A problemática na utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica da empresa no direito brasileiro

Resumo: O referido artigo pretende abordar de forma breve e precisa a questão da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica no direito brasileiro em comparação a sua base de criação no direito europeu, bem como, soluções práticas para sua aplicação baseadas na legislação brasileira vigente.

Palavras-chaves: Desconsideração da Personalidade Jurídica da Empresa – Origem histórica – Bases no direito europeu – Aplicação no direito brasileiro – Jurisprudência – Requisitos – Difícil comprovação – Teoria Maior – Dissolução Irregular da Sociedade.

Sumário: 1.A criação do Instituto da desconsideração da personalidade jurídica . 1.1. Aspectos fundamentais. 2. Entendimentos doutrinários. 2.1. Origem histórica. 3. Entendimentos doutrinários no direito brasileiro.3.1. Requisitos de difícil comprovação – soluções práticas. 4. Jurisprudência – Tribunais brasileiros. 5.Adoção pelo direito brasileiro da Teoria Maior – Necessidade de uma análise mais profunda sobre o tema. 6.Da dissolução irregular da sociedade – responsabilização dos sócios – entendimento do Supremo Tribunal Federal. 7.Conclusão. Bibliografia.

1.A criação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

1.1. Aspectos fundamentais :

Muito se tem discutido sobre o instituto da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, na medida em que tal instituto não seja utilizado apenas como uma punição aos maus gestores, mas, como uma forma de desencorajar os administradores de empresas para que não a utilizem como um instrumento, ou como um escudo, para a prática de atos temerários que venham causar danos à terceiros.

Porém, o que se observa na lida diária dos operadores do direito, é o fato de existir um certo protecionismo às empresas no direito brasileiro, uma vez que somente em casos muitos específicos se admite a desconsideração da personalidade jurídica para atingir os bens sociais. Tal fato se deve, talvez, pela necessidade que o país possui de constantes investimentos, principalmente estrangeiros, e esta seria uma forma de garantir a segurança jurídica necessária para as empresas que tivessem o interesse de investir no Brasil.

Observa-se que tal instituto, quando sistematizado pela primeira vez de forma minuciosa pelo direito alemão, no caso de ocorrer inadimplência ou o abuso de autoridade por parte do administrador, tais fatos, se concretizariam como argumentos suficientes para admitir-se a aplicação de tal instituto jurídico, punindo aqueles que se utilizassem da autonomia entre a pessoa jurídica e os sócios, para não honrar com os compromissos assumidos em nome daquela.

Em sede de criação do instituto no direito europeu, aquele que causasse danos estaria obrigado a reparar com a perda de seus bens através da desconsideração da personalidade jurídica da empresa.

Tal entendimento deveria servir de base para a concessão de tal benefício àquele que o solicitasse em juízo, uma vez que a rigidez das normas que o criaram e a falta de decisões unânimes proferidas pelos tribunais pátrios nesse sentido, seriam de imediato, suficientes para o embasamento de tal petitório, tendo em vista que, para a aplicação justa da norma deveria-se analisar caso a caso.

2.Entendimentos doutrinários:

2.1. Origem histórica:

A técnica da desconsideração da pessoa jurídica ou teoria da penetração é também conhecida como disregard of legal entity, disregard doctrine, lifting the corporate veil nos Estados Unidos, superamento della personalitá guiridica na Itália e durchgriff der juristichen person na Alemanha.

A sistematização da teoria da desconsideração da personalidade jurídica teve origem, na opinião da maioria dos juristas brasileiros, no direito alemão, através da tese de doutorado do jurista Rolf Serick elaborada em 1953 e cujo título é “Forma jurídica e realidade das pessoas jurídicas – contribuição de direito comparado à questão da penetração para atingir pessoas ou objetos situados através da pessoa jurídica”. ( OLIVEIRA, J. Lamartine Corrêa de, Op. cit. p. 296).

