do tratamento de temas sociais e humanos no ordenamento normativo da organização internacional em questão.

A Declaração é dividida em três grupos de direitos: individuais, coletivos e obrigações aos Estados-Partes.

A pesquisa buscou, além de elaborar análise pontual dos grupos de direitos, demonstrar a forte influência que tais conteúdos sofreram por vários tratados internacionas, principalmente por convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Quanto às observações críticas, procurou-se investigar a natureza jurídica de um tratado internacional, comparando-a a instrumentos jurídicos produzidos por órgãos do Mercosul. Constatou que, ao contrário desses últimos, o tratado internacional não possui natureza vinculativa obrigatória, ou seja, sua constituição e assinatura são insuficientes para o exercício de eficácia jurídica, dependendo da vontade política para efetivar a ratificação e posterior incorporação do texto ao ordenamento jurídco do Estado-Parte. Dessa forma, o conteúdo reduz-se a mera carta principiológica sem eficácia plena.

2. Aspectos gerais

A Declaração Sócio- Laboral do Mercosul é um tratado internacional criado pelos Estados- Partes do Mercado Comum do Sul durante reunião semestral do Conselho do Mercado Comum, datado de 10 de dezembro de 1998, no Rio de Janeiro.

O documento concretiza a tentativa do bloco regional em promover temas sociais, uma vez que sua natureza organizacional traduzia, até o momento, vertente predominantemente econômica. Na verdade, como o bloco se classifica em união aduaneira imperfeita (PEDUZZI, 2005) segundo  classificação de integração regional, ou seja, livre movimentação de bens e tarifa externa comum, temas sociais foram postergados da agenda oficial.

Diante de tal panorama o preâmbulo reconhece a ausência de tratamento do tema em questão ao afirmar que processos de desenvolvimento econômico devem ser observados de forma concomitante à justiça social como condição fundamental de integração regional. Além disso, e ao que parece ser mais relevante, há claro reconhecimento de que o bloco não pode se restringir a questões comerciais e econômicas sem dispender necessários esforços à temática social, tendo essa se desdobrado em marcos regulatórios laborais e promoção de patamares mínimos de direitos trabalhistas.

O texto em si, com claro intuito de resgatar posição omissa do bloco quanto à tratativa de temas sociais, apoia-se em extensa base de direitos humanos concebidos em tratados intenacionais e convenções, sendo eles:

– Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre princípios e   direitos fundamentais do trabalho, 1998;

– Declaração universal dos direitos humanos, 1948;

– Pacto internacional dos direitos civis e políticos, 1966;

– Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, 1966;

– Declaração americana de direitos e obrigações do homem, 1948;

– Carta interamericana de garantias sociais, 1948;

– Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), 1948;

– Convenção americana de direitos humanos sobre direitos econômicos, sociais e         culturais, 1988;

– Convenções da OIT.

Há evidência do uso predominante de conteúdo das convenções da OIT e da Declaração sobre princípios e direitos fundamentais do trabalho.  Os Estados-Partes passam a adotar valores como a promoção do emprego de qualidade, das condições saudáveis de trabalho e do bem-estar dos trabalhadores; respeito, promoção e exercício dos direitos e obrigações contidos nas convenções tido como fundamentais dentro e fora da OIT.

Cabe ressaltar que a Declaração se apoia em precendentes da Cúpula de Copenhague (1995) quanto a criação de mecanismos avaliatórios de compenentes sociais em relação aos processos de desenvolvimento econômico. A finalidade está no estabelecimento de relação harmônica entre progresso comercial e bem-estar social. Tal posicionamento exige dos Estados-Partes criação de comissões sócio-laborais para acompanhar a aplicação do tratado, compor relatórios e outras atribuições que serão abordadas em tópico própro.

3. Aspectos pontuais

A Declaração se divide em três grupos de direitos: individuais, coletivos e outros. Esses delineam obrigações aos Estados-Partes atinentes à geração de emprego, processo de qualificação e inserção do trabalhador no mercado, seguridade social, criação de comissão sócio-laboral e outros. À seguir, o presente artigo abordará os principais direitos encontrados na Declaração.

