Resumo: O tratamento da questão envolvendo a responsabilidade subsidiária da administração pública terá abordagem histórica, levando em conta a evolução da jurisprudência a respeito do tema. Abordará também aspectos doutrinários mais abalizados acerca da questão. A pesquisa objetiva traçar um panorama evolutivo da posição do Tribunal Superior do Trabalho em relação à temática, apontando algumas controvérsias recorrentes levadas ao Judiciário Trabalhista.
Palavras–chave: Responsabilidade subsidiária. Administração Pública. Peculiaridades.
Abstract: The treatment of the issue involving the subsidiary liability of public administration have historical approach, taking into account developments in the case law on the subject. Also address doctrinal aspects more authoritative on the matter. The research aims to draw a picture of the evolutionary position of the Superior Labour Court in relation to the topic, pointing out some recurring controversies brought to the Labour Judiciary.
Keywords: Secondary Liability. Public Administration. Peculiarities.
Sumário: Introdução. 1. O fenômeno da terceirização. 2. A evolução legislativa e a formação da Súmula 331 do TST. 3. A lei nº 8666/93 e a responsabilidade subsidiária da administração pública 4. A decisão da ADC 16/2010 do STF e sua importância para o tema 5 As alterações da Súmula 331 e sua nova estrutura. 6. O dono de obra. 7. Conclusão. 8. Referências.
INTRODUÇÃO
O trabalho tem por escopo analisar as questões envolvendo a responsabilização subsidiária do Poder Público, na condição de tomador dos serviços. Para tanto, será feita abordagem traçando um panorama da evolução jurisprudencial do Tribunal Superior do Trabalho a respeito da temática e os efeitos dessas mudanças.
1-O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO
A globalização da economia derrubou barreiras entre os mercados internos das nações mundiais, determinando uma maior fragilidade no mercado interno. A acirrada competitividade trouxe a necessidade de reformular a produção, especialmente focando na racionalização dos custos de produção.
Conforme leciona SUSSEKIND (pag. 227, 2010), o fenômeno da globalização da economia foi indutor da transformação da estrutura do mercado, tendo como efeito a busca da flexibilização dos direitos trabalhistas visando redução de custos.
Nessa nova ordem, o fenômeno da terceirização surgiu da necessidade de reformulação da interação entre os fatores de produção, traduzido, em última instância, pela flexibilização de direitos trabalhistas. O foco era o aumento de produtividade, visando garantir maior competitividade no mercado interno, antes imune às injunções internacionais.
Trata-se de fenômeno recente. A terceirização teve fraca referência na Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 455, que trata da empreitada e subempreitada, mas ganhou destaque na década de 60 e 70, com o Decreto nº 200/67 e a Lei nº 5.645/70, diplomas que tratam especificamente do setor público.
Essa prática de caráter empresarial, desenvolvida e tratada pela ciência econômica e Administração de Empresas, teve afetação à seara do direito laboral.
Com efeito, a redução de custo, ao demandar a flexibilização dos direitos trabalhistas, gerou perplexidade por conta dessa nova configuração, uma vez que a terceirização se traduz em uma nova forma de interação entre empregados e empregadores, diversa da relação bilateral clássica.
Quanto à nomenclatura, a terceirização é também conhecida como subcontratação, filialização, parceria, entre outros termos doutrinários.
Para GODINHO (pag. 428), a expressão terceirização trata-se de neologismo oriundo da palavra terceiro, compreendido como intermediário e interveniente.
ARION SAYÃO ROMITA (pag. 479 – Vólia Bomfim) explica que a expressão terceirização está relacionada ao setor terciário, ligada essencialmente aos serviços.
Quanto ao conceito do termo, GODINHO sustenta que é “o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente”. E acrescenta que a terceirização teria uma configuração trilateral, formada pelo trabalhador que presta o serviço, a empresa terceirizante que contrata o obreiro e a empresa tomadora dos serviços, que se beneficia do labor prestado, tudo circundado pelo mercado capitalista.
VÓLIA BOMFIM (2013, pag. 480) disseca o conceito, definindo como relação trilateral formada entre trabalhador, intermediador da mão de obra e beneficiário dos serviços, caracterizada pela não coincidência do empregador real com o empregador formal.