 A referida teoria da penetração tinha como fundamento principal, a separação da personalidade jurídica da empresa com relação aos sócios, porque, no entendimento do jurista alemão Rolf Serick a pessoa jurídica é uma criação para realização de determinadas finalidades que o sócio de forma isolada não seria capaz de alcançar, bem como, no ensinamento do jurista elamão, esse instituto deveria ser utilizado em conformidade com os princípios que norteavam a relações comerciais na época, sendo imprescindível a desconsideração da personalidade jurídica quando a empresa fosse utilizada de forma abusiva, com vistas ao locupletamento daqueles que dela se utilizam.

Com o objetivo de estabelecer normas específicas, que limitassem a aplicação da teoria da penetração, Rolf Serick passou a analisou as decisões proferidas pelos tribunais da época, principalmente na Alemanha e nos Estados Unidos, chegando a conclusão que: no que diz respeito as decisões americanas sobre a disregard, fixou-se critérios mais específicos, referindo-se somente a casos concretos, nos quais, era imprescindível saber se a pessoa jurídica estava sendo realmente utilizada de acordo com as funções a ela atribuídas pelo ordenamento jurídico da época ou não.

 Porém quando Serik analisa as decisões proferidas nos tribunais germânicos observa que naqueles tribunais se fixam critérios mais genéricos, como no caso, por exemplo, do abuso de direito, quando se utiliza a pessoa jurídica para a obtenção de fins ilícitos, ou seja, no entendimento dos tribunais germânicos, usar a pessoa jurídica de forma abusiva estaria sempre caracterizado quando os sócios ou acionistas a utilizassem com a finalidade de fraudar a lei.

3.Entendimentos doutrinários no direito brasileiro:

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica fora formada inicialmente através de uma construção baseada na jurisprudência, somente ganhando notoriedade no mundo jurídico nos anos 60 com os estudos detalhados do jurista alemão Rolf Serick e do jurista italiano Pedro Verrucoli.

No Brasil a referida teoria teve sua primeira normatização no Código Civil de 2002, porém, já se observava sua aplicabilidade em legislações esparsas que tratavam da responsabilização dos sócios.

O ponto relevante desta teoria se concentra exatamente na quebra da autonomia patrimonial conferida as pessoas jurídicas de direito privado, responsabilizando os sócios pela ingerência. No caso da desconsideração da personalidade jurídica inversa, a ordem da quebra da autonomia ocorre em relação a pessoa física, ou seja, se atinge os bens da empresa por atos dos sócios em casos relativos ao direito de família e sucessões.

No Brasil, o primeiro a abordar o tema da disregard doctrine foi Rubens Requião em um famoso texto publicado na Revista dos Tribunais, da qual podemos citar o seguinte trecho:

“E assim, tanto nos Estados Unidos, na Alemanha ou no Brasil, é justo perguntar se o juiz, deparando-se com tais problemas, deve fechar os olhos ante o fato de que a pessoa jurídica é utilizada para fins contrários ao direito, ou se em semelhante hipótese deve prescindir da posição formal da personalidade jurídica e equiparar o sócio e a sociedade para evitar manobras fraudulentas. São tais indagações que levam os tribunais norte-americanos a consagrar e aplicar a doutrina, tal como ocorreu no julgamento do caso “Montegomery Web Company vs. Dieniel”, na qual o tribunal indagou de sipróprio “se o direito á de fechar seus olhos diante da realidade de que a diferença (entre a pessoa jurídica e o sócio) é um mero jogo de palavras”.

Respondeu, sem vacilações, que a solução há de ser sempre a de que “nada existe que nos obrigue a semelhante cegueira jurídica” Ora, diante do abuso de direito e da fraude no uso da personalidade jurídica, o juiz brasileiro tem o direito de indagar, em seu livre convencimento, se há de se consagrar a fraude ou o abuso de direito, ou se deva desprezar a personalidade jurídica, para, penetrando em seu âmago, alcançar as pessoas e bens que dentro dela se escondem para fins ilícitos e abusivos”.( REQUIÃO, Rubens. Abuso de Direito e Fraude através da ersonalidade Jurídica. Disregard Doctrine. Artigo publicado na RT nº 410).

Na legislação brasileira é obrigatória a separação entre a pessoa jurídica e as pessoas naturais que a integram, somente se utilizando a desconsideração da personalidade jurídica com objetivos muitos precisos, no intuito de impedir desvios e abusos na sua utilização.