3.1. Direitos individuais

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Os três primeiros artigos tratam da não discriminação e igualdade, baseando-se na convenção nº 111, de 1958, da OIT. Eles se complementam quanto à obrigação do Estado-Parte em criar políticas públicas para combater comportamentos discriminatórios baseados em cor, raça, sexo, orientação sexual, opinião política e outros. Haverá tratamento prioritário a portadores de necessidades especiais quanto à educação, formação e inserção no mercado.

O próximo tema trata do trabalhador migrante e fronteiriço, com base na convenção nº 143, de 1975, da OIT. Esse instrumento, aliás, não foi ratificado pelo Brasil. É assegurado àquele o mesmo tratamento do trabalhor nacional, ou seja, prevalecem direitos e garantias do local da prestação de serviço e não da estipulação do contrato. Cabe ao Estado-Parte criar normas sobre circulação de trabalhadores em zonas de fronteira.

No entanto, a Declaração deixou de tratar sobre migração em condições abusivas, tópico encontrado na primeira parte da convenção nº 143. Essa releva o combate ao tráfico de mão-de-obra, à migração clandestina e ao emprego ilegal de imigrantes, além de determinar aplicação de medidas nacionais de natureza administrativa, civil e penal. Há, por fim, o dever de Estados agirem de foram conjunta, na troca de informação e atuação de órgãos públicos para o combate de crimes dessa natureza. O texto da Declaração, por sua vez, mostra-se omisso, usando apenas do vocábulo proteção para insinuar um dos direitos do trabalhador migrante.

O art. 5º aborda o trabalho forçado e sua eliminação. O tema é encontrado nas convenções nº 29, de 1930 e 105, de 1957, da OIT. Cabe ao Estado-Parte eliminar toda forma de trabalho que não se espelhe em liberdade de escolha e exercício. A seguir, há um rol de causas, com influência da convenção nº 105,  que justificam a prática do trabalho forçado como posição ideológica ou política, fins de fomento econômico, castigo por participação em greve e outros. A primeira convenção não faz distinção entre os termos trabalho forçado, obrigatório e de interesse público, criando um rol de atividades e situações excludentes como o cumprimento de obrigações civis, militares e judicias, casos de força maior e ações que resultem em benefícios à coletividade. Tais excludentes não são abordadas pela Declaração.

O próximo artigo dispõe sobre o trabalho infantil, de acordo com as convenções nº 138, de 1973, da OIT. O texto projeta obrigações ao Estado-Parte referente à abolição do trabalho infantil, elevação progressiva da idade mínima para inserção no mercado e limites à natureza laboral quanto à existência de fatores insalubres, perigosos e vedação ao cumprimento de horas extras.

Faz-se necessário reproduzir os seguintes trechos passíveis de ponderação:

“1.-  A idade mínima de admissão ao trabalho será aquela estabelecida conforme as legislações nacionais dos Estados Partes, não podendo ser inferior àquela em que cessa a escolaridade obrigatória. […]

3.-  O trabalho dos menores será objeto de proteção especial pelos Estados Partes, especialmente no que concerne à ida de mínima para o ingresso no mercado de trabalho […]”

O critério etário, ao que parece, merece clareza, não podendo variar apenas segundo legislações nacionais, pois a convenção nº 138 adota dois critérios, porém não concomitantes: a) idade mínima de 14 anos para países subdesenvolvidos e 15 para desenvolvidos ou b) idade de conclusão da escolaridade compulsória. Portanto, a adoção de ambos critérios pela Declaração gera um conflito aparente. No caso do Brasil, a título de esclarecimento, a educação básica obrigatória compreende a faixa etária dos 4 aos 17 anos, envolvendo pré-escola, ensinos fundamental e médio, conforme art. 208, da Constituição Federal do Brasil. Ao mesmo tempo, essa prevê o trabalho do aprendiz a partir dos 14 anos e de qualquer ofício que não seja insalubre, perigoso ou noturno, a partir dos 16, segundo art. 7º, XXXIII. No mesmo escopo, a Consolidação das Leis do Trabalho, art. 402 e seguintes, adota o critério etário para classificar e distinguir o trabalhor menor e o aprendiz dos demais. Dessa forma, ambos instrumentos normativos adotam apenas critério etário para determinar a classificação em questão, afastando eventual conflito entre faixa etária (idade mínima) e escolaridade compulsória.