Justamente por se tratar de relação trilateral, afasta-se do modelo tradicional bilateral de relação empregatícia, delineado pelos artigos 2º e 3º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Em função desse novo desenho, o instituto vai ser tratado com reservas e analisado sob o crivo da excepcionalidade. Nesse norte, GODINHO adverte que o fenômeno “traz desajustes em contraponto aos clássicos objetivos tutelares e redistributivos que sempre caracterizaram o Direito do Trabalho ao longo da história”. (pag. 428, GODINHO)
Numa visão didática, a clássica relação de emprego era formada entre trabalhador e empregador, amparado pelo contrato de trabalho típico do artigo 442 celetista.
A terceirização, diversamente, vai esboçar uma relação trilateral, em que o trabalhador tem relação empregatícia com a empresa prestadora dos serviços, baseado em um contrato de trabalho do artigo 442 da CLT, Ao lado disso, umbilicalmente ligado está uma outra relação contratual entre a empresa prestadora dos serviços e a empresa tomadora dos serviços, amparada em um contrato de natureza civil ou comercial.
Em sendo o tomador de serviços ente da Administração Pública, a relação será regida por um contrato administrativo entre tomador dos serviços e prestador dos serviços, baseado na Lei nº 8666/93, a lei de licitações.
Nessa nova configuração, em regra, não há vínculo de emprego entre o obreiro e a tomadora dos serviços, ou seja, a tomadora que se beneficia dos trabalhos prestados não tem vínculo algum com o empregado.
Feitas essas considerações iniciais, faz-se mister analisar a jurisprudência do TST e o modo como a Corte Superior Trabalhista enfrentou esse novo instituto, na seara laboral.
2-A EVOLUÇÃO LEGISLATIVA E A FORMAÇÃO DA SÚMULA 331 DO TST
Já foi dito que o fenômeno da terceirização é instituto recente na legislação pátria, que teve parca referência na CLT, em seu artigo 455 e 652, “a”, III, dispositivos que tratam da empreitada e subempreitada.
No âmbito da administração pública surgiram na década de 60 e 70 o Decreto-Lei nº 200/67 e a Lei nº 5.645/70.
O Decreto-Lei nº 200/67 veio autorizar a Administração Pública a terceirizar atividades de apoio, e normatizar a forma da prestação desses serviços terceirizados.
Dispôs o Decreto-Lei nº 200/67, em seu artigo 10, caput, que “a execução das atividades da Administração Federal deverá ser amplamente descentralizada”.
Na análise do § 7º do art. 10 do Decreto-Lei, constata-se que a autorização para a terceirização estava restrita às atividades de apoio, de caráter instrumental, não abarcando as atividades finalísticas da administração pública. Com essa nova configuração, a administração pública poderia transferir as atividades periféricas, instrumentais, dedicando esforços àquelas atividades finalísticas, típicas do Estado. Segue o dispositivo citado:
“§ 7º Para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução.”
A lei nº 5.645/70, em apoio ao Decreto-Lei nº 200/67, trouxe elenco exemplificativo das atividades possíveis de terceirização. Dentre essas atividades encontram-se aquelas relacionadas a atividades de transporte, conservação e limpeza, operação de elevadores, entre outras. Conforme explicitado, são tarefas de apoio, de caráter instrumental.
Não houve autorização legal para terceirização de atividades finalísticas do Estado.
Mais tarde surgiram as Leis nº 6019/74 e nº 7102/83, que passaram a regular a terceirização no mercado privado. A Lei nº 6019/74 trata do trabalho temporário e a Lei nº 7.102/83, do trabalho de vigilância bancária. Importa registrar que a Lei nº 8863/94 ampliou o alcance da Lei nº 7.102/83, permitindo a terceirização para toda a área de vigilância patrimonial, na área pública e privada.
Mais uma vez se observa que os diplomas citados, que regularam a terceirização no âmbito privado, possuem um caráter restritivo, na medida em que somente autorizaram a terceirização de atividades de apoio.
Ainda importa registrar a Lei nº 8.949/94 que acrescentou parágrafo único ao artigo 442 da CLT, inserindo nova hipótese de terceirização.
Constou no parágrafo único do art. 442 da CLT que:
“Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela."