 A superação da personalidade jurídica nada mais é do que a despersonalização da entidade formada, objetivando a responsabilização das pessoas naturais ou jurídicas que a compõem, e que a ela estajam ligadas, motivada pelo exercício de fraudes ou de atos abusivos, tão somente para o julgamento do caso concreto que motiva o litígio, sem contudo extinguir-lhe a personalidade.

 A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica constitui-se em uma verdadeira exceção à disposição do art. 20 do Código Civil Brasileiro, baseado no princípio de que o direito não pode tutelar atos ilícitos: “Art. 20. As pessoas jurídicas tem existência distinta da dos seus membros.”

 A disregard doctrine não anula a personalidade jurídica reconhecida pela Lei, simplesmente a desconsidera, em face dos indivíduos ou bens que por trás dela se escondem em razão de um caso concreto. Declarando ineficaz o ato jurídico que forma a sua personalidade jurídica para certos efeitos legais ou para determinados casos, permanecendo, contudo, intocada a individualidade da empresa, no que se refere aos demais direitos e obrigações.

O Código Civil brasileiro, no art. 50 reza sobre o tema:

“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte,ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.”

Em termos práticos, os prejuízos sofridos pelos credores têm sido resgatados a partir da técnica da desconsideração da personalidade jurídica da empresa quando configurada a hipótese de prática abusiva, também, acompanhando o sentido objetivista que deflui do art. 50 do Código Civil Brasileiro, no caso dos prejuízos serem causados em decorrência da não obediência aos objetivos para os quais a personalidade jurídica fora criada. Ou seja, o Código Civil Brasileiro, assim como outras legislações brasileiras complementares, criam uma nova estrutura para o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, cujas diretrizes básicas ainda se encontram em formação devido as mudanças sofridas pelas relações comerciais com o passar do tempo.

Em conclusão, para Rolf Serick, os pressupostos para o afastamento da distinção entre sócio e pessoa jurídica estavam baseados na existência de condutas que evidenciassem o abuso de direito, materializado sempre que: através da pessoa jurídica se pretendesse fugir à incidência da lei e descumprir obrigações contratuais ou causar fraudulentamente danos à terceiros. Ressalte-se que, para o jurista alemão; que tinha uma posição notadamente subjetivista sobre o assunto; tornava-se imprescindível que todos esses atos fossem intencionalmente dirigidos à efetivação de fraude ou dano.

Contudo, apesar de algumas divergências doutrinárias, a base que sustenta a teoria, qual seja, o abuso na utilização da pessoa jurídica para a consecução de objetivos contrários ao ordenamento jurídico, causando prejuízo a terceiros, foi mantida por aqueles que posteriormente aos juristas Rolf Serick e Pedro Verrucoli dedicaram-se ao tema da desconsideração.

3.1. Requisitos de difícil comprovação – soluções práticas:

Ocorre porém que, em termos práticos, os tribunais pátrios somente concedem a desconsideração da personalidade jurídica da empresa quando configurados os requisitos do art. 51 do Código Civil Brasileiro, mas, o que se observa é que, muitas vezes, os litígios se referem a empresas de pequeno ou médio porte que não possuem um patrimônio passível de constrição judicial, não existindo, nem mesmo a possibilidade de comprovar-se a confusão patrimonial por absoluta falta de patrimônio.

Dentro de toda esta complexa discussão sobre desconsideração da personalidade jurídica da empresa, na qual, deve-se preservar a sua autonomia por uma questão de segurança jurídica, mas, de outra parte deve-se permitir àquele que sofra prejuízos com a ingerência de administradores despreparados ou mal intencionados, obtenham, a devida reparação pelos prejuízos sofridos com a responsabilização dos sócios através da constrição de seus bens pessoais. Entendemos, que uma solução plausível para toda esta complexa questão comprobatória seria a comprovação da dissolução irregular da sociedade, tema que trataremos mais adiante.