Mantendo-se a redação atual da Declaração, nota-se que a adoção de ambos critérios acaba proibindo a existência do trabalho do aprendiz e do adolescente, pois o texto expõe que a idade mínima para ingresso no mercado não pode ser inferior àquela em que cessa a escolaridade obrigatória.

3.2. Direitos coletivos

Os artigos 8º, 9º e 10º tratam das liberdades de associação e sindical e negociação coletiva. O texto confere livre criação e afiliação de associações de trabalhadores sob a tutela protetiva estatal. Já a liberdade sindical se espelha nas convenções 151, de 1978 e 87, de 1948, essa, inclusive, não ratificada pelo Brasil. O texto se limita a relevar a proteção ao trabalhador filiado no local de trabalho, o combate à disciminação e demissão motivada por fins de atividades sindicais e o direito à representação em acordos e convenções coletivas. Essas são norteadas pela convenção nº 154, de 1981.

Cabe ressaltar que essa última convenção traz com maiores detalhes medidas de fomento à prática da negociação coletiva entre representações de empregadores e trabalhadores. O objetivo é aprimorar temas fundamentais à esfera trabalhista como fixação das condições de emprego, relações entre empregador e trabalhador e suas respectivas representações. Para isso, a convenção estipula medidas que viabilizam o tratamento desses temas como incentivo à participação de maior número de representações das partes envolvidas, criação de normas para a prática das negociações e prioridade na abordagem dos temas acima descritos. A Declaração, por seu turno, mostra-se omissa a questões essenciais determinadas pela OIT.

Por fim, a Declaração aponta a obrigação do Estado-Parte em criar e desenvolver mecanismos de solução de controvérsias independentes das vias judiciais sem, no entanto, fazer maiores especificações sobre o tema.

3.3. Outros direitos

Os próximos artigos estipulam uma séria de deveres ou obrigações político-sociais aos Estados-Partes com objetivos múltiplos no âmbito de direitos dos trabalhadores. Nota-se que o texto adota posição de complemento dos direitos individuais elencados na primeira parte do tratado internacional. Esse subtópico exporá os principais temas e convenções da OIT que os norteiam.

Do art. 14º ao 16º há temas que, de certa forma, se complementam e se baseiam nas mesmas convenções. Há o compromisso do Estado-Parte em promover o desenvolvimento econômico nacional e integração regional com o fim de fomentar geração de emprego e elevação da qualidade de vida e dispender proteção aos desempregados usando, como ferramentas, qualificação profssional e reinserção no mercado. Há 5 convenções relacionadas: nº 88, de 1948; 117, de 1962; 122, de 1964; 142, de 1975 e 168, 1988.

Vale observar que a convenção nº 117 resgata o objeto presente no art. 4º da Declaração –  direitos do trabalhador migrante – com o fim de complementá-lo. Isso se dá com a obrigação de o Estado-Parte garantir direitos iguais entre migrantes e nacionais, e mais, a covenção estipula a criação de acordos entre Estados com fluxo de migrantes almejando reforçar garantias individuais, desenvolver capacitação profissional e auxiliar no envio de renda aos países de origem.

A convenção nº 168, por sua vez, trata da política de combate ao desemprego e fomento ao emprego. O texto é detalhista, no sentido de apontar ao Estado-Parte a criação de um sistema nacional de proteção contra o desemprego, juntamente à previsão de indenização temporária ao trabalhador desempregado e, ao que o próprio texto classifica, promoção ao pleno emprego produtivo. Esse termo se desdobra em outros como seguridade social, serviços de emprego (agências públicas de cadastro e direcionamento de mão-de-obra) e formação profissional.