GODINHO (pag. 434, Curso de Direito do Trabalho) ainda se refere à Lei nº 8.036/90 (Lei do FGTS), que segundo o autor, tentou reunir na mesma fórmula conceitual a relação típica bilateral empregador e empregador e a relação trilateral moderna, trazida pela terceirização.
VÓLIA BOMFIM (pag. 491, Direito do Trabalho) também indica que a Lei nº 8.212/91, em seu artigo 31, trouxe referências importantes ao novo instituto flexibilizador.
De toda forma, advirta-se que a despeito do surgimento do fenômeno da terceirização no Brasil, em nenhuma hipótese houve autorização legal para terceirizar as atividades empresariais e estatais de caráter finalístico. Todas as leis relacionadas tinham caráter restritivo quanto a esse aspecto. Não havia possibilidade de terceirização das atividades-fim da empresa tomadora dos serviços.
Não obstante o caráter restritivo das normas terceirizantes, a doutrina de GODINHO (pag. 432, Curso de Direito do Trabalho) narra que o processo se acentuou no seguimento privado em proporções superiores às hipóteses permitidas na lei.
Tal amplitude ganhou também o setor público, o que obrigou a jurisprudência trabalhista a assumir postura interpretativa voltada a solucionar as lacunas existentes nos diplomas legais respectivos e tentar equacionar as questões envolvendo esse fenômeno sociotrabalhista.
Na década de 80, precisamente em 1986, na tentativa de barrar a evolução fraudulenta do fenômeno da terceirização, o Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 256, imprimindo caráter regulamentar restritivo ao instituto. O verbete sumulado enunciava:
“Salvo os casos previstos nas Leis ns. 6.019, de 3.1.74 e 7.102, de 20.6.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.”
Vê-se que a jurisprudência sumulada trouxe as referências normativas das Leis 6.019/74 e Lei 7.102/83, em claro intuito de reforçar a posição limitativa das formas de terceirização, em contraponto ao agigantamento do fenômeno sócio jurídico da terceirização fraudulenta experimentado na sociedade.
Nessa linha, a regra encampada pelo TST era que, excetuando as terceirizações de atividades de apoio, nos demais casos haveria formação de vínculo, diretamente com o tomador dos serviços.
Pouco depois surgiu a Constituição Federal de 88, que em seu artigo 37, inciso II, vedou expressamente o reconhecimento de vínculo de emprego com a administração pública sem a prévia aprovação em concurso público.
Constou no referido inciso que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos (…)”.
É de se notar que a Súmula 256 do TST restou enfraquecida com essa nova disciplina constitucional, uma vez que a parte final do verbete, que trata de configurar o vínculo de emprego, em caso de fraude na terceirização, passaria a regular apenas as atividades do setor privado, não se destinando ao setor público.
Ao lado disso, a referida súmula editada pelo TST trazia sérios óbices ao cumprimento das determinações previstas no art.10 do Decreto-Lei nº 200/67 e na Lei nº 5.645/70.
Essa evidente incongruência do enunciado da Súmula 256 do TST e as questões judiciais geradas em seu derredor, bem como as pressões de mercado a exigir mudanças, levou a Corte Superior Trabalhista a revisar a Súmula 256, em 1993, ocasião em que foi cancelada, dando lugar à edição da Súmula 331 do TST.
Sob esse influxo do mercado interno, da globalização e da acirrada competitividade, que exigia racionalização de custos, a nova Súmula ampliou as hipóteses de terceirização para incluir as atividades de conservação, limpeza e outras atividades de apoio.
A Súmula 331 do TST foi editada inicialmente com 4 (quatro) incisos. Comparando os ditames da nova Súmula com a antiga Súmula 256, colhem-se importantes alterações.
Primeiramente, a Súmula 256 trazia hipóteses restritas de terceirização e regra de reconhecimento de vínculo de emprego no caso de terceirização fora das hipóteses previstas.
A Súmula 331 do TST traz ressalva de inexistência de pessoalidade e subordinação direta com o tomador dos serviços, sendo a regra a inexistência de vínculo empregatício entre tomador dos serviços e trabalhador.
As hipóteses de terceirização previstas no Decreto-lei nº 200/67 e na Lei nº 5645/70 foram confirmadas na Súmula.