4. Jurisprudência – Tribunais brasileiros :

 No que se refere as decisões proferidas sobre da aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, o entendimento dos tribunais superiores brasileiros sobre o tema não esta consolidado, principalmente em referência a aplicação da Teoria Maior, e nesta oportunidade, transcrevo o voto do Ilustre Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, proferido no Recurso Especial n. 86502-SP, que se refere a desconsideração da personalidade jurídica em face de abuso de poder.

No voto proferido, o ilustre Relator, se refere ao desrespeito por parte do sócio administrador, das regras vigentes dentro da própria sociedade gerida e principalmente, da desobediência as normas de conduta aplicáveis no caso de não cumprimento das obrigações assumidas em nome da empresa que não tenha capacidade financeira para arcar com os compromissos assumidos pelos sócios.

“5.Na precisa definição do em. Prof. Juan Dobson ( El abuso de la personalidad jurídica. Depalma. 1985, p. 11) a desconsideração da personalidade jurídica “ é um remédio jurídico mediante o qual resulta possível prescindir da forma de sociedade ou associação com que se haja revestido um grupo de pessoas ou bens, negando sua existência autônoma como sujeito de direito frente a uma situação jurídica particular” . A crise de função da pessoa jurídica de que nos fala Lamartine Corrêa de Oliveira ( A dupla crise da pessoa jurídica. p. 259 e seguintes) permitiu o desenvolvimento da idéia da sua desconsideração,teoria que não é contra o instituto da pessoa jurídica, mas, “ muito pelo contrário, visa ao aperfeiçoamento da sua disciplina, de forma a compatibilizar a sua importância para o sistema econômico existente e a coibição das fraudes e abusos que, através dela, são praticados” estando ligada ao princípio da preservação da empresa, assim como a figura da dissolução parcial, da continuidade da empresa falida,etc. ( Fabio Ulhoa Coelho, Lineamentos da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Revista do Advogado. v.p. 39:) Rolf Serik o primeiro a sistematizar a matéria, fundamentou sua teoria no abuso de direito, que existiria sempre que por intermédio de uma pessoa jurídica se possibilita a burla de uma disposição legal, de uma obrigação contratual, ou se causa um prejuízo a terceiros ( Dobson. p.39 ). Esse pressupostos forma considerados insuficientes pelo prof. Fabio Konder Comparato que parte da idéia de ser a separação patrimonial a causa do negócio da sociedade, propondo: “ O verdadeiro critério no assunto é o referente aos próprios pressupostos de separação patrimonial, enquanto causa da constituição das sociedades: de tipo formal, como por exemplo, o respeito a espécie societária: ou o pressuposto substancial da permanência do objeto e do objetivo sociais, como escopo inconfundível com o interesse ou a atividade individual dos sócios. A falta de qualquer desse pressupostos torna ineficaz a separação de patrimônios, estabelecida em regra”. (O poder de controle na sociedade anônima. p. 297 ).

Embora a correção da crítica do eminente professor de São Paulo, especialmente quanto à insuficiência da teoria subjetiva , “ que deixa de lado os casos em que a ineficácia da separação patrimonial ocorre em benefício do controlador, sem qualquer abuso ou fraude” p. 296,- lição que pode fundamentar decisão judicial na hipótese que referiu, e sempre que a teoria subjetivista for insuficiente, – verdade é que a maioria da doutrina ( ver Fabio Ulhoa Coelho, Desconsideração da personalidade jurídica. RT p.57 e seguintes ) e bem assim, os precedentes jurisprudenciais ( cfr. Lamartine, op. cit. p.521 e João Casillo, Desconsideração da pessoa jurídica. Revista dos Tribunais, v. 528, p.25 -37, onde estão colecionadas diversas decisões quase todas versando sobre fraude ao dever contratual, fraude a lei e insolvência )se inclinam pela aceitação do enunciado subjetivo. Assim, Rubens Requião: “ A doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, para impedir a fraude e o abuso de direito, está consagrada na jurisprudência de diversos países, cuja cultura jurídica sempre influiu e inspirou os nossos juristas. É concebível, pois, que a disregard doctrine tenha reflexos em nosso Direito, ou com ele seja compatível e aplicável. ( “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, Revista dos Tribunais. 410/12 ). No mesmo sentido Lamartine Corrêa de Oliveira: “ os problemas ditos de “ desconsideração” envolvem frequentemente um problema de imputação. O que importa basicamente é a verificação da resposta adequada à seguinte pergunta: no caso em exame foi realmente a pessoa jurídica que agiu, ou foi ela mero instrumento nas mãos de outras pessoas, físicas ou jurídicas?..Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora da sua função, que esta tornado possível o resultado contrário à lei, ao contrato, ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica ( bons costumes, ordem pública ), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência” ( op. cit. p. 613 ). ( grifos nossos )(…..)Assim estou me pondo de acordo com os que admitem a aplicação da doutrina da desconsideração, para julgar ineficaz a personificação societária sempre que for usada com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros. Ou, em outras palavras: “ O juiz pode decretar a suspensão episódica da eficácia do ato constitutivo da pessoa jurídica, se verificar que ele foi utilizada como instrumento para realização de fraude ou abuso de direito.” (Fabio Ulhoa Coelho. p. 54 ). (grifos nossos)