Saúde, segurança e inspeção do trabalho estão contidos nos arts. 17º e 18º.  Pode-se afirmar, de plano, que os dois primeiros temas estão localizados de forma equivocada na parte destinada prioritariamente às obrigações de caráter publicista. Senão vejamos:

“1.-  Todo trabalhador tem o direito de exercer suas atividades em um ambiente de trabalho sadio e seguro, que preserve sua saúde física e mental e estimule seu desenvolvimento e desempenho profissional. […]

1.-  Todo trabalhador tem direito a uma proteção adequada no que se refere às condições e ao ambiente de trabalho.”

O acesso a ambiente de trabalho sadio e condições mínimas para o exercício laboral são direitos fundamentais e individuais conferidos ao trabalhador, seja nacional ou migrante. Como exemplo, a Constituição Federal do Brasil prevê como direito do trabalhador urbano e rural a existência de normas de saúde, segurança e higiene que visem redução de riscos laborais, conforme art. 7º, XXII, além de basear-se em uma série de convenções da OIT[1]. Segundo a Consolidação das Leis do Trabalho, a competência para inspeção dos locais de trabalho – Delegacias Regionais do Trabalho – podendo haver delegação a órgãos de outros entes federativos, mediante convênio autorizado pelo Ministério do Trabalho, conforme art 154 e seguintes.

Nota-se, sobretudo, que temas como direito à orientação, à formação e à capacitação profissional (art. 16º) e previsão da criação de sistema de previdência social que garanta o direito à aposentadoria (art. 19º) também se encontram em posição passível de questionamento, como demonstrado acima.

Por fim, os arts. 20º a 22º tratam sobre a instituição de Comissão Sócio-Laboral com principal objetivo de observar e fomentar a aplicação da Declaração. Para isso, é necessário a instituição de órgão tripartite, que atuará de forma a auxiliar o Grupo Mercado Comum (GMC), com natureza promocional e não sancionadora. A Comissão terá as seguintes atribuições:

1. […] A Comissão Sociolaboral Regional manifestar-se-á por consenso dos três setores, e terá as seguintes atribuições e responsabilidades:

a) examinar, comentar e encaminhar as memórias preparadas pelos Estados Partes, decorrentes dos compromissos desta Declaração;

b) formular planos, programas de ação e recomendações tendentes a       fomentar a aplicação e o cumprimento da Declaração;

c) examinar observações e consultas sobre dificuldades e incorreções na aplicação e cumprimento dos dispositivos contidos na Declaração;

d) examinar dúvidas sobre a aplicação dos termos da Declaração e propor esclarecimentos;

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e) elaborar análises e relatórios sobre a aplicação e o cumprimento da Declaração;

f) examinar e apresentar as propostas de modificação do texto da Declaração e lhes dar o encaminhamento pertinente.”

Cabe finalizar esta análise baseando-se na observação de que a aplicabilidade da Declaração passa por dupla fase (PEDUZZI, 2005): a) a primeira, de natureza negocial, através da Comissão Sócio-Laboral com objetivo de criar um ambiente de ação política e pressão sindical a fim de se levar questões sociais ao GMC; b) a segunda, os limites da aplicação da Declaração terá cunho estritamente jurídico observando sua eficácia em relação ao ordenamento jurídico de cada Estado- Parte.

4. Observações críticas

Como já ressaltado no tópico 2 deste artigo, a Declaração  Sócio-Laboral do Mercosul representa um posicionamento do bloco em relação à tentativa de humanização de sua natureza organizacional, a fim de dispender tratamento igualitário entre assuntos econômicos, comerciais e temas sociais.

Esse resgate tardio mostra-se consequência do surgimento da organização internacional. Isso se explica pelo fato de o Mercosul ter surgido preponderantemente da vontade política e unilateral dos Poderes Executivos dos Estados-Partes, afastando a participação de setores importantes das sociedades civis, como empregadores, trabalhadores e esfera política (GODOY, 2008).

Quando parte-se para investigação do ordenamento normativo do bloco em busca de possíveis incidências sobre o tratamento de temas sociais, conclue-se que há evidente escassez. O preâmbulo de Tratado de Assunção – que constitui o bloco, em 1991 –  faz vaga menção ao reconhecer que a integração regional é medida fundamental ao desenvolvimento econômico com justiça social.