Também está refletida na Súmula a regra constitucional de vedação de contratação de pessoal, pela administração pública, sem a prévia aprovação em concurso público. Outra inovação foi a possibilidade de responsabilização subsidiária do tomador de serviços, do setor privado, pelas obrigações trabalhistas.
No ano de 2000, a Súmula sofreu alteração em seu inciso IV, para reconhecer a responsabilidade subsidiária, pelas obrigações trabalhistas, também da administração pública. Destaque-se que o inciso IV trouxe responsabilidade subsidiária do ente público, na modalidade objetiva, uma vez que ali não constava qualquer referência à necessidade de se perquirir acerca da culpa, como elemento determinante para a imputação.
A Súmula 331, que teve vigência até meados de 2011, enunciava:
“CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).”
Como dito, a nova Súmula trouxe importantes modificações na regulamentação do fenômeno da terceirização. GODINHO (pag. 438, Curso de Direito do Trabalho) elege três importantes lições advindas da redação dessa jurisprudência, a saber: a referência à distinção entre atividades-meio e atividades-fim do tomador de serviços, distinção essa que será critério de aferição da licitude ou ilicitude da terceirização; o contraponto entre terceirização lícita e terceirização ilícita; por fim, a explicitação da natureza e extensão da responsabilidade decorrente das relações jurídicas terceirizadas.
Importante pontuar, desde já, que a nova redação do inciso IV da Súmula 331, atribuída em 2000, foi e tem sido causa de recorrentes e acirradas demandas judiciais envolvendo o ente público na atuação como tomador de serviços e sua responsabilização subsidiária.
A título de conclusão, visualiza-se que a Súmula 331 do TST foi fruto da interpretação sistemática de diversos dispositivos que regulam a matéria pertinente à terceirização. Entre elas a Constituição Federal de 88, art. 37, inciso II, o Decreto-Lei 200/67, art. 10, § 7º, e a Lei nº 5.645/70, art. 3º, parágrafo único. Acresça ainda as disposições das Leis nº 6019/74, Lei nº 7102/83 e Lei nº 8.666/1993, art. 71.
3-A LEI Nº 8.666/93 E A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Conforme anunciado anteriormente, a nova redação do inciso IV da Súmula 331 gerou acirradas disputas judiciais envolvendo a terceirização de serviços em que o ente público tenha atuado na condição de tomador dos serviços, e, esteja sendo discutida sua responsabilidade subsidiária.
O protagonista dessa celeuma é o artigo 71, § 1º da Lei nº 8666/93, que enuncia:
“Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.
§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos estabelecidos neste artigo, não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.“
Essa regra constante do art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93, com a redação conferida pela Lei nº 9.032/95, regulamenta o art. 37, XXI, da Constituição Federal.
Por oportuno, observe-se o que define o inciso XXI, do art. 37 da Carta da República:
“ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”
O embate judicial se firmou entre o referido dispositivo da Lei de Licitações, art. 71, §1º e o inciso IV da Súmula 331 do TST.
Essa celeuma ganhou proporções gigantescas no judiciário, desde a edição dessa Súmula, especialmente porque é prática usual da administração pública a terceirização de atividades de apoio, atuando como tomadora dos serviços. Aliado a isso, as demandas judiciais se avolumaram exponencialmente em função da quantidade de Estados-membros e Municípios que adotam essa nova forma de contratação triangular.
O fato é que as duas posições, reclamante e tomador dos serviços, se digladiam em torno dessas incongruências, sejam elas aparentes ou reais. Isso porque parece inconciliável o dispositivo da Lei de Licitações, que exonera o tomador dos serviços, ente público, dos encargos trabalhistas, e o inciso IV da Súmula 331 que respalda a condenação deste mesmo ente público, quando da inadimplência do prestador dos serviços, empregador direto do trabalhador.
O trabalhador, numa relação de terceirização, visando garantir o adimplemento das obrigações trabalhistas, busca impingir a condenação da prestadora dos serviços, pugnando pelo reconhecimento do vínculo empregatício, e, ainda a condenação subsidiária da tomadora dos serviços, com respaldo na Súmula 331, IV do TST.
Em posição diametralmente oposta, a demandada tomadora dos serviços, ente público, busca afastar a sua responsabilidade subsidiária, ao argumento de que o art. 71, §1º da Lei 8666/93 seria óbice à condenação.