A sua compatibilidade com o ordenamento jurídico nacional, além dos casos expressamente previstos em lei, também decorre do princípio geral da boa-fé, base da doutrina alemã construída sobre o ponto do princípio que veda o uso abusivo do direito, e da cláusula geral sobre a ordem pública ( art. 17 da LICC ), que servem de fundamento para que se afaste pontualmente, presentes os pressupostos, a regra do art. 20 do Código Civil.

Admite-se a desconsideração para atingir empresa do mesmo grupo ou conglomerado, que se forma de fato ou de direito, quando sirva para elidir a responsabilidade por dívidas de seus integrantes.

“A jurisprudência americana em inúmeros casos tem entendido também que a personalidade jurídica de uma empresa pode ser desconsiderada para que se exija o cumprimento de obrigações por outra pessoa jurídica distinta, mas de tal modo ligadas uma à outra, que chegam a se identificar no mundo fático. Normalmente são situações onde uma pessoa jurídica controla o capital da outra, ou o de ambas é exageradamente controlado por uma só pessoa. As diretorias e administrações se confundem e os negócios são de tal forma entrelaçados, que se torna difícil a distinção do que interessa a quem.” ( João Casillo, loc. cit., p.27 ) No caso dos autos o eg. Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu a presença dos pressupostos necessários para aplicação da doutrina da disregard….”(STJ- Recursos Especial 86.502-SP – Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça – Julgamento 21 de maio de 1996.)

5.Adoção pelo direito brasileiro da Teoria Maior – Necessidade de uma análise mais profunda sobre o tema.

Com relação aos requisitos para aplicabilidade e caracterização da necessidade de desconsiderar-se a personalidade jurídica da empresa, são utilizadas as chamadas Teoria Maior e Teoria Menor no direito brasileiro.

Segundo nos ensina a jurista brasileira Mônica Gusmão, a teoria menor estaria baseada no fato de que o simples prejuízo do credor já seria suficiente para a desconsideração da personalidade jurídica e direta responsabilização do sócio, tal teoria, por sua superficialidade, garantiria a responsabilização dos sócios sempre que a sociedade não possuísse bens suficientes para assegurar o cumprimento das obrigações assumidas.Porém, esse entendimento, não é muito aceito pelos tribunais patrios, por ser considerada como causadora de uma certa insegurança jurídica.

Em termos práticos, e esse tem sido o objetivo da eleboração do presente artigo, é que a teoria menor deveria ser aplicada em casos, nos quais, não existisse a possibilidade de comprovação da ocorrência dos requisitos do arti. 51 do Codigo Civil Brasileiro por absoluta falta de bens, pois, nem mesmo a inclusão do sócio como fiador e diretamente solidário pela dívida poderia resolver tal questão, pois, antes de atingir-se os bens sociais deveria-se buscar de forma exaustiva os bens da empresa, em obediência ao chamado “benefício de ordem” previsto no artigo 596, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil Brasileiro.