Quanto ao Protocolo de Ouro Preto – que trata da estrutura organizacional, de 1994 – nota-se que determinados órgãos são dotados de capacidade de produção normativa de natureza obrigatória, ou seja, normas com eficácia jurídica automática, afastando possível discricionariedade de recepção pelos Estados-Partes. Cite-se o art. 15 ao afirmar que o  Grupo Mercado Comum (GMC) – órgão executivo – manifestar-se-á mediante Resoluções e o art. 20 ao afirmar que o a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) – órgão encarregado de assistir o GMC – manifestar-se-á mediante Diretrizes ou Propostas.

Curiosamente, quando o Protocolo faz abordagem sobre o Foro Consultivo Econômico-Social – único órgão cujas atribuições consistem, dentre outras, em representações de setores econômicos e sociais – determina que ele terá apenas função consultiva, manifestando-se mediante Recomendações ao GMC, conforme art. 29. O texto, no entanto, não atribiu recepcionariedade obrigatória aos Estados-Partes quanto à produção normativa do órgão, afastando a eficácia jurídica automática.

Mais adiante, o art. 41 revela as fontes jurídicas do Mercosul. São elas: a)  Tratado de Assunção, protocolos e instrumentos adicionais ou complementares; b) acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e protocolos e c)  Decisões do Conselho do Mercado Comum (CMC), Resoluções do GMC e Diretrizes da CCM. Observa-se, portanto, que as Recomendações do Foro Consultivo Econômico-Social possuem natureza meramente consultiva e não constituem fonte jurídica, uma vez que, segundo art. 42, apenas as normas emanadas dos órgãos já citados – todos com capacidade decisória e natureza intergovernamental – têm caráter obrigatório.

Com base nessas observações, talvez o ponto de maior interesse reside no questionamento sobre a natureza jurídica da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul. Sendo considerada um tratado internacional, fonte de Direito Internacional Público, traduz conformação de vontades das partes envolvidas através de texto escrito, com objetivo de produzir efeitos jurídicos em âmbito internacional. Sabe-se que para um tratado ter eficácia é necessário que a parte envolvida não apenas assine-o, mas que, posteriormente, ratifique-o para ser recepcionado em seu ordamento jurídico. Apenas assim o texto gozará de eficácia jurídica obrigatória, passando a observar regras da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969. Vale ressaltar a incidência do princípio pacta sunt servanda, além do art. 26, afirmando que o tratado, quando em vigor, obriga as partes e deve ser cumprido de boa-fé e, finalmente, art. 27, dizendo que a parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento do tratado.

Analisando o momento da constituição da Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, observa-se que o evento se deu durante reunião semestral do Conselho do Mercado Comum (CMC), órgão com natureza intergovernamental e capacidade decisória. No entanto, a Declaração não foi assinada como uma Decisão do CMC, mas como tratado internacional, afastando possível vinculação obrigatória e, consequentemente, incorporação ao ordenamento jurídico de cada membro. Dessa forma, a Declaração Sócio-Laboral resumiu-se em carta de princípios e diretivas sem eficácia jurídica automática e obrigatória. Cabe observar que tamanha carga principiológica social e humanista, a princípio, suprimiria as omissões do passado organizacional meramente economicista do bloco regional, sua eficácia restou dependente de interesses políticos dos Estados-Partes. Dessa forma, afasta-se, de plano, um dos princípios integrativos trazidos pelo art. 1º do Tratado de Assunção, ao relevar o compromisso dos Estados-Partes em harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, a fim lograr fortalecimento do processo integrativo regional.

Por fim, como modelo exemplificativo, o Brasil até o presente momento não ratificou a Declaração em análise. Como foi exposto anteriormente, há convenções da OIT que também não foram recepcionadas, impedindo seu ingresso no ordenamento jurídico. Como a Declaração se baseia em muitas convenções, uma possível ratificação do tratado criaria conflitos aparentes de normas jurídicas, uma vez que colidiria com direitos tutelados pela Constituição Federal. No entanto, a recepção e aplicabilidade do tratado não é objeto de pesquisa do presente artigo.