A empresa tomadora dos serviços sustenta que uma vez observado o procedimento licitatório específico, aferidos teriam sido as idoneidades técnicas, administrativa, econômica e financeira da empresa prestadora dos serviços.
Outro argumento utilizado é que competiria à administração pública fiscalizar o objeto do contrato, no que diz respeito à continuidade do serviço público, não podendo, de outro modo, imiscuir-se na estrutura da empresa particular contratada.
Cite-se uma ementa do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, do ano de 2004, em que o ente público tomador dos serviços foi condenado com amparo no inciso IV da referida Súmula:
“Ementa: AUTARQUIA FEDERAL. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – A responsabilidade subsidiária do Ente Público, inclusive das autarquias federais, decorre do dever de efetiva e constante fiscalização de todos os liames que envolvem o objeto do contrato, donde se insere a observância do correto adimplemento das obrigações daquela para com os efetivos prestadores do serviço contratado, o que, em termos jurídicos, é conhecido como culpa in eligendo e culpa in vigilando. Aplicável o entendimento consubstanciado no Enunciado de Súmula 331, IV do c.TST.
Processo 0123000-49.2002.5.05.0019 RO, ac. nº 006880/2004, Relatora Desembargadora GRAÇA LARANJEIRA, 2ª. TURMA, DJ 16/04/2004.”
Noutro sentido, isentando o ente público, tomador dos serviços, a seguinte ementa do TRT da 5ª Região:
“Ementa: RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA – descabe o reconhecimento quando observada as exigências da Lei 8.666/93, especialmente o art. 71, que disciplina o procedimento das licitações públicas.
Processo 0077900-62.2007.5.05.0612 RO, ac nº 009219/2008, Relatora Desembargadora YARA TRINDADE, 3ª Turma, DJ 16/05/2008.”
Argumento corriqueiro nas demandas judiciais em condenação subsidiária é que essa responsabilização subsidiária da administração pública, pela Turma de Tribunal, importaria em violação à cláusula de reserva de plenário, na medida em que a decisão deixaria de observar a norma do dispositivo do art. 71 da Lei 8666/93. Ao afastar a aplicação do art 71 da Lei nº 8666/93 ao caso, estaria configurada a violação à cláusula de reserva de plenário e contrariedade à Súmula Vinculante nº 10 do STF.
A Súmula Vinculante nº 10 enuncia:
“Violação da Cláusula de Reserva de Plenário – Decisão de Órgão Fracionário de Tribunal – Declaração da Iconstitucionalidade de Lei ou Ato Normativo do Poder Público
Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.”
Esses aspectos apontados são exemplos que demonstram que as questões envolvendo a responsabilização subsidiária da administração pública se avolumavam no judiciário e a insegurança jurídica era cada vez mais presente nas lides dessa natureza. Era preciso pacificar a situação que abarrotava os Tribunais Trabalhistas.
4-A DECISÃO DA ADC Nº 16/2010 DO STF E SUA IMPORTÂNCIA PARA O TEMA.
Nesse contexto de insegurança jurídica e de acirrados debates, o Supremo Tribunal Federal se viu instado a enfrentar a questão envolvendo a responsabilidade subsidiária da administração pública e suas nuances.
Com efeito, o Governador do Distrito Federal ajuizou ação direta de constitucionalidade em face da Súmula nº 331 do TST, visando a declaração de constitucionalidade do dispositivo do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93.
O enfrentamento se deu no bojo da Ação Direta de Constitucionalidade – ADC nº 16, de 2010, oportunidade em que a Corte Suprema declarou a constitucionalidade do art. 71, § 1º da Lei nº 8.666/1993, que fixa os limites da responsabilidade contratual do ente estatal na relação contratual firmada.
Esclareceu que consta no § 6º do art. 37 da Constituição Federal que: As pessoas jurídicas de direito público “(…)responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros (…)” sendo que os gestores das empresas terceirizadas, evidentemente, não são agentes públicos. Trata-se, aí, exclusivamente, de responsabilidade objetiva patrimonial ou extracontratual do Estado, que não se comunica à responsabilidade contratual, oriunda do negócio jurídico celebrado com a terceirizada, e, por conseguinte, com as dívidas trabalhistas desta.