Contudo, a teoria maior, por sua vez, é a amplamente difundida na nossa doutrina e jurisprudência, segundo a qual, “deve-se considerar e proteger a personificação de determinados entes e os seus efeitos, desde que não se vislumbre que a personalidade jurídica esteja sendo utilizada como instrumento para a consecução de objetivos juridicamente condenáveis”. (GUSMÃO, Mônica, Op. cit., p. 42.)

Contudo, insta salientar que, a adoção das referidas teorias maior ou menor, deveriam ser analisadas caso a caso, uma vez que o verdadeiro objetivo da criação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, é principalmente o de responsabilizar os administradores temerários, chamados no direito italiano de “socio tiranno” (*), ou seja aquele que utiliza-se da empresa para assumir responsabilidades, não honrando com os compromissos assumidos perante o comercio em geral e causando prejuízos a terceiros. Entende-se que não basta apenas intitular-se empresário, deve o administrador ter a capacidade de gerir seu negócio de forma saudável, a fim de proporcionar o desenvolvimento da comunidade em que vive. (*) Socio che abusano sono quei soci che si comporta come un «socio tiranno», cioè come socio che «con l'assoluto disprezzo delle regole fondamentali del diritto societario», «degradano la società a suo mero strumento», attraverso «confusione di patrimoni» ha utilizzato la società «come cosa propria» ( BIGIAVI, Walter. in: L'imprenditore occulto, Padova 1957; ID, Difesa dell'«imprenditore occulto», Padova, 1962; ID, Responsabilità del «socio tiranno», in Foro It.,1960, I, c. 1180; ID, «Imprese» di finanziamento come surrogati del «socio tiranno» imprenditore occulto, in Giur. It., 1967, IV, c. 49.)

6.Da dissolução irregular da sociedade – responsabilização dos sócios – entendimento do Supremo Tribunal Federal.

O fato de uma sociedade não ser encerrada, ou mesmo dissolvida, conforme o que esta prescrito no Código Civil Brasileiro caracteriza a chamada dissolução irregular, tendo em vista que uma sociedade somente pode ser considerada como devidamente encerrada quando estejam presentes alguns dos requisitos elencados no art. 1103 do Código Civil.

O não cumprimento do requisitos impostos pelo código, é uma comprovação da existência da dissolução irregular a sociedade, demonstrando a necessidade da desconsideração da personalidade jurídica da empresa.

Também, não se pode considerar dissolvida uma sociedade meramente inativa, porque, a dissolução irregular de uma sociedade consiste no encerramento de suas atividades que constituem seu objeto, mas sem a liquidação dos ativos e passivos conforme prevê o Código Civil Brasileiro, e, ainda, sem que ocorra a sua baixa na Junta comercial e nos demais órgãos responsáveis.

A legislação referente a esta matéria, determina que se observe as solenidades previstas no ato de criação e no ato de dissolução da sociedade, conforme determina o art. 51, parágrafo segundo, do Código Civil Brasileiro:

“Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.

§ 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.

§ 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.

§ 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.” 

Portanto, havendo indícios de dissolução irregular da sociedade, os bens dos sócios deverão sofrer a devida constrição judicial, pois, o entendimento jurisprudencial vigente é de que, ocorrendo a dissolução irregular da sociedade, admite-se a responsabilidade pessoal dos sócios pelas dividas da empresa.

 O Supremo Tribunal de Justiça na Súmula n. 435, determina: “Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicilio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.”

Entende-se que e dever do sócio administrador, diante do encerramento das atividades da empresa é de seguir o passos definidos no art. 1.103 do Código Civil. Ou seja, qualquer fato distinto do que esteja prescrito no referido código, se deve considerar como dissolução irregular, podendo os bens dos sócios administradores responder pelas dividas.

Ocorre que, na maioria das vezes, tais requisitos impostos por força da lei, bem como, pelas decisões proferidas pelos tribunais pátrios, são de difícil comprovação, uma vez que, em geral, as empresas de pequeno e médio porte, não possuem bens passíveis de constrição judicial. Verifica-se, no entanto, que o artigo 51 do Código Civil Brasileiro, permite uma solução para este problema, através da comprovação de que a empresa não esteja mais em funcionamento através da certificação nos próprios autos, após, ser efetuada e devida diligência comprobatória.