Conclusão

Quanto à análise pontual do conteúdo da  Declaração Sócio-Laboral do Mercosul, pode-se afirmar que o instrumento retrata uma tentativa de modificar a natureza da organização internacional de, num primeiro momento, estritamente comercial e econômica para, depois, fundir e harmonizar desenvolvimento econômico e temas sociais e humanos.

No entanto, conclue-se que o conteúdo de todos os três grupos de direitos analisados mostram-se superficiais e vagos, comparando-se com a alta influência de inúmeros tratados internacionais e convenções de natureza social e humanista. A conceituação e disposição de alguns direitos ao longo do corpo do texto parece questionável. Há, ainda, incongruências lógico-gramaticais quanto ao tópico que trata do trabalho infantil em relação ao conteúdo trazido pela convenção nº 138 da OIT.

Por fim, ao analisar a produção e natureza normativa dos órgãos do Mercosul nota-se que são dotadas de eficácia automática e caráter obrigatório. Isso faz com com que o produto de Recomendaçoes, Decisões e outros instrumentos sejam recepcionados de forma automática pelos Estados-Partes. Já em comparação com a Declaração, com natureza de tratado internacional, pode-se dizer que seu caráter diverso da produçaão normativa do Mercosul acaba por prejudicar sua eficácia jurídica, condiconando-a à vontade política do Estado-Partes, além da ponderação quanto a possíveis conflitos em face do ordenamento jurídico local.

 

 

Referências
BORGES, José Souto Maior. Curso de direito comunitário: (instituições de direito comunitário comparado: União Européia e Mercosul). –  São Paulo: Saraiva, 2005.
CASELLA, Paulo Borba. Manual de direito internacional público. / Paulo B. Casella, Hildebrando Accioly e G. E. do Nascimento e Silva. –  19. ed., de acordo com o parecer da Corte Internacional de Justiça sobre a independência do Kosovo, de 22 de julho de 2010. –  São Paulo: Saraiva, 2011.
GODOY, Dagoberto Lima. Direitos fundamentais no trabalho no Mercosul e nos acordos de integração regional nas Américas. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 1680, 6 fev. 2008 . Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10902>. Acesso em: 26 jan. 2014.
MAFRA, Francisco. O trabalho no Mercosul. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, VIII, n. 20, fev 2005. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=833>. Acesso em jan 2014.
PEDUZZI, Maria Cristina Irigoyen. Aplicabilidade da declaração sócio-laboral do Mercosul nos estados-partes. In: ENCONTRO DE CORTES SUPREMAS  DO MERCOSUL E ASSOCIADOS, Brasília, 2005.
SILVA, Claudio Santos da. A Declaração da OIT dos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e as constituições dos países do MERCOSUL: análise comparativa com vistas a uma harmonização legislativa. Revista Jurídica da Presidência. Brasília, v. 8, n. 83,  p. 84- 101, fev./mar., 2007.
TRINDADE, Otávio Augusto Drummond Cançado. O Mercosul no direito brasileiro: incorporação de normas e segurança jurídica. –  Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
 
Notas:
[1]    Convenção nº 115 (proteção contra radioações ionizantes); 120 (higiene no comércio e escritórios); 127 (peso máximo de cargas); 148 (riscos devidos à poluição do ar, ruído e vibrações); 152 (segurança e higiene no trabalho portuário); 161 (serviços de saúde do trabalho); 162 (normas de segurança do uso do asbesto); 139 (riscos devidos a agentes cancerígenos); 133 (alojamento a bordo de navios); 136 (normas de segurança do uso do benzeno); 155 (segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho); 126 (alojamento a bordo de navios de pesca); 170 (normas de segurança do uso de produtos químicos); 163 (bem- estar dos trabalhadores marítimos no mar e no porto); 164 (assistência médica aos trabalhadores marítimos); 134 (acidente dos trabalhadores marítimos); 174 (prevenção de acidentes industriais maiores); 176 (segurança e saúde nas minas); 167 (saúde e segurança na construção).


Informações Sobre o Autor

Evandro de Oliveira Belém

Graduado em Direito pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, Presidente Prudente – SP


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