Noutros termos, o Supremo deixou claro que o administrador público não é objetivamente responsável pela mera inadimplência das dívidas trabalhistas contraídas pela empresa que contratou para lhe prestar serviços. A Corte Suprema entendeu que o art. 37, § 6º, da CF não abriga a teoria do risco administrativo em matéria contratual, apenas a patrimonial ou extracontratual.
No referido julgado ainda, o Supremo Tribunal Federal não adotou a tese de imunidade absoluta da administração pública, quanto às dívidas trabalhistas das terceirizadas. Ao revés, deixou patente que é preciso seja demonstrado, no caso concreto, a sua culpa in eligendo ou in vigilando. Assim restou a ementa:
“Responsabilidade contratual. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art. 71, § 1º, da Lei federal 8.666/1993. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. […]. É constitucional a norma inscrita no art. 71, § 1º, da Lei federal 8.666, de 26-6-1993, com a redação dada pela Lei 9.032, de 1995. (ADC 16, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 24-11-2010, Plenário, DJE de 9-9-2011.).”
Esta decisão do STF, por sua vez, levou o TST a redigir a Resolução nº 174/2011 (DEJT de 27.05.2011), reformulando a Súmula 331, ou seja, deu nova redação ao seu item IV e ainda inseriu os itens V e VI, adotando, expressamente, a concepção da responsabilidade subjetiva da Administração Pública in verbis:
“(…)IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.”
A propósito do julgamento da referida ADC, consta no informativo nº 160 do STF, referente ao período de 22 a 26 de novembro de 2010:
“(…) entendeu-se que a mera inadimplência do contratado não poderia transferir à Administração Pública a responsabilidade pelo pagamento dos encargos, mas reconheceu-se que isso não significaria que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar essa responsabilidade.”
Assim, extrai-se da nova estrutura do verbete, entendimento pela possibilidade de responsabilização subsidiária do Ente Público quando evidenciada a sua conduta culposa na fiscalização das obrigações trabalhistas a cargo da empresa prestadora de serviços, mesmo que atendidas as exigências da Lei nº 8.666/93 quando da sua contratação.
Assim, não há mais que se falar em reponsabilidade objetiva da administração publica. A nova jurisprudência orienta que a imputação subsidiária do ente da administração pública deve ser apurada sob o regime da reponsabilidade subjetiva, investindo na apuração da culpa, especialmente a culpa na modalidade in vigilando.
Desse modo, havendo regularidade da licitação na contratação da empresa prestadora, fica afastada a culpa in eligendo do ente, mas permanece a possibilidade de aferição da sua culpa in vigilando.
A par dessa nova posição, há que se analisar concretamente a verificação da existência de culpa in vigilando na prática da terceirização.
O entendimento predominante, após julgamento da ação direta de constitucionalidade nº 16/2010, tem sido assim retratado pela SDI-1 do TST:
"EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. PETROBRAS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. JULGAMENTO DA ADC 16/DF PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Embora não caracterizadas as hipóteses dos arts. 535 e 897-A da CLT, dá-se provimento aos embargos declaratórios apenas para esclarecer que, apesar do reconhecimento da constitucionalidade do art. 71 da Lei 8.666 pelo Supremo Tribunal Federal (ADC 16, julgada em 24/11/2010), não foi afastada, in totum, a responsabilidade dos entes estatais, tomadores de serviços, pela fiscalização do correto cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária na vigência do contrato administrativo. Na verdade, o Supremo Tribunal Federal não reconheceu a responsabilidade objetiva da Administração Pública pelo simples inadimplemento das empresas contratantes, com base na culpa in eligendo. Em consequência, subsiste a responsabilidade civil do Estado quando, no caso concreto, verificada a culpa in vigilando do tomador de serviços, sob pena de se adotar, via transversa, a teoria de irresponsabilidade total do Estado, o que modernamente poderia ser tido como um retrocesso . Embargos de declaração providos apenas para prestar esclarecimentos, sem imprimir efeito modificativo ao julgado. (Processo: ED-E-RR – 150400-32.2006.5.17.0191 Data de Julgamento: 29/03/2012, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/04/2012.)"
No Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, a despeito de posições minoritárias divergentes, também predomina essa posição in verbis:
“Ementa: ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Nos termos da Súmula 331, incisos IV e V, do TST, o inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte do empregador implica responsabilização subsidiária do tomador dos serviços, inclusive quanto aos entes da Administração Pública direta, suas autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, quando evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. (Processo 0001056-47.2012.5.05.0531 Rec Ord ac. 193978/2014, Relator Desembargador ALCIMO FELIZOLA, 4ª TURMA, DJ 07/05/2014”
Assim, de relevante deve-se observar que a possibilidade de responsabilidade subsidiária do ente público, sob o regime da responsabilidade objetiva, baseado na teoria do risco administrativo, passou-se ao regime de responsabilidade subjetiva, em que deve ser apurada a existência da culpa.
5- AS ALTERAÇÕES DA SÚMULA 331 DO TST E SUA NOVA ESTRUTURA.
A decisão da ADC 16/2010 do STF, com sua eficácia erga omnes e seu efeito vinculante, alterou profundamente o entendimento até então adotado pelo TST, a respeito do tema.
Se antes os magistrados trabalhistas responsabilizavam subsidiariamente o ente público, de forma automática, sob um regime de responsabilidade objetiva, com base no inciso IV da referida Súmula, a partir da decisão do STF não mais havia espaço para essa postura.
Nessa nova ordem, o julgador passou a analisar concretamente o caso concreto a fim de perquirir acerca da existência de culpa, especialmente na modalidade in vigilando. A responsabilidade deve ser vista sob o regime da responsabilidade subjetiva.
A primeira alteração da estrutura da Súmula diz respeito à retirada do inciso IV da expressão que fazia menção aos entes públicos, de modo que esse inciso não mais serve de arrimo à condenação do poder público. Assim enunciou:
“IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.”
A segunda alteração reflete o cerne da questão definida pelo STF no bojo da decisão da ADC 16/2010. Esse inciso define que a administração pública somente responderá subsidiariamente se constada a sua culpa. Esse entendimento trazido pelo STF e adotado pelo TST ainda é motivo de sérias controvérsias. Constou da nova redação:
“V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”
Finalmente, houve introdução do inciso VI que, de ordinário, veio para pacificar a celeuma envolvendo o alcance da condenação subsidiária. É que até então havia dúvidas acerca de quais as verbas trabalhistas seriam subsidiariamente transferidas ao tomador dos serviços.
Havia questionamentos quanto à condenação em relação às verbas de caráter punitivo, a exemplo do art. 477 da CLT, bem como em relação aos tributos.
O TST buscou pacificar a questão, de modo que atualmente prevalece entendimento de que o condenado subsidiariamente responde por todas as verbas deferidas ao reclamante, exceto aquelas de caráter personalíssimo, a exemplo da retificação da CTPS. A redação está assim:
“VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação.”
Essa nova estrutura da Súmula 331 do TST, ao que tudo indica, representa a postura adotada pelo TST. Houve mudança substancial na temática, por óbvio, desfavorável ao trabalhador, que fica exposto a toda sorte de injunções, a depender sempre da conduta proba do ente público, da solvência e da boa-fé da prestadora dos serviços.
6. O DONO DE OBRA
No ano de 2000 e com alterações em 2011, o TST editou a Orientação jurisprudencial nº 191 da SDI-1 do TST, que mitiga o rigor da Súmula 331 do TST. A referida Orientação trata de excepcionar o dono de obra da responsabilização.
O dono de obra é o proprietário do terreno ou da construção. O que definirá a sua responsabilidade subsidiária é a exploração ou não de atividade de construção civil como atividade econômica. Caso o dono de obra não exerça profissionalmente a atividade econômica de construção civil, estará imune à responsabilização solidária ou subsidiária.
Na hipótese, apenas o empreiteiro deverá ser responsabilizado pelas obrigações trabalhistas devidas ao empregado.
A referida Orientação enuncia:
“191. CONTRATO DE EMPREITADA. DONO DA OBRA DE CONSTRUÇÃO CIVIL. RESPONSABILIDADE. (nova redação) – Res. 175/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.
Diante da inexistência de previsão legal específica, o contrato de empreitada de construção civil entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra uma empresa construtora ou incorporadora.”