Este inclusive, tem sido o entendimento dos tribunais pátrios neste sentido, ou seja, o juiz determina que o oficial de justiça dirija-se ao endereço indicado no processo, bem como, no endereço indicado no contrato social registrado perante a Junta Comercial, como sendo o endereço da sede da empresa executada, e assim, ateste in loco se a empresa esta funcionamento ou não, comprovando-se a dissolução irregular, conforme entendimento do STF nesse sentido:

“Execução de Sociedade Limitada – Desconsideração da personalidade jurídica. Recurso Improvido. Ementa: Havendo indícios de desativação irregular da pessoa jurídica, o que impede o credor de receber o seu crédito, é perfeitamente aplicável a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo então necessária a justa responsabilidade dos sócios, através de seus bens pessoais, nos termos do artigo 50 do Código Civil de 2002.” O acordão recorrido manteve a decisão que deferiu o pedido de desconsideração da personalidade jurídica ao fundamento de que “ a inércia da devedora aliada a desatualização da ficha cadastral junto a JUCESP, bem como, a suposta inexistência de bens conduza a conclusão de que houve a dissolução da sociedade de forma irregular, hipótese capaz de caracterizar fraude e infração da lei e do contrato, justificando a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e permitindo a responsabilização dos sócios pelas dívidas sociais, sobretudo porque não localizados bens que respondam pela dívida”, não cabendo a este Tribunal o reexame de fatos e provas para julgar em sentido contrário ao que ora decidido pela Corte de Origem (….)” ( STF – AI 637095, Relator Ministro Joaquim Barbosa, julgamento em 08/10/2010 – Publicado em 20/10/2010)

7.Conclusão

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica consiste em um instituto jurídico que ainda deve ser profundamente estudado, pois, sendo um tema relativamente novo no direito, merece uma maior atenção por parte dos juristas, legisladores e operadores do direito em geral.

Ainda que muito se tenha discutido sobre o assunto, e algumas alternativas jurídicas tenham sido encontradas, bem como, estejam sendo aplicadas pelo judiciário, nota-se que estamos longe de uma verdade absoluta sobre o tema, o que é próprio da ciência do direito por não tratar-se de uma ciência exata.

Ao mesmo tempo, em que é necessário respeitar-se a autonomia concedida pela lei à pessoa jurídica, também é necessário evitar-se ao máximo que tal benefício concedido possa ser utilizado para causar danos à pessoas fisicas ou jurídicas, que estejam diretamente ligadas a uma relação comercial que lhes cause algum tipo de dano, devido a condutas abusivas ou fraudulentas.

Portanto, os abusos que forem cometidos através da utilização desvirtuada da pessoa jurídica, merecem a devida punição, materializada através da desconsideração da personalidade jurídica, que objetiva, como vimos, a suspensão momentânea dos efeitos da separação patrimonial, fazendo com que os sócios ou acionistas que se utilizaram da pessoa jurídica para finalidades abusivas, respondam pessoalmente pelos seus atos, através da constrição legal de seus bens pessoais.

 

Referências
GUSMÃO, Mônica. Direito empresarial. Rio de Janeiro. Editora Impetus, 2003.
OLIVEIRA, J. Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979.
REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. V. 2. São Paulo: Saraiva, 1995.
BIGIAVI, Walter.. “L'imprenditore occulto”. Padova, 1957; “Difesa dell'imprenditore occulto”. Padova, 1962; “Responsabilità del socio tiranno”.1960; “Imprese di finanziamento come surrogati del “socio tiranno” imprenditore occulto”, em Giur. Italia., 1967, IV, 49.
Legislação:
Código Civil Brasileiro.
Código de Processo Civil Brasileiro.

Informações Sobre o Autor

Vanessa Massaro

Advogada atuante na área do Direito Empresarial. Doutoranda em Direito pela Università degli Studi di Torino – Turim Itália. Extensão Universitária em Direito dos Mercados Financeiros pela Università degli Studi di Milano – Milão Itália. Pós-graduada pelo IBEJ Instituto Brasileiro de Estados Jurídicos Paraná. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná


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