Conforme adverte VÓLIA (2013, pag. 496), aquelas pessoas físicas ou jurídicas que constroem suas casas ou outro tipo de obra para uso próprio não respondem subsidiariamente pelas dívidas trabalhistas. Por outro lado, se o fizerem com a finalidade de lucro, serão considerados empregadores para fins de responsabilização subsidiária juntamente com o subempreiteiro.
7. CONCLUSÃO
O presente trabalho de pesquisa não tem a pretensão de esgotar o assunto. De igual sorte, não há o ânimo de atribuir conclusão à questão envolvendo a celeuma em derredor da possibilidade de responsabilização da administração pública.
O artigo busca traçar um panorama acerca da questão envolvendo o ente público e sua atuação como tomador dos serviços, notadamente em relação à evolução jurisprudencial da temática no âmbito do TST.
Diante da nova postura adotada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Tribunal Superior do Trabalho, somente se pode responsabilizar a Administração Pública nos casos em que o trabalhador comprovar, de maneira cabal, a ocorrência de sua culpa in eligendo e in vigilando. Afinal, os atos administrativos são dotados de presunção de veracidade e legitimidade.
A administração pública, portanto, não está imune à responsabilidade trabalhista subsidiária para com os empregados da prestadora de serviços que contrata, uma vez que o art. 71, § 1º, da Lei 8666/93 não colide com as disposições da Súmula 331 do TST.
Isso porque, ainda que se possa isentar o ente público da culpa in eligendo, face ao procedimento licitatório a que se submete na terceirização dos serviços, não há como isentá-lo da culpa in vigilando.
De fato, ao transferir determinada atividade para uma pessoa jurídica de direito privado, o poder público o faz mediante procedimento licitatório, de acordo com regras e padrões legais dos quais não pode se desviar, estando, neste ponto, afastada a discricionariedade da Administração Pública.
No entanto, permanece a culpa in vigilando, que decorre da indevida fiscalização e acompanhamento dos serviços contratados, já que lhe cabe exercer o controle do cumprimento das obrigações daquele que contrata.
Destaque-se que esse controle não se trata de mera faculdade da administração, mas, de poder-dever, como obrigação a ser efetivamente cumprida.
Com efeito, a Lei nº 8.666/93 exige a fiscalização da contratada em relação a fatos relativos à sua habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e cumprimento do disposto no artigo 7º, XXXIII, da CF (art. 27, I a V), e sobre o objeto do contrato quanto à forma e prazo especificados (art. 66). Ademais, é de observar os ditames do art. 58 e 67, desse diploma legal, que obrigam o ente público a exercer a fiscalização dos contratos celebrados.
É evidente que a fiscalização dos contratos terceirizados evita maiores prejuízos, já que precocemente detecta falhas, previne desvios e evita-se insolvências que possam prejudicar a regularidade da empresa e a manutenção dos salários em ordem, além de um passivo trabalhista enorme para o tomador de serviços.
No aspecto processual, cabe ao autor o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (CPC, art. 333, inc. I), de forma que se deveria, ao menos, demonstrar a existência de uma omissão específica do Estado para fins de atrair a hipótese de responsabilização civil pretendida.
Não cabe aqui questionar se a postura adotada pelo STF e TST é correta ou não, mas apenas advertir que essa nova posição representa um retrocesso para a sedimentação da proteção ao trabalhador.
O trabalhador perde em garantias, pois de agora em diante deverá exercer esforço ímpar no sentido de demonstrar a conduta culposa do ente tomador dos serviços para ver seus créditos alimentares satisfeitos. Ademais, nessa lide, enfrentará poderosas forças contrárias para garantir seu crédito. Melhor seria se o Poder Público, a partir dessa nova decisão do STF, adotasse postura condizente com os ditames da Lei nº 8666/93, no sentido de exercer uma fiscalização do contrato de maneira preventiva e eficaz, a fim de evitar contratação de empresas prestadoras de serviços insolventes ou sem lastro financeiro bastante para cumprir o mister a que se propõem.
Informações Sobre o Autor
Ronaldo Nunes Ferreira
Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Assessor Jurídico da Presidência do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região. Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Católica do Salvador – UCSal. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia – UFBA. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pelo Instituto Excelência (JUSPODIVM).